Grandes contos (5): Raymond Carver
Pedro Correia, 16.04.11

Há um conto dele a que regresso muitas vezes - um dos textos de ficção mais memoráveis que já li. Intitula-se O Banho e está incluído numa espécie de livro-testamento do autor, com um título que só por si é uma obra de arte: De que Falamos Quando Falamos de Amor (1981). É a história pungente de uns pais em risco de perder um filho: não conseguimos imaginar um drama existencial maior.
Com este ponto de partida, qualquer outro autor facilmente se enredaria nas malhas de um sentimentalismo postiço. Mas Carver, artista maior, é incapaz de fazer o leitor cair nesta armadilha. O estilo é minimal, despojado de artifícios retóricos, não há tiradas grandiloquentes nem sequer uma palavra a mais: há emoção genuína, criada pelo poder da sugestão visual que emana da prosa sábia do autor, capaz de nos identificar com o sofrimento surdo dos pais, tão mais evidente quanto maior é o pudor em exprimi-lo. Ela teima em permanecer no hospital, junto da criança; ele prefere passar por casa para tomar um banho. Cada um a seu modo intui que existe um mundo em iminente derrocada.
O pai "tinha sido um homem feliz e com sorte, mas o medo fê-lo desejar tomar um banho" - ritual de purificação. A mãe, dirigindo-se a uma janela do hospital, "viu passar um carro e entrar nele uma mulher de casaco comprido, desejando estar no lugar dela, ser conduzida dali para outro lugar qualquer". (Edição portuguesa da Teorema, tradução de Carlos Santos.)
De que falamos quando falamos de amor? De tudo isto: nenhum caminho é tão estreito como o que nos conduz à ilusão da felicidade. Carver, que teve uma vida dura e dolorosa, sabia bem do que falava. Falava de sentimentos em convulsão. Falava de cada um de nós, afinal - e dos frágeis fios que emprestam estabilidade emocional à vida.