O silêncio de Cavaco e o discurso alegrórico
Os dois principais candidatos à Presidência da República chegaram ontem às suas zonas de conforto. Cavaco Silva recusou participar numa entrevista pré-agendada na Antena 1. É neste registo que o futuro ex-Presisdente provavelmente reeleito se sente à vontade. Cavaco aprecia, acima de tudo, o silêncio da sua voz. As cambiantes e tonalidades de um discurso que se ausenta no momento próprio são a figura de estilo da sua forma de dialogar. Como segunda escolha, Cavaco elege o recado, a mensagem por interposta pessoa, ainda e sempre a palavra que chega ao destinatário quando ele, Cavaco, não está presente. É sempre assim, a menos que o tema seja o Estatuto dos Açores. Fora desse caso, Cavaco é um candidato pré-cozinhado que, por sua vontade, nunca participará numa sessão de show cooking democrático. Os actos ficam com quem não os pratica. E com quem os aprecia. Manuel Alegre, por seu turno, é homem de palavras. Aqui, ali e em todo o lado. Sempre as palavras. Em defesa do hemisfério norte e do seu contrário. Sendo que para Alegre este não fica no hemisfério sul, mas a sul de qualquer hemisfério. Mais ainda quando o substrato partidário de apoio da candidatura não tem o mais mínimo denominador comum. A operação matemática típica da campanha de Alegre é a divisão. O resultado é o lugar comum. O resto é zero. Nestas circunstâncias, o discurso é sempre Alegrórico. E aí temos a ideia de Esquerda. Tão vasta que acolhe Sócrates e Louçã. E outros acolheria se eles quisessem. Onde cabe um Estado Social do tamanho do coração de um Romeu apaixonado. Mas, onde também cabe o Orçamento de Estado para 2011. Depois, não podia faltar a defesa da Pátria. Essa onde se verbera o FMI, mas se calam todas as derrapagens de Sócrates. No lugar comum de Alegre tem lugar o apoio ao Governo, mas não à sua política. Claro que sim. Está lá tudo e um par de botas. No centro da zona de conforto de Alegre está o discurso vazio sobre a Democracia. Ontem chegou lá. Mais concretamente ao exacto ponto onde a Democracia é colocada numa encruzilhada entre a vida e a morte. Nesse momento, o discurso torna-se fantasmalegrórico. Alguém devia explicar a Alegre que colocar os eleitores entre a espada e a parede, sem qualquer justificação, é a expressão acabada de um discurso totalitário. Impróprio da democracia que gosta de usar como bandeira. Para além do mais, é um prato requentado. E os portugueses já demonstraram, sempre que foi servido, que não o apreciam. Concluo, por isso, que quanto mais estes dois candidatos se aproximam das suas zonas de conforto mais se afastam dos eleitores. Ambos deviam saber que não se vota com comando à distância.