A importância de um Presidente
Os Estados Unidos da América estavam profundamente divididos na sequência do ataque de que foram vítimas, em Tucson, a Congressista Democrática Giffords (ferida) e 19 outras pessoas (6 mortos). A discussão nacional estava extremada e, tendo começado em torno das razões que estão por trás deste tipo de violência, tinha-se já estendido a temas como a segurança individual e colectiva, as leis sobre porte de arma ou a reforma do sistema público de saúde. Com evidente aproveitamento político por parte de conservadores e liberais. Neste cenário, levantou-se a voz de Barack Obama, num discurso de elogio fúnebre às vítimas que serviu também para unir a nação em torno de valores essenciais. A mensagem foi simples, como sempre acontece nestes casos: 'existe vida para além da política e a política é mais do que a defesa de interesses egoistas'. Teve, todavia, impacto imediato. Obama prestou tributo às vítimas (que estavam a ser completamente esquecidas), dirigiu uma palavra de conforto aos familiares e amigos, realçou o exemplo dos que arriscaram as próprias vidas para evitar uma tragédia de maiores proporções e uniu a comunidade em torno do desígnio comum de honrar os mortos através do exemplo da união e da colaboração entre todos. Perante a adversidade, estabeleceu laços entre as pessoas, indicando um caminho de dignidade e respeito. Mais que um discurso político, Obama protagonizou uma oração em que invocou o sentido ético mais profundo dos americanos, num exercício de liderança de que resultou um consenso em torno da condenação da violência. A partir do discurso de Obama, o aproveitamento político da situação ficou completamente inviabilizado, esvaziando-se o potencial de tensão que o assunto assumira:
What we can't do is use this tragedy as one more occasion to turn on one another. As we discuss these issues, let each of us do so with a good dose of humility. Rather than pointing fingers or assigning blame, let us use this occasion to expand our moral imaginations, to listen to each other more carefully, to sharpen our instincts for empathy, and remind ourselves of all the ways our hopes and dreams are bound together.
Face a exemplos como este, percebe-se bem que a tão debatida questão da escassa importância dos poderes presidenciais na Constituição portuguesa é mais uma desculpa do que uma limitação. A verdadeira questão está na capacidade de interpretar, em momentos decisivos, o interesse último da comunidade e de apontar caminhos que não se deixem acorrentar pelos interesses tácticos. E isso está mais no poder da atitude do que no texto. Obama não falou do alto dos seus poderes. Falou ao nível das pessoas comuns e dos seus valores. Por isso foi ouvido. Da mesma maneira que teria sido ignorado se tivesse invocado apenas o seu poder formal. Perante isto diria que: a) é um erro desvalorizar a eleição e a função do Presidente da República. O candidato que for eleito tem, como ninguém, o poder de influenciar a história colectiva com um gesto, com um discurso ou com um exemplo. Ou de a condicionar irremediavelmente através dos seus actos, palavras e omissões; b) não podemos prescindir de escolher, mesmo que tenhamos mais dúvidas do que certezas sobre a qualidade de todos e cada um dos candidatos. Tal como Isiah Berlin afirmou, '(...) reconhecer a validade relativa das próprias convicções, mas ainda assim defendê-las resolutamente, é o que distingue o homem civilizado do bárbaro. Pedir mais do que isso talvez seja uma necessidade metafísica profunda e incurável, mas permitir que isso determine a nossa prática é sintoma de uma imaturidade moral e política igualmente profunda, e mais perigosa'.
* O longo discurso de Obama (34 min.) constitui um documento histórico imperdível e pode ser visto aqui.