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Delito de Opinião

Mãos ao alto

Rui Rocha, 14.01.11

A disputa eleitoral tem decorrido, como se sabe, em regime de aguaceiros. Estes com a particularidade de caírem sob a forma de água inquinada que vai enlameando o terreno. No fundo, essa é a consequência de uma falta de respeito latente pelos eleitores. Mas, tratando-se de patologia em que a dor apenas aflige, de forma directa,  o corpo da Democracia, só a sentem os que lhe estão muito próximos. Aqueles que a estimam de tal maneira que tomam por suas as dores democráticas. Todos os outros nos vamos distraindo dessa dor e esquecendo que ela é, por direito, também nossa. Este estado de indolência generalizado é o campo privilegiado para certos comportamentos oportunistas. Em política, a inimputabilidade não decorre de uma deficiência dos mecanismos de formação da vontade. Resulta sim de o agente crer que não será responsabilizado pelos seus actos. Ou pelas suas palavras. E por isso faz o quer e diz o que lhe vem à cabeça. Estava escrito na agenda política que ontem seria dia de insulto aos portugueses. Calhava a José Sócrates puxar em palco pelos cordelinhos da marioneta em que Manuel Alegre se quis transformar. O Primeiro-Irresponsável podia ter-se conformado com esse papel. Mas, já se sabe, Sócrates não resiste a uma oportunidade de afirmar a sua crença na disponibilidade dos portugueses para lhe aturarem todas as ofensas sem se despentearem. Por isso, não se limitou a segurar a mão de Manuel Alegre. Claro que não. Logo para inicio de conversa, proclamou o seu amor ao Estado Social e ao Serviço Nacional de Saúde. Estamos aqui, como é evidente, perante um amor canalha. Se virmos bem, no bolso do fato, Sócrates tinha ainda quente  a caneta com que assinou os diplomas relativos ao abono de família, às taxas moderadoras e aos serviços de saúde. Esses que constituem verdadeiras facadas no casamento entre Portugal e o Estado Social. Na vertigem do seu próprio dislate, Sócrates prosseguiu para prometer o julgamento da história aos que semearam a desconfiança e a dúvida, num momento crítico para o futuro do país. Pois só isto nos faltava. O latifundiário da desconfiança e da dúvida, aquele que a semeou no terreno fértil da incompetência e da irresponsabilidade, levanta as mãos, arrastando com ele as de Manuel Alegre, para clamar justiça. É preciso que Sócrates saiba que esse julgamento se fará. Com imputação proporcional de responsabilidades à culpa de todos os infractores. E que, apesar de distraídos, os portugueses lhe reservam um lugar especial no processo. Não o de juiz ou acusador que pretende arrogar-se, mas o de principal arguido. Aquele que, por demérito pessoal e intransmissível, lhe cabe. Quanto a Manuel Alegre, melhor será dizer-lhe que já pode baixar as mãos. Até que apareça Louçã para as puxar de novo para cima.