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Delito de Opinião

Leilões, dívida e intervenção externa

Rui Rocha, 12.01.11

Desta vez, safámo-nos. Trata-se de uma boa notícia. Na óptica da sobrevivência ao dia de hoje. Neste momento, o país está envolvido num jogo com regras algo estranhas. Periodicamente, leiloamos o destino. Visto do lado dos investidores, é um play-off com tantas mãos quantas as vezes que Portugal for ao mercado. Visto do nosso lado, temos um mata-mata. A cada mão, uma derrota pesada implica a consequência da eliminação. O problema adicional é que qualquer que seja o resultado, estamos sempre a perder. A única coisa que varia é a gravidade do efeito. Que depende da dimensão da derrota. Na melhor das hipóteses, continuaremos a empobrecer sozinhos. Por mais uns dias, ou por uns meses. Ou, em virtude de uma conjugação improvável de factores, por mais tempo. Sim, porque não vale a pena mistificar a situação. Pagar juros da dívida a 7% ou a 6% implica directamente uma degradação duradoura da nossa situação. A velocidade a que esta ocorre é que é variável. Tal como referiu Francisco Assis, nada de essencial está resolvido. O que importa perceber é que as variáveis essenciais que compõem o número da besta da economia portuguesa são os seguintes: i) previsão de crescimento 2011: -1,3% (BP); ii) previsão de inflação 2011: >2% (BP); iii) juros da dívida a 10 anos: 6,8%. Uma execução orçamental competente poderá manter-nos com mais ou menos sofrimento no purgatório. Uma execução orçamental em linha com a que ocorreu em 2010 far-nos-á mergulhar nas profundezas.  Entretanto, começa a ganhar alguma força uma corrente que acusa aqueles que fazem uma análise objectiva da situação de quererem que as coisas corram mal ao país. É evidente que há quem o deseje. Mas, neste caso, tal argumento pretende apenas paralisar a responsabilização de quem nos trouxe até aqui. E acusa-se até certas pessoas de, contra o interesse do país, pretenderem forçar uma intervenção externa (aqui incluída a insuspeita Teodora Cardoso). Qualquer situação é evidentemente passível de análises oportunistas. É evidente também que a intervenção do FMI, ou outra equivalente, será sempre negativa por certificar um falhanço da gestão do país e implicará decisões discutíveis e dolorosas. Que não oferecem sequer a garantia de sucesso. O que está em causa, todavia, é determinar, do ponto de vista da análise de risco e probabilidade, em que exacto ponto o custo da intervenção passa a ser menor que o custo da não intervenção. Se esse ponto for ultrapassado, não se deve hesitar em pedir ajuda. A decisão terá sempre que incluir a participação do Governo. E este é, em minha opinião, um dos dramas da situação. Pessoalmente, não reconheço ao Governo competência para gerir o país, nem isenção para fundamentar essa decisão na racionalidade. Lamento, mas o histórico recente da governação não é culpa minha. E leva-me a concluir que Sócrates privilegiará o seu interesse pessoal sobre o do país, como já fez no passado. Posto isto, termino referindo dois pontos que me parecem importantes:

- O oportunismo dos que estão fora do poder é criticável mas, é inócuo do ponto de vista dos interesses colectivos. O FMI não fará qualquer intervenção em Portugal por meia dúzia de ovelhas tresmalhadas clamarem por isso. O eventual oportunismo do Governo, a acontecer, terá graves consequências para o país. A irresponsabilidade de uns define-os. A daqueles que estão no poder, para lá disso, penaliza-nos;

- Corre também uma teoria que coloca a crise da dívida portuguesa no contexto de um movimento global de ataque ao Euro, sendo o nosso país uma peça que nada fez para merecer tamanha injustiça e nada pode fazer para a paralisar. Tendo um fundo de verdade, esta tese tem consequências absolutamente perversas. A sua consequência última é cruzarmos os braços. Única decisão sensata quando nada depende de nós. Ao contrário, parece-me evidente que podíamos ter feito melhor. E que não o tendo feito, devemos esforçar-nos agora ainda mais. O que inclui os que têm o poder político e os que não o têm. Estes últimos tornando-se, pelo menos, mais exigentes.

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