A proposta de suspensão da campanha eleitoral: patriotismo ou politiquice?
Manuel Alegre manifestou ontem a sua disponibilidade para suspender a campanha eleitoral. O primeiro sublinhado que esta disponibilidade merece é o de constituir, se necessário fosse, um certificado de gravidade da situação que o país atravessa. Mas, a declaração merece ainda ser analisada do ponto de vista do seu mérito intrínseco. Há muito que as regras básicas de interpretação do texto abandonaram a visão de que este sai, como mensagem acabada, da cabeça e da boca do autor. À compreensão do texto não basta o seu valor literal. É preciso que se tenha presente, entre outras variáveis, o modo, a intencionalidade e o contexto em que foi produzido. Bem como os seus destinatários directos. Aquilo a que poderíamos chamar a estratégia do discurso. Estas variáveis são decisivas para que se tome posição sobre o valor da declaração de Alegre. Para percebermos, no fundo, se foi uma afirmação de elevado valor patriótico e desprendimento de interesses pessoais, ou uma posição de baixo valor politiqueiro. Ora, a declaração de Manuel Alegre foi produzida antes de um comício, numa conferência de imprensa improvisada e informal. Para que se pudesse reconhecer à afirmação valor patriótico, o destinatário directo da mensagem deveria ter sido Cavaco Silva. E o contexto só poderia ser o de um contacto privado entre os candidatos, no âmbito de uma discussão franca. Em clima de confiança. Arremessada como foi, através da comunicação social, a disponibilidade de Alegre só pode ser entendida como politiquice. Utilizada com o objectivo de entalar o adversário e de o responsabilizar pelo que possa correr mal: ‘se Cavaco estivesse a fazer o que devia e não andasse a perder tempo em campanha eleitoral, o resultado seria outro’. E isto é evidentemente condenável uma vez que a mensagem quer aparecer sob a capa abusiva de desprendimento patriótico e utiliza como objecto de referência uma questão particularmente melindrosa que condiciona o futuro colectivo.