Convidado: VASCO CAMPILHO
Para jogar em equipa, a Europa precisa de um treinador
Vista como um todo, a União Europeia tem uma situação económica e financeira invejável. Maior mercado interno do mundo. Maior exportador do mundo. Balança de pagamentos da zona euro excedentária. Dívida pública inferior à dos EUA ou do Japão. Porque se fala então de crise do euro, e não do dólar ou do iene? Simples: a Europa não é um todo, nem os mercados a vêem como tal. A UE lembra aquelas equipas em que todos os jogadores querem ir à área adversária marcar um golo. Quando se está a ganhar por cinco a zero, ninguém leva a mal a sofreguidão do avançado. Mas quando se está a perder dois um, é vital saber jogar em equipa.
Um exemplo: em 2008, a Irlanda garantiu unilateralmente a dívida dos seus bancos, obrigando os restantes países europeus a imitá-la. Agora sucumbe sob o peso das suas próprias garantias e vê-se forçada a pedir ajuda. Não estaríamos todos melhor se se tivesse lidado com a descapitalização do sector bancário a nível europeu? Mas se “cada um por si” não é boa táctica, “tudo ao molho” não é melhor. Ainda em 2008, decidiu-se que todos os Estados-membros deveriam lançar estímulos à economia – o equivalente económico a usar dez atacantes num jogo de futebol – quando o que faria sentido era que os mais endividados consolidassem as suas finanças públicas enquanto os países com mais margem estimulavam a economia. Agora, arriscam-se os 27 a receber a factura do despesismo que encorajaram em países que não o podiam pagar.
Só quando os mercados começaram a duvidar da Grécia é que a Europa acordou para o problema da dívida soberana. Mas em vez de finalmente concertar uma estratégia, passou do “tudo ao molho” dos estímulos para o “tudo ao molho” dos cortes orçamentais. Curiosamente, os que mais razões tinham para cortar foram os que mais resistiram à ideia, enquanto os que estavam em melhor situação para prosseguir os estímulos foram os mais lestos a inverter a política anterior. A actual contracção orçamental só não mergulhou a Europa numa nova recessão porque a forte desvalorização do euro – que bem podemos agradecer à crise grega – deu um novo fôlego às exportações.
Quando a Grécia deixou de estar sozinha tornou-se evidente que seria necessário fazer alguma coisa. Mas a falta de treinador – ou talvez o excesso, com o tandem Rompuy-Barroso a anular-se mutuamente – levou a que os jogadores em campo tomassem conta do jogo. Os fundadores da Comunidade Europeia sabiam que nenhum país defenderia por si só o interesse geral europeu, e por isso deram à Comissão Europeia o monopólio da iniciativa legislativa. Mas onde esteve a iniciativa da Comissão na solução encontrada à crise grega através de um empréstimo ad hoc? Onde esteve na decisão de criar um Fundo de Emergência provisório? Onde esteve na decisão de o tornar definitivo? Na liderança não foi, e o resultado é o que se vê: a Europa avança, mas aos trambolhões, com sucessivas medidas sucessivamente ultrapassadas pelos acontecimentos.
À Comissão não compete substituir-se aos Estados-Membros. Mas cabe-lhe fazer as propostas que permitam à UE dotar-se de uma estratégia coerente. Liderar não é esperar que o consenso apareça, é adiantar-se e construí-lo. É verdade que lidar com os líderes europeus faz treinar os “galacticos” parecer fácil. Mas às vezes “a arte do possível” não chega – é preciso o engenho de tornar possível o necessário. Um treinador que ponha a Europa a jogar em equipa é necessário. A tarefa de Durão Barroso para 2011 é provar que é possível.


