Manuel Alegre e a gelatina política
Manuel Alegre retomou ontem a actividade eleitoral. Constato, com satisfação, que aparenta estar recuperado da febre dos pântanos. É um bom sinal para a democracia. A vantagem para o debate que resulta de se ter estancado o derrame de lama é a de evidenciar o gelatinoso substrato político de Alegre. Na verdade, o candidato apoiado em regime de time-sharing pelo BE e pelo PS afirmou que o actual Presidente da República não pode lavar as mãos de uma eventual intervenção do FMI. E não pode, naturalmente. Mas, então que dizer do actual Primeiro-Ministro? Se Cavaco Silva não pode lavar as mãos, Sócrates não pode tomar banho. Durante, pelo menos, uma década. E Alegre não se pode enxugar do facto evidente de ter Sócrates na manga. Alegre, contudo, consegue fazer pior. Do alto da torre de um castelo situado em ParaLádeAlfaCentauro, declarou a sua oposição à entrada do FMI em Portugal. Como se, na verdade, tal circunstância estivesse na dependência da vontade do bardo lusitano. A oposição de Alegre vale tanto como a aversão que eu possa ter ao movimento de rotação da terra. Rigorosamente nada. Alegre promete, por isso, o que não pode cumprir. Mas, imparável na sua cruzada, Alegre afirmou ainda:
Ora, isto já não é só inconsistência ou falta de visão da realidade. É, sobretudo, uma absoluta irresponsabilidade. Desde logo, porque a intervenção externa é praticamente inevitável. Se esta vier a acontecer, como tudo indica, que credibilidade teria Alegre para acompanhar o processo na qualidade de Presidente da República? Não me custa imaginá-lo a receber o Sr. Strauss-Khan ataviado com uma armadura e empunhando uma fisga... E que credibilidade teria para apaziguar movimentos de contestação social que viessem a descambar em violência, como aconteceu na Grécia e na Irlanda? E depois, com que fundamento se pode hoje afirmar que é melhor para o país continuar a pagar juros elevadíssimos que comprometem definitivamente o futuro? Juros que representam em cada ano, só por si, 10% do PIB? Juros que já implicam em Portugal (confesso que desconheço o ponto de situação em ParaLádeAlfaCentauro) desemprego, despedimentos e cortes de salários e de pensões. A única justificação para tal é a de continuarmos a beneficiar da subida honra de sermos governados por José Sócrates. Acontece que, infelizmente, para esse peditório já demos. Muito mais do que devíamos. Manuel Alegre pretende que a abstenção fique à direita, o que constitui um belo exemplo de maturidade democrática. Mas, o que seria realmente útil é que evitasse situar a irresponsabilidade na esquerda que diz representar.