A importância das presidenciais e o que falta esclarecer
Há quem defenda que as eleições presidenciais não têm grande importância. Em geral, discordo. Mas, as próximas eleições presidenciais são ainda mais importantes do que algumas que as antecederam. Pelos seguintes motivos: i) o ano de 2011 vai trazer situações limite que obrigarão a decisões centradas na Presidência da República; ii) a inexistência de uma maioria parlamentar estável; iii) o estado de erosão do sistema político; iv) o esgotamento de soluções parlamentares (sempre a rotatividade PS/PSD, o Bloco Central e a eventual muleta do PP); v) a ideia generalizada de falta de credibilidade dos políticos (quantas vezes já ouvimos o "estes são maus, mas os outros são iguais"); vi) a ostensiva falta de credibilidade do actual governo.
Neste cenário, é fundamental que se esclareçam alguns pontos que se tornaram decisivos na pré-campanha: a) quanto a Cavaco Silva, importa perceber se recebeu um tratamento de favor no negócio das acções da SLN. E, tal como disse ontem Lobo Xavier, se esse favor era conhecido e desejado por Cavaco; b) no que diz respeito a Manuel Alegre, deve exigir-se-lhe relativamente à questão BPP que clarifique o que ele pretende ver esclarecido por Cavaco. Com quem celebrou o contrato que deu origem ao texto que escreveu. Em que termos foi celebrado? Houve troca de documentos, mails, propostas? Existe um contrato escrito? Foi enganado ou agiu de forma ingénua? O que recebeu? Como recebeu? Devolveu? Como? Certificou-se que o fez ou acabou por ficar com o dinheiro na conta? Quem recebe a pelintrice do ordenado de deputado não sabe se tem 1.500€ a mais na conta bancária? Promoveu o esclarecimento do público sobre a sua intervenção depois de constatar, se foi esse o caso, que a sua imagem foi usada indevidamente?
Depois disso, importa que todos os candidatos esclareçam aspectos essenciais da sua intervenção política no futuro mandato: Que interpretação fazem dos poderes do Presidente da República? Se houver necessidade de recurso a ajuda externa, qual o destino do actual governo? E que solução para a sua substituição se for esse o caso? Ainda no actual quadro parlamentar ou convocação de novas eleições? Qual a concepção do papel do Estado? Estado Social, dizendo o que entendem que subjaz a este rótulo, ou outro? Segurança Social pública obrigatória, voluntária ou mista? Que sistema nacional de saúde? Quais as alterações que são aceitáveis, aquelas a que se opõem e as que gostariam de promover? Que organização do Estado? Devemos ter Governos Civis? É necessário racionalizar o mapa autárquico? Que modelo de ensino e que papel para a escola particular. Que visão da relação de trabalho? Despedimento individual apenas com justa causa ou menos do que isso? Grandes obras públicas. Parar ou fazer? Neste caso, quando? Participações do Estado em empresas como Caixa e PT. Que estratégia? Adopção por casais homossexuais, sim ou não? O que pensam sobre o sistema de quotas para promover a igualdade de género? Que posição face aos direitos de autor? Protecção do copyright ou gratuitidade de acesso a conteúdos? Que tipo de alterações nos Tratados Europeus justificam referendo? Nas relações externas interessa o fundamento ético ou vale apenas a realpolitik? Que papel para as forças armadas? Como estão e para onde devem ir? Que relação com instituições como a Igreja Católica? É necessário aprofundar o laicismo do Estado?
Todas estas questões são essenciais. E não me digam que algumas estão fora do âmbito de intervenção do Presidente da República. Concedo que seja pertinente apreciar o carácter do candidato. Mas, também é muitíssimo importante saber o que o mais alto magistrado da Nação pensa de Portugal e do Mundo. Para percebermos em que sentido serão exercidos os seus poderes constitucionais estritos e a sua magistratura de influência. Neste sentido, a lista de questões pecará sempre por escassa. A discussão destes temas deve ser feita em clima de respeito, com seriedade e exigência democrática. Se a campanha eleitoral que se inicia não as esclarecer e não for também utilizada para promover o escrutínio político do mandato anterior de Cavaco Silva, não terá servido para nada. E correremos o risco de ter um desconhecido a decidir o nosso destino incerto.