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Delito de Opinião

Convidado: LUÍS MENEZES LEITÃO

Pedro Correia, 12.01.11

 

Foi você que pediu uma petição?


Um dos exercícios mais inúteis a que as pessoas habitualmente recorrem é a contínua subscrição de petições aos órgãos de soberania. A Constituição reconhece expressamente no seu art. 52º o direito de petição, prevendo inclusivamente a possibilidade de algumas petições serem apreciadas no plenário da Assembleia. No entanto, não me recordo de um único caso de uma petição que alguma vez tenha sido convertida em lei. Normalmente o que sucede é que a Assembleia reserva uma sessão para a discussão das petições que têm votos suficientes para subir a plenário, onde as mesmas são indeferidas em catadupa, assim se esvaziando a iniciativa popular.
Verdade seja dita que algumas petições são de tal forma desprovidas de sentido que nunca poderiam ter outro destino senão o indeferimento. Um exemplo é a petição para decretar ilegal a pobreza que, embora seja um objectivo absolutamente louvável, é manifesto que não se vê como poderia ser posta em prática. Se a ideia é considerar os pobres em situação ilegal, isso parece agravar ainda mais a sua situação, parecendo um retorno ao antigo crime de vagabundagem. Se a ideia é multar o Estado por cada pobre que seja encontrado na rua, não se vê como seriam cobradas e para quem iriam essas multas. No caso de a multa reverter a favor de quem descobrisse pobres corria-se o risco de ocorrer uma verdadeira “caça à multa”, consistente na procura de pobres. Em consequência, a petição não faz o mínimo sentido. Como qualquer jurista sabe, a pobreza não se extingue por decreto. Porque, se tal acontecesse, já há muito que esse decreto teria sido aprovado.
Outro exemplo de uma petição sem sentido é a petição para acabar com o fiador no crédito bancário. Há efectivamente muitas pessoas que se colocaram em situação difícil ao prestar fiança em benefício de quem não merecia essa confiança. Isso, porém, deveria servir de lição para serem no futuro muito mais cautelosos na prestação de fianças a terceiros. Não é, em caso algum, motivo para ilegalizar a possibilidade de um credor exigir fiança. Porque se o credor não tiver garantias suficientes não concede crédito a quem lho pede, assim prejudicando quem dele necessita. A ilegalização da garantia redundaria assim numa restrição ao crédito.
Finalmente, uma outra iniciativa que me parece altamente controversa é a petição para criar um crime de enriquecimento ilícito. Nunca fui favorável à criação de tipos criminais por iniciativa popular e a apresentação de uma petição parece-me a forma mais errada de iniciar uma discussão a favor de uma alteração da lei penal. As leis penais são absolutamente estruturantes em relação aos direitos dos cidadãos e a criação de um novo crime de enriquecimento ilícito coloca questões muito sérias em termos de salvaguarda da presunção de inocência dos arguidos, constitucionalmente consagrada. Essa é por isso uma discussão que nunca se pode fazer através de uma petição, devendo resultar antes do estudo e ponderação dos especialistas, seguida de debate público. Espanta-me aliás que se invoque a favor desta iniciativa a redução dos direitos fundamentais dos portugueses resultantes do “estado de emergência em que se encontra a economia nacional”. Mal andaremos nós se a situação económica servir de argumento para acabar com a protecção constitucional dos direitos dos cidadãos.
É devido à apresentação de tantas petições sem sentido ou altamente controversas que os órgãos de soberania as vêm ignorando olimpicamente, assim se esvaziando este direito constitucional dos cidadãos. E é pena que isso aconteça, pois haveria muitas iniciativas populares meritórias que mereceriam ser convertidas em lei.

Luís Menezes Leitão

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