Como servir um vinho espumante
Este é o dia certo para discutir, em termos científicos, a melhor maneira de servir um vinho espumante. Ao leitor sedento peço, todavia, um tudo-nada de paciência. Antes de nos aventurarmos nesse efervescente desafio, importa perceber a que se deve a natureza borbulhante desta apreciada bebida. Ocorre-me, precisamente neste momento, que bebida, em rigor, ainda não foi. Na verdade, nem sequer foi servida! Temos, pois, um caso flagrante de algo que antes de ser já o era. E o que são as associações de ideias, eis que me vem à lembrança o Estado Social. Aquele que já não o sendo, dizem dele que ainda é. Este que nos servem, quando já foi totalmente consumido. Puxa-me o leitor pelo braço para que volte às borbulhas. A mim, que já me perdia com quistos. Pois as borbulhas resultam, caríssimo leitor, do simples facto de os vinhos espumantes terem um nível significativo de dióxido de carbono. Daí que na recente Cimeira de Cancun, depois de terem chegado a um fantástico acordo sobre a climatização da sala de congressos (nem mais nem menos que 23 graus célsius na escala de Richter), os ali presentes tenham festejado com o mais nobre dos espumantes: o champanhe. Foi, concordará, uma poderosa metáfora sobre os efeitos do dióxido de carbono. Os aguerridos congressistas deram o copo ao manifesto. E beberam-no frio, em clara oposição ao aquecimento global. Prossigamos. O que se passa, paciente leitor, é que a concentração de dióxido de carbono dentro da garrafa é muito superior à que existe na atmosfera. Tirando-se a rolha, o dióxido de carbono liberta-se, formando as festivas borbulhas. Mal comparado, é como se fosse um aumento da função pública aprovado antes das eleições. Depois das eleições, que fazem aqui o papel de rolha, os aumentos perdem-se na atmosfera. E o que acontece dentro da garrafa? Ora enfeites de Natal! Isso o leitor já sabe. Dentro da garrafa fica menos dinheiro do que aquele que o funcionário público tinha antes de tirar a rolha. Percebida a subtileza do mecanismo, é então altura de aprofundar o método. Permito-me, todavia, uma última deambulação pelos conhecimentos elementares sobre espumantes. Para dizer que estes apresentam, basicamente, três tipos. Socorro-me do futebol para ser melhor compreendido. Se o vinho for aparentado com José Mourinho, dizemos dele ser bruto. Se for do género Guardiola, chamamos-lhe doce. Se se apresentar como o cabelo do Jorge Jesus antes de uma segunda demão de Farandol, será meio-seco. Método, dizíamos. Vamos a ele. O vinho espumante pode servir-se na vertical. Tal e qual como subiu a cápsula que resgatou os mineiros chilenos. Tal e qual como se fosse o descontrolo das contas públicas da Grécia. É o conhecido método wikileaks. Profusão de borbulhas que se perdem no ar. Também lhe pode chamar método Gonçalo M. Tavares. Mas, só se o vinho for de qualidade. Em alternativa, ponha-se o copo inclinado. Neste caso, o contacto entre o líquido e o cristal que o há-de amparar faz-se de forma menos turbulenta. Como se fosse uma derrapagem da dívida soberana portuguesa. Controlada pela intervenção do BCE no mercado. Como se fosse o descalabro do BPN. (Des)controlado por injecções de milhões. De uma maneira ou de outra, o líquido chegará ao Fundo. Do copo. A diferença, leitor, é que, pondo-se este inclinado, a libertação do gás é, no imediato, menos intensa. E o gozo da bebida é mais prolongado. Agora que o leitor conhece o método correcto, devo-lhe algumas recomendações. O espumante celebra a amizade. Deve bebê-lo mesmo que as cadeiras de Liu Xiaobo e Guillermo Fariñas se mantenham vazias. Não há nada mais perturbador para os carcereiros do que as borbulhas que se libertam. Mas, não se esqueça, leitor. Antes de beber, deve fazer prova. De rendimentos. A taxa de alcoolemia admissível impõe a moderação. Daí as famosas taxas moderadoras. O leitor bem sabe que o povo tem de sofrer a crise como o Governo a sofre. O espumante também azeda. E isto está uma boa Merkel. Posto isto, em vez de passas, acompanhe com PECs. Três por 2010 e mais um pelo ano que aí vem. O que importa, leitor, é que acabámos de percorrer alguns dos acontecimentos mais importantes do ano que termina. Esqueci-me de algum? Qual? O casamento homossexual? Rima. Mas, não é verdade. Na foto coloquei dois copos felizes. Do mesmo género. Brindemos então com este espumante que não mata a sede, mas sa-CIA. Desejo-lhe um Guantánamo Novo muito feliz. Salve-se. Se puder!