O jornalismo das parvoíces
A comunicação social anda de facto a navegar numa crise gritante. Vejam só como o Diário Digital (que atribuiu a notícia à Lusa) escreveu (mal) que «a menina de 13 anos, de Vagos, que estava desaparecida desde a noite de Natal foi entregue esta segunda-feira à família», com os detalhes que são do conhecimento público, e não encontrou melhor título para o dizer do que este: «Vagos: menina de 13 anos já apareceu sã e salva».
Na verdade, uma criança de 13 anos que desaparece pelo seu pé de casa dos pais na madrugada do dia de Natal, que deixa «um bilhete aos pais a dizer que ia para Lisboa com um homem chamado Manuel que teria prometido ajudá-la a seguir a carreira de cantora», que os pais dizem acreditar que «tivesse sido seduzida por alguém através da Internet», que é encontrada pela GNR a quilómetros de casa três dias depois e «acompanhada do namorado, um pouco mais velho, que também estava desaparecido» — uma criança assim está «sã e salva»?
Sim, a GNR afirmou que «os dois adolescentes estão bem e já foram entregues às respectivas famílias», mas é suposto que o jornalismo crie hábitos de raciocínio um palmo acima de alguns agentes rurais. Por mim, só o tom ligeiro com que se trata uma menina de 13 anos por adolescente já me choca. Mas adiante. Claro que é uma tentação recorrer à gasta expressão «sã e salva»: pois se ela está viva, não parece doente e foi encontrada, para quê quebrar a cabeça, não é? Errado.
Uma menina de 13 anos que não espera pela boneca de Natal (que talvez nem tivesse), que passeia pela Internet sem controlo paterno, que toma a iniciativa de informar que parte para o desconhecido atrás de um sonho numa idade em que se sonha entre os lençóis e a almofada, que tem namorado e que vive em condições que levam os pais a considerar que pode ter sido seduzida por um adulto — uma criança assim pode estar tudo menos «sã e salva». Só nas cabeças ocas que lançam estas parvoíces nos media.
A criança regressou a um quadro de vida claramente inadequado e de risco, mas podem todos respirar de alívio: está sã e salva. Tanto quanto esta espécie de jornalismo sem exigência. Ou seja: não está. Porque a notícia, ó gente bacoca, não é que a menina de 13 anos está sã e salva e foi entregue à família, mas sim que a menina de 13 anos foi encontrada longe de casa após três dias com um "namorado".