25 de Abril às vezes
As sociedades precisam, para reforçarem o cimento que as une, de assinalar datas fundacionais de qualquer coisa. Comemorar o nascimento de Cristo, no Natal, ou a sua ressurreição, na Páscoa, interessa não apenas entre nós aos católicos ou aos pertencentes a outras denominações cristãs, mas também aos agnósticos e ateus porque estas celebrações se inscrevem no largo mundo dos fundamentos civilizacionais judaico-cristãos, quer tenhamos ou não consciência disso (além de pagãos greco-romanos mas ei, não estou aqui com grandes profundidades, que não tenho leitores de escafandro).
Feriados civis são outra coisa: remetem para mudanças de regimes ou factos históricos identitários. Os Americanos entopem as ruas no 4 de Julho porque num dia desses, anteontem, declararam a independência; e os Franceses a 14 do mesmo mês soalheiro porque, com um desacato, fundaram a indústria exportadora de revoluções, mais prestigiada ainda que a dos queijos.
Nós temos o 1º de Dezembro por termos enxotado os Filipes; e o 5 de Outubro porque, para quase toda a gente, se celebra um assassinato político e a queda da nefanda monarquia e, para alguns, a data da assinatura do tratado de Zamora. As da fundação da nacionalidade e restauração da independência assinalam-se hoje por inércia porque a mudança do governador do BCE é muito mais importante para nós do que a eleição do presidente da República; quem são os comissários europeus mais relevante do que quem são os ministros; e o perfil do chanceler alemão ou do PM francês, e as suas crenças e o estado de espírito dos respectivos eleitorados, mais decisivos do que os nossos pais da Pátria, que têm assento no Parlamento. De modo que como o que se festeja é uma hibernação só se pode esperar que os discursos sejam ocos, razão por que ninguém os ouve – o que queremos ouvir é o rolar dos TIRs que trazem o dinheiro da Europa.
O 25 de Abril pertence à categoria do 28 de Maio: os militares fizeram uma passeata num caso para acabar com a bagunça e no outro com a guerra colonial sem fim à vista.
Ambos os golpes evoluíram para regimes, salazarista um e democrático o outro, este último só depois de anulada por um triz a golpada comunista que nos teria transformado numa Albânia com uma quantidade inusitada de receitas de bacalhau.
Em bom rigor, o 25 de Novembro é que o regime poderia celebrar, mas nem interessa muito: pouco mais de 2 milhões de portugueses de hoje já tinham 20 anos em 1974. E são esses que, se fossem desfilar para a Avenida da Liberdade, se lembrariam sem intérpretes do que viveram naqueles tempos. Para os outros é uma memória histórica, de resto nublada com descrições interesseiras e uma quantidade prodigiosa de falsificações, e o que podem comemorar é a liberdade de comemorarem o que lhes apeteça. Porque o mais que estava no Programa do MFA (descolonizar e desenvolver) ficou como um processo traumático num caso e uma miragem no outro – Portugal era um país orgulhosamente independente na cauda da Europa e é hoje um país dependente da Europa, mas na cauda.
Comemorar a liberdade de opinião é motivo bastante – sem ela não há sociedades livres. E é aqui que a porca torce o rabo: A Iniciativa Liberal quis juntar-se ao desfile com sindicatos, partidos de esquerda, gerontes do Verão quente, outros cidadãos indesejáveis e outras organizações daninhas, mas a proprietária da marca 25 de Abril proibiu.
Por que razão a IL se quer juntar a tais saudosistas de abominações e beneficiários do Estado que minaram é um mistério; e, até por razões estéticas, desfilar ao lado do tenente-coronel Lourenço releva de uma falta de gosto que não ilustra aquela agremiação de liberais.
Razões pelas quais, das duas uma: ou a IL força as coisas e vai desfilar debaixo do arvoredo gritando palavras de ordem antigas abrilhantadas de autenticidade passadista (por exemplo: o 25 de Abril é do Povo, não é de Moscovo); ou segue o conselho que, com a autoridade que não tenho, ministrei no Facebook e que abaixo transcrevo. Era assim:
Não há outra avenida em Lisboa? À beira-mar, por exemplo, até à prisão de Caxias, para comemorar o 25 de Novembro. E ficava a Avenida da Liberdade só para comunas e primos, venezuelanos, capitães de Abril barrigudos e jornalistas dos jornais do regime.