Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Convidada: ZÉLIA PARREIRA

Pedro Correia, 20.12.10

 

A minha mãe

 

Podia ter sido quase tudo, mas é só minha mãe. Podia ter sido professora, médica, advogada, mas se alguma vez chegou a ter uma profissão, foi apenas costureira. Podia ter sido uma chef conceituada, mas os seus pratos só alimentaram a sua família. Podia ter sido uma líder em qualquer domínio, mas contentou-se em ser a mulher do meu pai.

A minha mãe é a mulher que nasceu fora do seu tempo, ou fora do seu lugar. Outras circunstâncias, com mais liberdade e menos preconceito, num meio mais desenvolvido teriam destacado a sua inteligência e perspicácia e teriam feito dela uma mulher brilhante. Assim, foi sempre actriz secundária no filme da sua própria vida.

A minha mãe é uma mulher entristecida e eu compreendo-a, porque a vida foi injusta com ela. Cresceu à sombra dos humores da minha avó e depois dedicou toda a sua vida a ser a âncora da família, o colo onde podemos sempre voltar e a opinião em que podemos sempre confiar, sem nunca ter tempo nem oportunidade para ser ela própria.

Foi com ela que aprendi quase tudo o que sou. Autodidacta, corajosa e pragmática, ensinou-nos a não baixar os braços perante a adversidade. Paciente, ensinou-nos a esperar e resistir ao desespero e à auto-comiseração. Liberal, ensinou-nos a tolerância e a solidariedade. Honesta e responsável, ensinou-nos a dignidade. Dona de um sentido de humor apuradíssimo, ensinou-nos a rir de nós próprias e das nossas vidas. Como Mãe, ensinou-nos a crescer e fez de nós mulheres activas, trabalhadoras e independentes.

Sei que hoje a sua felicidade é a nossa, que vive os seus sonhos através dos nossos e que se sente realizada pelo que conseguimos. Não se preocupe, Mãe. No meio dos trambolhões da vida garanto-lhe que somos felizes, porque nos ensinou a tirar partido de todas as pequenas coisas da vida e sobretudo porque cada uma de nós tem cá dentro a memória de todos os pequenos gestos com que sempre anulou as dificuldades.

 

Zélia Parreira

12 comentários

Comentar post