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Delito de Opinião

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Ana Vidal, 30.12.10

 

Civilização

 

Hoje acordámos algures entre o Tigre e o Eufrates, e do mais alto zigurate contemplámos o mundo. Deixámo-nos cobrir de ouro e pedrarias e, com as asas de Enlil, voámos sobre Ur como pássaros deslumbrados. Eu dei-te o sagrado nome de Dumuzi e tu chamaste-me Inanna, tua rainha. E descobrimos em nós o mar primordial, os ancestrais tesouros que tínhamos guardados, sem o sabermos, na montanha cósmica da nossa memória. Hoje fomos inspirados Hammurabis bordando palavras novas em pedra, para que nunca mais as esqueçamos e os vindouros saibam, um dia, que as proferimos. Hoje selámos promessas com licores e tâmaras, tão doces como as nossas bocas recém-despertas. E depois esculpimo-nos em pedra negra com mãos aventureiras e livres, nessa pedra tão misteriosa como a origem do Tempo, sombreando a nácar e lápiz-lazuli o brilho fascinado dos nossos olhos. E por fim coroámo-nos imperadores do Sonho, porque os astros nos disseram que só ele persiste e permanece, mesmo quando tudo o mais se desfaz em ruínas.

 

 Hoje inventámos uma civilização. A nossa.

 

(Imagem: René Magritte)

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