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Delito de Opinião

Dilma: o Brasil faz História

Pedro Correia, 01.11.10

 

 

Enquanto em Portugal se aposta no rotineiro e no previsível, numa corrida presidencial que volta a excluir as mulheres, aparentemente sem uma palavra de indignação das feministas de serviço, os brasileiros insistem em fazer História. Há oito anos, elegeram um operário metalúrgico e líder sindical para o Palácio do Planalto. Agora acabam de eleger uma mulher para o lugar de Lula, que abandona o poder em ombros, deixando o país com uma taxa de crescimento económico de 6,5% - o dobro da que José Sócrates prometeu para Portugal (e não cumpriu, como sabemos).

Este excelente desempenho económico brasileiro - o terceiro melhor do mundo, após o da China e o da Índia - explica os elevadíssimos índices de aprovação popular de Lula, na ordem dos 80%. O terreno fora preparado antes, pelo Plano Real de Fernando Henrique Cardoso, o melhor presidente brasileiro desde Juscelino. Mas Lula, que não percebe nada de finanças nem consta que tenha biblioteca, revelou-se exímio na arte de não estragar o melhor legado do antecessor. E fez mais: lançou a Bolsa Família, aproveitando o superavit das contas públicas para arrancar 20 milhões de brasileiros da miséria. E projectou, com mais vigor que nunca, o seu país na cena política internacional, mesmo que para isso tivesse de venerar algumas das figuras mais execráveis do planeta.

Sabe-se qual foi o reverso da medalha: o Partido dos Trabalhadores, instalado em Brasília, transformou a ética política num conceito muito relativo. Sucederam-se os escândalos de corrupção, tráfico de influências e abuso de poder no país do "jeitinho". Os dois putativos sucessores de Lula, José Dirceu e Antonio Palocci, foram devorados nestes escândalos, que também não poupou Erenice Guerra, substituta de Dilma no Executivo e ex-fiel colaboradora da nova Presidente, que terá uma longa e penosa tarefa se apostar seriamente na moralização dos costumes num país que celebrizou a frase "rouba, mas faz", alusiva ao ex-governador de São Paulo Ademar Barros.

Depois de ter cortejado as congregações religiosas - e a Igreja Católica em particular - durante a campanha, sem provocar sobressaltos de indignação nas patrulhas laicistas de turno deste lado do Atlântico, Dilma conseguiu aquilo que muitos considerarão um milagre político: sobe ao poder sem ser "esposa de", como a argentina Cristina Fernández Kirchner, ou "filha de", como a popular Michelle Bachelet, que cumpriu um excelente mandato presidencial no Chile. É certo que por detrás desta mulher há notoriamente um homem: Lula, que a designou como sucessora e herdeira política. Mas Dilma tem biografia, talento e determinação - saberá decerto dar um cunho muito próprio ao seu mandato. Com as bênçãos dos orixás e do Senhor do Bonfim.

Houve um tempo em que os brasileiros se agigantavam no futebol e se banalizavam na política. Hoje, é o contrário. Felizmente para eles. E também para nós.

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