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Delito de Opinião

O outro lado da arte de desenrascar

João Campos, 29.10.10

Estou no trabalho com os pés molhados. Ou antes: encharcados. O meu "guarda-chuva aerodinâmico" sobreviveu às rajadas de vento e manteve a parte superior do meu corpo bem seca durante a borrasca desta manhã, se fechar os olhos e me distrair um bocado quase tenho a sensação de, dos joelhos para baixo, estar dentro de água. A saída do autocarro, ali na João Crisóstomo,  foi direitinha para uma poça de água quase do tamanho do Alqueva - os motoristas da Carris aperfeiçoaram a técnica de parar com as portas a dar directamente para a água, qual prancha de um barco pirata. Claro que as obras de toda a zona do Saldanha não ajudam nada. E claro que a famosa, tradicional e mui amada calçada portuguesa também não: a incapacidade nacional de construir um passeio direitinho, sem altos e baixos, só encontra rival na inaptidão, também nacional, para as contas públicas. Junte-se a isso goteiras, algerozes a descarregar directamente para os passeios e as inevitáveis obras - andar a pé em Lisboa em dias de chuva faz lembrar aquele divertido jogo do Takeshi's Castle (em português, Nunca Digas Banzai!, lembram-se? Era a versão japonesa dos nossos Jogos Sem Fronteiras, mas incomparavelmente melhor que estes) em que os concorrentes japoneses andavam a saltar de "nenúfar" em "nenúfar" no meio de um charco, sendo que alguns (muitos) "nenúfares" eram falsos e lá iam os malucos dos japoneses à lama. Os passeios de Lisboa são mais ou menos o mesmo - a malta anda aos saltinhos, de guarda-chuva na mão, a evitar poças, descargas súbitas e outros transeuntes que jogam o mesmo jogo. O Takeshi's Castle era divertido - talvez tenha sido o programa mais divertido a passar na televisão portuguesa -, mas este jogo alfacinha não é nada engraçado, bem pelo contrário.

Depois há as sarjetas. Os degraus da nova parte da estação de Metro de Saldanha pareciam as cataratas do Niagara, e metade do átrio da estação ameaçava deixar os lisboetas com água pelo tornozelo (parece que o sistema de escoamento da nova estação não é grande coisa). Diz que a Baixa alagou, como alaga sazonalmente. Idem para Alcântara. Passei lá de manhã, no autocarro, estava o dilúvio a começar. Pouco tempo depois ficou neste lindo estado que o Expresso mostra. Aqui, a regularidade também é sazonal. Um tipo fica a pensar: mas se isto acontece todos os anos, por que motivo nada se faz para prevenir a inundação? Talvez, para começar, não seja necessária grande engenharia para a coisa: limpar as sarjetas já deve ajudar, e para ver isso até um independente engenheiro de domingo deve servir. Este é o lado perverso do internacionalmente famoso desenrascanço português: nunca planeamos nada, mesmo quando enfrentamos o mesmo desastre a cada Outono. Este ano ainda não acabou, mas podemos ficar descansados: para o ano, por esta altura, as zonas baixas de Lisboa voltam a alagar. É certinho.

 

 

 

 

 

 

 

Imagem 1: a saída de um autocarro da Carris em dia de chuva. O uso de capacete é puramente estético; já a prancha é muito recomendada.

 

 

 

 

 

 

Imagem 2: Como andar nas ruas de Lisboa em dias de chuva. Sugestão do dia: um par de meias suplentes, ou galhochas. Boa sorte.

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