Convidada: ANA MATOS PIRES
Quando passear na blogosfera nos faz ficar coprolálicos:
um exemplo
Aqui "há atrasado" o Pedro Correia convidou-me para escrever um texto no Delito de Opinião. Eram vários os temas possíveis mas, de repente, ao esbarrar com um escrito onde se lia "O monstro cresce, mesmo para tratar de problemas de que ninguém se queixa", tornou-se impossível não pegar mais uma vez na violência doméstica (VD) .
Já para já, por via da existência dos jaquinzinhos deste mundo, nunca é demais relembrar que a VD, nomeadamente a exercida sobre as mulheres, é crime público, isto é, o procedimento criminal, através do Ministério Público, não está dependente de queixa por parte da vítima. Ora assim sendo estamos a falar de um problema passível de queixa por qualquer um, ao invés de um problema de que ninguém se queixa.
Por outro lado a notícia não foi bem lida, o que está escrito é "Outra novidade no combate à violência doméstica (para além da atenção clínica a dar à VD durante a gravidez, digo eu) é a aposta na formação de técnicos na área da saúde mental para prevenir e acompanhar casos de vítimas e agressores." (sublinhados meu).
Ninguém está a inventar doenças, apenas a aplicar uma lei e a usar a definição de "saúde" da OMS: estado de bem estar físico, psíquico e social.
Nos últimos anos surgiram evoluções importantes no que à VD diz respeito, sobretudo em termos legislativos. É agora altura de nos preocuparmos com uma rede operacional, a funcionar no terreno, capaz de dar uma resposta mais efectiva e eficaz. Neste sentido, como já escrevi, importa discutir o papel dos agentes da saúde mental no processo. Onde entramos nós? A que nível do processo? Com que instrumentos e com que objectivos? Como nos devemos articular com as estruturas sociais já existentes, sejam ou não organismos estatais? Qual a contribuição deste flagelo para o estado geral da patologia mental em Portugal? Estas são algumas das questões a que importa responder tendo em vista melhorar a resposta e a assistência a estes casos.
A operacionalização de tudo isto passa pelo conhecimento da realidade. Importa, por isso, não só identificar os casos de desfecho fatal como as sequelas que resultam deste tipo de violência - as cabeças transformadas em queijos suíços por via dos traumatismos ou as malformações fetais, por exemplo - e desenvolver estratégias e planos de acção. O rastreio da VD durante a gravidez é exemplo de uma dessas situações, 9% de grávidas serem vítimas de VD é percentagem que chegue para merecer uma atitude. Mais do que de uma questão de igualdade de género é de dignidade humana que falamos, de um crime. Em causa pode estar uma das nossas filhas.