Convidada: MARIA JOÃO MARQUES
O poder curativo do perdão
Na Melhor Revista do Mundo, também conhecida por Standpoint, li no início do Verão um texto sobre o poder curativo do perdão para os afectados por crimes violentos: as vítimas e os criminosos. A melhor forma de lidarmos, e de não azedarmos, com os pecadilhos que vamos sofrendo e perpetrando, de aprendermos com a vida (ou com o somatório dos pecadilhos nas duas direcções), é perdoarmos e aceitarmos o perdão dos outros – o que não significa que sejamos sempre inteligentes ou magnânimos e coloquemos em prática o que sabemos mais eficaz para aliviar a consciência e até o humor (eu, pelo menos, ainda imperfeita na arte do perdão me confesso). Não espanta, assim, que ultrapassar a vivência de um crime violento passe por alguma forma, preferencialmente crescente, de perdão.
Tenho-me recordado desta necessidade de perdão quando oiço ou leio nestas últimas semanas alguns argumentos favoráveis à construção da Cordoba House, a mesquita que se planeia construir a dois quarteirões do Ground Zero. Sobretudo os argumentos que qualificam a mesquita naquele local como um poderoso símbolo de reconciliação entre Nova Iorque e o Islão, ou do reconhecimento de que não foi o Islão que implodiu as torres mas sim uns extremistas que, só por acaso, eram muçulmanos. Se o último argumento é facilmente desmontável – como escreve William McGurn no WSJ, ninguém passeia pelas ruas de Manhattan receando que um metodista lhe expluda o escritório – já o primeiro argumento me é muito apelativo. Em especial porque eu não fui uma sobrevivente que conseguiu escapar das Twin Towers antes de desabarem, não era familiar ou amiga de alguma das vítimas que pereceram, não fui colega dos bombeiros que entraram nos edifícios para ajudar à evacuação e terminaram debaixo dos escombros, nem estava em NI naquele dia e, logo, não senti o medo de quem está sob ataque. O perdão e a reconciliação são, para mim e neste caso, muito fáceis. Exigi-los a quem tem o 11 de Setembro marcado na pele já me parece um abuso.
Só passei pelo Ground Zero uma vez, em 2004, e deparei-me com um ambiente inesperado. Junto à rede que vedava o local via-se a menina com um ramo de flores para depositar na rede, acompanhada da senhora com idade para ser sua avó; viam-se pessoas sentadas nos bancos perto, ou no chão do passeio, olhando com ar vazio para onde estiveram as torres; via-se quem agarrasse a rede e deixasse correr silenciosamente as lágrimas pela cara; via-se, paralelamente ao frenesim da cidade, toda a panóplia de personagens que se espera encontrar num cemitério.
A pretensão de construir um centro da religião em nome da qual foram realizados os ataques de 11 de Setembro junto a um local que é ainda, e será por mais uns bons anos, uma ferida por cicatrizar - relembro que apenas nas celebrações dos sessenta anos do Dia D foi convidado o chanceler alemão para se juntar aos representantes políticos dos aliados na Normandia, tendo Helmut Kohl mostrado vontade de estar presente, sem resultado, aquando dos cinquenta anos – é uma provocação deliberada, por um imã que parece saído de um manual do cinismo (ao mesmo tempo que afirma querer construir pontes ameaça com a fúria islâmica se não lhe permitirem construir a mesquita) e a quem o epíteto de moderado só se pode aplicar num intenso exercício de ingenuidade.
Regressando aos inícios do texto, desejo que familiares e amigos das vítimas consigam perdoar a quem sintam como responsável pela perda que sofreram. Desejo que lhes seja dado o tempo necessário para a reconciliação sem que lhes acicatem o sofrimento. E desejo também que os muçulmanos americanos, num real gesto de boa-vontade, pressionem o imã Rauf a construir a sua mesquita noutro local menos simbólico.