Ceci n'est pas un post (8)
Nudez
Dispa-se primeiro, atentamente, toda a desatenção. Não é indiferente que se dispa a indiferença, logo depois. A seguir, ainda que seja a medo, dispa-se os medos que os anos costuraram até formarem uma capa pesada, sufocante. Defenda-se o espírito de todas as defesas. Desmascare-se cada máscara, cada disfarce. Desproteja-se o corpo da ilusória protecção das cicatrizes. Da guarda armada das cautelas guarde-se distância, cautelosamente. Liberte-se a alma dos desalmados pesos que a vestiam. Lance-se ao vento, desfeitos, velhos preitos e preceitos. Limpe-se os olhos de brumas e de escolhos, os ouvidos de ruídos, a boca de palavras ocas. Dispa-se dos gestos as gestas do passado. Dispa-se da última derme o verme da vaidade. Por fim, dispa-se depressa a pressa, que é preciso saber esperar. E só então, vestindo devagar uma nudez total, se pode receber uma lua inesperada.
(Imagem - René Magritte)