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Delito de Opinião

Um dos livros do ano em Portugal

Pedro Correia, 10.09.10

É um dos acontecimentos editoriais do ano em Portugal. Vou mais longe: é um dos acontecimentos editoriais dos últimos anos. Refiro-me ao lançamento de uma grande biografia de António de Oliveira Salazar – algo que vem colmatar uma evidente lacuna na historiografia portuguesa. Salazar, de Filipe Ribeiro de Meneses – um livro que já comecei a ler, com a convicção antecipada de estar perante um título que servirá de referência a futuros investigadores desse tema inesgotável que é o salazarismo.

O mais curioso é o facto de não estarmos perante uma obra original: este Salazar foi editado originalmente em 2009, em versão inglesa, por uma casa editorial norte-americana, graças a uma bolsa concedida em Dublin ao autor português, que vive na Irlanda. Durante vários anos, Filipe Ribeiro de Meneses pôde fazer um levantamento exaustivo de documentação em arquivos e hemerotecas, beneficiando também do trabalho pioneiro de Alberto Franco Nogueira, que em 1977 lançou o primeiro volume da sua biografia dedicada a Salazar. Essa obra tinha, no entanto, um carácter apologético, como aliás seria de esperar: Franco Nogueira foi o último ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, entre 1961 e 1968, e nessa qualidade funcionou então como o seu mais próximo colaborador. O Salazar que Franco Nogueira nos deu a conhecer há 30 anos tinha ainda assim aspectos muito reveladores, designadamente em relação à infância, anos de formação académica e à etapa inicial de governante do político que mais marcou o século XX português, e também a aspectos da sua vida privada, designadamente as mulheres por quem se foi apaixonando, contrariando a ridícula propaganda de décadas, que o pretendia “casado com a pátria”.

Mas Franco Nogueira não foi – nem pretendeu ser – isento. A sua admiração por Salazar era notória. Os seis volumes que redigiu padeciam de um defeito simétrico ao das inúmeras obras surgidas nos anos imediatamente após o 25 de Abril destinadas a diabolizar o ditador sem proporcionar aos leitores dados suficientes que lhes permitissem tirar as suas próprias conclusões. É precisamente o que Ribeiro de Meneses se propõe nesta biografia de quase 800 páginas divididas em 13 capítulos agora lançada pela Dom Quixote. Tarefa facilitada, desde logo, por uma característica geracional: o autor nasceu em 1969, um ano antes da morte de Salazar, e por isso consegue estudá-lo com a mesma distância analítica com que qualquer de nós olharia (por exemplo) para o Marquês de Pombal ou Fontes Pereira de Melo.

Esta proclamada isenção, de clara inspiração académica com raiz anglo-saxónica, aumenta a minha expectativa em torno desta obra que, como o autor explica sem falsas modéstias no prefácio, “aspira a ser muito mais do que uma visita introdutória” a Salazar enquanto político. Felizmente a historiografia portuguesa foi-se libertando da escola dos Annales, que durante décadas menosprezou as biografias, que praticamente desapareceram do mercado, com a sua visão da História como um conjunto de grandes “estruturas” sociais e económicas, onde o indivíduo se diluía em vagas de estatísticas. Como se a História, para o bem e para o mal, não se devesse também – há quem diga sobretudo – a enormes rasgos individuais.

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