Francisco Lopes
Tive oportunidade de acompanhar a entrevista que Francisco Lopes deu à TVI24. Lembrava-me de já o ter visto e ouvido, mas sempre devidamente enquadrado pelo "Colectivo". Fosse na Assembleia da República ou nas imagens das reuniões do partido a que pertence. A conversa de ontem foi a primeira em que foi possível ver o indigitado candidato presidencial do PCP sozinho no palco. Sozinho? Aparentemente assim terá sido, mas ao longo de toda a entrevista o que ficou foi a marca do "Colectivo". A escolha do candidato foi uma decisão do "Colectivo". Os objectivos da candidatura foram definidos pelo "Colectivo". Ele próprio integra três órgãos do partido que são emanações de um grande "Colectivo". O "camarada Chico Lopes" é a imagem do "Colectivo".
Quem não conheça a política portuguesa e a acção do Partido Comunista Português até é capaz de pensar que o "Colectivo" é um partido dentro do próprio partido. O "Colectivo" é hoje a marca mais visível da despersonalização do colectivo e dos seus militantes.
É evidente que nem Francisco Lopes nem nenhum outro dirigente comunista, ávidos de mais "democracia e socialismo" e no seu afã de combaterem "as políticas de direita" e defenderem os interesses dos "trabalhadores", estarão disponíveis para analisar o papel do "Colectivo". As presidenciais não são o momento adequado, dirão eles. Mas o "Colectivo", percebe-se do seu discurso, é o elemento castrador da individualidade dos militantes do partido. Nunca nenhum deles o reconhecerá.
O candidato é apresentado como electricista de profissão e quadro do partido. Sendo ele profissional do PCP desde Setembro de 1974, faz-me espécie que o candidato ainda seja apresentado como electricista. A não ser que durante todas estas décadas em que trabalhou para o partido também estivesse incumbido da instalação e fiscalização das instalações eléctricas nos centros de trabalho do PCP. Mas o "Colectivo" decidiu que fosse apresentado como tal e ele assume. Para o "Colectivo", apresentar o candidato como electricista é a única maneira de ainda o manter ligado à classe operária, aos trabalhadores, àqueles que andam por aí a bulir à margem do "Colectivo", pagando impostos, votando nos outros partidos. Ter uma profissão identificada com o operariado, com o proletariado urbano, é uma imagem do "Colectivo". Porque o "Colectivo" vive de imagens, de figurações, de sombras.
No palco onde o candidato Francisco Lopes se move tudo é grandioso, magnânimo, corajoso, trabalhador, solidário. O "Colectivo" é tudo isso.
A realidade é que a vida não é um palco. A política também não. Morto Álvaro Cunhal, o PCP ficou órfão. E continua. Quando Jerónimo de Sousa fala não é ele quem articula as palavras. É o "Colectivo". Quando o PCP apresenta um candidato não é o PCP quem o apresenta. É o "Colectivo". O "Colectivo" é agora o tutor do partido. O fazedor de mentalidades. O guardião do rebanho. O "Colectivo" é, afinal, o big brother da democracia portuguesa. O "Colectivo" é que é o verdadeiro candidato presidencial. Francisco Lopes é apenas mais uma das faces do "Colectivo". A sua boca. Esta é também a razão para o PCP nunca ter conseguido apresentar um verdadeiro candidato presidencial. E as percentagens que os seus candidatos próprios obtêm em tais eleições serem normalmente sofríveis e abaixo das suas expectativas.
A verdade é que o PCP não tem em democracia a coragem e o estofo que teve na ditadura. O partido continua a precisar da sombra para se movimentar. Faz-lhe falta a clandestinidade para se impor. Na ditadura o colectivo tinha um líder. Agora vive da sua memória, escondido atrás do "Colectivo". Os actuais dirigentes não passam no teste dos holofotes das câmaras porque eles próprios temem o "Colectivo". A democracia torna tudo demasiado transparente. Por isso é que a candidatura de Francisco Lopes não passa de mais uma fraude política.