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Delito de Opinião

Convidado: SAMUEL DE PAIVA PIRES

Pedro Correia, 23.08.10

 

Os incêndios do nosso descontentamento

 

Antes de mais, aproveito esta oportunidade para agradecer ao Delito de Opinião, em particular ao Pedro Correia, o simpático convite para me dirigir aos leitores desta casa.

 

Feitas as honras, devo dizer que muito ponderei sobre que escrever. Algumas ideias pairam há tempos na minha mente, e debrucei-me sobre elas até não as achar adequadas a este convite. Acabei por me decidir a discorrer brevemente sobre o assunto que está na ordem do dia em Portugal (quo vadis crise financeira e dívida externa).

Há tempos, ouvi de um desses tecno-burocratas alinhados ao poder vigente que, à semelhança daqueles que povoam Bruxelas, parecem debitar chorrilhos de inutilidades e enormidades – muitas vezes traduzidas em letra de ordem a executar ou, quiçá, de lei – em número proporcional aos seus preconceitos ideológicos, à sua ignorância e ao seu desconhecimento da realidade, que o problema da limpeza e protecção das florestas em Portugal advém dos privados – essa corja!

Qual o meu espanto quando há dias ouvi na televisão o Ministro da Agricultura, penso que em homenagem à silly season, propor a nacionalização dos terrenos privados abandonados. Demonstrando em todo o seu esplendor os preconceitos ideológicos de grande parte dos nossos (des)governantes das últimas décadas, António Serrano presenteou-nos com um daqueles clássicos axiomas da ética política portuguesa, derivados do jacobinismo que há muito nos infectou: o Estado é o eterno moralista/infalível/benfeitor/salvador enquanto que o indivíduo/proprietário é descuidado e malfeitor.

Acontece que o Estado português não tem ao seu alcance os meios para dispor da totalidade da informação relativa aos terrenos (desde logo me interrogo sobre como classificar um terreno abandonado e como proceder legalmente à sua nacionalização, já que estamos perante uma injustiça tremenda para os proprietários) como não tem também meios para os gerir de forma a evitar os incêndios. Esta última afirmação é validada por um simples facto: o Estado não tem meios para gerir adequadamente os seus próprios terrenos, como os incêndios em Parques Naturais e no Parque Nacional da Peneda-Gerês demonstram.

Se o Estado não consegue gerir o seu próprio património, porque deverá então intrometer-se em propriedade alheia, gerando mais encargos para si (afinal, podemos sempre contar com os contribuintes para pagar preconceitos ideológicos), não resolvendo o problema e demonstrando inequivocamente – como tenho a certeza que aconteceria – que é mau gestor?

 

 

A Ciência Política não é, por definição, experimental. Não podemos realizar testes num ambiente laboratorial controlado. É pena, porque muito gostaria de ver esta medida implementada, só para que no fim todos se pudessem aperceber que o cerne do problema não se encontra na gestão estatal ou privada dos terrenos e florestas. Claro que a questão da gestão e limpeza das florestas é fulcral para evitar os incêndios de origem não humana. Mas há uma outra que vai muito para além do mediatismo que rodeia os incêndios florestais.

Há algumas décadas, não se ouvia falar em incêndios florestais. Passámos, creio que desde os anos 80, a ter oficiais épocas de incêndios, em paralelo com a época balnear. E gerou-se um reconhecimento e um consenso generalizado na sociedade portuguesa quanto à origem da esmagadora maioria dos incêndios: têm mão criminosa.

Especulemos, por um momento, que todos os terrenos estatais e privados se encontravam nas melhores condições possíveis de limpeza. Estou em crer que continuaríamos a ter incêndios de proporções épicas. Porquê? Porque os incendiários são terroristas, i.e., utilizam meios baratos, facilmente acessíveis e extremamente eficazes, cuja acção não depende da limpeza e gestão estatal ou privada dos terrenos.

Parece-me que o problema pouco ou nada tem a ver com a gestão ou limpeza dos terrenos. A esmagadora maioria dos incêndios advém de uma variável que é impossível de ser controlada ou evitada pelo Estado. Assim como é impossível alguma vez declarar a “Guerra Global contra o Terrorismo” como vencida, dado que o inimigo não tem um rosto definido e surge em qualquer lugar e em qualquer altura, julgo que é também impossível evitar definitivamente os incêndios.

A montante, a abordagem para resolver a questão deverá ser descentralizada e focar-se ao nível da prevenção e vigilância. E, a jusante, a moldura legislativa e penal deverá também ser adequada para lidar eficazmente com estes terroristas.

Isto implicaria, claro está, uma verdadeira e genuína preocupação por parte dos (des)governantes em prever e planear previamente as medidas a aplicar. Julgo que tal não acontecerá. Daqui a uns dias ou semanas os incêndios passam, o mediatismo vira-se para qualquer outra questão e os governantes vão a reboque. Para o ano haverá mais, com certeza.

 

Samuel de Paiva Pires

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