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Delito de Opinião

Pensamento da semana

Pedro Correia, 08.11.25

 

Certos políticos portugueses - e seus epígonos,  por efeito mimético - são hoje incapazes de abrir a boca sem fazer contínuas alusões a "guerras culturais", quase todas de importação. Os seus ídolos também são importados - mesmo os daqueles que adoram bater no peito em proclamação de fé nacionalista. E até o vocabulário que usam vem de outros quadrantes geográficos. Dizem-se "soberanistas", mas só da boca para fora.

 

Este pensamento acompanha o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 08.11.25

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Cristina Torrão: «Não ando à procura de antepassados nobres, que não os tive. Mas, por algum motivo, fascina-me saber quem eles eram e tento imaginar as suas vidas. Ao mesmo tempo, aprendo bastante sobre o Portugal de antigamente, pois, como diz o Professor Mattoso: "O passado dos homens não foi só a sua vida pública. Foi também o jogo ou a luta de cada dia e aquilo em que eles acreditaram".»

 

Diogo Noivo: «Os jantares podem congregar seis amigos, mas as celebrações não podem ir além dos cinco convivas. Os mercados e feiras de levante estão proscritos, mas o centro comercial mantém as portas abertas. Temos o dever cívico de ficar em casa, mas também o dever cívico de ir a restaurantes, livrarias, cabeleireiros e demais estabelecimentos comerciais. Em síntese, a estratégia de combate ao Covid passa por baralhar o vírus até ao ponto da extinção.»

 

José Meireles Graça: «Biden é um escravo do establishment, e a sua vice, provavelmente, uma esquerdista raivosa. Quando chegar a hora de os mandar à vida o agente dessa salutar mudança terá menos problemas em dizer o que lhe vai na alma porque o gelo do conformismo já está quebrado.»

 

Orlando Tavares: «Morre-se de tanta coisa. Até de amor, como o King Kong, no último andar do Empire State Building, segundo um poema do Eduardo Guerra Carneiro.»

 

Paulo Sousa: «Frequentar o mais possível restaurantes honestos é uma forma nobre de contrariar os nefastos efeitos do Covid. Essa é uma luta para a qual podem contar comigo.»

Presidenciais*

José Meireles Graça, 07.11.25

Nas recentes eleições autárquicas quis-se ver um grande significado nacional. E como o Chega, a novidade, juntou a correr um ramalhete de personalidades que não tinham relevo, nem ligações locais, ou paraquedizou umas figuras nacionais que pareciam, e eram, depositárias de um palavreado ideológico que não falava em jardins, ou saneamento, ou recolha de lixos, ou habitação, ou IMI, o resultado foi relativamente medíocre.

Quando, como em Loures, o candidato do PS se cheguizou no discurso, num assunto que tinha importância local, ganhou. Mas como o PS não se vai, nacionalmente, cheguizar, nada verdadeiramente mudou em relação às últimas legislativas. A ideia de que regressamos ao bipartidarismo é assim wishful thinking e não mais do que isso. A menos que o PSD se dedique de alma e coração à tarefa de esvaziar o Chega comprando-lhe as bandeiras (coisa que evidentemente fez no problema da imigração), a tendência recente acentuar-se-á e em qualquer caso o PS vai fazer uma cura de águas duradoura para a Oposição, o que só lhe fará bem e a nós.

As presidenciais são vinho de outra pipa e põem às pessoas de senso um problema.

Depois de Marcelo de nenhum presidente se poderá imaginar que pode ser pior, donde até mesmo Marques Mendes, o mais marceléfilo de todos, pode ser incluído na lista de presidenciáveis. Nenhum, vírgula, que António Filipe ou Catarina Martins seriam piores, mas o primeiro é o simpático guardião de uma ideologia mumificada e a segunda enfermeira de um doente em coma irreversível. Recentemente o Livre, achando que de candidatos quanto mais melhor, também apresentou o seu, esquece-me agora o nome. Ignoro neste momento se o PAN também apresenta candidato, dúvida que o meu Cacau poderia esclarecer – mas não estou para lhe perguntar. Já Cotrim seria imensamente melhor que todos estes mas a função não casa com o perfil da personagem, nem com a sua imagem, nem com a sua carreira, nem a Presidência é o lugar para fazer avançar ideias liberais, mesmo que o país delas esteja muito carecido. O PS regressará um dia (longínquo, espero) porque a democracia faz-se, entre outras coisas, de alternância, mas o PS de Costa, ou Pedro Nuno, ficará bem no armário das velharias.

Quem desconfiar do europeísmo cego, do bem-pensismo de esquerda moderninha (vulgo social-democracia caseira), do wokismo larvar em questões como racismo, igualdade de “género”, discriminação positiva de minorias, defesa do folclore LGBTurbo, e toda a parafernália das causas, deve pesar bem o seu voto porque todos os candidatos (salvo Ventura, que todavia em cinco dos sete dias da semana é socialista na economia) sofrem em maior ou menor grau destas escaras no corpo são do recto pensar, mas nem todos têm a vontade de respeitarem os limites que a Constituição põe ao exercício dos seus poderes, e que os transforma em reis constitucionais a prazo.

Além de Marques, há três com potencial para ganharem, e são eles o Almirante, Ventura e António José Seguro.

Marques é apresentado como tendo uma vasta experiência política, implicitamente se querendo dizer que isso é uma grande vantagem. Tem, é inegável, mas de rodilhices, leva-e-trás politiqueiro, manobras, declarações e discursos, tudo pilotado pelo apalpar ansioso do pulso da opinião pública, tentando sempre agradar ao maior número e passar a mão pelo dorso do patrioteirismo. O Professor serviu-nos disso durante dez anos, seria desejável que, escarmentados, não fôssemos acabrunhados com mais dez do aluno.

Do Almirante ouvem-se declarações sobre tudo e um par de botas, e o tudo é um chorrilho de banalidades que se destinam a comprar o centrão eleitoral, para o que veste o seu activo para a corrida: uma farda e o seu brilhante desempenho como enfermeiro-mor da Nação. Porém: A farda não desqualifica ninguém para o exercício de funções mas também não qualifica; e a capacidade para liderar uma task-force para um programa que foi apresentado como um desígnio nacional que justificava o atropelo de várias liberdades constitucionalmente garantidas assegura que o Almirante tem condições para comandar um submarino por baixo do Ártico ou liderar uma missão humanitária no Sudão, mas só isso. Ser o pináculo do Estado e árbitro do jogo constitucional de poderes é outra coisa.

Ventura não é candidato à presidência da República mas à visibilidade que lhe dará a campanha. E, se ganhasse, seria uma grande desgraça para a crescente massa de apoiantes do Chega porque nem o Presidente pode liderar um partido nem este tem segundas figuras que se possam afirmar como primeiras. Poder-se-ia julgar que Ventura, na presidência, daria um suplemento de alma a algumas mudanças que o Chega encarna e que são necessárias. Mas quem tem poderes legislativos é sobretudo a AR, e quem os tem executivos é o Governo. E são portanto esses órgãos, e não a presidência, agentes da mudança. Depois, a função, por muito que Marcelo a tenha desvalorizado, tem uma componente de gravitas da qual Ventura não dispõe.

Resta António José Seguro. Deu sobejas provas de independência porque não hesitou em subordinar as suas possibilidades de êxito na carreira política às suas convicções, pelo que não foi um áulico de Sócrates; de soldado disciplinado porque tendo sido injustiçado não veio para a praça pública esbracejar contra os que (como Costa) o esfaquearam; e de modéstia porque nunca cultivou obsessivamente a presença na comunicação social. É inequivocamente um homem sério e talvez seja um homem bom, ainda que muitíssimo chato. Não faz mal, quando falar muda-se de canal na certeza de que enquanto vemos um filme ele está a cuidar de não fazer, nem dizer, asneiras.

É socialista e o PS vai apoiá-lo? Sim, a perfeição não é deste mundo, e ademais o apoio é pouco sincero. Mas não será um obstáculo às mudanças que maiorias e governos legítimos queiram operar; não acredito que seja no palco pessoa diferente da que é nos bastidores; não se toma por homem providencial; e, sobretudo, não acho que leve para Belém o seu PS de sempre.

Tem algumas companhias sulfurosas, como a pasionaria do asneirol Ana Gomes? Tem.  Mas não deixo de ir a um restaurante que serve bem lá porque na clientela há alguns indesejáveis.

Para mim, até mais ver, isto basta. E, se ainda aparecer outro melhor, cá estou.

* Publicado no Observador

Maratona vira corridinha de 100 metros

Pedro Correia, 07.11.25

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Da cartola do historiador Rui Tavares acaba de sair uma espécie de Tino de Rans em versão envernizada. É o Jorge de Amarante: dizem-me que ocupa um assento da agremiação Livre no areópago de São Bento. Foi o melhor que conseguiram como candidato privativo a Presidente da República.

O rapaz tem-se desdobrado em entrevistas, numa acelerada tentativa de fuga ao anonimato. Na noite de domingo, verteu palavras num programa humorístico da SIC. Candidata-se porquê? «Porque gosto da república». Sorte dele, não gostar da monarquia: seria putativo candidato a príncipe, com eventual passagem prévia pela fase sapo.

«Isto é uma maratona», declarou Jorge de Amarante confessando ter «muita, muita vontade de ganhar esta eleição». Foi ao ponto de sublinhar: «Eu sou o único candidato que quer ser realmente Presidente da República.» E até transmitiu à posteridade esta frase que merece inscrição em bronze: «Quero ser o prato que temos à nossa frente e temos muita vontade de começar a comer.»

Pensei de imediato: oxalá o prato seja de papel para ele manter a dentadura intacta.

 

Três dias volvidos, quarta-feira, nova entrevista. Desta vez à RTP. Quis falar mais a sério, mas sem passar da tentativa: diz ter aparecido depois de todos os outros por verificar que a esquerda estava muito desunida. Contribuindo assim para fragmentar ainda mais esse hemisfério, onde já se situavam (por ordem de entrada em cena) António José Seguro, António Filipe e Catarina Martins - fora o Almirante, agora situado à esquerda do PSD. Parece rábula dos Monty Python. Ou do Gato Fedorento.

«Não podia ter virado as costas a este desafio», confessou o pupilo de Tavares. Qual desafio? Correr a maratona em 100 metros? É o que parece: hoje, em entrevista a Lusa, o ignoto deputado já admite desistir da prova, ainda antes de soar o apito da partida. Afirmando-se predisposto a ceder passagem a Seguro.

Bastaram cinco dias para virar as costas ao desafio, para demonstrar ser afinal o único candidato que não quer chegar a Presidente. Implora, quase em desespero: agarrem-me senão eu candidato-me. 

Terá reponderado: o prato não era de papel, arriscava mesmo quebrar os dentes. 

Quem mais irá sair da cartola do historiador? Talvez o veterano Manuel João Vieira, que costuma dizer: «Só desisto se for eleito.»

Já estava Escrito

Maria Dulce Fernandes, 07.11.25

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Quando eu era nova, sempre que havia uma casa para alugar ou prestes a ficar vazia (sim, que essa moda de casa própria é coisa relativamente recente, aí para quase 50 anos, vá) o senhorio ou dono do imóvel como preferirem, punha escritos nas janelas. Os ditos escritos eram somente quadradinhos de papel branco colados nos vidros que, contrastantes e chamativos, indicavam a vacância do local. 

Era um método simples e eficaz que publicitava por assim dizer, a iminente disponibilidade de um espaço, sem anúncios no jornal, mediadoras imobiliárias, Internet, redes sociais ou apps. E a mensagem chegava sempre direitinha aos curiosos e aos interessados.
Estranhamente, na era de todas as tecnologias, os escritos voltaram a estar na moda. Tenho-os visto por aí, embora não garanta que a mensagem seja idêntica.
Como há que reanimar e revitalizar o arrendamento urbano, os quadradinhos de papel branco são uma maneira simpática de o conseguir. Como método de informação visual e empírico que revive sem exclusões boas tradições centenárias, não poderia estar mais trendy nos dias de hoje.
 
 
Mas dá que pensar...
A facilidade com que percebemos a ideia de espaço vazio pelo relance en passant de um quadrado de papel branco exposto em lugar visível, poderá remeter-nos para a possibilidade de não estar muito longe o dia em que nos cruzaremos nas ruas das nossas aldeias, vilas e cidades com indivíduos ostententando post-its brancos colados na testa. Muitos já os usam, mas ainda não se aperceberam do facto.
 
Resta a esperança que possa haver ainda maneira de revitalizar esse espaço devoluto.
 
(Republicação actualizada) 

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 07.11.25

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João Sousa: «A minha questão é só esta: os votos já foram todos contados? A CNN, quando publico isto, ainda mostra os resultados em 253/213 a favor de Biden (são necessários 270). Porque raio há-de o Público querer apressar a coisa só porque tem um feeling (por mais bem suportado que seja nos dados já conhecidos)?»

 

JPT: «Muito me irrita isto das pessoas se verem como muito progressistas, atentas às boas causas - à antigamente dita "condição feminina", termo entretanto substituído por "género" , em particular - e que assaltam (ou louvam) a personalidade das esposas dos políticos de que gostam ou que repudiam. E, pior ainda, andam por aí - e quantos e quantas dizendo-se "feministas" - avaliando o desempenho das "primeiras-damas" (mulheres de presidentes da república e mesmo de presidentes de tantas outras coisas...)»

 

Luís Menezes Leitão: «A maioria da população americana concentra-se em onze estados, os quais chegariam sempre para eleger um presidente, e nunca os outros 39 estados aceitariam que isso acontecesse. Por isso, ou se ganha no colégio eleitoral, ou não há hipótese de conseguir a presidência. Al Gore e Hillary Clinton sentiram essa dura realidade, quando tiveram mais votos na população eleitora, mas foram logo a seguir relegados para o esquecimento.»

 

Luís Naves: «Joe Biden tem tudo para ser uma espécie de Carter, pois é o mínimo denominador comum em que assentam as ambições dos múltiplos grupos que o elegeram. Num contexto de crise geral, o homem forte foi humilhado, entra o homem fraco, o ressentimento fará o resto.»

Venturoso

Maria Dulce Fernandes, 06.11.25

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Estando eu absorta na visualização da “entrevista” do chegano na CNN, não estava a prestar minimamente atenção às palavras da minha neta, que tanto quanto vim depois a constatar, entabulara conversação havia algum tempo e, em não obtendo qualquer resposta, ipirangueou alto e bom som: "Mas estás a ouvir ou não, avó?” O quê? Disseste o quê? ”Fartei-me de falar várias coisas e tu nem ouviste.” És capaz de ter razão. Diz lá então… “Estava eu a dizer que não percebo a tua azia com Ventura, porque ventura é uma coisa boa, até tivemos um rei que foi chamado Venturoso, por ter alcançado grandes feitos."

É uma espertalhona, a minha neta, mas tem ainda muito caminho para andar para bater em trocadilhos uma “trocadilheira” diplomada. “É verdade que ventura é uma palavra positiva e de bons augúrios, mas neste caso particular em que Ventura é apelido, não se deve aplicar, por falta de fundamento verídico, porque tanto quanto sei, não se refere a uma pessoa venturosa. É uma espécie de paradoxo. Sabes o que é paradoxo?" ”Não, acho que não…" “É uma afirmação que significa algo e também o seu contrário.” Como assim? “Por exemplo dizer que uma piada é séria, é um paradoxo… deu para perceber?” "Como quando dizes que menos é mais?" "Exactamente!”

“Este Ventura, de ventura só tem apelido, neta. Não vale o sal que come. É dono de uma política desventurada, de um discurso viciado e de uma visão obtusa. Não é flor que se cheire. Não tem mesmo nada de D. Manuel I, certo?" "Não sei. Tenho de me informar melhor, mas és capaz de ter razão”.

"Faz isso. Democracia é isso mesmo, cada um deve ser livre de pensar pela sua própria cabeça, opinar e até mesmo  contrariar as mais sensatas ideias avoengas." ”Podes explicar-me o que é democracia…" Posso tentar, mas hoje não. Palpita-me que tenho de me preparar bem melhor.

Oferendas

jpt, 06.11.25

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Apesar de mim-mesmo, pessoa a qual me escuso de adjectivar, os amigos continuam a cumular-me de dádivas. Espirituais, em regime de abundância. E materiais...

Ontem encontrei-me no Restelo com um casal de amigos, daqueles desde há quarenta anos. Nas despedidas levaram-me até ao carro e disparou ele "toma lá" um pacote precioso. No qual, entre outras pepitas, estava a tradução policopiada do "Defeating Communist Insurgency: Experiences from Malaya and Vietnam", de Sir Robert Grainger Ker Thompson, um célebre especialista em contra-insurgência na Ásia, distribuída na Escola de Estudos Superiores da Força Aérea em 1969! E - com as páginas ainda por abrir!!! - os dois volumes de "África e o Comunismo", de Alejandro Botzàris, publicados em 1959/1961 pela Junta de Investigações do Ultramar...

Ajoujado pelo júbilo recuei aos Olivais, na senda de companhia mimosa. Ao invés deparei-me com máscula camaradagem, a qual me presenteou com sacos bibliófilos. Nos quais constavam meia dúzia de obras de Jorge Amado que não estavam nas minhas estantes - cá em casa a "dissidência" do autor havia minorado o fervor leitor do Senhor meu pai, naquilo do consabido (e não tão errado...) "o Jorge Amado não é um grande escritor", e a Senhora minha mãe era demasiado francófona para tais tropicalices; 25 volumes das Obras Escolhidas "do Camilo" - é assim que os propagandeados leitores de Camilo Castelo Branco se lhe referem -, para mim preciosos, pois aqui a prateleira do autor é composta por livros legados pelos bisavô e avô paternos, edições de Lello e Irmão, Lopes e Companhia, Civilização e assim, tudo lá do Porto, de finais de XIX e inícios de XX, alguns encadernados mas a maioria puídos, quase se desfazendo ao toque, efeitos dos ancestrais fervores leitores e da incúria do tempo... E uma outra preciosidade - se cá tenho a "Anna Karénina" traduzido do russo para a Relógio d'Água por António Pescada ( e nisto dá sempre para lembrar a atoarda de Mega Ferreira, que preferia as traduções de Tolstoi via francês) juntou-se-lhe agora o "Ana Karenine", luxuosa edição da Estúdios Cor (75 escudos em 1959!!!!) traduzida por... José Saramago!

E várias outras curiosidades, entre as quais este quase célebre "Férias com Salazar", pelo qual começarei a excursão - não que queira eu ter "Férias com Ventura", afianço.

Em suma, e repito-me, apesar de mim-mesmo, pessoa a qual me escuso de adjectivar, os amigos continuam a cumular-me de dádivas...

O paradoxo de uma auto-proclamada modernidade

Paulo Sousa, 06.11.25

Já foi há uma mão cheia de anos. O motivo que levou a que nos cruzámos várias vezes foi pouco mais do que banal e por isso as conversas demoraram a ir para além do estritamente social, o que só numa ou noutra vez acabou por acontecer. Ela era uma jovem mãe natural do norte do país que trabalhava nos EUA numa das Big Tech e lá foi falando sobre como combinava a vida profissional com a familiar. Um percurso de vida interessante e mais um exemplo de como somos valentes a exportar mão-de-obra qualificada.

Pelo que entendi, será difícil, pelo menos nessa altura seria, sobreviver nessa empresa sem que se abraçasse todas as inúmeras camadas de preconceitos inventados para combater preconceitos. A fauna humana é ali muito diversa, tudo o que seja esquisito deve ser aplaudido e tudo o que não o for torna-se coisa sem pilhéria nenhuma. O slogan dos recursos humanos, não dito mas assumido, parece ser: “Gente normal, shame on you!”

Certa vez, falou sobre uma colega de trabalho que usava hijab e cujo casamento tinha sido arranjado entre os pais dela e do respectivo marido. Que era uma coisa cultural, que se davam super bem e tinham uns filhos muito queridos, e aquilo é assim. Eu, sem comentar, intriguei-me: como se estava a normalizar algo medieval?

Lembrei-me disto há dias quando li, ou audioli, o Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco. A trama anda à volta de Teresa de Albuquerque e Simão Botelho, apaixonados e impedidos de casar pelo pai dela, por ter tal sujeito como pessoa indigna para a sua filha. Em vez desse Botelho, filho de Domingos Botelho, seu rival de há muito, o pai de Teresa arranja-lhe um casamento com Baltazar Coutinho, um primo de Castro Daire. O arranjo não vai por diante e não vale a pena estragar o suspense, podendo dizer apenas que é uma perdição sem fim.

Quem teve de ler e analisar esta obra nas aulas de Português terá ouvido que se trata de um romance trágico, impedido pelas convenções sociais da época. Os amores impossíveis e trágicos eram conduto das obras românticas do século XIX, onde o sofrimento dos amantes e a rigidez das regras sociais nunca faltavam.

Na sociedade portuguesa onde cresci e vivo coisas como estas, casamentos combinados ou impedidos pelos pais dos noivos, serão menos do que raros e socialmente não aceitáveis. Para aqui chegarmos, um longo caminho foi percorrido. Os direitos do individuo foram erguidos contra essas coisas de antigamente. A muçulmana que trabalhava na dita Big Tech até pode ser muito feliz com o marido, coisa que apesar de nunca a ter visto mais gorda espero que se verifique, mas ser acrítico perante convenções que já há dois séculos eram sinal de atraso, é diferente de as aplaudir. Isto entre nós não é normal, e uma coisa é, por não me dizer respeito encolher os ombros e ignorar, outra é propalar que somos tão modernos, tão modernos, que até sentimos necessidade de aplaudir práticas medievais.

Fé num milagre

Pedro Correia, 06.11.25

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Os mesmos que nas colunas de jornais e tribunas televisivas entoavam hossanas a Mariana Mortágua - chamando-lhe "activista humanitária", entre outros mimos  - já viraram a agulha e apressam-se a louvar agora José Manuel Pureza, incensando-o pela sua moderação.

Repito: são precisamente os mesmos que até anteontem enalteciam a "coragem" da passageira da flotilha. Uma era elevada aos píncaros pelo ímpeto leninista, outro escuta solos de violino por ser católico

 

Fui conferir o que recomendará Pureza para ascender ao posto máximo do Bloco de Esquerda, que com Catarina Martins chegou a preencher 19 lugares no hemiciclo de São Bento e hoje só dispõe de um.

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra está fora do parlamento. Também não tem hoje assento na Comissão Política nem no Secretariado do partido.

Nas recentes autárquicas encabeçou a lista do BE ao município conimbricense, sem conseguir ser eleito. O partido só recolheu 2002 votos entre mais de 70 mil eleitores que foram às urnas. Percentagem irrisória: 2,8%.

Convenhamos que se trata de péssimo cartão de visita: nem na sua terra Pureza conseguiu sequer chegar a vereador.

Impedirá que o BE saia do fundo do poço? Talvez o facto de ser o único católico bloquista o leve a ter fé neste milagre. É vantagem de peso em relação a qualquer outro.

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 06.11.25

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JPT: «Deixo aqui o meu elogio à Senhora de Donald Trump, actual Primeira Dama: pela sua beleza e impecável elegância. E porque sempre incansável no zelo pelos desvalidos - doentes, empobrecidos -, pelos idosos, pelas crianças, no âmbito da nobre missão que lhe coube abraçar. Foi, é, e decerto continuará a ser um símbolo da feminilidade. Uma verdadeira "european queen". Fará falta!»

 

Luís Naves: «Biden não entusiasma ninguém e o mais certo é não completar o mandato. O que estas eleições também revelam é um problema mais profundo da América: será o quinto presidente consecutivo com escassas qualidades pessoais. A intervenção de Trump, ontem, só confirmou a crise institucional: nunca se viu nada assim, um presidente tratado como se fosse líder da oposição numa ditadura, a acusar os adversários de fraude em larga escala.»

 

Eu: «Há 60 anos, Nixon reconheceu sem demora a derrota: viria a ser recompensado com o triunfo nas urnas, oito anos mais tarde. Há 20 anos, o litígio em torno dos boletins da Florida terminou a 13 de Dezembro, quando Gore admitiu ter perdido - por uma reduzidíssima margem de 0,009% - naquele estado, 36 dias após as eleições. Evitando assim que o país mergulhasse num profundo impasse político e numa grave crise constitucional. Trump, já se percebeu, não seguirá o exemplo daqueles dois antecessores. Tudo pode acontecer quando o gigante se torna anão.»

Vinhetas (31)

José Meireles Graça, 05.11.25

Ao Amigo disseram, num exame de rotina, que tinha um cancro no pâncreas. Não esperou: foi operado em Lisboa, retirou aquela glândula (mais umas adjacências) e seguiu-se o pós-operatório e depois quimio e depois rádio, ou ao contrário, com consultas e tratamentos em Lisboa e no Porto.

Foi informando o círculo chegado de amigos, com sobriedade. E, nos intervalos dos tratamentos, que o deixavam derreado por espaço de uma semana, organizava almoços, jantares ou passeios, às vezes a sítios improváveis nos quais comparecia num dos carros antigos da sua colecção – exactamente como fazia antes mas com mais frequência.

Sem dramas, sem queixumes e com inalterável boa disposição. E como numa longa carreira profissional fora obrigado com grande frequência a lidar com responsáveis políticos e altos cargos da Administração, tem uma excepcional capacidade de debitar discursos em que, com ar profundo, se engatilham aqueles frases empoladas do mundo oficial significando nada: As pessoas não são números, diz, o dedo em riste, quando se quer referir a uma patetice qualquer que estejamos a comentar de um responsável político de esquerda (isto é, quase todos). Ou, se a conversa for sobre gestão, informa do melhor método para um dirigente se dirigir a um subordinado que tenha apresentado um relatório medíocre: Está muito bom, mas pode ser melhorado.

Isto e muito mais fazia, e graças a Deus faz, com que um almoço, ou um jantar, ou um encontro sob qualquer outro pretexto, tenha a garantia de umas horas bem passadas. E, se a conversa for séria sobre assuntos sérios, podemos contar com opiniões sensatas, cultas e informadas, dentro do quadro geral (se a matéria for política ou social) de uma mundivisão solidamente de direita.

Todas as fases ultrapassadas, parece que o cancro foi vencido mas as sequelas implicam uma rigorosa vigilância através de um complicado (para mim – para ele simples) sistema de cuja vigilância os resultados aparecem permanentemente no telefone, incluindo alarmes.

Às refeições, acontece às vezes levantar-se e ir ao quarto-de-banho para dar umas injecções na barriga, acho que de insulina. Isto, é claro, implica um grande consumo de agulhas hipodérmicas.

Hoje foi comprá-las a uma farmácia. "Sim, sr. Fulano, são as de 5 milímetros na mesma mas estas são menos indolores, são novas", disse a dra.

Entupiu, agulhas menos indolores pareceu-lhe uma coisa ominosa. Mas trouxe-as e já estou ao corrente de que são exactamente a mesma merda.

É a geração mais bem formada de sempre, esclareceu-me. E eu concordei.

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 05.11.25

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Cristina Torrão: «Havia necessidade de ser tão duramente castigada? Quatro anos a servir de estátua, enquanto o idiota vomita disparates... Socorro, quem me tira daqui? Ó Biden, ganha lá as malditas destas eleições!»

 

Maria Dulce Fernandes: «Avó, vamos brincar? Avó?! Presente! Estava a ver as notícias. Notícias de quê? Das eleições nos Estado Unidos. O que é eleições? E agora como é que se descalça esta bota? Chama-se eleição quando, neste caso por exemplo, as pessoas escolhem um chefe para mandar no país. Tu foste com os teus pais votar nas eleições do Presidente da República, lembras-te? Acho que não, Avó. Mas sabes quem é o Presidente da República? Sei. É um homem que tira selfies

 

Paulo Sousa: «Em Julho questionei-me aqui sobre qual dos grandes projectos deste governo, o do lítio ou o do hidrogénio, iria ser o primeiro a estar envolvido em suspeitas de corrupção.»

 

Eu: «Faz-me confusão que os EUA tenham um sistema eleitoral tão anquilosado. Só há dois partidos, ambos geridos por contas milionárias, e nenhuma força política alternativa quebra este velho rotativismo - nem sequer a nível estadual.»

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