Pensamento da semana
A democracia não é a preservação do consenso, mas a gestão de conflitos.
Este pensamento acompanhará o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
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A democracia não é a preservação do consenso, mas a gestão de conflitos.
Este pensamento acompanhará o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
José Meireles Graça: «Representais os restauradores, é, anedotas tristes? Valeis ainda menos do que o advogado oficioso que ofereça, em defesa do seu cliente, o merecimento dos autos. Porque este ainda pode contar com a imparcialidade do juiz, que não tem de engolir necessariamente as fabricações do ministério público; e vós, ao Governo que diz mata!, acrescentais esfola.»
Teresa Ribeiro: «A turma do resfriadinho está a ficar nervosa. Quer o povo na rua, a bulir, que é para isso que o povo serve, mas o mundo continua paralisado. Muito religiosa, esta seita sempre sacrificou tudo ao seu deus todo poderoso. O deus universal a quem na América chamam dólar e por cá é conhecido por vários nomes: massa, carcanhol, pilim, papel, taco, pastel, graveto, caroço, bago, guito... Quase tudo designações carinhosas, pois como diz a canção, "money makes the world go around".»
Eu: «Depois da emergência, a calamidade.»
Terras de García Lorca, Tonicha
(Álbum: Canções de Abril, 1975)
Interior da Basílica de Santa Maria Maior, última morada terrena do Papa
Vimo-lo pela última vez faz hoje uma semana, Domingo de Páscoa. Debilitado, enfraquecido, mas com vontade indómita de pronunciar uma última mensagem urbi et orbi, tão inspiradora como a primeira que nos transmitiu mal fora eleito Papa, a 13 de Março de 2013. «Boa noite», afirmara então, mal assomou nesse instante inicial como Pontífice ao balcão da Basílica de São Pedro antes de pedir aos 1400 milhões de católicos que rezassem por ele.
«Boa Páscoa», disse neste dia 20,, em cadeira de rodas, à multidão de fiéis que o escutava. Já tão próximo do seu limite físico, pronunciou a palavra que - mais do que qualquer outra - significa a transição da morte para a vida.
Repousa desde ontem na Basílica de Santa Maria Maior, no chão de uma nave lateral. Tendo inscrito apenas o seu nome em latim no mármore oriundo da Ligúria, região natal dos seus avós.
«Franciscus».
Ei-lo ali, humilde até ao fim, no termo da sua peregrinação terrena, após os grandes do planeta se despedirem dele numa soalheira manhã em Roma e cerca de meio milhão de pessoas comuns terem acompanhado a urna ao longo do cortejo de seis quilómetros.
Pedra tumular rasa, sem luxo nem ornamentos, para aquele que foi sem dúvida um príncipe da Igreja Católica neste primeiro quartel do século XXI. Quem lhe suceder no trono de Pedro tem um encargo muito pesado: permanecer à altura do legado de Jorge Mario Bergoglio, o bom pastor que veio dos confins do planeta com a missão de unir o mundo. Cumprindo a Parábola dos Talentos, uma das estimulantes lições de vida que podemos colher dos Evangelhos.
Os seus restos mortais moram agora na laje do templo mariano onde nenhum pontífice era sepultado desde Clemente IX, em 1669. O último chefe da Igreja antes dele a escolher como última morada terrena um cenário alternativo à Basílica de São Pedro havia sido o grande Papa Leão XIII, sepultado há 122 anos em São João de Latrão.
Ninguém deve invejar a tarefa de quem irá seguir-se, por eleição dos seus pares, no conclave dos cardeais. Terá de prosseguir, sem desfalecimentos, a marcha contra a globalização da indiferença. Por uma igreja sem muralhas, onde «todos possam entrar», na senda deste belo lema que Francisco nos transmitiu.
Acusam-no alguns de se ter desviado da rota. Gente de pouca fé: esta mensagem está inscrita desde o início, na Parábola do Bom Samaritano (Lucas X, 25-37). Pronunciada de viva voz por Jesus no seu apelo de amor ao próximo que nos leva a socorrer os mais necessitados, venham de onde vierem, por imperativo moral.
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo.» Dois mil anos depois, nenhum estribilho ideológico conseguiu ser mais inspirador e luminoso do que este mandamento, pedra angular da civilização.
Mais vale haver saudosistas da ditadura em democracia do que haver saudosistas da democracia em ditadura.
Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
Eu: «Contra a corrente, imponho a mim próprio uma rigorosa selecção de consumo noticioso. Só escuto quem comprovadamente merece ser escutado, dispenso os sermões dos novos tele-evangelistas agora em voga, mudo de canal assim que me soa a propaganda seja do que for, reservo um tempo máximo para o fluxo informativo. Que, pelo que me vou apercebendo, equivale ao tempo mínimo para muitos outros. Passo ao lado das opiniões arrebanhadas das "redes sociais", não consumo nem partilho os incontáveis memes que me chegam das mais diversas proveniências, não gasto um minuto com "cenários" que reproduzem outros "cenários", quase sempre de teor apocalíptico, em obediência à mesma lógica de alinhamento dos telediários cá do burgo.»
Before the Next Teardrop Falls, Freddy Fender
(Single: Before the Next Teardrop Falls, 1975)
(créditos: daqui)
Gostava de futebol, apreciou a beleza feminina, namorou, sabia saborear um bom vinho. Depois escolheu o seu caminho.
Atingiu o pináculo do poder terreno da sua tribo no trono de São Pedro. Dispensou os múleos papais vermelhos da Prada, não usava óculos Gucci, e viveu uma dúzia de anos no quarto 201 da Casa Santa Marta.
Encarou os erros, procurou corrigir, pediu desculpa quando importava fazê-lo. Não perdeu a face.
Sorria, ria com gosto, tinha sentido de humor.
Trabalhar, rezar, cumprir as suas obrigações, cuidar da sua gente, pensar nos outros, estender-lhes a mão, ajudar quem precisava a levantar-se, mantendo a postura, a dignidade, o carácter, a autenticidade, a humildade, o amor até ao fim.
Fé é isto.
Gostava de ter esperança. De ter fé. Por eles – fiéis, infiéis e os outros –, também por mim.
Não sei se alguma vez haverá outro como ele. Mas seria bom.
Medra uma acesa polémica nas redes digitais em torno dos três dias de luto nacional concedidos pelo Governo para assinalar o falecimento do Papa Francisco, esta manhã sepultado em Roma.
Porquê? Porque Portugal "é um Estado laico".
Uma daquelas polémicas tipo bolhas de sabão, tão férteis no caldeirão das redes, como a dos jacarandás de uma avenida lisboeta que há um par de semanas sobressaltava outras almas - ou talvez as mesmas.
Acontece que o luto nacional por um líder religioso em nada fere a laicidade do Estado. Muito débil andaria a dita laicidade se assim fosse. Muito menos de uma confissão religiosa claramente maioritária no País (80,2% dos portugueses declaram-se católicos) e que aliás precede a própria fundação da nacionalidade. Ou seja, antes de haver Estado neste território que hoje chamamos Portugal, já existia religião cristã.
Acresce que a declaração de três dias de luto nacional é prática reiterada, não nasceu agora. Aconteceu há 20 anos, quando faleceu o Papa João Paulo II e o Chefe do Estado português era Jorge Sampaio, que aliás compareceu às exéquias solenes do Pontífice no Vaticano. À data, José Sócrates chefiava o Governo.
Falta sublinhar que, à luz do direito internacional, Francisco era também chefe de um Estado - a Santa Sé. Figura política, não apenas religiosa.
Três dias de luto nacional decretados pelo Estado português mereceram antes, por exemplo, o presidente egípcio Anwar Sadat (1981), Samora Machel (1986), o imperador japonês Hirohito (1989), Nelson Mandela (2013) e a Rainha Isabel II (2022), aliás também chefe da Igreja Anglicana.
Já o Estado brasileiro, igualmente laico, não fez a coisa por menos: Lula da Silva decretou sete dias de luto nacional pela morte do Papa. E dirigiu-se aos cidadãos do seu país enaltecendo a figura de Francisco em palavras comovidas, além de ter comparecido não apenas no funeral mas no próprio velório do Santo Padre, que contou com a presença de 60 chefes de Estado - 51 presidentes e nove monarcas - e 18 primeiros-ministros.
O que talvez cale alguns dos críticos cá na terra, muitos deles admiradores incondicionais do socialista Lula. Ou, se calhar, não. As redes equivalem às fornalhas: precisam de ser alimentadas com incessante combustível. Quando não há polémica, qualquer pretexto serve para parir mais uma.
Hoje lemos Naguib Mahfouz, "Entre dois Palácios".
Trilogia do Cairo, Volume 1
Passagem a L' Azular: "Kamal ficou angustiado e irritado, não só pelo insulto à honra dos professores, mas principalmente pela aprendizagem em si, por aquilo que sentia ser a verdadeira aprendizagem. Não tinha uma boa opinião sobre ocupações que abalavam a Terra. Percebia frequentemente que os escritores que o inspiravam lhes aplicavam epítetos depreciativos, referindo-se, por exemplo, à sua falsa grandeza e efémera glória. Baseando a sua opinião no que tinham dito, acreditava que a única verdadeira grandeza estava na vida da aprendizagem e da verdade. Assim, todas as manifestações de majestade e pompa lhe pareciam espúrias e triviais.”
Falar sobre as ocupações de territórios é falar sobre vencedores e vencidos, numa altura em que o "quem é quem" anda na boca de todos, no pensamento de muitos, na pele e na alma de quem sofre.
Desde que existe a humanidade, que acontecem ocupações, tomadas de territórios pelo uso da força e subjugação das populações.
George Orwell disse que "a história é escrita pelos vencedores", que não serão sempe os donos da razão. Tantas vezes a dita razão afinal não é razão nenhuma, mas apenas a desarrazoada e "efémera glória" da falsa grandeza.
Cristina Torrão: «Deus não é uma máquina de resolver problemas, nem é o génio saído da garrafa que nos satisfaz desejos. Ele apenas nos ampara, nos dá força. Em vez de pedirmos a Deus que nos tire os obstáculos da frente, devemos pedir-lhe força para lidar com eles. E, quando as adversidades nos ultrapassam, ajuda pensar que a solução talvez não esteja nas nossas mãos. "Eu dou o meu melhor, o resto é com Deus" - por vezes, basta este pensamento para nos sentirmos mais aliviados e corajosos.»
Luís Menezes Leitão: «Desta vez não foi uma borboleta, mas uma mordedura de morcego num pangolim, que depois foi vendido num mercado chinês. E o que causou não foi um furacão, mas uma pandemia mundial com consequências dramáticas a nível da saúde e da vida de imensas pessoas e com uma provável quebra brutal do PIB mundial, a que se seguirá uma recessão gigantesca. A dúvida, no entanto, é que mundo iremos encontrar depois desta pandemia. Depois de o caos se ter instalado, a recuperação integral do sistema pode tornar-se impossível.»
Such a Cold Night Tonight, Gino Santercole
(Álbum: Yuppi Du, de Adriano Celentano, 1975)
Em muitas das viagens que faço, seja em lazer ou em trabalho, no que não tem nada de inovador e acontecerá como muitos dos que por aqui e noutros lados me seguem, procuro conciliar as duas vertentes.
Por força da memória de um avô que não cheguei a conhecer, que foi despachado para o Tarrafal depois do golpe do 28 de Maio, a seguir deportado para Moçambique, e que hoje tem um largo no Barreiro com o seu nome, e de outros familiares e amigos que conheceram a agrura da prisão ou passaram pela António Maria Cardoso, no tempo da outra senhora, e que após o 25 de Abril de 1974 foram parar a Caxias, no PREC, ou estiveram à beira de um pelotão de fuzilamento em S. Paulo (Luanda), aprendi a dar o valor devido à liberdade que usufruo. Em quaisquer circunstâncias. Não só à física; também à de expressão e de manifestação. Talvez por isso também pague hoje o preço devido por essa liberdade, de que jamais abdicarei, para mim e para os outros, ainda que alguns sejam mais aparentados com vermes do que com humanos.
Ainda no meu tempo de faculdade fui algumas vezes jogar umas partidas de futebol a Caxias, dinamizadas por amigo e colega desse período.
E embora fosse bem acolhido pelo pessoal de serviço e os presos, para quem a nossa visita era sempre motivo de satisfação e de mais umas horas fora das celas enquanto decorriam os torneios de futebol, tive sempre uma sensação estranha: quando entrava sabia que algumas horas depois iria sair, de volta à minha vida, enquanto outros ali permaneceriam expiando as suas penas. Pagando a sua dívida, em muitos casos, por um erro não raro indesejado.
De muitos ouvi histórias, apesar de nunca me preocupar em querer saber a razão de ali estarem.
Eram homens, gente, como nós e que naqueles breves momentos apenas queriam jogar futebol, participar, conviver, falar com quem vinha de fora.
Mais tarde, já exercendo a profissão que ainda hoje tenho, continuei, contrariado a entrar em prisões. Vi as suficientes, em várias partes do mundo, para lhes ter um verdadeiro horror. Não há prisões boas, nem menos más. Há prisões. E há a liberdade. E homens livres.
Algumas impressionaram-me sobremaneira.
De duas, que visitei depois de reconvertidas em museus, conhecendo as suas histórias, jamais esquecerei: a infame “Hanói Hilton”, no Vietname, onde estive em 1995, e a sinistra Tuol Sleng, mais conhecida por S-21, em Phnom Phen, que há meia-dúzia de anos visitei no Cambodja e de que aqui um dia deixei registo.
Pensava ter conhecido a história das piores. A semana passada entrei numa que vai directamente para o top 3 pelas piores razões.
Trata-se da antiga prisão de Phu Quoc, um local paradisíaco, a sul do Vietname, no golfo da Tailândia e muito perto do Cambodja. O nome por que ficou conhecida diz quase tudo: “Inferno na Terra” (“Hell on Earth”).
Nas suas imediações ficam algumas das praias mais fabulosas do mundo, como Khem e Sao, mas ali a tortura, que tanto era exercida sobre criminosos comuns como sobre presos políticos, não conhecia limites.
A antiga prisão de Phu Quoc foi construída pelos franceses em 1949. Conhecida como Cang Cay Dua POW Prison Camp, passaria à história como “Coconut Tree Prison”.
No tempo dos franceses era considerada a maior prisão da Indochina, chegando a ocupar uma área de 40 hectares e albergando durante esse tempo cerca de 14 mil prisioneiros.
Na sequência dos Acordos de Genebra seria encerrada, em 1954, para logo no ano seguinte ser reaberta, até 1957. Não ficaria por aqui. O regime de Thieu reabriu-a em 1967 com o nome de “Vietnam-Phu Quoc Communist POW Prison Camp” e voltou a utilizá-la para albergar, torturar e matar prisioneiros políticos. Gente como quem me lê que pensava de uma maneira diferente.
Foi ali que vi as “tiger cages”. Não vale a pena descrever-vos o que então senti. Não vos quero incomodar durante o luto papal.
Remeto-vos, por isso, para um pequeno filme que me poupará as palavras neste Dia 25 de Abril, 51 anos depois de 1974.
Aqui deixo-vos agora as fotos que ali tirei. E também a foto de uma praia do outro lado do inferno.
É preciso que todos e cada um de nós tenha sempre presente que o horror se encontra muitas vezes paredes-meias com o paraíso. E que há uma linha muito ténue que os separa. Eu chamo-a de liberdade. E em cada dia que passa tenho medo de deixar de a ver.
Saibamos valorizar a liberdade que temos. Sejamos dela merecedores. Sejamos gente. Sem pieguices.
«As democracias estão cada vez menos democráticas.»
Marcelo Rebelo de Sousa, ontem, no jantar da Associação 25 de Abril
A 25 de Abril de 1279, D. Dinis confirmou o foral de Alcáçovas.
(créditos: Salgueiro Maia the Captain of April)
I. − [Correspond à libre I] État de celui, de ce qui n'est pas soumis à une ou des contrainte(s) externe(s).
«Comemorar o 25 de Abril» em dia de luto nacional.
Eu: «Estado de emergência a vigorar até 2 de Maio, data em que será presumivelmente substituído por um estado de calamidade pública. Supressão parcial ou total da liberdade de circulação, da liberdade de reunião, da liberdade de manifestação, do direito à greve, do direito de resistência, do direito de emigração, do direito de iniciativa económica privada. Centenas de pessoas detidas por crime de desobediência. Selos sanitários em hotéis e restaurantes - deixando implícito que os restantes serão pestíferos ou purulentos. Medição de temperatura a futuros clientes à entrada de restaurantes e de trabalhadores nas empresas. Praias com lotação limitada - algo jamais visto neste país, nem sequer em períodos de ditadura. Interdição da prática de cultos religiosos, em flagrante contraste com o culto dos rituais do Estado, que continuam a praticar-se. Perseguição a velhos nos jardins públicos e a jovens surfistas nas águas do mar. "Cercas sanitárias" decretadas em vários perímetros municipais, mesmo em concelhos com apenas dez casos de infecção por coronavírus detectados. Mecanismos de "reconhecimento facial" em avaliação para possível réplica local dos métodos que já são correntes na China. Câmaras térmicas para detectar trabalhadores com febre. (...) Dia da liberdade. Festejemos, pois.»