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Delito de Opinião

DELITO há três anos

Pedro Correia, 14.03.25

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Beatriz Alcobia: «Há diferenças grandes entre os refugiados sírios e os ucranianos e não têm que ver com a cor da pele. Em primeiro lugar, os ucranianos que fogem da guerra são quase todos mulheres e crianças. Não há, entre os ucranianos, uma percentagem de bombistas radicais que entram misturados para criar células de terroristas contra os europeus, homens que enchem as mesquitas de ódio e incitamento à violência contra os europeus.»

 

Maria Dulce Fernandes: «Que a história se repete, não é novidade, nem que as recorrências sejam aprazíveis. No que toca a condições atmosféricas nem sequer é premonição, é um facto que, neste caso particular, acontece na Primavera e no Outono, todos os anos de todos os séculos. Regressa sempre com as chuvas, com os degelos e com espírito de César. Chega, vê e vence. Que o digam Napoleão e Hitler. Esperemos que ao Psicopata Russo também lhe faça bom proveito.»

Naufrágio à vista de terra firme

Sérgio de Almeida Correia, 13.03.25

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Quem tiver acompanhado em directo a discussão da moção de confiança que o Governo de Luis Montenegro levou ontem à Assembleia da República, certamente que não deixará de reflectir, por pouco tempo que seja, sobre o que ali aconteceu. Para lá dos discursos, as expressões faciais e corporais dos protagonistas, os gestos, a colocação da voz do primeiro-ministro, o estilo do discurso e em particular o olhar, à medida que a sessão avançava, eliminavam as poucas dúvidas que ainda restassem sobre a sua rejeição.

Na bancada do Governo, tirando alguns esgares e sorrisos de circunstância, perdera-se a pose impante e altiva de quem manda e vai governar durante quatro anos. Olhares perdidos, longínquos, rostos fechados, circunspectos, denotando um misto de preocupação e de resignação.

Creio que muitos dos ministros do XXIV Governo teriam preferido que a moção nunca tivesse sido apresentada. Ou, então, que Montenegro a tivesse retirado antes da votação final. Provavelmente não o saberemos nos próximos tempos, mas dia virá em que essa parte da história será desvendada. Ali havia que mostrar solidariedade, ainda que só pela presença física, que o espírito e alma de cada um não se entregam assim, nem se conformam com a simples ritualização procedimental.

O primeiro-ministro procurou cumprir o seu papel sem a confortável ousadia de quem está convencido de que leva a razão pela mão. O desgaste das últimas três semanas, a compressão do olhar, muitas vezes ausente, mostravam que o seu tempo se aproximava do fim. A teatralização perdeu eficácia. O que ao longo dos últimos dias foi conhecido era afinal demasiado grave e contundente para não fazer mossa.

À medida que o debate progredia, aumentava o incómodo à sua direita e à sua esquerda, embora não tão eloquente como na bancada do PSD, onde as paupérrimas intervenções de Hugo Soares e Paulo Núncio em nada contribuíam para a desejada continuidade do Governo. A aflição tornou-se maior quando se percebeu que a desvairada proposta de uma CPI por 15 dias ou uma negociação de bastidores com o PS estaria condenada ao insucesso. E à vergonha.

Ventura fez o número habitual. Tom crispado e desafiador, naquela pose de marido enganado que vai fazer justiça, atirando culpas a tudo e a todos sem que os outros lhe dessem importância. Naquele momento o Chega já riscava muito pouco. A arenga, depois secundada pelo seu número dois, era irrelevante.

Mariana Mortágua, Rui Rocha e Rui Tavares estiveram bem na defesa das suas posições. A primeira, em ritmo pausado, com um discurso bem articulado, claro e incisivo, fez uma intervenção demolidora, colocando as questões cruciais. O líder do IL assumiu a pose de Estado, mostrando a sua disponibilidade para futuros entendimentos à direita. Rui Tavares procurou ser pedagógico. Inês Sousa Real referiu o óbvio. As intervenções da bancada do PCP, muito longe do brilho e de fulgor de outras eras, pouco acrescentaram, chegando a ser penoso ver como o grupo parlamentar minguou.

O líder do PS, que normalmente recorre a um discurso repetitivo, em tom monocórdico e excessivamente palavroso, por uma vez cingiu-se ao essencial sem demasiado espalhafato. Foi bem apoiado por Alexandra Leitão e Pedro Delgado Alves. Intervenções sem demasiado floreados, directas, numa linguagem compreensível para todos, são sempre muito mais eficazes, e tornaram irreversível o sentimento de rejeição da confiança pedida pelo Governo. 

Quando os telefones começaram a ser usados com mais frequência,  viu-se aquele número tosco do líder parlamentar do PSD, desesperadamente querendo fazer de ponto de Montenegro e salvador do Governo. Aí percebeu-se que tudo estava terminado. A intervenção final do esforçado Miranda Sarmento já não terá sido ouvida por ninguém. O apelo que fez naquela altura destinava-se a um saco roto.

Formalmente, a AR rejeitou o voto de confiança pedido pelo Governo. Substancialmente não foi este quem perdeu a confiança. O Público trazia esta manhã a fotografia do primeiro-ministro e o título, pouco rigoroso, dizia apenas "Caiu".

Na verdade, Montenegro não caiu. Nem se estatelou. O primeiro-ministro naufragou. E o mais incrível é que tudo aconteceu a 200 metros de terra firme. Levou com ele toda a tripulação, mais os passageiros, os clandestinos, as baratas e os ratos. Ninguém escapou.

Incapaz de perceber os muito sinais que lhe chegavam dos faróis e das bóias ao longo da costa, que o alertavam para um provável naufrágio ante o aumento das vagas que lhe entravam pelo convés, e que antes já o tinham deixado todo encharcado na ponte, confiante nas suas capacidades de Capitão Nemo da Costa Verde, Montenegro persistiu em manter o rumo enquanto mastigava um douradinho da Pescanova.

Há muito que se convencera de que o facto de os anteriores inquilinos da São Caetano à Lapa lhe terem confiado o navio era mais do que garantia de que aqueles marujos que o acompanhavam e o ajudaram antes a preparar a documentação para responder ao anúncio da Duck Cruises – Holidays and Trips Limited, mais conhecida como Cruzeiros à Pato – Férias e Viagens, Limitada, constituíam uma tripulação experiente e habituada a navegações oceânicas.

O primeiro-ministro ignorou os avisos de perigo iminente do faroleiro Santos e as indicações que este lhe dera pelo rádio para fazer um bordo de 90.º, a estibordo, e assim fugir das vagas e do nevoeiro, afastando-se das redes do pescador Arruda. Recusou alterar o rumo. Quando o seu compincha, em terra, agarrado aos binóculos de visão nocturna embaciados pelo nevoeiro, mas que ele só usava no olho direito para não pensarem que era um radical de esquerda, lhe começou a dizer para tirar a água que entrava pela amura de bombordo, já era um Capitão Montenegro em pânico que fugia da vaga em direcção à costa, correndo à frente daquela, sem perceber que o imediato Duarte e o cabo Leitão ainda andavam à procura dos coletes e dos remos dos salva-vidas que, afinal, tinham ficado esquecidos num armazém da Solverde, misturados com os sacos de golfe, as facturas da Spinumviva, os recados do Soares e o projecto de arquitectura que o Moedas pedira para justificar as obras na mansão da Travessa do Possolo.

O que se seguiu é do conhecimento de todos. Uma multidão de repórteres e operadores de imagem, de microfone em riste, com a jornalista Felgueiras à cabeça nas suas garridas galochas amarelas, estavam a postos para transmitirem em directo o naufrágio e os primeiros testemunhos dos náufragos.

Recolhidos pelo que restava de pessoal operacional do INEM e os mirones do Correio da Manhã, receberam algumas mantas, agasalhos secos e umas caixas de refeições ligeiras, antes de serem transportados até São Bento, onde iriam pernoitar. Quando aí chegaram, estranhamente, ninguém lhes franqueou a entrada. Na porta estava colado um aviso que dizia ter o senhorio resolvido o contrato devido à prática de actos ofensivos dos bons costumes.

Impedidos de ali se instalarem, onde entretanto haviam começado as obras para acolhimento dos futuros inquilinos, rumaram ao hotel de um velho conhecido. Esperavam aí obter um quarto duplo onde se acomodassem os três, com um preço aceitável e sem necessidade de grande conversa. Lamentavelmente não lograram os seus intentos. O contrato com o armador do navio e a seguradora caducara e os estalajadeiros não tinham quartos disponíveis. E, ao contrário do habitual, os fulanos recusaram liminarmente o regateio. O bispo Irineu Lavador que nessa manhã chegara a Lisboa num jacto privado procedente de Corumbá, carregado de dólares, tinha o hotel por sua conta e dos familiares e fiéis que se juntariam nessa noite numa celebração da sua seita no Estádio do Restelo, cujas portas abririam, milagrosamente, graças aos bons ofícios do deputado Almeida.

À hora a que escrevo estas linhas recebi informação de um amigo sapador, que festejava a sua recente promoção e o aumento salarial anunciado pelo chefe Sarmento com umas gambas e umas cervejolas, nas proximidades de Santa Apolónia, que me referiu ter visto os náufragos entrarem numa viatura da PSP, chamada de emergência ao local, depois daqueles terem sido corridos de Belém, onde pretendiam pernoitar, imaginem, à pedrada.

Essa recepção inusitada encaminhou-os daí para o Largo do Caldas, na esperança de que ainda lá estivesse um porteiro conhecido que lhes desse uma chávena de chá e os abrigasse. Sem sucesso. A electricidade e a água tinham sido cortadas por falta de pagamento. Entretido com os submarinos, o menino Nuno nunca mais se lembrara das contas.

Àquela hora, desesperados, com o Panteão Nacional ainda fechado, sem comboios para o Porto que parassem em Espinho e assegurassem ligação a Braga, refugiaram-se na Santa Casa da Misericórdia. Valeu-lhes um telefonema do Santana da Figueira. O que ninguém imaginava é que os deixassem ficar sentados nas escadas até ao nascer do dia. É que eram tantos os náufragos, devido à sobrelotação do navio, que nem ali havia mais camas disponíveis.

DELITO há três anos

Pedro Correia, 13.03.25

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José Pimentel Teixeira: «Boaventura Sousa Santos publicou no "Público" (pelo menos) dois textos de opinião dedicados à invasão russa da Ucrânia. Nada do que neles escreveu diverge das concepções que nas últimas décadas vem pronunciando sobre as diversas matérias do mundo, e que tão queridas e aclamadas vêm sendo em nichos da intelectualidade portuguesa: uma filosofia da história de teor conspiratório, crente na "mão invisível" que tudo causa e comanda, a omnipotência dos omnimalevolentes Estados Unidos da América; um método particular, o manuseio por cardápio das realidades históricas (ditas como apenas "construídas" pelos observadores) para sustentar um discurso apresentado como progressista e que se embrulha como democrático - ainda que refute a "democracia formal"... (...) A sua paupérrima deriva pela monocausalidade, intelectualmente indigna - convém notar que até chega a dizer que a dissolução guerreira da Jugoslávia em 1991 se deveu a que os EUA não queriam que subsistisse um país europeu do Movimento dos Não-Alinhados (em 1991!!!), um perfeito dislate. Disparatada mundividência que o leva agora à simples responsabilização dos Estados Unidos da América, da NATO e das democracias liberais europeias pelo advento da guerra russo-ucraniana.»

 

Paulo Sousa: «A ordem liberal europeia tem um dos seus mais sólidos pilares nas praias da Normandia. Sem a aberração do nazismo, a Europa e o mundo seriam hoje muito diferentes. Será que o ciclo de violência iniciado há dias por Putin ficará circunscrito à Ucrânia, e que serão os soldados ucranianos os únicos chamados para lutar e morrer pela liberdade? Que riscos estamos dispostos correr e que sacrifícios estamos dispostos a fazer para defender o que somos e a forma como vivemos?»

Farto de tácticas

Paulo Sousa, 12.03.25

A crónica de uma queda do governo anunciada, concretizou-se ontem e foi custoso de ver.

Ao longo dos últimos dias temos assistido a manobras da mais pura, e crua, táctica política. É óbvio que política sem táctica não é política, mas quando a política se esgota na táctica, perde-se o propósito da política. Recorrendo a uma imagem futebolística, é como um jogo embrenhado em fintas que se esqueceu da baliza.

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Como é que os protagonistas de ontem conseguirão explicar ao país a necessidade de um novo processo eleitoral? Que abismais diferenças separam a percepção que os dois maiores partidos têm para o país? Basta olhar para as mudanças que decorrem no concerto dos países, para que a questão anterior deva ser repetida. Que abismais diferenças separam a percepção que os dois maiores partidos têm para o país?

Na conversa com um amigo, fui confrontado com uma forma alternativa de ver os principais partidos do regime. Segundo ele, funcionam como marcas diferentes detidas pelo mesmo dono. Existe uma aparente concorrência, mas que se destina a alargar a oferta e a alcançar mais mercado. Publicidade à parte, podemos constatar isso mesmo nas marcas automóveis da VW, Skoda e Seat, ou também da Peugeot e Citroen. Partilham infra-estruturas, motores, peças, projectos e até a rede de assistência. Os vendedores têm objectivos que os colocam em concorrência directa, mas o patrão é o mesmo. Eu discordei. Basta observar o que se passou nas primeiras décadas do regime, para ver como se defendiam coisas bastante diferentes, disse eu. Então e se olharmos para os anos mais recentes? Já fiquei com mais dificuldade em responder. As medidas que o PSD tomou neste curto mandato foram rigorosamente as mesmas que em condições idênticas o PS teria tomado. Como o Pedro Correia aqui bem trouxe à conversa, o Centrão quase que faz lembrar o Partido Republicano da Primeira República. Só eles é que podem governar.

O país precisa de reformas mas o Centrão, o dono das várias marcas do mercado, não quer reformas nenhumas. As campanhas publicitárias garantem-nos que essas várias marcas são todas muito diferentes e por isso estas são impossíveis. E é nessa altura que assistimos à quase unanimidade da recente aprovação na desagregação das freguesias. Em que é que ficamos? Afinal é só isso que os aproxima?

Muita coisa já foi dita sobre o deprimente espectáculo ontem transmitido a partir do Palácio de São Bento, mas não pude deixar de concordar que quando se insiste em que as Jotas devam ser a base de recrutamento para a vida política, acaba-se por transformar a Assembleia da República numa reunião para a Associação de Estudantes. Quando se exige que apenas políticos gerados em laboratório possam exercer cargos de responsabilidade, acabamos a ser governados por gente sem mundo e sem outra vida que não seja a das fintas e reviengas. Quando não se aceita pagar salários decentes aos nossos governantes, temos de nos contentar com as terceiras ou quartas escolhas do que de bom tem o país.

Mesmo tendo ficado ontem sem voz, ou sem pio, André Ventura sabe tudo isto e é isso que tem tentado explorar com relativo sucesso. No entanto, e para que pudesse alguma vez ser uma alternativa, o líder espiritual da seita religiosa em que o Chega se tornou sofre de um problema insanável. Não é a falta de ambição de um dia vir a ser ministro de qualquer coisa, nem que não saiba qual a finta mais vistosa para cada momento, mas apenas por não querer mudar o país. O que ele gostava era de um dia vir a dominar esse mesmo Centrão, que agora tanto critica. A sua abstenção na proposta da desagregação de novas freguesias pode parecer apenas um detalhe, mas tem um enorme significado. Para além disso, está enfermo daquele mal incurável da não-confiabilidade. A confiança pode demorar uma vida inteira a conquistar-se, mas como bem sabemos, pode esfumar-se numa fracção de segundo. Basta imaginar o que seria se Montenegro não tivesse proferido o famoso “não é não” e que, até ontem, éramos governados por uma coligação de direita. Ventura, constante e solidamente, fez do Chega um parceiro político tóxico, que serve para protestar, mas que não serve para resolver. E que se encolhe os ombros perante a proposta de criação de mais “tachos” autárquicos. Pode até vir a conseguir mais mandatos para a Assembleia da República, mas para os preencher terá de ir recrutar bandidos já presos e malucos já internados.

Por tudo isto, e ainda mais que a seu tempo poderei aqui trazer, nas próximas legislativas não irei votar estrategicamente. Tenho votado PSD devido ao chamado voto útil. Graças ao método de Hondt a democracia em Lisboa, e nos grandes círculos eleitorais, é diferente da do resto país. De forma a evitar a perda de votos não tenho votado na IL, mas desta vez essa será a minha escolha.

Precisamos de governantes com mundo, com maturidade, com uma ideia de país que ultrapasse aquelas lógicas que só quem cresceu e viveu a militar nas Jotas entende.

Por serem necessários resultados diferentes, desta vez não irei votar nos mesmos.

Quatro eleições em cinco anos e sete meses

Pedro Correia, 12.03.25

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Eis já posta em prática a lei das consequências não intencionais a que aludo aqui. Com a dissolução da legislatura que o Presidente da República se prepara para anunciar ao País esta semana, após o chumbo de ontem à moção de confiança apresentada pelo Governo no hemiciclo de São Bento, superamos agora a turbulência eleitoral registada na segunda metade da I República, de má memória.

Nesse período foram convocadas quatro "eleições gerais" para preencher assentos parlamentares: em Maio de 1919, Julho de 1921, Janeiro de 1922 e Novembro de 1925. Quatro actos eleitorais em seis anos e seis meses.

Apesar de tudo, num intervalo mais dilatado do que a alucinante série de recentes eleições legislativas: Outubro de 2019, Janeiro de 2022, Março de 2024 e as que vão seguir-se, provavelmente a 11 de Maio. Cinco anos e sete meses.

Há cem anos, nada de substancial ia sendo solucionado com as sucessivas chamadas às urnas. Pelo contrário, cada toque a rebate eleitoral deixava o quadro político e governativo sempre mais convulso.

Os políticos dos nossos dias, sejam de que quadrante forem, deviam assimilar as lições da História. Antes, porém, é indispensável conhecê-la.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 12.03.25

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Hoje lemos Curzio Malapart, "A Pele".

Passagem a L' Azular: "O preço da liberdade é elevado — muito maior do que o da escravatura. E não se paga em ouro, nem em sangue, nem nos mais nobres sacrifícios, mas em cobardia, em prostituição, em traição e em tudo o que há de podre na alma humana.”

Onde é que pára a... liberdade? Sim, porque as promessas de liberdade são muitas, mas são todas vãs.

A única e verdadeira liberdade, aquela à qual ninguém corta as raízes é, como disse Camões e muito bem, a do pensamento. Mas (porque tem sempre de haver um mas) quantos se crêem livres e tornitruantes da sua condição, quando têm o pensamento manietado por ideias e ideais retrógrados, podres e até ridículos de publicitar. Por serem donos daquela verdade que pensam que os liberta, cada vez mais se afundam e se embrenham no torvelinho das calúnias. São felizes assim, benza-os Deus, desde que a sua felicidade nunca impeça a felicidade dos demais.

O negrume de Montenegro

jpt, 12.03.25

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(Presumo que a fotografia seja de Nuno Ferreira Santos)

Nós, os adeptos de futebol, somos cruéis. Na impiedade com que avaliamos - julgamos - os desempenhos dos profissionais. Na impetuosidade com que deles nos apropriamos para os nossos escapismos, quais catarses - para os nossos afectos, mesmo paixões, mas também para as raivas, até ódios. No despudor com que os usamos como matéria-prima para significar a realidade, despersonalizando-os como meros lexemas. Disso brotam enunciados dogmáticos que esclarecem o Universo: "Divino como Vítor Damas", "Belo como Jordão", "Demoníaco como Alberto", "Tosco como José Eduardo", diz no já muito usado missal da congregação que frequento. Corolário desta religiosidade popular emanou uma teologia, ecuménica, que à totalidade dá sentido, cuja liturgia se expressa em idioma próprio, sacro, apenas verdadeiramente cognoscivel pelos iniciados: o futebolês.

Foi nesse registo - cruel, repito, até desrespeitoso para com o aludido, e isso lamento, pois assim pecaminoso (mea maxima culpa, aliás "fiz penalti") - que em 4.1.2023 usei o bom nome do profissional Jorge Silas para significar Luís Montenegro, a este dizendo um evidente "erro de casting", uma má contratação, por assim dizer. E, na soberba do verdadeiro crente, insisti, em 28.9.2023, no púlpito pregando que "é já óbvio que Montenegro é uma espécie de Jorge Silas - o treinador de futebol que o Sporting contratara, crendo-o e anunciando-o como "the next big thing". E que veio a falhar rotundamente, por causas próprias e alheias". 

Espero que Jorge Silas - o qual me afiançam ser um homem decente e um honestíssimo e empenhado profissional, e ao qual desejo felicidades pessoais e sucessos laborais - me perdoe esta atrevida metáfora, se dela tenha tido ou vier a ter conhecimento. Não era algo pessoal, apenas a ladainha litúrgica a que acima aludo, cativando o que era consabido: as coisas no Sporting não lhe haviam corrido bem, acontece... E que era evidente que as coisas no PSD não iriam correr bem sob alguém com aquele perfil - o que não "acontece...", a política não é um jogo, não há "lesões" e "bolas à trave" ou "árbitros". Pois o futebolês tem imensos limites... teológicos.

O rumo de Luís Montenegro nas últimas semanas é ... denotativo do seu perfil, político. O qual é evidente, desde que assomou. A sociedade portuguesa actual já não é a do tempo dos caciques - da prevalência de "O Senhor Morgado" do Conde de Monsaraz, que o grande Adriano Correia de Oliveira cantou. Pois esta já longa democracia é a era dos "facilitadores". Montenegros. Há atrevidos que consideram ser este país uma espécie de "PME" e que por isso lhe basta um líder "facilitador". Mas não é, tal como não é um quartel ou fragata, tropa pronta a perfilar-se diante de um oficial general.

E ontem, aquilo que se passou na AR - um Primeiro-Ministro, seu governo e seu partido em míseras artimanhas, avanços e arrecuas, na arrogância do "bluff" com canino rabo entre as pernas - foi uma vergonha. Espero que calamitosa para uma "geração" partidária. Essa que agora se desdobra e desdobrará, comentadeira ou pomposa, a clamar ser alheia a "responsabilidade" desta trapalhada. E a qual não tem qualquer desculpa, estava desde há muito avisada: em 8.5.2023 um tipo que não é esquerdista tinha avisado - e a propósito do mesmo fluxo agora explodido - que o rumo de Montenegro era (e é, como se comprova) o de "Sócrates Vintage".

E não tem desculpa, essa "geração" partidária, porque é ela própria apenas isto. Um negrume. Agora o de Montenegro. Amanhã o de um outro qualquer "facilitador".

Espero, sinceramente, que a "moldura humana" não os deixe, sequer, "ir a penalties"...

DELITO há três anos

Pedro Correia, 12.03.25

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José Meireles Graça«A Ucrânia, como a própria invasão ilustra, tinha e tem todas as razões para temer o urso vizinho; o México não tem nenhuma razão para temer o Tio Sam, mesmo que no passado longínquo as coisas não tenham sido exactamente assim; os países bálticos, e outros que não estão suficientemente longe, têm todas as razões para se abrigarem na OTAN, que é uma organização defensiva; e a China sabe, como toda a gente, que o único obstáculo sério à absorção de Taiwan são os EUA, o que significaria, no caso absurdo de uma aliança entre a China e o México, que a única interpretação possível era a de um acto hostil do México aos EUA.»

 

José Pimentel Teixeira: «Lendo os meus correspondentes-FB em Moçambique encontro imensa gente louvando/"compreendendo" (justificando) - entre postais e comentários - a "operação militar" (sic) da Rússia na Ucrânia. A dimensão dessa adesão surpreende-me. Até porque habita num país que durante os últimos 50 anos viveu uma guerra de independência contra Portugal, uma "operação militar" (sic) da Rodésia e a demorada intrusão militar da África do Sul.»

 

Eu: «É urgente desnazificar a Rússia.»

Um ano com D. Dinis (12)

As vilas a Leste do Guadiana

Cristina Torrão, 11.03.25
11 de Março é uma data simbólica da nossa história recente. Mas também o foi há 746 anos.

 

A 11 de Março de 1281, o rei D. Afonso X de Leão e Castela concedeu terras e igrejas aos Hospitalários, a título de escambo, para os compensar da perda de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. O monarca castelhano pretendia doar estes lugares e vilas à filha D. Beatriz, rainha-viúva de Portugal. D. Beatriz tinha-se refugiado na corte castelhana, depois de enviuvar, por desentendimentos com o filho D. Dinis.

 

DinisQuadro.jpgImagem de D Dinis, publicada na História Universal da Literatura Portuguesa (2006)

 

Depois de aguardar uns momentos, Dinis inquiriu:

- As vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão continuam em vosso poder, não é verdade?

- Sim, com todos os seus termos, castelos, rendas e direitos. Foi essa a recompensa de vosso avô, por eu lhe haver prestado assistência.

- Presumo então nada terdes contra o facto de integrá-las no reino de Portugal.

Beatriz fixou-o pensativa e, assim pareceu a Dinis, um pouco acusadora. Na verdade, o rei receava que ela dissesse ele não merecer tal, por ter abandonado o avô. Mas ela acabou por retorquir:

- Longe de mim contrariar vosso pai nessa questão.

- Meu pai?!

- Fosse ele vivo, não tenho a menor dúvida de qual seria a sua vontade.

Para Dinis, aquela era uma vitória de sabor amargo. Sua mãe concordava em alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, mas, pelos vistos, não porque ele merecesse, ou por ela lhe querer dar esse gosto.*

 

Foi graças a esta herança de sua mãe, que D. Dinis pôde alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, alargamento confirmado no Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro de 1297.

 

*Excerto do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram O Lavrador"

Sem palavras

Sérgio de Almeida Correia, 11.03.25

"O primeiro-ministro, Luís Montenegro, revelou que fez um acordo com o grupo hoteleiro Sana para conseguir pagar “250 euros por cada noite” passada num hotel de cinco estrelas no centro de Lisboa. E para garantir ainda que o alojamento estaria “disponível” “sempre que fosse necessário".

Um primeiro-ministro em funções faz um acordo destes? Tinha necessidade? Tendo uma residência oficial? E um apartamento em Lisboa?

Este tipo terá noção do que diz? Estará no seu perfeito juízo?

Só resta o futebolês!

jpt, 11.03.25

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O Sérgio de Almeida Correia fez o diagnóstico correcto do campeonato. Estamos a metade da primeira volta e isto está nivelado por baixo. Os plantéis estão fracos - há evidentes dificuldades em contratar no estrangeiro mas o pior é o lamentável estado das "academias", há demasiado tempo que os clubes não apostam na "formação"... E os treinadores não convencem. Com excepção do "milagreiro" do CHEGA F.C., qual Meirim ou Jaime Pacheco desta era, exímio cultor da táctica da biqueirada para a frente e do "passa a bola mas não passa o homem", bem adequada ao seu "grupo de trabalho", e que se vai aguentando na luta pelos "lugares europeus". De resto, poderemos ressalvar o trabalho do prof. Tavares, que vindo dos quadros da FPF, tem segurado o Académico LIVRE através de um silencioso "catennacio", o qual aparenta vir a garantir-lhe a manutenção primodivisionária. 

Quanto ao resto parece evidente o desajuste: Paulino, promovido do Desportivo de Beja para o Fofó PCP,  está condenado à descida e só manterá o lugar no banco devido às consabidas dificuldades financeiras da popular agremiação, assim impedida de entrar nas sempre custosas rescisões contratuais. Entretanto a aposta no futebol feminino não está a vingar. Já nos grandes grassa a desconfiança entre as "massas adeptas": "Monty" teve alguns bons jogos nas competições europeias mas a sua equipa é irregular, perde demasiados pontos, principalmente no seu reduto Espinho. Além de que tem imensos problemas disciplinares e segue sem o carisma, a rusticidade, para os suportar - pois não é Sérgio Conceição quem quer e a este falta-lhe o veemente apoio de Marcelo Pinto da Costa. Colado, com um jogo a menos, segue Santos, o "engenheiro do tenta", a impor um futebol triste, sem magia. E, pior, "sem golo".

No início da época entusiasmei-me e entrei em despesas, comprei um lugar cativo para acompanhar o Clube Estoril Liberal. Mas tem chovido imenso e não tenho ido aos jogos... Entretanto amigos mais atentos dizem-me que a equipa parece estar a jogar para ir a penalties.

Em suma, urgem as chicotadas psicológicas...

Os dados estão lançados

Sérgio de Almeida Correia, 11.03.25

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Salvo qualquer surpresa de última hora, será hoje votada na Assembleia da República a “Moção de Confiança”, apresentada pelo XXIV Governo Constitucional, liderado por Luís Montenegro, depois de aprovada na reunião do conselho de ministros de 6 de Março p.p..

Os pressupostos dessa moção são muito discutíveis, havendo uma falsa premissa e um objectivo que se reconduzem ao mesmo e que não se verificaram antes, nem jamais ocorrerão no futuro com o actual primeiro-ministro e o seu governo: é falso que tivesse sido conquistada a estabilidade política, que esta tivesse sido colocada em causa, e que, no futuro, se a moção não for chumbada, o Governo passe a ter “estabilidade política efe[c]tiva (...) para que possa prosseguir a execução do seu programa de transformação do País”. Ademais, é absolutamente falso que seja apresentada com “pleno sentido de responsabilidade e exclusivo foco no interesse nacional”.

Nem o Governo teve estabilidade política desde que tomou posse – quer pelo magro resultado obtido pelo PSD nas eleições do ano passado, quer pelas próprias circunstâncias em que este Governo foi investido e conseguiu fazer passar o seu programa na Assembleia da República, quer ainda pela sua instabilidade interna, só não tendo caído já porque o PS deixou passar o orçamento e se absteve na votação de duas moções de censura –, nem será pelo facto desta moção, eventualmente, poder passar com a abstenção do PS, se entretanto o primeiro-ministro não tiver o bom senso de retirá-la, que este Governo terá estabilidade política no futuro.

Enquanto Luís Montenegro não der de uma vez e sem rodeios as explicações que há muito devia ter dado, de forma séria e credível, coisa que até hoje não aconteceu, este Governo estará sempre à beira do precipício. Por culpa própria, erros evitáveis e a mais absoluta inépcia política.   

A apresentação da moção de confiança corresponde apenas a uma vontade conjuntural inequívoca do líder do PSD de fazer cair o Governo. Convencido como está, mais a sua equipa de spin doctors, que há dias se desdobrou em cinco canais televisivos para se ir contradizendo em directo, de que em futuras eleições poderá reeditar a maioria absoluta alcançada pelo PSD de Cavaco Silva nas distantes eleições de 19 de Julho de 1987.

Não estou convencido que o consiga. As condições actuais são bastante diferentes das vividas naquele tempo. Ainda porque há uma grande diferença de formação, carácter e personalidade entre os líderes e as suas equipas. Basta pensar que este PSD é dirigido por uma espécie de Three Stooges, correspondendo Montenegro, Hugo Soares e Leitão Amaro, na perfeição, aos famosos Moe, Larry, e Curley, tal é a falta de jeito e de preparação que exibem para gerir a coisa pública e de que têm dado abundante mostra.

Nenhum dos objectivos teorizados sobre o significado político de uma moção de confiança – a Constituição fala em voto de confiança no art.º 193.º, mas como salientam Canotilho e Vital Moreira “a sua disciplina reconduz-se, nos termos constitucionais e regimentais, à categoria de moção”, constante dos art.ºs 163.º, alínea e) e 195.º, n.º 1, alínea c) – será cumprido com esta iniciativa: (i) não existe uma maioria parlamentar de suporte do Governo que possa renovar o apoio à sua actuação, (ii) não subsiste nenhuma maioria parlamentar de apoio e, se o PS se abstiver, (iii) não será possível “provocar o reconhecimento formal da falta de condições de governo”, para com isso desencadear um novo rearranjo governamental nos quadros existentes da AR.

Este último inviabilizado pela antecipação do PR em anunciar ao país, antes mesmo da apresentação da moção, de qualquer votação e de reunir o Conselho de Estado, a dissolução do parlamento e a convocação de futuras eleições. Marcelo Rebelo de Sousa nunca escondeu a sua aversão a Montenegro e, quer-se queira quer não, foram os tais comportamentos e uma “mentalidade rural” que nos colocaram neste impasse.

Sobre o que nos trouxe até aqui não têm faltado opinadores. E como sobre o essencial já me pronunciei, não vou perder mais tempo com esse rosário. Preocupar-me-ei sim em aqui equacionar os cenários possíveis e o que nos pode esperar.

Admitindo, por um bambúrrio que me escapa, que o PS abster-se-á, a moção de confiança passará e o Governo sobreviverá, nem por isso deixaremos de ter um primeiro-ministro a prazo e com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça. O PS avisou que com ou sem eleições haverá sempre Comissão Parlamentar de Inquérito. As eleições autárquicas não constituem futuro seguro de vida, as presidenciais também não – mais a mais com o ultra desacreditado Marques Mendes – e o chumbo de um futuro orçamento é mais do que garantido. Se a moção passar e o Governo não cair hoje, cairá mais tarde, e entraremos em 2026 com a mesma instabilidade, com um governo de duodécimos e um novo PR sem saber muito bem como gerir uma crise que permanecerá.

Se o Governo vir hoje “chumbado” o voto de confiança, a incerteza também continuará.

Para lá do que as sondagens que começaram a surgir possam indicar, parece-me claro que só por milagre é que eleições em 11 ou 18 de Maio nos trarão qualquer clarificação.

O PSD sairá sempre penalizado. Em que medida ninguém sabe. O PS, com este líder, e com os tiros que começou a disparar para o ar a propósito das presidenciais, não oferece segurança e confiança ao eleitorado. Uma vitória em próximas eleições terá sempre uma dimensão equivalente à vitória do PSD de Montenegro em 2024.

O impasse estará garantido. Com um BE em queda vertiginosa, depois de se conhecer a sua faceta patronal e senhorial, enredado em despedimentos, amamentadoras e rentabilizações imobiliárias do seu património; com um PCP que sobrevive nas catacumbas do Muro de Berlim e que, imagine-se, afinal também paga sem declarar e despede como qualquer outro patrão manhoso, não há alternativas credíveis, capazes e com perspectivas de crescimento e mobilização à esquerda.

À direita o quadro é ainda mais tenebroso. O CDS é um defunto que está há anos em câmara ardente. O prestígio e capacidade de liderança política do seu líder e actual ministro da Defesa estão bem espelhados na imagem que nos dias que correm nos chega da Marinha: depois de uma gloriosa missão no Árctico (!), afundou-se um navio-escola que estava atracado numa doca, sem sequer sair para o mar, e os dois únicos submarinos estão inoperacionais. Nem na guerra do Solnado se conseguiria melhor às portas de uma campanha eleitoral.

Quanto ao Chega tenta fazer pela vida. Ventura corre desaustinado atrás dos votos despachados nas malas do deputado Arruda, nas confissões e evidências de abusos sexuais sobre menores de alguns da sua pandilha, mais os insultos parlamentares a uma deputada invisual e os apartes boçais dos muitos labregos da sua bancada, revelando a falta de preparação para o trabalho parlamentar no primeiro relatório que lhes coube elaborar e a ausência de quadros sérios e capazes, num sem-número de situações a que o bombeiro André não se cansa de acudir e que fica ainda mais perturbado pelo cenário de eleições legislativas antecipadas em ano de autárquicas e depois de apregoada a sua candidatura presidencial.

O partido de Rui Rocha, Iniciativa Liberal, embora abalado pelo caso das falsificações de um antigo dirigente, ainda parece ser o único onde se consegue pensar e equacionar cenários, mantendo alguma compostura, como ao revelar que votará favoravelmente a moção de confiança, sempre insuficiente quando tarda em ver crescer a sua base de apoio – culpa dos dirigentes – e a sua mensagem continua a mostrar muitas dificuldades de assimilação por um eleitorado que desconfia da errância que vai de um discurso mais sério do líder às mensagens trauliteiras de alguns deputados e aos saltinhos histéricos de apoio ao palhaço argentino Milei.

Correndo o risco de errar, tanto mais que de vidente ou cartomante não tenho nada, apostaria que assistiremos a mais uma subida da abstenção nas legislativas que se avizinham, que retirará ainda mais legitimidade ao regime e aos partidos que o sustentam, e que só poderá vir a ser contrariada nas presidenciais.

Qualquer que seja o resultado da votação da moção de confiança, teremos de continuar com estes figurões durante mais uns tempos, não havendo a mínima esperança, à falta de alternativa, de nos livrarmos destes ou dos que anseiam desesperadamente substituí-los na gestão do pote.

Sem uma revolução nos partidos, sem que estes se libertem dos seus emplastros, destes “avençados” do regime, e sem verdadeiras reformas do sistema eleitoral e do sistema de partidos, não haverá democracia que resista.  

Belém poderia fazer toda a diferença. Infelizmente, o friso de tocadores de berimbau, cartomantes e tudólogos que se posiciona só vai garantir mais chinfrim.

Depois desta última experiência marcelista, tornou-se clarinho que é muito mais fácil colocar em Belém um D. Sebastião do que encontrar no universo dos partidos um primeiro-ministro decente. Bastava haver um, um que fosse, com o bom senso, a seriedade, o equilíbrio, o distanciamento, a ética, e a preparação política e intelectual de um Guilherme de Oliveira Martins ou de um Correia de Campos, para só referir dois nomes, para nos safarmos.

Mas não. O que se afigura é um corso carnavalesco liderado por um almirante que traz consigo um manual e roteiro político à Borda d’Água, onde encontra, pelo que se leu no Expresso, receita e resposta para tudo: das sementeiras às marés, dos provérbios populares à astrologia e às fases da lua.

Não sei é se será tão bom no registo das efemérides. Mas é bom que se prepare. O velho Américo de Deus, também ele almirante, não falhava uma. Ficou lá uma vida. E só não ficou mais tempo porque o despacharam para o Brasil.   

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Tudo ao contrário

Pedro Correia, 11.03.25

O Presidente da República apressou-se a anunciar datas para as prováveis eleições legislativas antecipadas - 11 ou 18 de Maio - sem ouvir o Conselho de Estado nem os partidos políticos, como a Constituição da República lhe impõe. Em sessão de tagarelice com um grupo de jornalistas em Viseu. E no tom que usaria se estivesse a falar do clima ou de futebol.

Agora, que tanto se fala em populismo, eis um exemplo evidente desse fenómeno. Como se a democracia não implicasse formalidades e estas devessem ser mandadas às malvas com ligeireza de catavento no Palácio de Belém.

Tudo ao contrário, portanto.

Depois venham dizer que populista é o Almirante - alguém que ainda mal abriu a boca para dizer fosse o que fosse. Pode ter muitos defeitos, mas não parece padecer de logorreia. Valha-nos isso.

DELITO há três anos

Pedro Correia, 11.03.25

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João Pedro Pimenta«No mini-clássico A Ideia da Europa, de George Steiner, fica-nos desde logo este trecho. Odessa, a maior cidade e maior porto do Mar Negro ("a Paris do Mar Negro"), não só cenário dos contos de Babel mas também famosa por ser o cenário de O Couraçado Potemkin, esse clássico do cinema mudo de Einsenstein, está à espera da força bruta que se prepara a atacar do mar, sabe-se lá com que armas. Há umas décadas foram as SS alemãs, agora são os russos.»

 

Eu: «Pululam nas pantalhas comentadores putinescos - incluindo majores-generais e coronéis que não venceram uma batalha na vida. Exibem um traço comum: todos procuram justificar o crime de agressão contra um Estado soberano cometido pelo ditador russo invocando alegadas "provocações" feitas pela Ucrânia. Que pretenderia aderir à União Europeia - que horror, vejam lá o escândalo. Que deseja integrar-se na NATO - ao ponto de ter esse objectivo inscrito na Constituição, algo inaceitável, configurando atentado à paz mundial. E tretas do género. No fundo, estes sujeitos querem dizer o quê? Não custa concluir: que a Ucrânia "estava mesmo a pedi-las". Fazem lembrar aqueles trogloditas que imputam o crime de violação à indumentária da mulher violada. A Ucrânia, neste caso, usava uma mini-saia demasiado curta.»