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Delito de Opinião

O tempo de todos os perigos

Pedro Correia, 28.03.25

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Passo por uma das livrarias que mais frequento e reparo nestes livros em destaque. Todos com um traço comum: falam-nos de um mundo cada vez mais perigoso. Um mundo onde voltou a banalizar-se a palavra guerra - até nesta Europa que alguns imaginávamos imune a novos conflitos armados, iludidos pela ordem internacional nascida dos armistícios de 1945 e embalados pela utopia da paz perpétua.

 

A verdade é que estamos no quarto ano consecutivo de guerra no continente europeu - por enquanto apenas na extremidade oriental, com a martirizada Ucrânia a sofrer sangrentas investidas diárias do inimigo moscovita. Mas acumulam-se outros sinais preocupantes. Aumento intensivo do orçamento nos Estados membros da União Europeia para despesas ligadas à segurança e à defesa. Rearmamento alemão, agora consagrado em revisão constitucional. Prestação de serviço militar obrigatório reponderada ou já reposta em países como Finlândia, Suécia, Polónia e Estados bálticosClivagem evidente entre os EUA e o pilar europeu da NATO, com ameaças directas da administração Trump a alguns dos seus parceiros na Aliança Atlântica, como o Canadá e a Dinamarca, enquanto o chefe da Casa Branca declara abertamente a intenção de anexar a Gronelândia.

Que mais?

Proposta de Emmanuel Macron para garantir a força nuclear francesa como elemento dissuasor face às crescentes ameaças da Federação Russa. Balcãs e Cáucaso sacudidos por ruidosas manifestações de rua em países tão diversos como Sérvia, Bósnia, Roménia, Bulgária e Geórgia. Turquia em convulsão enquanto Erdogan implanta uma ditadura sem disfarce algum. Expansionismo neo-imperial de Moscovo projectando sombras sinistras do Báltico ao Mar Negro, com Putin indiferente às centenas de milhares de vítimas que já causou. Pequim cada vez mais disposta ao assalto bélico a Taiwan, enquanto disputa águas territoriais com Vietname e Filipinas. O tirano da Coreia comunista multiplicando ameaças contra o vizinho do Sul, entre alusões contínuas ao holocausto atómico.

 

Não posso criticar. Também eu, se fosse editor, daria primazia absoluta a estes livros.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.03.25

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José António Abreu: «Wild River (Quando  Rio se Enfurece) é um Kazan ligeiramente menos teatral do que as suas obras da primeira metade da década de 50 (Um Eléctrico Chamado DesejoHá Lodo no CaisA Leste do Paraíso). Pode até ser visto como uma primeira versão do filme seguinte, Esplendor na Relva. Inclui, porém, quase todas as suas marcas registadas: method acting, luta entre forças desiguais, preocupações sociais (neste caso, ligadas à questão racial), desejos reprimidos, paixões que se confundem com amor e são sobretudo desejo de escapar à realidade em que se vive.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Quando um povo convive habitualmente com o lixo acaba por se habituar ao cheiro. O céu azul e o sol nos olhos cegou-o. Desde que o lixo não lhe tape o sol, a gente não se importa porque mesmo cega tem sol, mar e quem lhe dê música. Se um dia lhes tirarem o lixo ainda irão estranhar. Com medo que o sol que os faz assim lhes falte.»

 

Teresa Ribeiro: «Também por cá não nos faltam recursos linguísticos para humilhar o próximo. A diferença que por enquanto existe entre uma sociedade como a americana e a nossa é que ainda não é compulsiva, mecânica e massiva a utilização do insucesso como arma de arremesso. Mas tudo indica que estamos quase lá. Há dias, no cinema, um anúncio a uma aplicação para telemóvel rematava com o icónico vocábulo. "Loser", assim mesmo, sem tradução. Para que o conceito passe com toda a sua força expressiva e fique.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.03.25

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Bandeira: «As técnicas de sedução de A Arte de Amar levariam hoje o pretendente a várias condenações por assédio, tentativa de violação, stalking e outros crimes para os quais não encontro definição legal adequada. Também quando Ovídio sugere às mulheres que controlem o mau génio e não arranhem nem piquem as servas com alfinetes quando estas as penteiam, não vão elas derramar-lhes lágrimas nos cabelos e votar às divindades infernais a cabeça cujas mãos seguram, as coisas ficam um bocadinho sinistras.»

 

José António Abreu: «Churchill (inconveniente, irónico, fumador, gordo)  nunca seria eleito nos dias que correm. Em contrapartida, Hitler ou Estaline (convictos, sem pinga de humor inconveniente - quase um pleonasmo -, tão indignados quanto a generalidade da população) poderiam muito bem ganhar eleições.»

 

Eu: «Consta que o PCP anda à procura de um candidato presidencial. Talvez não encontre melhor, no capítulo da notoriedade, do que Mário Nogueira: sozinho, o secretário-geral da Fenprof parece um habitué mais regular nas televisões do que qualquer dirigente da oposição parlamentar.»

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 26.03.25

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Hoje lemos Mika Waltari, "O Egípcio"

Passagem a L' Azular: “Não há diferença entre um homem e outro, pois todos nascem nus no mundo. Um homem não pode ser medido pela cor da sua pele, ou pela sua fala, ou pelas suas roupas e jóias, mas apenas pelo seu coração. Um homem bom é melhor do que um homem mau, e a justiça é melhor do que a injustiça — e é tudo o que sei.»

É tudo o que todos devíamos saber, mas no final ninguém sabe coisa alguma. É tudo uma questão de coração ou da falta dele. E no fim é o coração que dita o último caminho.

O coração, que contém um registo de todas as acções do defunto na vida, é pesado contra a pena da deusa Ma’at. Esta pena é o símbolo da verdade e da justiça e ajuda a determinar se a pessoa falecida é realmente virtuosa. Se o coração for considerado mais pesado do que a pena, é dado de comer a Ammut, o "Devorador", e a alma é lançada na escuridão. Se a balança estiver equilibrada, o falecido terá passado no teste e será levado até Osíris, que o receberá no além. Aqueles que estão preocupados com este teste podem recitar um feitiço do Livro dos Mortos inscrito no seu amuleto de escaravelho de coração, para evitar que o seu coração os "traia".¹

E onde é que param os amuletos de escaravelho? À falta de melhor, pode usar-se um amuleto de louva-a-Deus? É que se não tratarem de remediar com as mezinhas do livro sagrado as pesadas "traições" do coração, Ammut, o Devorador vai seguramente tirar a barriga de misérias e ter sucessivas indigestões.

 

¹ Se se fizesse em Portugal um teste deste tipo aos senhores e senhoras que se sentam na AR, aposto que os assentos parlamentares reduziriam substancialmente, se não na totalidade.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 26.03.25

«O mundo de Francisco acabou. O todos, todos, todos deu lugar a um mundo assente no tudo, tudo, tudo. E, com isso, o mundo das suas encíclicas pereceu. A Evangelii Gaudium ou Alegria do Evangelho (2013) foi substituída pelo populismo religioso e pela politização da religião que só olha com alegria para o Evangelho para desvirtuá-lo e para servir as suas agendas político-religiosas. A Laudato si (2015), sobre o cuidado da casa comum, a ecologia integral e o meio ambiente, foi substituída pelo "drill, baby, drill", pela reabertura das centrais a carvão e pelo reforço da aposta nos combustíveis fósseis. A Fratelli tutti (2020), impulsionadora da fraternidade e amizade social, foi trocada pelas câmaras de eco das redes sociais e pela quase vergonha no emprego das ideias de solidariedade, caridade ou amizade.»

Jorge Botelho Moniz, no Público

Adolescência

José Meireles Graça, 26.03.25

Nas redes que frequento e onde frequentemente ilumino a turba com opiniões percucientes havia há dias um ror de textos sobre a série Adolescência (na Netflix). Não é raro e já tenho enfiado por mor destas leituras alguns barretes.

Desta vez, porém, não apenas se gabava a qualidade da realização e representação – isso era pacífico – mas as opiniões divergiam sobre a natureza do problema que a série (4 episódios) relata, e mais ainda sobre as soluções.

É lá, se não há acordo talvez valha a pena ver. Vale. Trata-se de um miúdo de 13 anos acusado de ter assassinado à facada uma aluna da mesma escola, o que fez a polícia para deslindar a meada, como reagiram os pais e a irmã, como funcionava a escola e o que move, e como se move, a canalhada hoje em dia.

A realização é excelente, conseguindo o prodígio de, sem pressas (às vezes parece o tempo real), prender o espectador, e o desempenho, incluindo dos adolescentes, sobretudo o herói, notável. Eu vi a série de cambulhada (fui-me deitar a desoras), aprende-se muito sobre como funciona a polícia inglesa em casos destes, o que é uma escola multi-rácica que é provavelmente típica, o que é uma análise psicológica bem feita por uma profissional que intervém magistralmente com um interrogatório, o papel que têm as redes sociais (no caso a estrela era o Instagram) no modo como os miúdos se relacionam uns com os outros, e a ignorância e a cegueira em que vivem os pais.

Das soluções que vi apresentar discordo: não é exigível aos pais que tenham uma vida profissional diferente e mais disponível, a culpabilização deles é uma crueldade acessória dispensável, assim como se exagera nas sugestões adiantadas para anular o risco da ausência de supervisão das interacções dos miúdos, incluindo o bullying, e se vilificam as redes com alguma ligeireza.

Mas a indisciplina na escola, a omnipresença dos telemóveis, a tribalização levada ao extremo, os códigos de conduta desenvolvidos na mais completa ignorância de pais e educadores – tudo recomenda que se olhe para o assunto e se encontrem meios de restaurar um módico de civilização. A escola ensina e também forma, não no sentido de substituir os pais mas sim na imposição de regras que sejam as necessárias para uma vida colectiva sã.

Não só isto, claro. Mas, deixando-me ir, acabaria por revelar a trama, maldade que não vou fazer porque quem vai ver que sofra como eu sofri em metade da fita.

Este cartaz é um enorme tiro no pé

Pedro Correia, 26.03.25

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André Ventura mandou espalhar este cartaz um pouco por toda a parte. Equipara Luís Montenegro - que não está indiciado por delito algum - a José Sócrates. Apontando ambos como os rostos da «corrupção» neste meio século em Portugal. (Mas porquê só meio século? Não houve corrupção durante a ditadura?)

Além do desprezo pelo regime saído da Constituição de 1976 patente neste escarro visual, que as papoilas saltitantes do Chega vêm reproduzindo nas suas contas do Instagram e do Tik Tok, isto comprova algo que já sabíamos: o antigo vereador do PSD na Câmara Municipal de Loures não olha a meios para atingir os fins.

Estou convicto, porém, que neste caso o feitiço se vira contra o feiticeiro: funciona ao contrário. Em primeiro lugar, por ser flagrante aldrabice. Em segundo, por tornar ainda mais imperioso o cordão sanitário ao Chega que Montenegro estabeleceu há um ano, quando declarou «não é não». Finalmente, por deixar de mãos atadas os raros que no partido laranja sustentavam uma aproximação à direita extremista: depois disto, tal cenário esfuma-se de vez.

Conclusão: Ventura deu um enorme tiro no pé. Ou noutra parte do corpo, talvez ainda mais dolorosa. Consequência de não haver ninguém por lá com coragem para lhe dizer o óbvio: coisas destas servem apenas para que ele vá resvalando ladeira abaixo. Com o maior índice de rejeição de um líder partidário na democracia portuguesa.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.03.25

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Sérgio de Almeida Correia: «Tenho asco a quem politicamente é estruturalmente indecente. A gente politicamente desonesta. A gente que se alimenta do padrão para sobreviver e singrar. A gente que é ética e moralmente desestruturada (na minha perspectiva, é claro). À direita, à esquerda, em cima e em baixo.»

 

Eu: «Carlos Monjardino está habituado a lidar com milhões, mas sempre foi um homem de esquerda. É um socialista sem partido, como costuma dizer de si próprio este capricorniano de 72 anos. Uma espécie de Manuel Alegre sem poesia. Com a vantagem de poder contar com o apoio aberto e entusiástico de Soares, ao contrário do que sucedeu com Alegre em 2006.»

E se as pensões em Portugal fossem geridas por um sucedâneo da dona Branca?

Paulo Sousa, 25.03.25

Charles Ponzi foi um vigarista italiano que ficou famoso por criar um esquema financeiro fraudulento. Nascido em 1882 na Itália, emigrou para os Estados Unidos no início do século XX. Em 1919, lançou um “modelo de negócio” que garantia o reembolso total do valor investido em 90 dias, continuando depois disso a gerar rendimentos. Em vez de investir o dinheiro, os fundos arrecadados aos novos "investidores" serviam para pagar os antigos, criando a ilusão de ser um negócio lucrativo. Não demorou muito até as autoridades descobrirem que ali não existia qualquer investimento, mas apenas uma fraude. Depois de condenado, Charles Ponzi foi preso e mais tarde deportado para a Itália. Ao longo dos anos, muitos casos idênticos foram surgindo, provando que é infinita a capacidade dos crédulos em serem enganados. Por cá, ficou bem conhecido o caso da senhora "muito séria" que dá o nome ao postal.

O sistema de financiamento das reformas em Portugal é designado como sendo contributivo, uma vez que as pensões dos reformados são financiadas pelas contribuições dos trabalhadores activos e assim como pelas respectivas entidades empregadoras. A alternativa seria um sistema de capitalização onde cada indivíduo acumularia uma poupança própria para a sua reforma. O modelo português depende por isso do que é designado por solidariedade intergeracional, uma vez que os trabalhadores actuais financiam as pensões dos aposentados, esperando que no futuro, as próximas gerações façam o mesmo.

Tal e qual como no esquema Ponzi, o sistema contributivo da Segurança Social em Portugal depende da entrada contínua de novos participantes para sustentar as reformas aos mais antigos. Tivéssemos nós uma pirâmide etária efectivamente em forma de pirâmide, ou seja com bastantes mais jovens do que idosos, e o Ponzi poderia respirar fundo durante muitos anos. Como isso não se verifica, não faltarão muitos anos até que o vigarista seja desmascarado.

Os mais crédulos poderão considerar como certas as garantias de António Costa em que a sustentabilidade da segurança social está assegurada por muitos e muitos anos. Mas apesar destas promessas, o Tribunal de Contas, no seu Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social apresentado em Dezembro de 2024, afirma que “a diferença entre as receitas futuras e responsabilidades futuras do sistema de pensões em Portugal é negativa em mais de 228 mil milhões de euros”.

De forma a adiar o dia em que o senhor Ponzi será desmascarado, é inevitável que a idade de reforma seja cada vez mais tardia e os rendimentos auferidos sejam cada vez menores. Segundo a Comissão Europeia, até 2045, os pensionistas portugueses passarão a receber menos da metade do seu último salário!

Este será o legado da geração que instituiu o actual regime aos já nascidos depois daquele dia inicial inteiro e limpo. Setenta anos depois de Abril, a miséria a que os reformados serão relegados envergonhará o país e, não duvido, abalará o regime.

É necessário reformar o sistema de pensões. Em 1999, a Suécia e a Polónia implementaram sistemas mistos, que combinam a vertente de contribuição e de capitalização. Existem outros exemplos internacionais, com diferentes combinações destas duas vertentes, mas antes disso é necessário enfrentar-se o problema e deixar de tratar os portugueses como crianças incapazes de entender a realidade.

Gostaria de ver este assunto debatido na próxima campanha eleitoral. O que pensa cada partido sobre a necessidade de reformar o sistema de pensões? Só se conseguem entender sobre a desagregação de freguesias?

Noites de pesadelo para Pedro Nuno

Pedro Correia, 25.03.25

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Foto: Tiago Petinga / Lusa

 

Estão a ser noites de pesadelo para Pedro Nuno Santos. O Partido Socialista acaba de recuar na eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira - ao ponto de ter deixado de ser a principal força da oposição no arquipélago, cedendo lugar ao Juntos Pelo Povo, de cariz regionalista e localista. Miguel Albuquerque, no poder há dez anos, reforça a votação, fica a meros 300 votos da maioria absoluta e poderá facilmente formar governo, bastando-lhe para tal o deputado único agora eleito pelo CDS.

«Uma desgraça para o PS», conclui sem rodeios o antigo deputado e antigo dirigente socialista Ascenso Simões, pronunciando-se sobre este desfecho.

Surpresa? Só para quem estiver muito distraído. Já sucedera algo idêntico nos Açores, onde a oposição andou a brincar aos chumbos de orçamentos e às moções de censura até a paciência dos eleitores se esgotar, ampliando a confiança no PSD.

Ilações para o escrutínio a nível nacional que irá seguir-se daqui a menos de dois meses?

Vejo algumas, se me permitem contrariar o dogma de que nada autoriza semelhante comparação.

 

Creio, em primeiro lugar, que a 18 de Maio a maioria dos eleitores portugueses penalizará os partidos que a 11 de Março chumbaram a moção de confiança apresentada pelo Governo na Assembleia da República.

Por motivos diversos que passo a resumir.

Sentem mais dinheiro de salários e pensões no bolso, foram aliviados na carga fiscal, viram 17 carreiras da administração pública requalificadas e valorizadas - professores, militares, diplomatas, polícias, bombeiros, médicos, enfermeiros, guardas prisionais, oficiais de justiça... Mas também encaram com maus olhos o derrube de um Executivo que estava apenas há onze meses em funções, sem conseguir provar o que verdadeiramente vale, e já desistiram de deslindar o enredo da Spinumviva, variante da telenovelização mexicana do famigerado "caso das gémeas", agitada pelo Chega, com a comunicação social atrás, para no fim dar em nada. Serviu apenas para este partido, no tom boçalóide que o caracteriza, urrar contra o Presidente da República, a quem chama «traidor à pátria», enquanto hoje berra contra o «corrupto» Luís Montenegro.

Andámos um ano às voltas com o triste folhetim das gémeas. É natural que as pessoas não queiram outro, recusando ficar à mercê dos caprichos histriónicos do doutor Ventura.

 

Os portugueses votaram a 10 de Março de 2024 para que os partidos encontrassem uma solução governativa sólida, não para os forçarem a voltar às urnas tão cedo. Estão cansados de jogos políticos, tacticismos de curto prazo e "entradas a pés juntos", como se diz no futebol.. Quem mais suscitar isso acabará por ser penalizado em grau maior. Quem revela responsabilidade será recompensado. Daí eu prever uma descida acentuada do Chega e uma subida expressiva da Iniciativa Liberal. 

Para o triunfo eleitoral, Pedro Nuno Santos dispõe de via mais estreita do que Montenegro. Votou demasiadas vezes ao lado de André Ventura na AR. Teve um desempenho controverso e contestável como ministro - em questões tão diversas como a indemnização a uma ex-administradora da TAP e a localização do aeroporto. E tem sido incapaz de evitar fracturas no seu partido, como ficou patente nas recentes críticas de Fernando Medina e Pedro Siza Vieira ao voto do PS na moção de confiança.

Talvez mais tarde se diga que a eleição na Madeira funcionou como prenúncio. Não tardaremos a saber.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.03.25

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Bandeira: «Conheço outros exemplos de obras que não chegam ao fim, desde a 16.ª sátira que Juvenal inconseguiu (ou cujo final, admitamo-lo, se perdeu) ao desfibrilado O Castelo, de Kafka; mas essas sempre terminam com frases completas. Espere, espere, assim de repente vem-me à memória outro caso de um volume que termina a meio de uma frase. Falo de Finnegans Wake – reparou que lhe chamei “volume” e não “livro”? A isso dá-se o nome de “prudência” –, de James Joyce, cujas últimas palavras são: “A way a lone a last a loved a long the” »

 

José António Abreu: «Alastram, são cada vez mais assumidas, tornam-se moda. Quem, há vinte ou trinta anos, ouvira falar da intolerância à lactose ou ao glúten?»

 

Eu: «Há quem sonhe com um justiceiro em Belém. E ninguém merece mais este rótulo do que o vice-presidente da associação cívica Transparência e Integridade, Paulo de Morais, que em 2001 Rui Rio arrancou a uma pacata existência como docente de Estatística e Matemática ao torná-lo seu efémero braço direito na Câmara Municipal do Porto, com os pelouros da habitação e urbanismo. Este minhoto de 51 anos, signo Capricórnio, não tardou a trocar a Avenida dos Aliados pelos ecrãs televisivos e pelas colunas dos jornais, onde vai expressando o seu imenso nojo por quase tudo quanto mexe na política. É um discurso muito sintonizado com o ar do tempo. Ajuda a captar audiências e agrada a muita gente disposta a "pôr fim a esta bandalheira" - seja lá o que isso for.»

A governabilidade está garantida, o resto logo se verá

Sérgio de Almeida Correia, 24.03.25

1963833.jpeg(créditos: Homem de Gouveia/LUSA, daqui)

Quando em 17/12/2024, o parlamento regional fez cair o Governo regional da Madeira, encabeçado por Miguel Albuquerque, poucos acreditariam que três meses volvidos a mesma pessoa e o mesmo partido (PSD) aumentariam substancialmente o número de votantes, de 49104 para 62085, e ficariam a um deputado da maioria absoluta, engrossando os seus eleitos de 19 para 23, num contexto de redução da abstenção (de 46,6% para 44,02%).

Mais a mais numa lista de candidatos que apresentava "nos primeiros quinze lugares quatro candidatos que são arguidos em processos que investigam suspeitas de corrupção e prevaricação na região autónoma".

Contudo, foi isso que aconteceu, o que logo levou Luís Montenegro, para lá da natural satisfação do êxito das suas hostes, a prognosticar idêntica vitória para si e o seu PSD nas legislativas de 18 de Maio. Pode ser que os eleitores lhe venham a dar razão, embora antes disso convenha discorrer um pouco sobre os resultados de ontem.

Se, por um lado, foi inequívoca a vitória de Miguel Albuquerque, passando o PSD a dispor – pelo menos com o CDS – das condições para garantir o apoio parlamentar necessário a toda a legislatura, importará perceber, por outra banda, até onde e quando poderá ir o novo governo regional.

Sem se saber em que ponto estão as investigações do Ministério Público, nem qual será a sua agenda regional, o PSD-Madeira e a sua futura muleta e parceiro de ocasião ficarão na contingência de a qualquer momento ser deduzida acusação, pronunciando-se o presidente do Governo Regional, com o que se tornará inevitável nova queda e o regresso antecipado às urnas.

Tirando isso, o PSD tem na Madeira as condições mínimas para governar de forma estável nos próximos quatro anos.

Atendendo ao que aconteceu em 2024, e às circunstâncias que ditaram a queda do anterior Executivo, é muito pouco provável que haja mais algum partido disponível para qualquer tipo de acordo, parlamentar ou de governo, com o PSD-M. Nenhum dos demais, com excepção do CDS, estará disponível para chegar a entendimento com um partido cujo líder é arguido num processo por suspeitas de corrupção.

Os restantes resultados mostraram um aumento de mais de 7 mil votos para o JPP, que passou de 9 para 11 deputados, e um acréscimo irrelevante e sem consequências práticas na votação da CDU e do Livre, que continuam fora do hemiciclo.

O IL conseguiu manter o seu deputado, embora com uma redução do número de votos. O eleitorado potencial do BE tirou-lhe cerca de 17% dos sufrágios que lhe tinha dado há um ano. O CDS-PP ficou com menos um deputado e menos votos, tal como Chega, que viu evaporarem-se cerca de 5 mil eleitores, perdendo 1 deputado. O PAN perdeu o único deputado que possuía. Todos estes, ao lado do PS, foram os indiscutíveis derrotados.

O caso do PS é particularmente significativo dada a dimensão do "afundanço" inerente à perda de mais de 6500 votos e de 3 deputados, passando percentualmente de 21,77 % para 15,64%, números indisfarçáveis e que colocam em causa a liderança e a gestão do partido na Madeira, onde continua a ser visível, e risível, o desfasamento deste do eleitorado, o irrealismo das metas – para quem aspirava ser alternativa de governo e afastar Miguel Albuquerque o resultado é medíocre – e a incapacidade de se renovar, modernizar e encontrar alguém com ambição, dinamismo, inteligência e carisma que seja capaz de dar resposta às exigências do eleitorado madeirense, tirando o partido do poço onde se instalou e de onde continua a ver os votos voarem e a abstenção a subir. 

As lideranças nacionais dos partidos que se apresentaram a sufrágio na Madeira procurarão agora valorizar ou desvalorizar os resultados das eleições regionais com o pensamento nas próximas legislativas, embora fosse avisado que não o fizessem. No território continental não existe o mesmo grau de caciquismo, dependência, isolamento, ignorância e alheamento das grandes questões nacionais e internacionais que existirá em algumas regiões da Madeira, onde tudo é diferente, das preocupações locais às tradições e à influência da Igreja Católica, do presidente da Câmara ou da Junta de Freguesia.

E se nesta eleição regional vimos uma redução da abstenção, não só isso não é garantido para as legislativas que aí vêm, como a luta será bem mais renhida de Norte a Sul.

Se o eleitorado na Madeira está mais preparado para aceitar como natural a presença nas listas de candidatos arguidos em processos de corrupção, condescendendo nesse convívio entre as maçãs boas e as amostras cheias de lagartas que vão passando de umas para outras, nada garante que a falta e incompletude das explicações de Luís Montenegro sobre as suas muitas e variadas trapalhadas, incluindo em autarquias cujos dirigentes também são arguidos em processos de corrupção e/ou há suspeitas de favorecimento, para além do que entretanto acontecer com a operação Tutti Frutti, não venham a ter reflexos nos resultados eleitorais.

Faltam quase dois meses para o acto eleitoral. O comentador-arguido José Sócrates continuará por aí. Os majores-generais russófilos idem. O ambiente favorece este tipo de actores secundários. O cenário internacional manter-se-á imprevisível e efervescente, com uma série de conflitos em curso sem perspectivas realistas de terminarem num prazo razoável. O Presidente Marcelo, perante um governo de gestão, e com Marques Mendes a espreitar em todas as esquinas, adquirirá renovado protagonismo. E verve. Pedro Nuno Santos reinventará com a sua gente as listas de deputados, a ver se não ficam reduzidas a funcionários do partido e coveiros. André Ventura tentará encontrar alguns sósias que o ajudem a preencher lugares numa futura bancada do Chega e adaptar os seus serviços de logística para assegurarem a entrega das encomendas e da correspondência aos seus destinatários. Rui Rocha, para desespero do PAN, não largará nem por um minuto as ovelhas que se aventurem a sair dos currais nas próximas semanas. A CDU,  inclusivamente, abalançar-se-á a sonhar com uma vitória eleitoral, uma maioria de esquerda que lhe dê um sopro de vida e a presença de Maduro na Festa do Avante. Como Rui Tavares gostaria de triplicar a bancada do Livre, o que admito que não será difícil se o BE continuar à procura de "defuntos" para encabeçarem as suas listas enquanto as suas dirigentes se forem esvaindo a falarem dos direitos das mulheres trabalhadoras. Até António José Seguro poderá anunciar uma candidatura presidencial. Ou ex-ministro Costa e Silva assinar um novo romance desenvolvendo o tema das "bundas caloríficas". Mesmo a RTP poderá, um dia, nunca se sabe, fazer Fátima Campos Ferreira regressar do Vaticano, no que constituirá um verdadeiro milagre.  Tudo é possível.

E quando digo tudo é mesmo tudo, incluindo uma vitória eleitoral de Luís Montenegro. O que nunca acontecerá, estou certo, é que esta, alguma vez, a acontecer, qualquer que seja a sua dimensão, traga consigo a sua absolvição. Ou a absolvição da responsabilidade do Ministério Público e dos tribunais no caos em que hoje vive a política portuguesa.

Isso jamais acontecerá. Nem que Cristo desça à Terra.

E ainda que, como escreveu o Caeiro, o fizesse, o que seria sempre desculpável, só para limpar o nariz ao braço direito, atirar pedras aos burros ou roubar a fruta dos pomares.