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Delito de Opinião

Viagem de Inverno, de Maria Filomena Mónica

jpt, 22.02.25

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Uma amiga chega ao café do bairro e dá-me este "Viagem de Inverno" (Relógio d'Água, 2024), de Maria Filomena Mónica, acompanhado de um - até displicente - "passei ali pela Bertrand e achei que gostarias deste...". Eu angustio-me num "mais um livro!", a somar à cordilheira doméstica da minha dívida de leituras. Sei que este me chega às mãos por efeito de algumas conversas naquela mesma esplanada onde a autora também foi tema - há meses li-lhe com agrado a biografia de Eça de Queirós, entre outras coisas. Beijo a querida amiga, e generosa - e é-o muito para além da oferta do livro...

À noite avanço, devagar, no livro, pequenos textos de opinião e algumas crónicas, publicados na imprensa nas últimas duas décadas, todos com 2 ou 3 páginas. Arrumados por tópicos, os primeiros sobre o estado da nossa sociedade, depois como vai o país, o regime político, por aí afora. Sorrio, face ao pertinente cristalino do que vou lendo. Não que concorde com tudo o que ali está, claro - em especial franzo o cenho diante do apreço pela círculos eleitorais uninominais que M.F.M., demasiado britanófila, defende. Mas mesmo assim sigo agradado com a incisiva inteligência, suavemente apresentada, como se "deixada cair". Tanto que digo para a almofada - e presumo que se a autora viesse a ouvir isso decerto se abespinharia - "isto devia ser o manual daquela disciplina de Educação para a Cidadania", essa mesmo que põe uns punhados de tontos a espumar... 

Mais para a frente leio, e de novo sorrio face à inteligência alheia, clarividente de nada bombástica: "Vivo em paz com a banalidade da vida democrática. Não  preciso de utopias nem considero que exista uma crise de valores" (81-82).

E chego ainda este trecho, que desconhecia, uma pérola mesmo: "Sinto-me mais afastada da gente que, em 1789, se sentou ao lado esquerdo da Assembleia Nacional reunida em Paris do que de J. S. Mill que, em 31 de Maio de 1866, virando-se para os Tories, disse no Parlamento britânico: "Não quis dizer que os Conservadores sejam geralmente estúpidos; o que pretendi afirmar foi que as pessoas estúpidas são geralmente conservadoras". (88).

E logo me lembro destes "estúpidos", imensamente estúpidos, que por ora peroram, entusiasmados com Trump, Vance, Musk... Fecho o livro, apago a luz. E durmo. Hoje lerei o resto.

Encomendar livro

jpt, 22.02.25

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Foi na plataforma editorial bookmundo que alojei o meu livro "Torna-Viagem" (que só se compra através de impressão por encomenda nesta ligação). O qual o Pedro Correia teve a gentileza de aqui elogiar, em modo até hiperbólico. Ora a dita plataforma está a fazer uma promoção até meados de Março, período durante o qual não cobra os custos do envio postal de encomendas de 10 ou mais livros.
 
Por isso ocorreu-me perguntar nas minhas contas nas redes sociais (Facebook, Instagram e a telefónica Whatsapp) se ainda haveria interessados em comprar o livro. Interessados mas renitentes (ou desajeitados) em "comprar na internet"... E se entre eles se juntaria a tal dezena de exemplares. E - afinal! - ainda os encontrei, aos interessados, até agora já 40. Assim farei uma encomenda dessas dezenas de exemplares e depois reenviá-los-ei. 
 
E se algum visitante deste Delito de Opinião tiver interesse no livro poderá associar-se a esta encomenda conjunta, contactando-me por mensagem (nos comentários ou no email maschamba@gmail.com), dizendo-me a morada respectiva e combinando o pagamento da encomenda. 
 
 
 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 22.02.25

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José António Abreu: «Há pouco mais de uma hora, no Jornal da Tarde, a TVI noticiou que Fernando Alonso sofreu um acidente esta manhã, nos treinos para o Grande Prémio de Espanha. Isto quando o campeonato de Fórmula 1 ainda nem começou (trata-se de uma sessão de testes de pré-temporada). Talvez seja preferível os canais de televisão generalistas limitarem-se a falar de futebol, tema para o qual parecem dispor de várias centenas de especialistas.»

 

Luís Menezes Leitão: «Portugal segue com absoluto fanatismo uma estratégia que está completamente errada e que só pode trazer o desastre. O Syriza é um partido radical de esquerda, que em caso algum deveria estar à frente de um governo europeu. Se o está, é precisamente devido às constantes humilhações a que foram sujeitos os gregos pela troika, humilhações igualmente praticadas em Portugal, como agora Juncker veio reconhecer, para desgosto dos fanáticos que acham que ainda nos submetemos o suficiente. E nesse aspecto, se esta deriva não for invertida, a situação só pode ficar muito pior.»

 

Luís Naves: «Na opinião pública infiltra-se lentamente uma ideia perigosa: o patriotismo grego é coisa boa; o patriotismo português é coisa má; negociar com o governo alemão é subserviência se o ministro for português, mas é resistência se for grego.»

 

Teresa Ribeiro: «Não sei o que esta auditoria vai revelar relativamente à gestão de Santana Lopes na Santa Casa, mas já mostrou as suas potencialidades como arma política. E quais as expectativas do CDS em relação ao método. Se a moda pega vai ter graça.»

 

Eu: «De certo modo, Sniper Americano encerra um ciclo iniciado em 1978 com outro filme então muito polémico: O Caçador, de Michael Cimino. Mas há diferenças substanciais entre as duas películas. Na primeira longa-metragem, os soldados regressam a um país traumatizado, com cicatrizes de guerra, mas onde é possível disfrutar a paz enfim recuperada -- algo bem simbolizado na magnífica cena em que Michael Vronsky (Robert de Niro) poupa a vida ao veado que tanto perseguira. Em Sniper Americano, pelo contrário, essa paz intramuros deixou de existir e o inimigo interno acaba por ser tão letal como o externo. Porque todos já fomos contaminados pelo mesmo vírus.»

Trair a Europa, apunhalar a Ucrânia

Pedro Correia, 21.02.25

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Foi notícia esta tarde: Donald Trump poderá viajar em 9 de Maio a Moscovo, onde se sentará ao lado de Putin no chamado "desfile da vitória" - grande parada bélica na Praça Vermelha. Falta confirmar, mas com o antecessor/sucessor de Joe Biden nada é garantido. Por ter uma relação muito atribulada com a verdade. 

Inequívoca é a sua aversão a Zelenski, que - diz ele - «não tem lugar à mesa das negociações» para pôr fim a três anos de invasão russa. Enquanto confessa estar «já farto de ouvir» o homólogo ucraniano.

Decalcando cada vez mais a narrativa do Kremlin, o novo-velho inquilino da Casa Branca trai a Europa e apunhala a Ucrânia. Em velocidade furiosa, no 32.º dia do seu mandato presidencial. 

Há muitas maneiras de passar à História: pode ser também pelos piores motivos. Trump candidata-se desde já a isso.

Um ano com D. Dinis (7)

O solho descomunal

Cristina Torrão, 21.02.25

Faz hoje 704 anos que D. Dinis mandou elaborar uma acta curiosa, assinada por testemunhas de alta guisa e autenticada por um escrivão. Nela ficaram descritas as características de um solho descomunal pescado no Tejo, perto de Santarém.

Tal documento intriga os historiadores, perguntam-se em que circunstâncias terá ocorrido a sua elaboração. Sendo comummente aceite que D. Dinis era dado à vida boémia, criei uma cena alusiva, no meu romance sobre o Rei Lavrador.

 

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 Fonte da imagem

 

A cantiga acabou entre aplausos e gargalhadas estrondosas e os convivas reclamavam a sua repetição, quando um criado anunciou pretender D. Guedelha, rabi-mor do reino, falar com el-rei. Tinha um colosso de peixe para lhe mostrar. Dinis mandou-o entrar e D. Guedelha surgiu acompanhado por quatro serviçais carregando um solho descomunal acabado de retirar do Tejo.

- Assim que lhe pus os olhos em cima - afirmou o judeu, - disse para a minha gente: ala a mostrá-lo a el-rei, que nunca na sua vida viu tal.

- E é verdade - concordou Dinis. - Estais de parabéns, D. Guedelha. Pegai numa taça e bebei connosco.

Depois de se inclinar numa vénia, o rabi-mor agradeceu. Os fidalgos começaram a comentar as dimensões do colosso: na boca, caberia um raposo inteiro e, desde aí, até à cauda, contavam-se, no espinhaço, trinta escamas do tamanho de conchas. Constatou-se ainda que o peixe media dezassete palmos e meio de comprimento e sete de grossura. El-rei quis saber quanto pesava e sugeriu que se deslocassem à adega, onde se encontrava a balança.

- E vamos todos. Um colosso destes merece testemunhas de peso.

Os fidalgos, rindo da piada achada oportuna, levantaram-se, com as suas taças de vinho na mão. O alferes-mor João Afonso, que mal se aguentava em pé, ia ainda apossar-se de uma jarra, quando o cunhado de la Cerda lhe atirou:

- Homem, deixai aqui a jarra, que ainda a derramais pelas escadas abaixo.

As gargalhadas aumentaram ainda de tom às palavras do falcoeiro Afonso Fernandes de Baião:

- Onde já se viu? O homem tem medo de morrer à sede numa adega cheia de pipas.

Em passos trôpegos e no meio de grande algazarra, lá chegaram ao seu destino. Depois de se pesar o peixe, pasmaram: dezassete arrobas e meia, pelos pesos de Santarém.

Todos juravam nunca haver visto cousa assim e Dinis ordenou que o fenómeno ficasse registado. Mandou procurar um escrivão que estivesse sóbrio. E logo ali se elaborou uma acta, onde se registaram as medidas e o peso do solho, confirmadas pela assinatura de todos os presentes.

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Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (8)

Balanço

Cristina Torrão, 21.02.25

A 23 de Dezembro, três semanas e meia depois da sua chegada a casa, Jette fez um balanço da sua viagem. Ao organizar um livro de fotografias, recordou, passo a passo, as suas vivências e apercebeu-se, mais do que nunca, da singularidade da sua experiência.

Atravessou o rio Reno de ferry; amarrou a Pinou à porta de um supermercado; dormiu num estábulo; o pai levou-a através da França, para que ela pudesse retomar a viagem em Burgos; cavalgou ao longo do Atlântico; dormiu em casa de pessoas desconhecidas, incluindo homens acabados de conhecer, apenas porque eles a abordaram de maneira simpática e perguntaram: “queres dormir aqui?”. Porém, diz Jette, nunca sentiu receio ou insegurança. Todas as pessoas se revelaram prontas a ajudá-la, com a melhor das intenções.

Jette notou igualmente a diferença que a viagem operou na Pinou. A égua dormiu em alguns sítios sozinha e/ou ao ar livre, assim como num estábulo com cavalos que lhe eram estranhos. As duas atravessaram florestas solitárias, Pinou chegou até a caminhar solta, à sua frente. A égua emagreceu um pouco, mas seria praticamente impossível evitá-lo, numa jornada tão longa. Mantendo-se em contacto com a dona, Jette sabe, entretanto, que a Pinou recuperou o seu peso normal e se encontra calma e feliz. A relação de completa confiança estabelecida entre ela e o animal, as pessoas incríveis que conheceu e as lindas paisagens foram, segundo a moça, as melhores vivências.

Ao folhear o livro de fotografias, Jette apercebe-se de como foi incrível elas não terem desistido. E conseguir regressar à Alemanha, sem levar a Pinou consigo. O facto de logo ter sido solicitada para tratar, montar e educar novos cavalos ajudou-a a diminuir as saudades da Pinou.

A moça agradece ainda o apoio dos pais, do namorado, de família, amigos e da dona da Pinou. Acompanharam o seu diário de viagem, comentaram, deram-lhe ânimo. As novas tecnologias têm muitos aspectos positivos, basta dar-lhes o uso adequado.

Jette diz que nunca se sentiu sozinha, durante a viagem, pois tinha a Pinou a seu lado. E eu penso ter sido precisamente isso a dar-lhe uma permanente sensação de segurança. Ela não fez a viagem de bicicleta, tinha um animal consigo, um ser vivo. Embora a Pinou pertença a uma raça relativamente pequena, um cavalo impõe sempre respeito. É o suficiente para afugentar quem nada entende de animais, ou cobardes. E sabemos: homens que molestam mulheres são cobardes. A não ser que estejam munidos de uma arma para, neste caso, dar cabo do animal. Mas isso, na nossa Europa, é felizmente raríssimo.

Neste postal, a comentadora Susana V. não deixou de referir ser imprudente “uma jovem de 20 anos com a responsabilidade enorme de tratar de uma égua, a viajar por terras despovoadas”, embora diga também que “as boas aventuras são muitas vezes comportamentos inconscientes que correram bem”.

Admiram-se sempre as aventuras dos rapazes, enumerando, com entusiasmo, os perigos por que passaram. Em relação a raparigas, somos mais críticos. Há mais perigos à sua espreita. E duvida-se mais facilmente das suas capacidades (neste caso, em tratar de uma égua). Mas a Jette provou que não tem de ser assim.

E não, não pretendo igualar os sexos, mas o respeito e a consideração que se lhes devota. Trata-se de não ver, num ser humano, uma presa à mercê de alguém, apenas por ser mulher. Por mais que muita gente insista em que a sociedade evolui por si própria, num processo natural, sem necessidade de exageros e sobressaltos, estes são essenciais. Tem de haver solavancos e rupturas. São necessárias pessoas que se atrevam a dar passos no desconhecido, quebrando tabus. A Jette não foi a primeira mulher a viajar sozinha. Mas mulheres dessas ainda representam uma excepção.

E não esqueçamos igualmente a mentalidade europeia. Foi na velha e bela Europa que isto aconteceu. Não poderia ter acontecido em muitas outras partes do mundo.

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O rolo compressor de Putin

Pedro Correia, 21.02.25

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Oiço falar muito em "paz" por estes dias. Não há palavra tão pervertida como esta: já Orwell havia lançado o alerta nos anos 40.

Vladimir Putin não quer acabar com a guerra na Ucrânia. Quer a Ucrânia, ponto.

O seu vassalo Dmitri Medvedev, sem rodeios, já declarou que a Ucrânia, como Estado, deixou de existir em 1925 e não faz sentido manter-se como entidade soberana. Digam o que disserem a Carta da ONU, a Acta Final de Helsinquia aprovada em 1975 e os tratados subscritos pela própria Rússia.

 

Putin não agrediu a Ucrânia por uma questão de território. A Rússia ocupa um oitavo da área terrestre do planeta. Em 80% desse espaço não vive ninguém.

A questão é geopolítica. Putin ambiciona reconstruir o império russo, crente de que só isso permitirá restaurar a influência de Moscovo à escala global.

É conhecida a frase dele, proferida em 2005, sobre o fim da União Soviética, que a seu ver foi «a maior catástrofe do século XX».

Esta frase é todo um programa. Só não vê quem não quer.

 

O ditador moscovita não se deterá neste desígnio, que ameaça engolir a actual Europa Central e de Leste.

Já o fez na Bielorrússia, em parte da Geórgia e em parte da Ucrânia. Tentou o mesmo na Moldávia, tendo sido travado porque os ucranianos lhe fecharam o caminho.

A ideia quase angelical que desta vez Putin irá satisfazer-se se lhe derem "face" é a negação das lições da História.

Sabemos o que aconteceu depois de Chamberlain e Daladier terem dobrado a cerviz a Hitler em Setembro de 1938, dando-lhe também face: a propalada "paz" serviu apenas de via-rápida para acelerar a guerra.

 

Sem dissuasão militar, Putin intensificará o rolo compressor. Tarde ou cedo, tal como Hitler, inventará outro pretexto para novas acções de "conquista".

Com esta agravante: uma Ucrânia absorvida pela Rússia, com o seu território, os seus meios logísticos, as suas vias de comunicação, as suas riquezas naturais e parte da população transformada em carne para canhão do Kremlin tornaria ainda mais perigoso o ditador. E mais ameaçador cada pacote de novas exigências de Moscovo.

Convém não esquecer: o tirano do Kremlin protagoniza desde 2022 o maior acto de guerra registado no nosso continente desde a II Guerra Mundial. Impedi-lo de cometer novas carnificinas não é opção facultativa: é um imperativo de sobrevivência para a Europa livre.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 21.02.25

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José António Abreu: «Quem ganhou? Acima de tudo, a Grécia perdeu. O governo aceitou quase todas as exigências e o país está hoje pior do que estava há três meses. Sobra a retórica imbatível de Varoufakis, o sexy e sincero, que conseguiu uma provável descida do objectivo para o excedente primário e que "a Troika" fosse substituída no léxico oficial por «as Instituições.»

 

Luís Naves: «Não admira que parte substancial da opinião pública acredite que a delegação grega nas conferências do Eurogrupo quisesse defender os nossos interesses e que, pelo contrário, o governo português tenha agido contra os interesses nacionais. A realidade é que a Grécia prejudicou Portugal e Espanha, pois será mais difícil flexibilizar as medidas de rigor orçamental num ambiente onde a confiança entre os países da zona euro ficou seriamente abalada.»

 

Teresa Ribeiro: «Não é preciso ensinar a crianças da pré-primária quem são os líderes naturais da turma. Os traços de personalidade identificam-se na primeira infância. Nascemos com tendências comportamentais genéticas que rapidamente desenvolvemos ou atrofiamos conforme o teatrinho familiar em que nos achamos inseridos. O optimismo, o pessimismo, o sentido de humor, a autoconfiança, a insegurança, a coragem, o medo, a violência, a inveja ensinam-se. E são esses ensinamentos que ficam, que nos ficam para a vida.»

 

Eu: «Confrontado com gravíssimos problemas de tesouraria e a quebra acentuada das receitas fiscais, sem acesso a vias de financiamento autónomo, o executivo de Atenas cedeu a todas as exigências da Alemanha apesar das bravatas para consumo propagandístico interno, replicadas pelos partidos congéneres que persistem em confundir desejos com a realidade.»

O concurso de insultos

Luís Naves, 20.02.25

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O encontro de Riade entre delegações diplomáticas dos Estados Unidos e da Rússia provocou um incêndio nas redes sociais e na Imprensa, com as opiniões quase consensuais de traição à Europa, novo acordo de Munique ou morte da democracia liberal. Não me lembro de ver coisa semelhante, embora ainda me recorde vagamente da hostilidade com que Ronald Reagan foi recebido na Europa da época (em Portugal, o concurso de insultos foi uma festa e dava direito a medalhas).

O regresso de relações diplomáticas normais entre as super-potências, após três anos de corte quase total, deveria ter provocado uma sensação de alívio, mas causou um pânico histérico. A hipótese de paz é considerada uma ameaça à nossa segurança, a continuação da guerra vista como virtuosa. Neste mundo ao contrário, as pessoas esquecem que as iniciativas de negociação começam sempre desta forma e que os dois países não estão apenas a discutir a Ucrânia.

Acho espantoso que haja dirigentes europeus a tentar "travar" o processo de aproximação entre russos e americanos (a expressão era usada num artigo do Le Figaro sobre Macron) ou até antigos líderes que procuram manhosamente torpedear a iniciativa (refiro-me ao inexcedível Boris Johnson, que recomenda confiscar o dinheiro russo). Tudo isto se baseia no horror patológico ao presidente americano. Não se encontra uma única declaração de responsáveis europeus a referir que Donald Trump está a cumprir as promessas eleitorais que fez. Pelo contrário, assistimos a uma espécie de reality show, para ver qual o líder que consegue dizer as piores coisas sobre Trump.

Esta Europa burocrática e dividida está em rota de colisão com a América e a reação desproporcionada só acelera o conflito. Convém lembrar que a UE cortou quase totalmente a relação com a Rússia, onde comprava energia barata e minerais, tendo agora graves limitações na sua indústria. Bruxelas também iniciou um conflito comercial com a China, pelo que os Estados Unidos são o último grande bloco político e económico com quem falta andar à estalada.

imagem gerada por IA, microsoft image creator

De elefantes e rinocerontes

Cristina Torrão, 20.02.25

Muita gente diz Trump ser como um elefante numa loja de porcelanas. Ou ter a elegância de um rinoceronte.

Vão-me desculpar, mas não posso discordar mais. Um elefante, ou um rinoceronte, dão realmente cabo de uma loja de porcelanas. Mas inadvertidamente.

Trump e seus compinchas entram na loja munidos de tacos de beisebol e escaqueiram tudo.

Porque não escolhem a loja de Putin?

Os protestos na Sérvia

João André, 20.02.25

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Num período de crescimento de nacional-populismo (como se o nacionalismo fosse de outro tipo) e do aumento de influência de líderes autoritários (para sermos brandos com os Órbans deste mundo), vale a pena olha para o que está neste momento a acontecer na Sérvia.

Para quem não tem acompanhado, tudo começou a 1 de Novembro do ano passado quando a pala que encima(va) a fachada da estação de Novi Sad (a segunda maior cidade do país) caiu, matando 15 pessoas. Esta pala tinha sido renovada a partir de 2021, com uma pausa em 2022 para "inauguração" antes das eleições e reabertura final a 5 de Julho (também do ano passado). Nem 4 meses depois, a pala renovada caiu.

A renovação da pala tinha sido conduzida ao abrigo da Iniciativa da Nova Rota da Seda (penso ser essa a tradução da Belt and Road Initiative chinesa) e integrada na actualização e melhoramento da linha de caminho de ferro entre Budapeste e Belgrado, que passava por Novi Sad e que integraria linhas de alta velocidade. Desde o início que as obras tinham sido alvo de acusações de favoritismo e corrupção, mas na Sérvia actual do Presidente Aleksandar Vučić, isso é quase o dia a dia e não chama muito a atenção.

Aleksandar Vučić (lê-se Vutchitch se escrito à portuguesa) é um político que chegou ao poder quase de mansinho. Num país que celebra os grandes líderes e que seguiria um líder carismático num cavalo branco até a um abismo, Vučić é uma pessoa algo apagada, que fala de forma muito suave e, mesmo quando irritado, não parece passar do registo de professor primário a corrigir uma criança. Veio do Partido Radical (que se pode descrever como de extrema-direita) e foi seguindo suavemente para o Partido Progressista da Sérvia (SNS), que se poderá colocar na direita, mas mais normal. Tem vindo a perseguir políticas de abertura económica do país, privatizando muitas das empresas estatais e tem promovendo a livre iniciativa, seguindo de certa forma a cartilha do liberalismo económico. Em termos sociais é mais pragmático, mantendo ligações a movimentos conservadores mas também demonstrando abertura a grupos anteriormente marginalizados (a sua primeira-ministra anterior e actual presidente do parlamento, Ana Brnabić, é lésbica assumida). É essencialmente um político extremamente hábil.

É também um político autoritário, que quando chegou ao poder prosseguiu os hábitos que tinha de quando era ministro da Informação nos tempos de Slobodan Milošević e em que suprimia meios de comunicação social e tentava controlar a informação que chegava à população. A isto acresce o controlo que tem tido sobre o aparelho político, trazendo alguns políticos da oposição para o governo ou cargos importantes enquanto suprime outros. O seu período no poder tem sido visto como caracterizado por uma deriva autoritária, onde vai acumulando cada vez mais poder em si mesmo e mantém um grupo de políticos ao seu redor que dele dependem para manter as suas posições - mesmo quando são teoricamente da oposição.

Como em todos os sistemas deste tipo, a única forma de manter tal rede de poder é com compadrios e corrupção. A corrupção é desde há décadas quase um facto diário na vida sérvia. Empregos são conseguidos e mantidos graças a cunhas, despachar processos administrativos requerem no mínimo uma boa dose de charme para com os funcionários e frequentemente acabam em pagamentos em dinheiro ou géneros, até um simples procedimento hospitalar poderá depender de o paciente trazer alguns dos materiais para ele necessário. Na vida económica, como se pode imaginar, isto amplia-se. E terá sido o caso com a reconstrução da pala da estação de Novi Sad.

Após a queda da pala e da morte das 15 pessoas, começaram a surgir alguns protestos, os quais foram fortemente reprimidos pelas forças policiais e deram origem a actos de vandalismo. O governo começou uma campanha de propaganda contra os protestos, apodando-os de "anti-sérvios", um epíteto que é quase do mais ofensivo que se pode usar num país onde os carros num cortejos de casamento têm sempre abundância de bandeiras sérvias. Só que a 22 de Novembro estudantes e alguns professores da Faculdade de Drama da Universidade de Novi Sad decidiram organizar uma vigília nas imediações da faculdade para homenagear as pessoas que morreram no desastre. Durante a vigília (que seguiu os trâmites da lei) foram atacados por um grupo não-identificado mas largamente considerado como ligado ao governo.

Depois disto, os restantes estudantes da universidade decidiram juntar-se aos estudantes de Drama e ocuparam pacificamente a universidade, colocando tendas, organizando a logística e apoiados por pais e pela população local, que lhes trazia comida, bebida e outras coisas que precisassem. Também começaram a organizar um bloqueio do trânsito da cidade por períodos de 15 minutos todas as sexta-feiras às 11:52, a hora do colapso da pala. Aos poucos, a população da cidade começou a juntar-se aos estudantes em sinal de apoio. Num destes bloqueios, um condutor investiu o carro contra os estudantes (após vários políticos do SNS terem defendido tais acções), atraindo condenação da população apesar de ser defendido pelo próprio Vučić.

Com o tempo, estes protestos foram-se estendendo a outras cidades sérvias e culminaram no protesto a 22 de Dezembro do qual tirei a fotografia que encima o post. Este protesto teve lugar na Praça Slavija, uma das mais emblemáticas de Belgrado e, crucialmente, não na Praça da República (Trg Republike) que fica perto do Parlamento e do Palácio Presidencial, e está associada aos protestos contra Milošević. Uma das principais características destes protestos é que são liderados pelos estudantes, mas sem uma única figura que esteja à frente deles, os represente ou seja porta-voz. Todas as decisões dos estudantes são tomadas em assembleias de estudantes e quando algum comunica as mesmas à imprensa é quase sempre alguém diferente de quem o tenha feito no passado. Ao tomarem esta decisão consciente, os estudantes resguardam-se contra situações passadas onde os líderes eram seduzidos e corrompidos e o movimento acabava por morrer devido a isso. Sem líderes para atacar ou seduzir, Vučić fica sem alvo concreto, tendo de se recorrer à cassete dos autoritários, que os protestos são patrocinados "pelo Ocidente" e anti-sérvios, e que os estudantes querem causar a queda do regime.

O problema é que os estudantes têm exigências mais simples. Primeiro que nada, recusam-se a reunir com Vučić, argumentando que ele é o presidente e, como tal, não tem poder real no país de acordo com a Constituição (em teoria é uma figura semelhante à do Presidente da República Portuguesa), antes querem discutir com o governo, coisa que se complicou por Vučić ter forçado a demissão do primeiro-ministro Miloš Vučević (quer era presidente da câmara de Novi Sad quando as obras na estação começaram). Querem também total transparência no inquérito ao colapso da pala, algo a que Vučić tem resistido por, de acordo com os protestantes, isso levar a que se conhecesse a escala da corrupção no país e implicar múltiplas pessoas em posições de poder. Outras exigências que os estudantes anunciaram foram a anulação dos processos contra estudantes e demais cidadãos detidos em protestos; a prisão de quem atacou violentamente os protestos; e o aumento do orçamento das faculdades em 20%.

Estas exigências demonstram também uma outra faceta dos protestos estudantis: não falam pelo país, antes e apenas por si mesmos. Não fazem exigências políticas para as quais não consideram ter legitimidade, apenas exigem algo que consideram ser senso comum (transparência no inquérito, processos legais a quem de facto comete crimes) e a algo que lhes diz respeito: as suas próprias faculdades. Esta é mais uma das razões porque recebem tanto apoio da população. Não só não se arvoram em líderes do país, mas pedem apenas condições para poder estudar condignamente e poder posteriormente ajudar a Sérvia, em vez de ir para o estrangeiro em busca de vida melhor. Nas declarações da população, o apoio aos estudantes recebe frequentemente o comentário "apoio-os porque são os nossos filhos e querem uma vida melhor".

Vučić, nisto tudo, está preso e parece tentar ir oferecendo migalhas aos protestantes - recentemente anunciando a prisão de uma administradora de uma clínica de testes clínicos por práticas de corrupção - e esperar que arrefeçam para ele voltar ao normal. Neste momento não é claro que isso venha a acontecer.

Dê por onde der, estes protestos têm demonstrado que há formas de resistir às derivas autoritárias e corruptas dos países. A opção que os estudantes sérvios têm demonstrado baseia-se em certos pilares: 1) união; 2) protestos completamente pacíficos; 3) ausência de líderes ou figuras; 4) manter as exigências circunscritas ao razoável e lógico.

Num mundo onde nos perguntamos constantemente "onde irá este mundo parar" relativamente aos jovens actuais (como se a pergunta não fosse feita desde sempre por todas as gerações), este tipo de protestos demonstra que, pelo menos num país e para já, o mundo talvez tenha possibilidade de ir parar a um lugar melhor. Haja vontade.

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Imagem com um dos símbolos do protesto. O texto é traduzível como "As vossas mãos estão ensanguentadas". Penso que não é preciso explicação.

Serviço público às direitas

Sérgio de Almeida Correia, 20.02.25

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Têm sido inúmeras as vezes em que discordo das análises de João Miguel Tavares no Público, embora aprecie a sua escrita e o estilo que imprime ao que escreve. Partilharemos as mesmas preocupações, apesar de estarmos em muitas questões ideologicamente afastados. Todavia, esta distância não me impede de o ler com atenção e de comungar de muitas das análises que faz quando em causa está a defesa da democracia e das suas instituições.

O conjunto de textos que tem publicado nos últimos dias sobre as trapalhadas do PSD e do primeiro-ministro, como ainda hoje aconteceu, assume particular importância pelo modo claro e incisivo como o faz. E é serviço público prestado por alguém, espero que não se ofenda com a minha catalogação, do espectro liberal e de direita.

Sinto uma imensa tristeza e amargura por tudo aquilo que se tem passado nas últimas décadas com a nossa democracia, os nossos partidos políticos e a acção destes na destruição do capital de confiança dos portugueses no sistema político, no regime e nas instituições de governança.

Para mal dos meus pecados, nossos, muito do que aqui e noutros lados escrevi, para desespero de alguns, vai-se confirmando, sempre para pior, em cada dia que passa.

Não sei o que escreveria Vasco Pulido Valente se fosse vivo e estivesse assistir ao espectáculo que está a ser dado pelo XXIV Governo. Posso apenas imaginar. Daí que a crónica de hoje de João Miguel Tavares se revista de maior importância e deva ser lida com atenção.

Se, como escreve, em 2005 houve um problema de falta de escrutínio, creio que agora não faltou. Nem falta de escrutínio, nem de aviso. E isto torna mais inconcebível o que estamos a assistir.

Ninguém tem qualquer má vontade contra o primeiro-ministro.

O problema é apenas o homem não se enxergar. E, como sucedeu com os antecessores, rodeou-se, na sua maioria, de gente que não interessa a ninguém, que em nada o ajuda e que devia estar longe do Governo, longe de qualquer partido, longe de qualquer autarquia. E que não podia ter qualquer poder.

A esperteza saloia, a pesporrência, a teimosia ou a estupidez nunca foram boas conselheiras. Não há notícia de que alguma vez tenham dado bom resultado. Montenegro devia ter percebido isso há muito tempo.

Tradições de Carnaval

Paulo Sousa, 20.02.25

O carnaval está à porta. Noutros tempos nesta altura do ano, havia uma tradição cá para os meus lados que, existindo noutras paragens, será apenas vagamente aparentada. A coisa desenrolava-se pela noite velha. Primeiro escolhia-se um alvo, e entenda-se por alvo alguém que perante tal partida, desse espectáculo. Havia sempre diversos detalhes a considerar, se na casa havia espingarda, se o dono tinha boa pontaria, se tinha voz grossa e se por perto da respectiva habitação havia locais escuros o suficiente que desse para se esconder. Os brincalhões com um sentido operacional mais refinado, avaliavam igualmente o tipo de puxador da porta a ser escolhida, ou se tinha batente e, em havendo, qual era o seu peso e barulho produzido.

Segundo contam os mais antigos, e não se sabe quando é que isto começou, eram os rapazolas que ficavam até mais tarde nas tabernas que terão começado a tradição. As tabernas foram fechando e deram lugar aos cafés, mas coisa não desapareceu. No final dos anos 70, houve um café que teve o moderno nome de “pub”, e que chegou também a ser discoteca, paragem obrigatória antes de se seguir para o fenómeno regional que era a discoteca “O Moinho”, onde chegou a actuar o Herman José no tempo da “Canção do Beijinho”. Mas esse não é o assunto e não me quero dispersar.

Pela uma ou duas da manhã, o mais corajoso do grupo avançava com uma pedra amarrada na ponta de um cordel. Durante uns breves e intermináveis segundos, atava-a na porta do alvo escolhido. Havendo batente, a pedra deixava de ser precisa e a guita seria amarrada a este. O fio de uma bobine de juta desviada à socapa de um tear de junco, estendia-se por ali a fora, desde a pedra do crime até à mão do criminoso. Só depois de toda a trupe estar devidamente oculta, é que começava a animação. As primeiras batidas serviam para acordar todos os residentes da casa. A batida, pausada e regular, só iria parar quando o cordel fosse cortado, ou a mão do criminoso dali saísse. Pam! (pausa) Pam! (pausa) Pam! No ciclo seguinte, o alvo e demais familiares começavam a entender que tinham sido os escolhidos. A partir da reacção que se seguia, foi possível dividir a população da terra em dois grupos distintos, os que não passavam confiança à brincadeira e os que ficaram na história. Os primeiros abriam a porta, cortavam o fio e regressavam ao interior da casa. Não se pode dizer que estivessem calmos, que não estavam, mas por não reagirem, por se mostrarem uns sensaborões, nunca mais eram visitados. Os outros, perante a afronta, perdiam as estribeiras. Ora desatavam aos berros e ali ficavam a desfilar todo o catálogo dos palavrões conhecidos, desconhecidos e os inventados na hora, ora, de ceroulas, corriam até aos arbustos à procura dos bandidos e iam capazes de os esfolar vivos, se os ali apanhassem. Um ou outro, sacava da caçadeira e era rara a época de carnaval em que não soassem tiros a interromper o sossego da noite. Às vezes, lá por trás, ouvia-se a respectiva esposa a tentar, coitada, sem qualquer sucesso, apelar à calma. Houve quem tivesse apanhado umas chumbadas, mas como o mais popular para a caça eram os cartuchos de abrir, a meia dúzia de metros o chumbo espalhavam-se e três ou quatro bagos de chumbo, que não fosse na cabeça, não deixam mazelas de maior. Tocar às campainhas e desatar a fugir, é coisa dos meninos da cidade. Dizia-se que para lá de Porto de Mós, alguém tinha preparado um cartucho especial e misturado cevada com o chumbo, e aquilo metido no corpo infectava. Era morte certa. Nunca ninguém soube a quem é que tal tinha realmente acontecido, mas falava-se nisso.

Um dos maiores corrécios da sua geração, uns anos mais velho do que eu, estava sempre envolvido em partidas que não lembravam ao diabo. A imaginação e a irreverência da adolescência e juventude, alimentavam frequentes fricções familiares. Certo ano, para abrir a época dos “talim-talões”, é nome pelo qual a coisa é conhecida, o debate era mais uma vez sobre quem seria o próximo alvo. E foi então que o dito rapazinho se lembrou do seu pai. Na hora do tormento, importava que ele próprio já estivesse deitado. Só assim poderia ter um álibi que o defendesse da eventualidade de vir a ser acusado pelo Ministério Público, no caso, representado pelo seu pai. É certo que o cadastro não o ajudava, mas estando em casa, mesmo sem disfarçar a diversão, a sua defesa era irrefutável. Quem conhece a peça, percebeu logo que o anjinho “inocente”, tinha simplesmente sido ele a colocar a pedra na porta antes de entrar em casa.

Também participei num desses eventos, onde tive a oportunidade de alargar o meu vocabulário e refiro-me especificamente à palavra “pingonheiro”. Por nunca a ter ouvido até então, pensei que tivesse sido inventada na hora, mas não foi o caso, pois consta do dicionário.

Sinalização

Sérgio de Almeida Correia, 20.02.25

A Volta ao Algarve vem ano após ano a impor-se no panorama do ciclismo internacional. De pequena prova regional e nacional passou a ser uma competição importante no calendário de grandes equipas e de ciclistas que aproveitam as boas condições climáticas do nosso país para iniciarem a época e se prepararem para as provas mais prestigiadas.

A organização tem estado, em regra, à altura, facto comprovado pelo número e categoria dos inscritos e a adesão de equipas de topo.

Só que o que aconteceu ontem é do domínio do fantástico e absolutamente inacreditável numa prova internacional para ciclistas profissionais.

A sinalização é um dos grandes males das nossas estradas. Mal colocada, de leitura difícil, está muitas vezes na origem de acidentes que nos dão cabo da alegria e das estatísticas, contribuindo para inúmeros danos patrimoniais e a desgraça de muitas famílias.

Porém, na edição deste ano da Volta ao Algarve, por ausência de sinalização atempada, o inacreditável aconteceu, tornando surreal o final da primeira etapa e obrigando ao cancelamento desta.

Na política, e com a governação do país bem sabemos a que resultados o amadorismo, a falta de brio e a incompetência nos conduziram. E continua a conduzir.

No desporto nacional, apesar de muitas vezes as condições serem deficientes e faltarem apoios, não têm escasseado, felizmente, atletas que se superam, apresentam resultados e nos engrandecem, ajudando à nossa auto-estima e constituindo exemplo para os mais novos.

Esperemos que assim continue.

A organização da Volta ao Algarve necessita, por essa razão, de rectificar rapidamente o sucedido.

A reputação das organizações, tal como a de qualquer homem sério, leva uma vida a ser construída. Mas há pequenos erros, desleixos, faltas de atenção, de onde não se regressa vivo.

Afinal quem é que «abana a cauda»?

Pedro Correia, 20.02.25

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Vladimir Putin dizia recentemente que os europeus «vão acabar por abanar a cauda a Trump». Elegantíssima expressão. Não admira, vinda de onde vem.

Afinal, por estes dias, parece ser Donald Trump quem «abana a cauda» ao ditador russo, de tal modo que nem hesita em adoptar quase ponto por ponto o argumentário do Kremlin para denegrir Volodímir Zelenski. 

Tanto em declarações feitas anteontem como num alucinado pedaço de prosa ontem divulgado na sua rede digital, o novo-velho inquilino da Casa Branca dispara um chorrilho de insultos ao Chefe do Estado ucraniano que em nada diferem das habituais invectivas de Moscovo - incluindo "comediante sem sucesso" e "ditador", entre outras expressões próprias de um inimigo, não de um aliado.

Garante que ele só tem hoje «4% de aprovação» entre os ucranianos. Chega a culpá-lo de iniciar a guerra, numa inversão total dos factos. Como se o bombardeamento de Pearl Harbor em Dezembro de 1941 tivesse sido feito pela aviação norte-americana em vez do Japão. E acusa-o de suspender eleições na Ucrânia, que se encontra desde Fevereiro de 2022 sob lei marcial em resposta à agressão russa, o que inviabiliza qualquer processo eleitoral - como aliás aconteceu no Reino Unido, sob a liderança de Winston Churchill, entre 1940 e 1945. Além de que a própria Constituição da Ucrânia interdita a realização de eleições com o país em estado de guerra, o que não causa qualquer surpresa.

Sobre a manifesta falta de democracia na Rússia, nem uma palavra. Sobre o facto de Putin - ele sim - ser um tirano, nem um sussurro.

 

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Esticou-se de tal maneira que forçou Boris Johnson a sair em defesa de Zelenski, também numa plataforma digital.

O antigo primeiro-ministro conservador britânico, sem papas na língua, desmonta as falácias de Trump, repondo a verdade. Foi obviamente Moscovo a iniciar a guerra, é impossível um país sob invasão estrangeira organizar eleições presidenciais, a quota de popularidade de Zelenski equivale à de Trump.

As falsas alegações do norte-americano forçaram o seu antigo vice-presidente, Mike Pence, a sair igualmente em socorro da verdade: «Senhor Presidente, a Ucrânia não iniciou esta guerra. A Rússia lançou uma invasão brutal e não provocada, ceifando centenas de milhares de vidas. O Caminho para a Paz deve ser construído sobre a Verdade.»

Na mesma linha se pronunciou John Bolton, que foi conselheiro nacional de segurança no primeiro mandato de Trump: «Caracterizar assim Zelenski e a Ucrânia é uma das observações mais vergonhosas alguma vez feitas por um Presidente dos EUA. O nosso apoio à Ucrânia nunca foi uma questão de caridade, pois a maneira como vivemos em casa depende da nossa força no exterior.»

 

Esforços louváveis, mas inglórios. Não é segredo que o antecessor/sucessor de Joe Biden é imune ao rigor factual. Só lhe interessa a matéria ficcional que vai compondo como narrativa para mobilizar os mais fanáticos - incluindo os que moram deste lado do Atlântico.

Lá no seu búnquer de Moscovo, Putin tem amplos motivos para sorrir. Já conseguiu que o putativo "homem mais poderoso do mundo" se portasse perante ele como um potro amestrado. E ainda só decorreu um mês: esperem pelo que aí vem.

 

ADENDA 1: Por imposição dos EUA, a expressão "agressão russa" não deve constar do comunicado conjunto do G7 que assinala o terceiro aniversário da invasão da Ucrânia.

ADENDA 2: Washington recusa apoiar resolução da ONU de condenação da guerra desencadeada por Moscovo em 2022 no país vizinho.