Enquanto a lenha vai alimentando as lareiras das terras frias do hemisfério norte, muitos se questionam sobre o que nos reserva 2025. Como vidente não sou, também não corro o risco de me enganar, deixando esses prognósticos para os meus amigos economistas e alguns, poucos, especialistas de ciências ocultas e afins.
E assim sendo, quero apenas neste final de 2024 colocar na última página do calendário, e que será amanhã a minha primeira, sublinhar um breve punhado de reflexões suscitadas por uma recente entrevista de José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, e pela nomeação falhada de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo.
São dois factos que, aparentando nada terem a ver um com o outro, em rigor estão intimamente ligados.
Da entrevista ao Expresso, de entre várias e pertinentes e questões sobre a actualidade política, Aguiar-Branco enfatiza a necessidade de se mexer no estatuto dos titulares de cargos políticos, explicando porquê.
Quanto às incompatibilidades atinentes ao exercício de cargos políticos, o presidente da AR considera-as excessivas, o que conduz a que, praticamente “só quem não tenha nada que fazer, quem não represente nada na sociedade”, gente a quem esta não reconheça mérito e competência é que pode estar disponível para o exercício de cargos políticos, dando como exemplo os parlamentares.
De caminho critica, e bem, a funcionalização do exercício da função política, defendendo um escrutínio mais exigente, mais rigoroso dos registos de interesses, um sancionamento rápido e eficaz em situações de prevaricação e uma revisão das remunerações de titulares de cargos políticos, única forma de se trazer gente qualificada – decente, digo eu – para a política.
Sobre o triste episódio Hélder Rosalino, mais um, que se predispunha a ingressar no Governo com o salário de cerca de 16 mil euros que auferia no Banco de Portugal, o que levou a que o primeiro-ministro e a sua equipa mexesse na previamente lei, dando um pontapé na generalidade e abstracção e adaptando-a ao caso concreto que tinham em vista, como outros fizeram, trata-se de mais uma daquelas situações que nunca deveria ter acontecido.
Não foi, infelizmente, a primeira. Gostaria que fosse a última, sendo indiferente que o governo seja do PSD, do PS ou de qualquer outra agremiação que por aí ande, mais ou menos atamancada às instituições do regime na mira dos subsídios.
Olhando para os nossos partidos, os nosso governos, actual e passados, a nossa classe política, a composição do parlamento e a mediocridade reinante, em especial nas últimas duas décadas e meia, dificilmente se deixará de concordar com Aguiar-Branco. Os políticos ganham mal e a política foi tomada por funcionários medíocres, pelo lúmpen dos partidos e das juventudes partidárias. Quem tem mérito foge da actividade política e do escrutínio que esta implica, preferindo ficar comodamente numa entidade pública ou privada onde seja razoavelmente bem pago e se sinta resguardado dos holofotes e da bisbilhotice e inveja da populaça.
Poderemos não estar todos de acordo neste ponto. Seria importante que fossemos capaz de discuti-lo, já que exemplos não faltam. Dos cábulas alçados a ministros, dos funcionários camarários e dos partidos investidos em estadistas, que acabam empresários e milionários sem que se perceba de onde lhes vem o guito, se de uma herança milionária escondida num cofre caseiro em maços de notas que já saíram de circulação, se de pagamentos perpetuados durante o exercício de cargos públicos, ou se da simples moscambilha, vigarice ou operação de consultadoria de agilização de processos e recomendações.
Alguns dirão que é por causa disso que não se contratam mais Rosalinos e Macedos, e que no final – dependendo de quem os promove – até cumprem bem a função, seja a esportular os pobres reformados ou a sacar comissões a cavalo de um banco público para se apresentarem resultados que de outro modo ficariam muito aquém do publicitado.
O problema é que ninguém sabe por onde começar. Ou quer começar.
Os partidos não expulsam os medíocres porque esses estão todos lá instalados e controlam ao acesso aos lugares susceptíveis de darem prebendas. Outros só estão disponíveis para servir o Estado e exercer a função política se se puderem comportar como gestores privados, sendo pagos por terceira entidades ou contornando-se as regras aplicáveis ao comum dos cidadãos.
A discussão, talvez ingenuamente ainda acredito nisso, deverá colocar-se num patamar que antecede a acção política.
Tanto uma como outra estão hoje inquinadas pela radicalização do discurso político, pelo entrincheiramento partidário, por um novo acantonamento classista que distingue entre os que estão dentro e a tudo têm acesso e os que estão fora, na periferia das instituições e do poder, destinados à rua e ao garimpo urbano em busca de uma casa suburbana ao sol e de um salário de sobrevivência depois de impostos.
Tudo é demasiado mau e miserável para que continuemos a contemporizar com a indecência.
Porque é tão mau pagar tão mal aos políticos como hoje pagamos – que em qualquer caso será sempre demasiado na visão de muitos para o que a maioria se mostra capaz de fazer – como aceitar na política exércitos de funcionários medíocres e de mercenários, incapazes de se predisporem a servir a causa pública, ainda que por um período temporário, sem outra razão que não seja esse mesmo serviço.
Redescobrir o sentido ético da acção política, conferir um sentido moral ao serviço público na política, está muito para lá das questões salariais, do simples reconhecimento do mérito que cada um merece, de uma revisão de estatutos ou equiparação ao que se passa em empresas privadas. Que, nem sempre, e os bancos e banqueiros constituem prova disso, apresentam os melhores exemplos de integridade e seriedade, ao contrário do que se poderia esperar, apesar de pagos principescamente face à generalidade das pessoas. Ladrões e bandidos aparecem em todo o lado e em todas as profissões. Disso não estamos livres.
Precisamos de ser capazes de olhar para nós próprios, de rirmos e de chorarmos em conjunto, de nos redescobrirmos enquanto pessoas. É tempo de nos deixarmos de procissões, arruadas, folclore e faduncho. É tempo de voltarmos a pensar. No que somos, no que queremos ser. Se é que ainda aspiramos a ser algo mais do que um punhado de números ao serviço de maus gestores de algoritmos.
Há muito que o sonho deixou de comandar a vida. Não se iludam. Só a acção séria e consequente é motivadora e dá frutos a longo prazo. Não tenham medo.
Feliz Ano Novo para todos os que ainda por aqui passam. E aos que perdem cinco minutos a pensar nos outros.
Que não lhes falte a saúde e a capacidade para reflectirem e agirem. A esperança. Para perseguirem a felicidade e serem felizes, não desesperando na adversidade medíocre dos dias.