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Delito de Opinião

Obrigado

Sérgio de Almeida Correia, 31.10.24

André Freire CM Pedro Simões 2024-10-30-17-03-(créditos: CM/Pedro Simões)

Choque pela notícia matutina. Choque pelas circunstâncias. Choque pela confrontação com a realidade.

A notícia caiu de chofre.

Figura de referência no estudo, investigação e ensino da moderna Ciência Política portuguesa, que ajudou a colocar no mapa internacional das escolas de referência, sempre disponível para com os seus alunos, rigoroso, aberto e amigo, o Professor André Freire partiu subitamente.

Sem aviso prévio e numa intervenção cirúrgica, tanto quanto me apercebi, corriqueira.

Os milhares de páginas que deixou escritas em livros e artigos científicos, que terão feito dele um dos mais citados politólogos nacionais, jamais servirão para colmatar a sua ausência na academia e no espaço público, nas televisões, em jornais, em múltiplos seminários e conferências, nas quais sempre participava com gosto e total disponibilidade.

Exemplo de integridade, de intervenção cívica desinteressada e oportuna, em especial nas cíclicas crises da política portuguesa, parte numa altura em que tinha ainda tanto para nos dar.

Os seus alunos ficarão órfãos. Os portugueses estão desde hoje imensamente mais pobres.

Fundamental no meu regresso ao universo académico, à orientação definitiva da agulha para a minha área de vocação e interesse, motivando-me para a investigação e a fixação de metas das quais, tanto ele como o saudoso Professor Farelo Lopes, nunca me deixaram desistir, dando-me sempre a sua opinião informada, a última sugestão de leitura e os incentivos para desenvolver, aperfeiçoar e depurar.

Concluído o doutoramento, que acompanhou com interesse e visível satisfação pelo cumprimento de todos os prazos e o interesse do tema que então investiguei, e sem cuja ajuda jamais teria concluído, lá íamos mantendo contacto virtual, sempre com uma palavra, da parte dele, de interesse sobre o que ia fazendo em terras longínquas, e de estímulo a um eventual regresso a Portugal, que sempre viu com bons olhos.

Uma vez por outra, quando passava por Lisboa, lá participava nas conferências de que me dava nota, visitando-o de caminho no gabinete do ISCTE que partilhava com a minha antiga orientadora, sua colega e amiga.

A sua voz continuará a ouvir-se, e a ser recordada, por mais anos que passem.

O vazio permanecerá de cada vez que ler uma página dos seus escritos ou o citar.

Tristeza maior por saber que já não terei o gosto de o ouvir comentar e criticar aquilo que for escrevendo.

Até sempre, Professor.

Até sempre, André, e obrigado.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.10.24

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Luís Naves: «A reforma do Estado não se poderá fazer sem reduzir ainda mais o número de professores, de polícias ou de profissionais de saúde (que constituem o grosso do efectivo de funcionários). Como se concretiza essa redução? É preciso definir o que se fará com empresas como RTP, CGD ou TAP, antes que um segundo resgate decida pelo País. A informatização mudou a forma de trabalhar e tornou desnecessárias inúmeras funções, mas a burocracia estatal tem sido lenta a adaptar-se e basta entrar numa repartição pública para o compreender.»

 

Eu: «Série ininterrupta com maior longevidade da blogosfera portuguesa, que assinala o início de cada dia aqui no DELITO DE OPINIÃO, As Canções do Século surgirão em Novembro com um formato especial: todos os temas musicais terão nomes de mulher. É uma forma de homenagear as nossas leitoras, que muito colaboram com sugestões, comentários e palavras de incentivo.»

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 30.10.24

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Hoje Lemos: Stephen King, "Se Tem Sangue".

Passagem a L-Azular: "O cérebro humano é finito – não mais do que uma esponja de tecido dentro de uma gaiola de osso – mas a mente dentro do cérebro é infinita. A sua capacidade de armazenamento é colossal e o seu alcance imaginativo está para além da nossa capacidade de compreensão. Penso que quando um homem ou uma mulher morre, um mundo inteiro cai em ruínas – o mundo que essa pessoa conhecia e em que acreditava. Pensa nisto, miúdo: biliões de pessoas na Terra, e cada um desses biliões com um mundo lá dentro. A terra que as suas mentes conceberam.”

Cada mente funciona com o conhecimento que tem da sua própria realidade. Apesar de todos vivermos uma realidade colectiva, é impensável que seja percebida de modo igual por todas as pessoas que a vivem. Existe uma infinidade de variáveis que condicionam o pensamento individual, factos tão simples como um atraso do transporte habitual, uma constipação ou um pequeno corte num dedo, por exemplo. O tão apregoado efeito borboleta tem a capacidade de, em pequena escala, albaroar ou destruir o mundo de cada um, ou de lhe causar  transformações, temporaria ou permanentemente.

Chama-se Tiago

Pedro Correia, 30.10.24

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Finalmente sabemos o nome dele. Durante mais de uma semana, era apenas «o motorista da Carris». Sem direito a identidade, vítima indefesa de um cobarde bando de encapuzados quando desempenhava o seu trabalho: transportar pessoas para as periferias pobres de Lisboa. Servia a comunidade, cumprindo o dever profissional, em Santo António dos Cavaleiros (Loures).

Não abriu telejornais.

Ninguém indagou o seu tom de pele.

Ninguém o louvou, ninguém o enalteceu, ninguém se lembrou sequer de mencioná-lo pelo nome de baptismo: Tiago.

Tem 42 anos, permanece internado na unidade de queimados do Hospital de Santa Maria. Aparentemente com lesões no aparelho respiratório que lhe ficarão para o resto da vida - consequência do brutal ataque com cocktails Molotov quando transportava os últimos passageiros na última paragem da última viagem daquela fatídica madrugada que terminou com a destruição total do veículo. Alegadamente a pretexto de «vingar» a trágica morte do comerciante cabo-verdiano Odair Moniz, vítima de um deplorável disparo policial no bairro do Zambujal (Amadora).

O agente da PSP está já indiciado por homicídio. Quem atacou Tiago com selvajaria, quase o condenando à morte, permanece impune. 

 

Dos 23 suspeitos detidos e identificados por alegado envolvimento em 155 actos de fogo posto, dano e resistência à polícia de que resultaram quatro autocarros carbonizados, pelo menos 36 veículos ligeiros destruídos e centenas de contentores e ecopontos incinerados, nem um ficou em prisão preventiva. Alguns foram libertados com a solene advertência de estarem proibidos de usar isqueiros, o que já gera anedotas a nivel nacional. Pondo a justiça a ridículo.

«Se o barril de pólvora estourar com maior intensidade, estamos muito longe de conseguir aplicar com rigor, celeridade e eficácia, a boa receita que Keir Starmer utilizou no Reino Unidos, nos tumultos de 2007 e agora, já este ano», observava ontem Eduardo Dâmaso numa lúcida nota editorial no Correio da Manhã

Aviso feito: convém levá-lo a sério. E pôr fim à indecorosa prática da indignação selectiva. Que pode tornar-se num extremismo tão pernicioso como outro qualquer.

 

Leitura complementar:

O direito ao nome do assassinado (Delito de Opinião, 16 de Dezembro de 2020)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.10.24

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Ana Lima: «Quando, aqui há uns anos, Lili Caneças pronunciou a frase "estar vivo é o contrário de estar morto", não houve quem não gozasse com tal tirada. Afinal, vemos agora que, para alguns, essa distinção não é assim tão clara. Mas depois de os profissionais do Hospital de Aveiro, durante algum tempo, não saberem se deveriam dar alta, dar baixa ou dar em doidos, parece que o assunto lá se resolveu...»

 

Luís Menezes Leitão: «Acho tão ridícula esta história de o ministro da Defesa andar a dizer que andamos a "interceptar aviões militares russos" como o foi há cem anos a captura dos navios alemães que estavam pacificamente no porto de Lisboa. O problema é que é com estas bravatas que nós nos metemos em guerras a que somos totalmente alheios. Por isso, preparemo-nos para cantar: "Contra os russos, marchar, marchar".»

 

Marta Spínola: «O problema não são as gordas. Não são as magras. O problema é, como sempre, estarem mal resolvidas. O problema são os preconceitos, o não conseguirem mostrar pele por ideias pré-concebidas ou não receberem um elogio ou piropo de vez em quando. Mesmo que o recebessem não saberiam o que fazer com ele, ficariam trapalhonas com ele nas mãos como quando o telemóvel quase se nos escapa, quase quase, mas afinal não chega a cair. O problema é também, admito, a convenção à escala mundial de que o magro é que é perfeito. Mas isso é secundário perto da mesquinhez das pessoas.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Há muito que deixara de ser uma promessa para se tornar num dos mais consistentes desportistas da elite de surfistas nacionais. Depois de Tiago Pires está assegurada a continuidade no sector masculino - porque quanto ao feminino elas falam por si - do surf português no topo mundial. Espero que não lhe faltem os apoios - privados - para que possamos todos continuar a festejar os sucessos do novo campeão mundial de surf júnior. O Vasco Ribeiro transformou as ondas de Ribeira d'Ihas numa passadeira vermelha para as cores nacionais. Estou-lhe grato, tal como todos os portugueses, pelo seu feito.»

Um solavanco civilizacional

Paulo Sousa, 29.10.24

O que na evolução biológica do sistema nervoso central existe de mais antigo manifesta-se nos instintos e é por isso que os partilhamos com todos os outros animais da criação. É uma história com milhões de anos de que não serei o mais entendido para aqui a explanar, e muito menos em tamanho adequado a um postal, mas que se pode simplificar dizendo que as nossas competências sociais “residem” em camadas que se formaram posteriormente e que são por isso por isso muito mais recentes.

É desse núcleo central, o cérebro reptiliano, que dependem os impulsos para se alimentar, para se reproduzir e, em caso de ameaça, para fugir ou atacar. O sistema nervoso dos répteis vai pouco além destes destas funções básicas que asseguram a sobrevivência e a manutenção da espécie.

As emoções e a racionalidade dependem de camadas posteriores do sistema nervoso. A empatia, a capacidade de se chegar a um compromisso, a noção de futuro, qualquer conceito de ética, o respeito, a gratidão, entre muitos outros, são luxos extra que equipam apenas uma minoria dos animais onde incluo os seres humanos. Mesmo para esses animais mais apetrechados, em ocasiões pontuais, nomeadamente sob ameaça, o instinto reptilineo toma conta das ocorrências e impede que as emoções, e muito menos a racionalidade, se manifestem.

Os nossos comportamentos resultam por isso desta trilogia de instinto, emoções e racionalidade e aquilo que conhecemos por civilização seria impossível sem esta última.

Todos sofremos, e beneficiamos, das consequências dos enviesamentos cognitivos que nos condicionam as escolhas. Bem sabemos como ir às compras antes ou depois de uma refeição tem implicações no valor final da factura, assim como na sua composição. Em certas circunstâncias, há coisas que escapam ao nosso controlo.

As emoções são um poderoso combustível para mobilizar os indivíduos e agitar as massas e, por oposição, em escolhas sob pressão, a racionalidade é facilmente deixada cair.

As mensagens políticas populistas assentam em ideias simples e emocionais, enquanto que a moderação está muito mais ligada à racionalidade e à tal civilização. São muito raros os políticos que não recorrem a mensagens populistas. Alguns fazem-no pontualmente e outros em regime de exclusividade.

E o que é que isto tem a ver com os acontecimentos dos últimos dias? Tem tudo a ver.

Que consequência positiva pode existir ao apelo para que a polícia dispare mais vezes a matar? Que consequências positivas decorrem de incentivo à desobediência à autoridade ou a se incendiar um caixote do lixo, um automóvel ou autocarro? Qual a racionalidade dos apelos dos radicais? Fazem-no para explorar os nossos impulsos irracionais do “fazer o gosto ao dedo”, da vontade de desta vez “lhes dar uma lição”, da procura de alguma adrenalina, do reencontro com as nossas antropológicas raízes tribais e sem esquecer o “isto não vai a bem, vai a mal”. Todos estes impulsos dispensam da racionalidade do compromisso e é esse o território preferido dos radicais.

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Os populistas, mais ou menos cavernícolas, mais ou menos lunáticos, tentam agitar-nos as emoções para aceder ao nosso cérebro reptiliano. É nesse estado de espírito que nos tentam manter e não me surpreenderia que em futuras eleições distúrbios provocatórios antecipem o momento do voto. O sucesso destes partidos incendiários depende de indivíduos em estado de agitação, limitados por isso na sua a racionalidade e, dessa forma, afastados igualmente da civilização.

E é isso ao que temos assistido. Não estamos perante o fim dos tempos, mas sim a viver um solavanco civilizacional, cavalgado e alavancado por mesquinhos interesses partidários.

Cidadania

José Meireles Graça, 29.10.24

A Alexandra Leitão, a conhecida Pasionaria (versão séc. XXI) do PS, ouvi que a parte do discurso de Luís Montenegro em que este prometia ir rever o conteúdo da disciplina de Cidadania, libertando-a das amarras de projectos ideológicos, foi a mais aplaudida do Congresso; e a Pacheco Pereira, o mais conhecido militante de um PSD que terá existido em tempos, que aquele discurso era, de facto, em muitos aspectos, próximo do Chega.

Este aplauso indignou aquelas duas luminárias por ser prova da deriva do PSD para a extrema-direita.

Estranho caso: O PSD de Montenegro fez uma cerca higiénica em torno do Chega antes e depois das eleições – não é não. E agora que tem garantida a passagem do Orçamento, e que para isso não requereu o apoio daquele pestífero partido, encosta-se a ele. É estratégia de grande subtileza: primeiro ignoro-te e depois pilho-te as ideias, de modo que os mesmos eleitores que me elegeram a mim voltam a eleger-me mas com um programa comprado àqueles que escolheram outro mas agora, desvanecidos, vêm a meus braços anichar-se juntamente com os que já cá estavam.

Um pouco subtil demais, talvez. Eu, que sou uma pessoa simples, vou mais por explicações terra-a-terra: o aplauso foi consequência do fartum em que está toda – toda – a gente que não é de esquerda, e alguma que é, da consagração nas leis e nas escolas de opiniões que têm livre curso nos acampamentos do Bloco e no bem-pensismo abusador e cretino de não poucas universidades americanas, mas que a maior parte das pessoas comuns rejeita que seja enfiado a martelo nas cabeças inocentes dos seus filhos.

A estratégia da extrema-esquerda (e, para este efeito, nela incluo boa parte do PS actual) é cristalina: Estas crianças, quando crescerem, serão saudavelmente de esquerda, não terão a cabeça cheia lá daquelas coisas retrógradas que aprendem em casa.

A tese não é muito consistente porque, por exemplo, décadas de doutrinação comunista não produziram comunistas. Os infantes, já adultos, quando aqueles regimes caíram tenderam a ficar desagradavelmente reaccionários. Mas vivemos em democracia e os pais (muitos naquela plateia do Congresso) não levam a bem que os seus filhos sejam educados pela mesma gente que derrotaram nas urnas: Nem eles são o Estado nem este é dono da educação das crianças, excepto naquela parte consensual que é o currículo tradicional com actualizações científicas ou pedagógicas mas sem punhos no ar nem bandeiras de engenharia social e de costumes.

Com clareza: A disciplina de Cidadania nasceu no tempo da Geringonça e veio tingida, como outras medidas, da necessidade de agradar às moçoilas e aos imberbes do BE e aos matusaléns do PCP. Se a direita tivesse as mesmas pulsões autoritárias punha lá coisas como o respeito do direito de propriedade, a importância das igrejas cristãs na conformação de comportamentos socialmente responsáveis, o respeito dos mais velhos e da autoridade, e um longo etc. E peço com grande humildade desculpa mas a ideia, que parece ser relativamente pacífica, de que o que se deve ensinar são as listas de direitos que a Constituição consagra, ignora que a parte que vale a pena conhecer é ministrada pela vida social e de relação (as crianças não são estúpidas e vão assimilando) e a parte que não vale a pena conhecer deve ser deixada para idades mais maduras, e mesmo assim com a esperança de não virmos a ter um número excessivo de constitucionalistas, que já existem avonde.

Resta ainda que, ao contrário do dito popular, o saber ocupa lugar. E atulhar as juvenis cabeças com tretas voluntariosas rouba espaço a assuntos sérios (Português, Inglês, História, Matemática, Geografia, Ciências da Natureza, etc.). Que se danem os professores de Cidadania, que recolham ao ensino de coisas menos etéreas.

E então, será mesmo assim, a cidadania, que é o conjunto de regras civilizadas que regem a vida em sociedade, não é a mesma coisa que a Cidadania?

Não é. Vejamos o que o programa diz (descontando as parlapatices empoladas do introito e as intragáveis considerações que poluem o texto, todas redigidas em pedagogês ou lá o que é aquilo):

Obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade (porque se trata de áreas transversais e longitudinais): Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde.

Trabalhado, pelo menos, em dois ciclos do ensino básico: Sexualidade; Media; Instituições e participação democrática; Literacia financeira e educação para o consumo; Segurança rodoviária; Risco.

Com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade: Empreendedorismo;  Mundo do Trabalho; Segurança, Defesa e Paz; Bem-estar animal; Voluntariado; Outras, de acordo com as necessidades de educação para a cidadania diagnosticadas pela escola.

Uf, tirando toilettes, música e serviços de mesa à francesa ou à inglesa, está aqui tudo.

E como em quase todas aquelas matérias há escolhas e opiniões diferentes fui tentar ver quais as consagradas pelo pensamento ministerial. O documento intimida porque ainda antes de se chegar à substância vê-se um leitor destemido submergido por um aluvião de textos de referência produzidos por uma lista de ilustres especialistas em paleio de chacha, e uma espessa floresta de instruções e sugestões produzidas por “serviços” do Ministério da Educação. E a redacção é de tal modo vaga, remetendo cada texto para outro que define melhor de que raio é que se está a falar, o qual por sua vez remete ainda para outro, que um professor (“professor e professora”, no jargão que esta gente usa) que queira conscienciosamente ensinar os seus alunos (“alunos e alunas”, no mesmo dialecto) acaba por desistir, optando por uma versão das coisas próxima da tónica geral destas pedagogias – fascismo nunca mais, 25 de Abril sempre, toda a diferença entre os sexos é uma construção social e todas as culturas são iguais, excepto as que tenham uma componente imperialista, caso em que fica a burra nas couves.

Exagero? Nem por isso, vejamos alguns parágrafos:

Em cada escola a Estratégia da Educação para a Cidadania enforma a cultura escolar que se exprime através das atitudes, dos valores, das regras, das práticas quotidianas, dos princípios e dos procedimentos adotados tanto ao nível global da escola, como ao nível da sala de aula. O sucesso da implementação desta Estratégia está intrinsecamente ligado à cultura de cada escola e às oportunidades dadas aos/às alunos/as para se envolverem na tomada de decisões, nomeadamente nas que os/as afetam.

Comentário: Há escolas que privilegiam o conhecimento e a disciplina e outras onde reina a bandalheira, por uma multiplicidade de razões. Pois bem: o que há a fazer é integrar valentões no processo de decisões, para efeito de a anarquia ser total.

Os projetos desenvolvidos na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e outros projetos realizados na escola devem estar articulados com a Estratégia de Educação para a Cidadania da Escola e ser desenvolvidos preferencialmente em parceria com entidades da comunidade etc. etc.

Comentário: As “entidades da comunidade” são grupos militantes de qualquer coisa (só esses é que têm tempo e energia para investir em propaganda) ou organismos oficiais desejosos de exibir virtude.

… o desenvolvimento em cada escola da Estratégia de Educação para a Cidadania possa constituir uma das vertentes da sua avaliação externa, produzindo conhecimento que potencie a realização de estudos e projetos de investigação dos quais possam resultar recomendações ao nível macro do sistema educativo.

Comentário: Papel, muito papel, estudos, muitos estudos, reuniões, muitas reuniões. Criamos assim postos de trabalho para inúteis num processo circular de autojustificação (mais à frente logo aparece uma Equipa Nacional de Educação para a Cidadania e um membro do Conselho Pedagógico em cada escola – toma lá Mário Nogueira, vais ter muitos colegas na profissão de não ensinar).

Nesta altura já estava descoroçoado por não conseguir encontrar, de conteúdos concretos da disciplina, coisa nenhuma; e porque já tendo escrito quase três páginas precisar de muitas mais para o trabalho patriótico de incinerar esta montanha de lixo, razão pela qual suspendi a apreciação do monturo. Mas, ó abençoado Google, descobri um sítio onde se explica aos desnorteados professores em que águas devem navegar. Tem vídeos animados, feitos por gente que seria desejável tivesse talento, e logo o primeirinho propõe-se tratar da “construção da identidade” e aconselha aos moços (e às moças, ia esquecendo), logo ao princípio: Pensa o teu corpo, sente a tua vida, constrói a tua história, desenha o teu caminho. Após o que diligentemente se explica como fazer essas coisas todas da forma consagrada pelos autores, sem prejuízo do que no vídeo se diz lapidarmente: Crescer é ser-se cada vez mais quem se é, verdade que confundirá decerto aqueles professores que nunca conheceram pessoas que fossem cada vez menos quem são. E como na adolescência há comportamentos de risco, vêm a seguir os paternais conselhos que dá o pai, a mãe, a tia, o irmão ou o amigo mais velho, o médico, a televisão, os jornais e as revistas, tudo agora consubstanciado na figura do sôtor e no vídeozinho inacreditavelmente chato.

Vem a seguir o género, que é definido como um “construto social”, tolice extremo-esquerdista consagrada nos acampamentos de okupas, nos bares piolhosos de algumas universidades e, agora, por mandato governamental, nas escolas. Todo o arrazoado, relativamente extenso e que por isso não transcrevo, merece leitura para se perceber o tipo de formatação a que, a coberto de imaginário progresso pedagógico e científico, se pretendem sujeitar crianças e adolescentes. E quem quiser realmente perceber onde já vai o delírio normativista não tem mais do que ver este vídeo da RTP Ensina onde se defende a existência de um terceiro sexo (o xis) e a necessidade de se alterar a linguagem para acomodar este “facto”.

A disciplina de cidadania não precisa de ser revista pelo governo do dia (abrindo a porta para que outro no futuro lá enfie uma grelha diferente de dislates), precisa de ser eliminada. Vai acontecer?

Provavelmente não. O actual ministro da Educação recomenda-se como pessoa que fala pouco e que, parece, anda a resolver problemas com discreta eficiência. Porém, é descrito como pessoa ponderada e politicamente moderado, isto é, centrista.

O Centro é onde se encontra a água chilra do conformismo e da inércia. Donde, o provável são retoques.

Só retoques. É pena.

Incentivos aos "desacatos"

jpt, 29.10.24

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Se durante a passada semana a Grande Lisboa esteve dedicada aos "desacatos" - essa censória inovação semântica, a querer evitar os termos adequados, como "motim" ou "tumulto" o seriam -, eu estive orientado para outros assuntos, até porque por cá a conversa foi isto do "então aqui nos Olivais não se passa nada? Isto já não é o que era...", semi-jococo lamento do tempo que passa, a vida que escorre.

Mas mesmo assim ainda deu para me espantar com esta notícia. A fazer lembrar, claro, o cromo - verdadeiro meme - das (não tão velhas assim) licenças de uso de acendedores e isqueiros, anacrónico proteccionismo da fosforeira nacional, com certeza...

Mas é um sorriso triste. Sim, os demagogos do CHEGA querem ser acendedores, incendiários. Sim, as práticas de polícias - ou até mesmo a cultura policial dominante - poderão ser criticáveis, desde que analisáveis. Mas os verdadeiros incendiários são estes juristas, juizes e quejandos. Os códigos não permitem prender preventivamente os deliquentes que praticam este tipo de crimes? Remetem-nos para casa, à espera das calendas gregas, que será quando os tribunais os atenderão. Mas não lhes coloquem estas risíveis sanções, insultuosas para nós-vulgo. Incendiários? Provocadores? São os juízes, apatetados. E os legisladores, distraídos, inertes.

Penso rápido (109)

Pedro Correia, 29.10.24

Afirmar - como já li nestes dias - que "a Polícia cometeu um erro grave" na morte de um cidadão cabo-verdiano residente no bairro da Cova da Moura, concelho da Amadora, é algo totalmente sem sentido. Confunde árvore com floresta. Como dizer que "a Medicina cometeu um erro grave" num caso de negligência médica.

Não há culpas colectivas.

Há culpas singulares, decorrentes do livre arbitrio e da responsabilidade individual.

Pode até nem ser apenas erro, mas crime. Sem que se abdique um milímetro do princípio lapidar da presunção da inocência e do apuramento rigoroso de todos os factos.

Lamento se navego demasiado contra a corrente nestes dias de rastilho curto, mas nunca deixarei de sublnhar isto: a justiça não deve confundir-se com turbas incendiárias. Seja nas ruas, seja nas redes sociais.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.10.24

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Luís Naves: «Existe, de facto, um clima de medo, e acredito que na sociedade francesa isso seja particularmente forte: não é por acaso que, à medida que aumentam as clivagens religiosas, a Frente Nacional tem votações crescentes. O contemporâneo medo económico, ou seja, o medo de perder o emprego, o que levará a prazo a um sentimento de humilhação, é uma das forças que criam o contexto necessário para a histeria. O outro vector pode ser a fragmentação dos media e o aparecimento de informação não filtrada por profissionais e que prolifera nas redes sociais, sobretudo no Facebook. Ontem, circulou uma notícia falsa, que os autores reclamavam ter sido sancionada pela NASA, e que provocou certo pânico. (...) Não é preciso muito esforço para criar um clima eficaz de fim de mundo iminente. Não sei se os palhaços são um sinal do mal-estar civilizacional que acompanha as grandes mudanças, mas atrevo-me a pensar que vivemos num desses momentos: a aceleração do mundo excita as imaginações e o medo pode ser a ferramenta mais útil para travar certas mudanças.»

 

Eu: «Repare-se na linguagem tantas vezes adoptada para descrever os bárbaros assassínios de jornalistas, decapitados a sangue-frio depois de serem forçados a confessar aquilo que não pensam e noutras circunstâncias jamais diriam: foram "executados", proclamam vozes neutrais na televisão, sem um assomo visível de indignação cívica. Fosse outro o contexto, fossem outros os algozes, falar-se-ia em crime, chacina, massacre. "Execução" tem uma conotação burocrática, quase legal, quase consentida, quase compreensível. O primeiro erro, aliás, é chamar Estado Islâmico a um movimento inorgânico que utiliza a bandeira do islão como mero pretexto para dar largas ao mais básico instinto sanguinário. Um bando de pistoleiros, mesmo vasto e bem armado, não pode confundir-se com Estado algum. E nenhuma religião deve caucionar a violência homicida, aliás cometida em larga medida, neste caso, contra os próprios irmãos de fé.»

Napoleão em Lisboa?

jpt, 28.10.24

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Passo pela televisão, desatento percebo que continuam a debater os "desacatos" na Grande Lisboa, e ouço um tipo clamar contra "este pequeno Napoleão que tomou Lisboa...", uma "boca" de acinte óbvio.
 
"Quem é este gajo?", pergunto. Ao que a minha companhia responde "é o tipo do BE na Assembleia". Rio-me, nem enojado. Ao ver o chefe parlamentar dos comunistas identitaristas a gozar com a estatura física de Carlos Moedas. Não por naquilo reconhecer qualquer ofensa. Mas sim pela imbecil contradição com a exigência que têm para com os outros, essa que apela ao discurso "correcto", envernizado. Mas neles quebra-se-lhes o verniz, sempre... Talvez por isso sigam tão... minguantes.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.10.24

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Luís Naves: «A força económica da Alemanha, o desenvolvimento da união bancária e o rigor do Tratado Orçamental alteraram profundamente o equilíbrio de poder, retirando influência ao árbitro do sistema e privilegiando as equipas mais fortes. Embora de forma relutante, a Alemanha é agora a grande potência europeia e, quando se trata de dinheiro e cheques, como aconteceu durante toda a crise, os governos resolvem directamente o assunto, sem intermediários e sem ouvirem os países que não pagam as contas. No jargão comunitário, isto implica a supremacia do método intergovernamental sobre o método comunitário.»

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