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Delito de Opinião

Livros de cabeceira (5) – série II

Sérgio de Almeida Correia, 24.08.24

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Eu tenho uma mesa de cabeceira. Não tenho é livros. Na mesa de cabeceira.

Se os tivesse nunca dormiria. E sem dormir não consigo ler os livros que quero. Porque adormeço.

Não é tão simples quanto vos possa parecer. Conciliar o sono com a leitura é tarefa ingrata. Para mim e para aqueles, que estão permanentemente a querer atropelar-se mutuamente.

Optei então por separá-los. Assim não há conflitos. E quando me deito sei que não posso levar nenhum livro comigo.

Até porque há livros que devido ao seu tamanho seria sempre impossível de acomodar na mesa de cabeceira com o candeeiro, o rádio-despertador, o relógio e o comando do ar condicionado.

O problema passou para outro patamar. O da decisão. E aqui só há uma possível: enquanto as pálpebras não começarem a pesar e a cabeça se mantiver direita estou proibido de me dirigir para a mesa de cabeceira e accionar o alarme para o dia seguinte.

Dia seguinte é uma força de expressão porque acordo sempre no dia em que me deito.

Por culpa dos livros que deviam estar na mesa de cabeceira e afinal estão na secretária, na mesa da sala e no sofá.

A verdade é que quando me vou deitar transporto comigo o que estou a ler. Não fisicamente. Interiormente. O que por vezes me traz insónias. Pelo que aproveito esses momentos para ler o que trago na memória e ficou na divisão do lado.

A fotografia que ilustra este texto reúne os livros que estou a ler e a memória que por estes dias levo comigo para a cama que está ao lado da mesa de cabeceira onde os leitores gostariam de ver os meus livros.

Romances, novelas, normalmente, só leio em férias. Durante o resto do ano leio ensaios, livros de história e de arte e muitos, muitos livros sobre política, relações internacionais, biografias e livros de memórias.

No momento em que vos escrevo estou a braços com A Desoras, último volume publicado dos diários de Marcello Duarte Mathias, referente aos anos de 2017 a 2023. Gosto muito da sua escrita límpida e despretensiosa. "Escrever é ter consciência que cada palavra é única. Porque nenhuma tem sinónimos." E o autor sabe-o bem quando discorre sobre a "prosa à Augusto de Castro – breve, leve, cintilante, mozartiana", com "clareza e claridade". Ou como quando conclui, ao recordar Rubem Fonseca, umas páginas adiante, que a marca de qualquer grande escritor é não deixar ninguém indiferente. É de certo modo sentir "a força intrínseca que irradia de tudo o que escreve". Também no caso dele é assim. Sinto-me reconfortado num país onde o primeiro-ministro diz "será-lhe", onde são cada vez menos os que sabem ler e escrever, ao que eu acrescentaria os que não sabem falar nem comer, ter o privilégio de poder passar uns momentos com as suas reflexões. É viajar por outro mundo. E para outro mundo sem sair do quotidiano, apesar do regresso ser sempre doloroso. 

Entretanto, o editor enviou-me e estou entusiasmado com Played – The Games of the 1936 Olympics, em pdf, uma novela de Glenn Allen e Richard Kaufman.

Para além destes, encetados há pouco, tenho lido e consultado três livros em francês de que já aqui vos falei – Les Lieux du Pouvoir, Les Naufrageurs – Comment ils ont tué la politique e Le Chat et le Renard –, mais o pequeno romance O meu irmão Serge, de Yasmina Reza, e And Then What?, de Catherine Ashton.

Nota ainda para alguns outros que ultimamente, a espaços, vou relendo, debruçando-me sobre pequenas passagens. O clássico Sobre a Liberdade, de John Stuart Mill, é um dos contemplados. Nesta galeria ainda repousam, há algum tempo, de Serhii Plokhy, A Guerra Russo-Ucraniana, uma reedição de Strong Democracy – Participatory Politics for a New Age, de Benjamin Barber, e uma obra editada pela Taaschen sobre Ai Weiwei.

Não tarda e estes serão em breve substituídos por outros. É preciso dar a vez a todos.

E é quanto basta, por estes dias, para me manter longe da mesa de cabeceira, refugiado da canícula, e acordado durante o fresco e aconchegante silêncio da noite projectado pela luz do meu candeeiro.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 24.08.24

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Hoje lemos: Mário de Andrade, "Macunaíma".

Passagem a L-Azular: "A Máquina era que matava os homens porém os homens é que mandavam na Máquina..."

Era assim em 1928, é assim em 2024, será também assim em 2029, quando as máquinas da Cyberdyne Systems programadas pelos humanos tiverem exterminado metade da população da Terra. Isto se até lá mais de metade dos humanos não se tiver autodestruído.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 24.08.24

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João André: «Em tempos, os EUA criaram a internet. Pouco depois, Barners-Lee criou a World Wide Web. A meio da década de 90 do século XX, surgiu o Napster. Isto é semelhante a falar em criação do mundo, criação do Homem e abertura da caixa de Pandora. Não vejo de maneira nenhuma a troca de ficheiros na internet como "os males do mundo", mas a verdade é que como a caixa de Pandora, aquilo que saiu daquele momento já não pode ser desfeito. A partilha de ficheiros chegou para ficar e ainda bem que assim é.»

 

Luís Naves: «Em Março de 1951, o presidente da Argentina, general Juan Perón, anunciou ao mundo que o seu país conseguira o extraordinário feito tecnológico de obter “libertação controlada de energia atómica”, o que significava o domínio da mesma energia produzida no interior do Sol. Perón era um dos líderes mais admirados no mundo, um populista que fazia uma equipa imbatível com a sua mulher, Eva, mais conhecida por Evita Perón (...). O casal tinha carisma invulgar e tentava criar uma potência sul-americana, rival dos dois grandes, misturando políticas sociais, independência económica, nacionalizações, corporações, acções de massas e uma boa dose de autocracia. Quando o general anunciou que o seu país domara a energia das estrelas, a notícia era credível, pois se havia alguém capaz desse milagre era mesmo Perón. A Argentina teria acesso a energia barata e abundante, seria uma potência industrial, mas infelizmente o anúncio foi prematuro e a notícia era falsa: em vez de conseguir a fusão termonuclear, Perón embarcara num dos episódios mais bizarros e dispendiosos da história da ciência.»

Vinhetas (17)

José Meireles Graça, 23.08.24

Férias na Andaluzia

Parecia que o regime caminhava em direcção ao comunismo. E quem tinha algum de seu, e o podia pôr a bom recato, começou a tomar providências.

O pai de Luís, entre outras iniciativas, comprou um apartamento amplo em Torremolinos.

Era terra de sucesso, tinha futuro e ainda não era a Meca da classe média-baixa, que aliás pouco feriava – as viagens low-cost ainda vinham longe.

Luís convidou uns amigos para uma vilegiatura de uma semana no imóvel, em frente à praia. Um casal e dois solteiros, dos quais um, o Venâncio, foi com ele.

Um dos carros da casa foi emprestado para o efeito. Era um Peugeot 604, carro de pai de família que não era exactamente o desportivo que talvez conviesse.

Algures no Alentejo duas Inglesas à boleia, uma bonita e outra nem tanto, e os moços pararam de supetão.

Iam, ó felicidade, para Espanha. E Luís, que contou mais tarde esta história, disse, decerto com exagero, que quando entraram e se virou para trás ia desmaiando com o bafo de sovacal que o atingiu.

Normal: os filhos da Ilha não são conhecidos pelo seu amor à higiene, e as filhas aquilo deve ser quase pela mesma medida. Com o calor daquela poeirenta região, em pleno Verão, imagina-se.

O Inglês dos dois era o do Liceu, com a diferença de que Venâncio, além de não ter jeito nenhum para línguas, nunca estudou coisa alguma que remotamente tivesse a ver com matérias lectivas.

Mas a vontade de conversar com as raparigas era muita e Venâncio, acompanhando com dificuldade o diálogo, fez-se ouvir finalmente quando avistaram o Forte de Elvas, virando-se jovialmente para trás e apontando o monumento:

The strong of Elvas.

Renovação

Sérgio de Almeida Correia, 23.08.24

IMG_9532.jpg(créditos: Macau Daily Times

A demora foi previsível. Era preciso aguardar.

Quinze anos de más políticas e de decisões muito discutíveis, contínua protecção das castas familiares, muitos tiros em falso, um concurso para atribuição de novas concessões de jogo bastante atribulado, pouco transparente e cujos detalhes da decisão e das condições acordadas entre a RAEM e os concessionários são ainda desconhecidos da população, no que se afastou a prática anterior nessa matéria, somando-se aos inúmeros problemas em matéria de obras públicas, nalguns casos mesmo antes das obras serem inauguradas, crédito mal parado em dimensões jamais vistas, atrasos em projectos cruciais para o desenvolvimento da RAEM, obrigados a avançar ao fim de anos por pressão externa, muitas opções contraditórias e incompreensíveis, como foi a anterior renovação da concessão do Macau Jockey Club, e imensa dificuldade em ir até ao osso no combate à corrupção, eram sinais há muito presentes e que apontavam na direcção da mudança.

Mas havia ainda quem persistisse em acreditar que o actual Chefe do Executivo teria condições para se voltar a apresentar perante a Comissão Eleitoral que irá escolher a próxima pessoa que será colocada ao leme da RAEM.

Após um período de contenção de danos (imensos e aos mais diversos níveis) herdado do antecessor, ultrapassada a pandemia, a que se juntava a debilitada condição de saúde para quem ainda nem sequer franqueou a porta dos setenta anos, tudo apontava para um cenário de afastamento de Ho Iat Seng.

Os interesses de Macau, da sua população e da China falaram mais alto. 

Se há que cortar a direito, levar até ao fim as operações de limpeza do mundo e submundo do jogo, combater o tráfico de influências, controlar a fauna dos casinos e modernizar a administração pública afastando resistências, então isso terá de ser feito por quem não seja tributário do empresariado local, das famílias da terra e das impreparadas, cínicas e acomodadas elites locais. E que ao mesmo tempo possua preparação académica, experiência profissional e de vida, uma visão para Macau consentânea com os desígnios do PCC e a vontade do Governo Popular Central, quer em relação às questões da Segurança Nacional quer quanto à aplicação do princípio “um país, dois sistemas”, e seja patriota.

Neste cenário, seria mais do que evidente que o nome de Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), surgiria inevitavelmente como potencial candidato a Chefe do Executivo.

O actual presidente do TUI, embora faça franzir alguns sobrolhos, tem todas as aptidões e condições para dar resposta às exigências de Pequim, fazendo o que está por fazer e os residentes esperam que seja concretizado pelo menos há quinze anos.

Este foi o tempo que se perdeu em matéria de reformas fundamentais para o desenvolvimento da RAEM, de combate a fundo à corrupção e para incremento da diversificação económica, da redução do peso dos casinos e melhoria da qualidade de vida dos residentes.

Posto isto, Sam Hou Fai tem a vantagem de ter formação jurídica, o que é fundamental quando se quer que tudo seja feito de acordo com a lei, qualquer que seja a interpretação que desta se faça. E o não ser polícia, nem ter por hábito comportar-se como tal, é importante quando se quer passar uma mensagem de esperança à população sem partir a louça, afastar o investimento estrangeiro e arruinar a imagem internacional da região. Veja-se o caso de Hong Kong.

Não há por isso muito a ponderar após a manifestação de interesse do protocandidato. O seu nome passará facilmente pelo crivo da Comissão de Defesa da Segurança do Estado.  Os discursos do senhor presidente do TUI nas sessões solenes de abertura do ano judiciário já contêm um embrião de programa de governo, não se mostrando difícil perspectivar o seu sentido patriótico, o que pensa e o que aí vem.

Não auguro, apesar do seu reconhecido bilinguismo e apurado sentido da língua portuguesa, ao contrário dos seus antecessores, um aprofundamento da presença do português nos tribunais e na administração pública, embora se me afigure que o diálogo será certamente mais fácil com os seus interlocutores portugueses.

Em matéria de obras públicas, os patos-bravos, fiscais de obras, angariadores e comissionistas terão de se acautelar e preparar para começarem a andar sempre na linha. Ponto final nos cambalachos. A coisa vai piar fino. Na Assembleia Legislativa também. Os deputados nomeados não deverão andar metidos em negócios e com empresas de índole questionável e passado comprometedor.

Quanto às concessionárias de jogo, até ver, e enquanto não for tomada uma decisão quanto ao seu fim – os contratos são para ser honrados –, poderão continuar a operar. Não haverá qualquer problema se mudarem algumas práticas herdadas do passado e se afastarem dos moribundos lobbies e mandarins locais.

Antevejo, ademais, a realização de algumas auditorias de rajada, sem pré-aviso. O processo judicial que opôs a Las Vegas Sands e a Asian American Entertainment Corporation, embora com desfecho previsível, mostrou muita coisa que se desconhecia e práticas reprováveis a diversos níveis. Aquilo que recentemente aconteceu com a auditora PwC do outro lado da Portas do Cerco e em Hong Kong, entidade cuja presença em Macau também tem sido bastante assídua, acendeu muitos holofotes. Pessoalmente não acredito que as práticas seguidas pela PwC em relação à China Evergrande, e que lhe custarão lá mais para o final do mês uma multa astronómica das autoridades chinesas, não tivessem sido aplicadas entre nós ainda com mais rigor. Vamos aguardar.

Estou certo que com uma concepção da separação de poderes mais adaptada às realidades locais, e cada vez mais distante do preconizado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, Macau tomará outro rumo. Entrará definitivamente na auto-estrada da integração com a grande nação chinesa. Dentro de dez anos, muito antes da data prevista, estará tudo mais do que concluído.

Por fim, registe-se que com a eventual saída de Sam Hou Fai do TUI cumprir-se-á a vontade de quem queria que se operasse uma renovação na cúpula do mais alto tribunal da RAEM.

Este constituirá motivo mais do que suficiente para que o anterior presidente dos advogados de Macau se sinta satisfeito e recompensado pela sua insistência ao longo dos anos. Será uma pena que já não possa ter oportunidade de exercer o seu direito de voto na Comissão Eleitoral. Outros fá-lo-ão por si. Com todo o gosto, convicção, fidelidade e coerência. Como sempre acontece, aliás, quando se trata de colocar a democracia local a funcionar.

Qualquer que seja o número de candidatos que se apresente, os dados estão lançados e há um calendário para cumprir.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 23.08.24

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Luís Naves: «As contas externas mostram degradação em relação ao ano passado, mas continuam a ser (pelo menos até agora) um dos principais triunfos do período de ajustamento. No entanto, a ligeira recuperação da economia é demasiado frágil. Muita gente continua a não ver o filme.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Aquilo em que se acredita e nos faz continuar a acreditar. Sem vergonha, sem remorso. Olhando para o horizonte de olhos abertos. Sem tremer.»

 

Eu: «Traduzida em 58 idiomas, com mais de dez milhões de exemplares vendidos por todo o mundo, inscrita nos currículos escolares, A Oeste Nada de Novo perdura como uma das mais dramáticas descidas ao abismo da espécie humana degradada pelo horror da guerra. É, infelizmente, um livro que jamais passa de moda. Porque nunca sabemos extrair devidamente as lições que a História nos transmite e continuamos incapazes de vislumbrar num inimigo um olhar de um ser humano, tão precário e desamparado como qualquer de nós.»

Faltam bombeiros no SNS e urologistas nos incêndios

Sérgio de Almeida Correia, 22.08.24

Durante meses, anos, li, vi e ouvi cascar forte e feio na herança deixada pela governação socialista. E cascavam bem. Com razão.

Eu também cascava. E de tal modo que aquele senhor que chegou a Lisboa com o anti-ciclone dos Açores, devido a um pequeno problema de literacia, me colocou do lado das baixas. 

Eram hospitais e centros de saúde insuficientes, urgências fechadas, médicos ausentes, enfermeiros em fuga, um Serviço Nacional de Saúde que não dava respostas, grávidas que pariam em todas as esquinas menos nas maternidades.

Na Administração Interna era um pavor. Nunca havia meios aéreos suficientes, faltavam bombeiros. O país ardia. Perderam-se vidas e bens sem qualquer justificação.

Chegou depois o governo do Ribadouro, aquele que temos, e que iria resolver todos os problemas e mais alguns.

Medidas em barda. Promessas ainda mais. Programas para sessenta dias. Uma alegria.

Bastou chegarmos a Agosto. Abrir os jornais e ouvir as responsáveis por esses dois ministérios botarem faladura.

Não há soluções milagrosas, eu sei, mas ao ver o Professor Marcelo no areal de Monte Gordo, o presidente do Governo Regional da Madeira descansado e em banhos no Porto Santo, enquanto a Madeira arde e o seu aeroporto, os ventos e o fogo ganham repercussão internacional, em texto e imagens, refugio-me a escutar, quase diariamente, as ministras da Saúde e da Administração Interna.

A forma segura, cândida e tranquila como estas almas enfrentam os problemas nas suas áreas de acção, estou certo que darão a Luís Montenegro motivos mais do que suficientes para sorrir e estar amplamente satisfeito com as suas escolhas.

Importa é que agora sejam abertos concursos para contratar mais uns urologistas para combater os incêndios.

E, talvez, também para mais uns bombeiros. Para a Saúde. A ver se estes resolvem os problemas das escalas, dos constrangimentos, das urgências, das más interpretações. Enfim, a ver se colocam ordem no caos do SNS e se não continuamos a ir de trapalhada em trapalhada, como aconteceu com os antecessores.

Já quanto às "pessoas que menstruam"... este é um problema para a jovem Balseiro e o deputado Vitorino se entenderem.

Não sei se o Acordo Ortográfico de 1990 e o primeiro-ministro lhes darão alguma pista. Às vezes, como dizia um amigo meu, é só trocar a ordem das letras. Nada de grave. Se já se come com as mãos, se escreve com os cotovelos e se fala com os pés, alguma solução há-de haver. 

Não tarda e todo este cenário descrito há meses pelo Sarmentinho, incluindo o da dívida externa, a atingir valores astronómicos, estará resolvido.

Do arrivismo, escreveu um dos meus preferidos, que "junta a ausência de carácter à ausência de princípios", estamos nós bem protegidos com a gente que temos na política.

Estávamos antes e continuamos agora.

Bem-haja a todos. E continuação de boas férias.

As "Pessoas Que (Não) Menstruam"

jpt, 22.08.24

O diretor da Universidade de Verão do Partido Social Democrata (PSD), Carlos Coelho, discursa durante a sessão de encerramento da Universidade de Verão do partido em Castelo de Vide, 04 de setembro de 2022. NUNO VEIGA/LUSA

(Foto de Nuno Coelho, Lusa, retirada daqui)

Há duas décadas conheci em Maputo uma jovem antropóloga espanhola, competente e simpática, que ali leccionava com agrado discente e apreço colegial. Um dia, em conversa decorrida no café do "campus", aludi - e decerto que com amoroso desvelo - à "minha mulher". Ela saltou, inopinadamente, furiosa com a utilização que eu fizera do possessivo, cenho (até belo) franzido, voz alterada, invectivando-me "és o dono dela? é tua propriedade?".

A nossa relação era curial, naquele pacífico tom de colega, e aquela sua reacção extravasava-a por completo. Eu sabia-a dada aos execráveis nacionalismos - dos daquela turba que se diz "catalã" e nisso geneticamente mais aparentada com os franceses do que com os portugueses e marroquinos, entre outras lérias. E de pendor feminista - ideário louvável, ainda para mais naquele país austral, onde, tal como na esmagadora maioria das sociedades, a igualdade de direitos e a equidade de oportunidades é um necessário desiderato, mas ainda bem longínquo... Mas que me agredisse assim - apesar de ser eu um verme masculino e um desprezível mouro independente -, com armas sintácticas e semânticas, foi-me surpreendente.

Avanço que detesto quando algum não falante de português como língua primeira me vem dizer, doutoral, como devo falar a minha língua - como aquela espanhola naturalizada portuguesa por via de casamento que gritava, mão na anca, que a devíamos chamar "presidenta", "colona" miserável, disse-a, entre outras mudas alusões à comercialização dos seus dotes físicos. Entenda-se, desses alterfonos aceito correcções e propostas, mas não mandamentos linguísticos. Tal como detesto estrangeirismos inúteis, pois desprovidos de conteúdos semânticos - como o "seivar" no lugar de "guardar" ou "gravar", o patético "deletar" em vez de "delir", ou o insuportável "link" como "elo", para exemplos. Já para não falar dos inúmeros que são meros arrivismos guturais, a julgarem-se cosmopolitas. Não é isto nacionalismo linguístico. Mas apenas a consciência de que nem tudo o que vem "lá de fora" é de oiro. Aliás, nem tudo o que desse "lá" por cá aporta reluz...

Mas apesar de tudo isso, e porque estava num bom dia, à minha colega não respondi desabrido, mas sim sorridente. O que lhe piorou a disposição, pois as feministas quando estúpidas e/ou ignorantes - e "ele" há-as - sentem como machismo (o que chamam "mansplaining") a explanação ponderada e eficiente da sua ignorância e/ou estupidez. Avisei-a pois de que quando o amor da minha vida se me referia como "o meu marido" não estava a afirmar-me como sua propriedade, qual escravo (ainda que eu dela me sentisse assim, e disso ufano, na escravidão voluntária que alguns historiadores referem). E aduzi que quando tratava alguém, respeitosamente, por "Senhor" ou "Senhora", ou mesmo "Minha Senhora" não me estava a reclamar seu servo ou lacaio. Não ficou ela convicta, a conversa ali morreu, lembro apenas que um antes apalavrado jantar em nossa casa com ela e o "companheiro" (decerto seria esse o estatuto) não se veio a realizar, por mútuo esmorecimento de vontades.

Leio agora que a Pessoa Que Não Menstrua Carlos Coelho - um antigo excitadinho da jsd, que pelos vistos 40 anos depois continua na politiquice - vem defender a Pessoa Que Menstrua (ou Menstruou) actual ministra da Juventude. Ambos repudiando a utilização dos termos "homem" e "mulher", considerados vilanias anacrónicas, pois coisas do "antigamente". E afirmando ser necessário seguir as instruções que vêm "de fora", o palavreado das "organizações internacionais".

Diante disto o que é que um tipo diz a este ex(?)-jotinha? Um mero "vai-te menstruar, pá!"? Ou explica-se-lhe, com verdadeiro mansplaining, as matérias do conteúdo social (semântico) da língua? Hum, duvido que esta pessoa desmenstruada, mero jotinha profissional, chegue a tais compreensões... Quanto à menstruada ministra, de qual nunca ouvira falar, presumo que seja da mesma estirpe. E é esta tralha humana que se julga "atenta". E, ainda pior, que nos governa.

O infatigável major-general putinista

Agostinho Costa anda há dois anos e meio a profetizar a derrota da Ucrânia

Pedro Correia, 22.08.24

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 22.08.24

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Luís Naves: «Os americanos perderam o Iraque e a intervenção de 2003 foi um erro crasso, como preveniram autores então acusados de idiotas. Ironicamente, os melhores amigos da América na região, os sauditas, ajudaram a financiar este grupo, pelo menos no seu início. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante era potencialmente útil para os interesses da monarquia saudita, pois punha em causa o poder de Bachar al-Assad na Síria. Claro que o génio saiu da lâmpada e, como na história de Aladino, é preciso ter cuidado com o que se deseja. Bombardeando o EI na Síria, a América vai agora ajudar Bachar, aliando-se a Teerão, outro inimigo, para ser possível salvar ainda alguma coisa no Iraque, que se prepara para um conflito de anos. O mundo islâmico que conhecemos está a mudar de forma imprevisível e no meio de um banho de sangue.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «O facto de Obama ter chegado à Casa Branca não mudou nada. A mentalidade continua a ser a mesma. E a quantidade de casos em que a violência se repete sem qualquer justificação continuará a fazer dos EUA um país semimedieval, onde a conquista do espaço se confunde com o barbarismo dos seus polícias, onde o último grito em novas tecnologias se confunde com o radicalismo da NRA, a ignorância de uma Palin ou o primarismo de alguns congressistas. Contrastes pelos quais depois pagam os James Fowley que um dia tiveram o azar de nascer norte-americanos. Aquilo em que se acredita e nos faz continuar a acreditar. Sem vergonha, sem remorso. Olhando para o horizonte de olhos abertos. Sem tremer.»

 

Eu: «Foi o primeiro filme de grande impacto que nos mostra um estadista assassinado quase em directo. Aconteceu a 9 de Outubro de 1934, em Marselha, momentos após o desembarque na segunda maior cidade francesa do Rei Alexandre da Jugoslávia. O cortejo automóvel em que seguia, ao lado do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, rodara poucas centenas de metros quando o monarca foi assassinado à queima-roupa por um anarquista búlgaro, no banco traseiro de uma viatura parcialmente aberta.»

Presidentes americanos: de onde vieram?

Pedro Correia, 21.08.24

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Ronald Reagan e George Bush, a dupla vitoriosa da campanha presidencial de 1980

 

Nos últimos cem anos, os Estados Unidos da América tiveram 17 presidentes. Já com nova corrida à Casa Branca em curso, vale a pena lembrar os seus nomes e de onde vieram. Ou seja, que anteriores cargos oficiais haviam desempenhado antes de tomarem posse no posto máximo da política norte-americana. Fica a ressalva: só um deles se estreou em funções públicas no dia em que tomou posse como chefe do Executivo em Washington.

 

Calvin Coolidge, 1923: vice-presidente (assumiu o cargo por morte de Warren Harding).

Herbert Hoover, 1929: secretário do Comércio (membro do Executivo durante as administrações Harding e Coolidge).

Franklin Roosevelt, 1933: governador do estado de Nova Iorque.

Harry Truman, 1945: vice-presidente (assumiu o cargo por morte de Roosevelt).

Dwight Eisenhower, 1953: general (era o comandante supremo das forças armadas dos EUA na Europa).

John Kennedy, 1961: senador (em representação do estado do Massachusetts).

Lyndon Johnson, 1963: vice-presidente (assumiu o cargo por morte de Kennedy).

Richard Nixon, 1969: vice-presidente (durante a administração Eisenhower, depois trabalhou no sector privado).

Gerald Ford, 1974: vice-presidente (assumiu o cargo por renúncia de Nixon).

James Carter, 1977: governador do estado da Geórgia.

Ronald Reagan, 1981: governador da Califórnia (último cargo público desempenhado antes de chegar à Casa Branca).

George Bush, 1989: vice-presidente (transitou da administração Reagan).

Bill Clinton, 1993: governador do estado do Arcansas.

George W. Bush, 2001: governador do estado do Texas.

Barack Obama, 2009: senador  (em representação do estado do Illinois).

Donald Trump, 2017: sem experiência em cargos públicos antes de ser presidente.

Joe Biden, 2021: vice-presidente (durante a administração Obama).

 

Recapitulando:

7 vice-presidentes

5 governadores

2 senadores

1 membro do Governo

1 general 

1 empresário sem experiência política

 

Conclusões? Cada um tire as que quiser.

A corrida de 2024 entre a vice-presidente Kamala Harris e o antigo presidente Donald Trump está entusiasmante.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 21.08.24

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Hoje lemos: Antoine de Saint-Exupéry, "O Principezinho".

Passagem a L-Azular:"Todos os homens têm estrelas, mas não são a mesma coisa para pessoas diferentes. Para alguns viajantes, as estrelas são guias. Para outros, não passam de pequenas luzes no céu. Para outros, que são estudiosos, são problemas... Mas todas estas estrelas estão em silêncio. Tu, só tu terás estrelas como mais ninguém as tem... Numa das estrelas estarei a viver. Numa delas estarei sorrindo. E assim será como se todas as estrelas se estivessem a rir quando olhas para o céu à noite. Tu, só tu, terás estrelas que se podem rir! E quando a sua tristeza for consolada (o tempo acalma todas as tristezas) ficarás contente por me ter conhecido... Serás sempre meu amigo. Vais querer rir comigo. E, por vezes, abrirás a tua janela para esse prazer... Será como se, no lugar das estrelas, te tivesse dado uma grande quantidade de sininhos que soubessem rir."

Já perdi a conta a todas as estrelas que tenho no céu. Todas têm o seu brilho próprio,  são minhas, mas nenhuma me pertence. A verdade é que adorei todas e cada uma delas, com maior ou menor intensidade. Lembrar as minhas estrelas rasga-me suaves sorrisos e é delas que tenho as memórias mais belas e felizes. Se serei estrela um dia, não o sei dizer, mas se a minha energia se tornar luz, espero poder juntar-me a elas para, em conjunto, podermos  acender um fogaréu no céu de veludo e animar as almas tristes dos que ficaram para trás.