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Delito de Opinião

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 28.08.24

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Hoje lemos: João Guimarães Rosa, "Grande Sertão Veredas".

Passagem a L-Azular: "Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por que é que é."

Ainda sou do tempo em que passar o serão com os amigos significava envolvermo-nos em actividades que poderiam ser jogos de mesa, ver um programa na TV, ir ao cinema ou ao teatro, ou simplesmente passear à beira-rio e conversar disparates que nos faziam rir a bandeiras despregadas. Dos amigos a sério, daqueles que serão sempre família do coração, restam dois ou três, cada com os seus afazeres. Conversar ao telefone, fazer uma videochamada ou pôr um "like" numa publicação de uma qualquer rede social, não se compara ao calor de uma conversa, de uma cantiga, de quem nos conforta com a sua presença e isto não é ficção, apenas se perdeu no tempo.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.08.24

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Luís Naves: «Onde o livro [1984] se torna mais inquietante e até presciente é no tema da novilíngua ao serviço do poder e do duplopensar, ou seja, na capacidade da política de dizer uma coisa e o seu contrário. A actualidade tem excesso de dados, mas as tecnologias digitais facilitaram a alteração do passado. No tempo em que o livro foi escrito, 1948, mudar uma fotografia exigia uma técnica elaborada, mas agora trata-se de uma banalidade. Por outro lado, a realidade é incerta, pois determinada informação pode ou não ter sido manipulada, sendo difícil detectar as fraudes. Esse é o autêntico Grande Irmão que sobrevive do romance de Orwell: quem controla o passado, controla o futuro.»

 

Eu: «Certos defensores do "acordo ortográfico", inimigos confessos da etimologia, afirmam que uma língua deve ser escrita "como se lê". Isto é puro disparate: se a escrita antecede a leitura, como é que a norma ortográfica pode estar condicionada por algo que lhe sucede em vez de a preceder? Outros afirmam que uma língua deve ser escrita "como se diz", pretendendo subordinar a ortografia à fonética. (...) [Mas] o primado da fonética anula o espírito normativo que deve conformar toda a convenção ortográfica, instituindo uma escrita à la carte. Se em Lisboa, por exemplo, não falta quem diga mêmo em vez de mesmo, tar em vez de estar ou joálho em vez de joelho, escreva-se assim. Se em Braga se diz barrer em vez de varrer, escreva-se assim. Se em Beja se diz pinhêro em vez de pinheiro, escreva-se assim. É uma lógica que não aguenta dois segundos de análise. Nem dois segundos de discussão.»

“Uma cortina para derrubar um muro”

Cristina Torrão, 27.08.24

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Imagem Instagram

As mulheres ainda são a minoria nas orquestras sinfónicas. Graças, porém, às audições às cegas, o seu número tem vindo a aumentar.

No Instagram da Fundação Francisco Manuel dos Santos, encontra-se o link para um artigo de Pedro Boléo, publicado originalmente na Revista XXI nº 8, sob o tema da Igualdade e com o título usado por mim neste postal (por isso, as aspas). Ou seja: ainda hoje, na nossa sociedade ocidental, tolerante e civilizada, só as audições às cegas garantem que o júri não se deixe influenciar, por exemplo, pela cor da pele ou pelo género da pessoa candidata. Pelos vistos, aos homens, adianta serem brancos; às mulheres, nem isso. Mas também não queremos ser privilegiadas pela cor da nossa pele.

As audições às cegas começaram a ser usadas pela primeira vez pela Boston Symphony Orchestra em 1952, mas só a partir dos anos 70 a prática se estendeu a outras orquestras (…) A ideia seria aumentar a justiça das escolhas, garantindo (ou pelo menos favorecendo) condições de igualdade à partida. Mas Pedro Boléo questiona-se (e muito bem): porque não estariam essas condições garantidas à partida?

Já se estava em 1970, quando o maestro Zubin Mehta, que dirigia na época a Los Angeles Philharmonic, era ainda capaz de dizer ao The New York Times, com todas as letras: «Não acho que as mulheres devam tocar numa orquestra. Elas tornam-se homens. E os homens tratam-nas como iguais. Até mudam as calças à frente delas. É terrível!»

Nestas palavras, temos discriminação aberta, temos essa frase inominável “elas tornam-se homens” e temos considerar escandaloso o facto de os homens as tratarem como iguais, usando o pormenor da mudança de calças. Trata-se de um método muito usado por machistas, o chamado sexismo subtil. Não sou naturalmente apologista do gesto, como garante de igualdade. Mas aquilo que é entendido como uma maneira de proteger as mulheres, vai muito além do paternalismo. Para o maestro referido, a única solução seria evitar mulheres nas orquestras, quando, na verdade, as orquestras é que devem garantir as condições necessárias para assegurar a sua admissão! E os músicos que mudam as calças à frente delas são igualmente contra a inclusão de mulheres instrumentistas nas suas orquestras, usando uma forma assaz grosseira de protesto: “ai elas também querem pertencer? Então que aguentem!” Machismo puro e duro.

Ainda hoje, mesmo entre os músicos que aceitam mulheres como colegas de orquestra, há certos preconceitos, como considerar haver instrumentos tradicionalmente femininos (a harpa), ou masculinos (a trompa). Malcolm Gladwell, no livro Blink, em que analisa e tenta desconstruir as enganosas «impressões à primeira vista», dá o exemplo de uma instrumentista, mulher e de pequena estatura, que «nunca poderia ser uma grande tocadora de trompa porque não teria força nem capacidade pulmonar”». Ora esta mulher, Julie Landsman, é hoje trompista solista e líder do naipe da Metropolitan Opera de Nova Iorque.

O preconceito esconde-se, disfarça-se de normalidade, e até as próprias mulheres podem reproduzi-lo, como qualquer dominado pode reproduzir a ideologia que mantém a sua dominação, naturalizando-o e essencializando-o («é mesmo assim, as mulheres são isto, os homens aquilo»)

O caso mais chocante, de como os preconceitos estão ainda bem vivos na nossa Europa civilizada, é o da Filarmónica de Viena, apesar dos protestos consecutivos de várias instituições de defesa dos Direitos Humanos e da igualdade de género. A direcção e os membros desta orquestra defendem abertamente posições racistas e sexistas. Uma vez venceu, numa audição às cegas, um candidato japonês, recusado de seguida pelo facto de a sua cara não corresponder, segundo o director da orquestra, ao perfil da Pizzicato-Polka do concerto de Ano Novo.

A Filarmónica de Viena só integrou mulheres pela primeira vez em 1997, e tinha em 2013, apenas seis. A fim de justificar esta disparidade, as declarações dos seus dirigentes incluem ainda argumentos como «a diferença biológica», «dos lábios», «dos pulmões», «a possibilidade de relacionamentos amorosos no seio da orquestra».

Em Portugal, pelos vistos, a prática das audições às cegas ainda não é geral. Pedro Boléo diz-nos existirem orquestras que realizam audições às cegas, dando-nos o exemplo da Orquestra Gulbenkian que aliás pratica estas audições nas duas primeiras fases do concurso (das três que realiza) para integrar um naipe orquestral.

Há quem diga que as feministas já não são necessárias. Parece-me, porém, ser ainda necessário haver quem denuncie estas situações, para que sejam lembradas, discutidas, se mantenham presentes. Pouco importa se essas pessoas sejam, ou não, apelidadas de feministas.

Termino com as igualmente palavras finais de Pedro Boléo:

O senso comum reproduz ainda o sexismo dominante. Em português dizemos vulgarmente «sou músico». No entanto, quase não se usa “música” para uma mulher instrumentista, talvez por causa da confusão com outro substantivo, a música. Talvez seja apenas por isso. Mas podia até ser considerado belo e poético, em vez de ser visto como algo de baixo ou degradante, dizer: «Sim, sou música.»

Sven-Göran Eriksson

Sérgio de Almeida Correia, 27.08.24

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A primeira vez que ouvi falar dele foi quando vi em directo os jogos da final da Taça UEFA de 1982 entre o IFK Göteborg e os alemães do Hamburgo. Os suecos venceram a primeira mão por 1-0. E a seguir deram três secos aos alemães, levando o troféu para casa. O primeiro conquistado por uma equipa sueca.

Nesse dia fiquei impressionado com a qualidade e a velocidade do contra-ataque dos nórdicos, que nessa caminhada até à final eliminaram o SK Sturm Graz, o FC Dinamo Bucuresti, o Valencia CF e o FC Kaiserslautern. O IFK Goteborg ainda ganhou no mesmo ano  o Campeonato e a Taça da Suécia.

O homem por detrás do êxito era Sven-Göran Eriksson. E nunca pensei que meses volvidos estivesse a desembarcar em Lisboa para orientar o Sport Lisboa e Benfica.  Acabaria por fazê-lo por duas vezes, entre 1982 e 1984 e depois nas épocas de 1989 a 1992, e creio que em ambas foi feliz, contrariando a ideia de Pavese.

Com Eriksson ao leme o Benfica venceu três campeonatos, conquistou uma Taça de Portugal e uma Supertaça, esteve presente em duas finais europeias (Taça UEFA e Taça dos Campeões). Era um tempo de grandes jogadores e de grandes presidentes: Fernando Martins e João Santos. No final da sua segunda passagem por Lisboa, a partir de Abril de 1992, chegaria Jorge de Brito, outro incontornável do universo benfiquista.

Os êxitos desportivos, o estar na ribalta do futebol europeu, era importante para todos, ninguém o negará. Isso era certo. Porém, creio que aquilo que verdadeiramente nos cativou em Sven-Göran Eriksson foi a sua cultura desportiva, a generosidade do seu carácter, a calma com que perfurmava todas as suas intervenções, o trato com os adeptos, a disponibilidade para ouvir as críticas e esclarecer as opções da equipa.

Acima de tudo, o respeito para com a instituição e os adversários, o amor ao clube, à cidade e a Cascais, o que aliado à sua educação e à elegância com que fazia as coisas e as transmitia para a equipa, dentro e fora das quatro linhas, elevavam-no à categoria de homem de excepção.

Treinou grandes clubes em Itália (Roma, Florentina, Sampdoria, Lazio), em Inglaterra (Manchester City e numa fase mais avançada o Leicester), na China (Guangzhou, Shanghai SIPG e o Shenzhen), dirigindo nos intervalos as selecções nacionais de Inglaterra, onde foi o primeiro estrangeiro a fazê-lo, do México, da Costa do Marfim e das Filipinas, sem jamais esquecer o primeiro clube que treinou fora da Suécia e o projectou para uma grande carreira internacional. 

Voltou várias vezes a Portugal e ao Estádio da Luz, local onde se sentia em casa e era justamente acarinhado por quem sempre o reconheceu como um dos da família. Foi um dos poucos que percebeu a dimensão do clube e era capaz de sofrer connosco nos maus momentos sem desatar a insultar tudo e todos.

A visita que fez ao Estádio da Luz em Abril passado, na sequência do prémio que lhe foi atribuído na Gala Cosme Damião, que celebrou os 120 anos do Benfica, e a justíssima homenagem que lhe foi prestada a anteceder o jogo com o Marselha para a Liga Europa, onde, ciente da irreversibilidade da sua doença, aproveitou para se despedir dos adeptos, num momento de grande emoção, serão por todos recordadas.

De Eriksson, tal como sucede com um outro grande homem que recentemente nos deixou, Manuel Fernandes, mais do que os títulos, as vitórias e as homenagens, recordarei o modo como sempre se comportou, encarou amigos e adversários, e a todos deu uma lição de humildade e de esperança nos bons e nos maus momentos.

Isto sempre distinguirá os homens de carácter dos outros; traçará a fronteira entre os que estão sempre presentes depois de partirem e os que, por muitos títulos e muita riqueza ostentada, nunca se erguerão acima da massa, do patamar da suficiência. Nunca farão a diferença.

E continuará a distinguir no futuro.

Sempre com a mesma simplicidade, a mesma ternura, a mesma educação, o mesmo amor pela vida. 

Até ao fim, sem jamais deixar de sorrir e de agradecer a sorte que foi ter podido ser ele.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.08.24

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Luís Naves: «As minorias não têm lugar nesta situação de desemprego elevado e de redução do Estado social. O sentido de injustiça alastra um pouco por todo o lado, entre os ciganos da Europa Central, nos subúrbios das grandes cidades europeias, nos negros americanos sem voz política, em todos os grupos cujo acesso aos meios de comunicação é feito em doses cuidadosas e filtradas. Dominadas pela correcção política, pelos partidos burgueses tradicionais e pela defesa da ordem liberal que provocou a crise financeira, as democracias não parecem ter uma resposta viável para os problemas colocados por minorias presas no fundo da pirâmide.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «De repente, confirmam-se as piores expectativas: a Terra não é redonda. Estou destroçado. Um destes dias ainda vêm dizer que o Jack Daniel's é uma variante do leite materno.»

 

Eu: «Ouço a todo o momento à minha volta o verbo "desamigar". Sinto-me marginalizado: até hoje ainda ninguém me "desamigou".»

Da revisão e da denotação

jpt, 26.08.24

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(Fotografia minha - apesar de andar disseminada pela internet -, julgo que feita em Sofala ou na Zambézia)

Os livros são revistos antes da sua publicação, os artigos de cariz técnico-científico também. Há revisores profissionais, conheço alguns. E conheço-os bem. Até amei uma revisora. As teses académicas também o são - algumas são mesmo revistas por profissionais, mas a maioria não o é desse modo remunerado, dadas as condições de produção habituais desse tipo de textos.

Ao longo dos anos revi inúmeros textos: de amigos, de colegas, de antigos alunos já colegas. Se em textos literários após um "o que é que achas?" vindo de amigos que me sabem sem rodeios, capaz de chegar até ao "não publiques isto", se julgo necessário... Se em textos técnico-científicos após um pedido de opinião, de modo mais formal. Para essas últimas há matérias que a tecnologia foi simplificando: mesmo não sendo infalíveis são preciosos os correctores ortográficos - e sintácticos -, os dicionários digitais, e estes crescentemente competentes sistemas de tradução. Mas ainda assim subsistem máculas em textos que se querem límpidos: erros, alguns sendo meras "gralhas", sintaxe atrapalhada, distracções. 

E, principalmente - mas não só - nos trabalhos de "humanidades"  levantam-se outros problemas. Pois, e não  por defeito - por retórica vácua -, mas por características da investigação e da explanação, os textos são mais longos. Isso levanta à revisão assuntos a que se deve estar atento: hipotéticas redundâncias argumentativas e/ou descontinuidades lógicas. Ou mesmo meras construções frásicas desnecessariamente prolongadas - algo mais relevante quando os textos, como os académicos, têm limites quantitativos explícitos (palavras, caracteres, páginas) ou quase implícitos (tempo de apresentação oral).  E quem na vida tenha escrito alguma coisa - um rol de compras, um postal ilustrado que seja - sabe que um olhar alheio detecta muito mais facilmente, e até de modo imediato, essas "desnecessidades" ou "ausências" ("não puseste o papel higiénico!", "esqueceste-te de mandar um beijo meu à tua mãe", dirá o cônjuge veraneante...).

Em trabalhos académico-científicos há ainda outro aspecto crucial: a bibliografia. Pois os textos são um interpretação dialogante com uma realidade, e desta fazem parte os trabalhos anteriores que sobre ela foram feitos. Ao elaborar-se sobre um fenómeno refere-se o que já foi dito (é uma espécie de "experiência laboratorial", passe a fraca analogia), forma de comprovar a justeza do raciocínio - mas não da sua conclusão, claro. Esse diálogo é também forma de evitar que a reflexão em curso se restrinja a especulações não abdutivas. Ou seja, reflecte-se de determinada forma face ao que outros disseram. E sobre esse terreno tem o autor o seu argumento, seguindo de forma fiel essas prévias elaborações, matizando-as, ou opondo-se-lhes radicalmente. Inovando, se lhe for possível.

Quem já tenha escrito um trabalho académico - em particular nas "humanidades" mas não só - sabe que a construção do texto implica colocações argumentativas, amputações, recolocações, até ao produto final. Isso implica - sempre - que as notações bibliográficas devem ser revistas. Não só vasculhando a pertinência da sua colocação - algo sobre o qual o autor deve ser soberano - mas também a sua completude. No rol final não devem ser surgir textos apenas referidos em trechos que foram entretanto retirados do trabalho final. E devem ser apostos todos os que neste foram colocados. Mais ainda, há um formato de apresentação das notações bibliográficas - há vários dominantes, cada instituição científico-académica opta por um. E um trabalho deve apresentá-las de forma homogénea. Por exemplo, se coloco Correia, P., Tudo é Tabu. Lisboa: Guerra & Paz, 2024, terei de o fazer para todos os livros do mesmo modo. E tenho de constatar se no meio do texto não me enganei e coloquei (Correia 2023). É um trabalho de minúcia, até obsessiva. E nisso eu sou bom.

A maioria daqueles que já tenham tido de entregar num prazo apertado um longo, profundo e trabalhoso texto, saberá que os últimos dias são de pressão, de revisão e até reconstrução das argumentações (e/ou das provas, consoante o teor), de elaboração de conclusões definitivas. De uma - exausta, quantas vezes - releitura do global. Nesse entretanto, as questões de minúcia, trabalhosa e demorada, essa das vírgulas, das figuras de estilo demoradas, até da repetição de formulações, da correcção de datas, editores, nome de revistas, etc., são o inverso do imperativo urgente naqueles momentos. Até porque esse esmiuçar não é trabalho que se faça sob a normal pressão ("nervoseira") e nunca em "directa", pois exige mesmo "cabeça fresca". Como o sabe, repito, a maioria esmagadora dos que já tiveram de fazer este tipo de trabalhos. Como também essa maioria esmagadora sabe que nenhum destes trabalhos de rodapé significa o escorar de um trabalho. Ou seja, em nada apoucam a autonomia intelectual do seu autor. Não maculam a sua deontologia.

Eu tenho o blog Nenhures. Por  vezes lá deixo textos mais pessoais, não intimistas mas de cariz mais diarístico. Sempre hesito em colocá-los também neste colectivo Delito de Opinião. Hesitação devida ao incómodo sentido diante de alguns comentadores abrasivos, esses que surgem em militante contraposição a tudo, e nisso fico-me "para que é que me vou chatear com estes gajos...!". É certo que, e apesar do actual crescendo de leitores no Delito de Opinião, pelo menos nos meus postais felizmente esse ulular tem-se reduzido. Também por isso ontem deixei aqui um postal feliz, "uma semana jubilosa". No qual entre aprazíveis minudências referi, orgulhoso, ter estado a rever a tese de mestrado da minha filha.

Luis Balio Lavoura, um comentador folclórico do bloguismo português, e que tem como pegada digital ser investigador profissional de um renomado instituto superior português, de imediato surgiu em comentário - que eu apaguei - colocando em causa a honorabilidade académica da minha filha, devido a ter ela tido a tese revista por outrem. Claro que me posso perguntar como é possível que o célebre Instituto Superior Técnico acolha um investigador que tem este tipo de percepção do trabalho intelectual. Mas mais do que isso, aqui entre nós in-blog, refiro como este esparvoado comentário denota o conteúdo absurdo da atitude dos resmungões militantes, esses que a quase tudo o que aqui surge querem apupar. Até este paternal postal...

Acontece que neste disparate comigo Luís Balio Lavoura cruzou o Rubicão. E em assim sendo é-me indiferente que sofra de uma qualquer condição patológica.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.08.24

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Luís Naves: «Há tantos objectos nas lojas, que nenhum deles se torna especial. As interrupções sistemáticas de aparelhos de comunicação não deixam tempo para pensar. De certa forma, estes aparelhos dificultam a comunicação humana: vivemos em rede, como as abelhas; e, paradoxalmente, o espaço em que nos movemos é cada vez menos público. Nas cidades, cada pessoa habita a sua solidão, o seu carro, a sua música, a sua minúscula casa. Não há tempo e não se conversa (aliás, ninguém o deseja).»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Macau volta a estar nas páginas da imprensa internacional. Pelas piores razões e justificando a atenção dos media, da opinião pública mundial e das organizações de protecção dos direitos humanos. Em causa, de novo, questões que se prendem com a participação política e o direito ao sufrágio universal.»

Uma semana jubilosa

jpt, 25.08.24

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Por mais rusticidade, até altaneira em modo desprendido, que vá eu encenando sigo vaidoso, como tantos outros, a maioria desses, diga-se... E, pior ainda, mimalho. Como tal foi-me jubilosa esta semana que agora termina. Num tão assim que rara, mesmo. Narro-a para que não me reduzam a resmungão, dado ao azedume, amargurado pela vida, desatento às benesses que me recobrem.
 
Começou-me no texto do amigo Pedro Correia, o maior elogio - se explícito, másculo e público, ressalvo - que alguma vez recebi, louvando o meu "Torna-Viagem" em tais moldes que, como lhe disse, até me causou um frémito de estar já com "os pés para ... o forno", dados os laivos de eulogia que ali... temi. Nisso empurrou o livro. Este quase invisível (edição de autor, desconhecido, numa plataforma digital em impressão por encomenda). O amigo Pedro Morais, homem da banda desenhada, avisara-me de início, "editado assim se venderes 50 é livro de platina!". Eu esperava impingir 100, a utopia era 150... Mas agora, com este elogio chegou às 175 vendas! Digo-me, a mim-mesmo pois, se chegar às 200 encomendarei chamuças de diferentes origens para uma "prova cega".
 
Mas mais mimos me chegaram. A minha querida Ana, de que tanto gosto e me faz falta quando se ausenta, minha mana - "com a idade tornaste-te sentimental", há dias protestava outra amiga, telefonando de longe a combinar comigo os moldes de festa que aí vem, "sempre fui, agora não tenho é pejo de o mostrar", defendi-me -, a Ana, dizia, voltou após meses de Moçambique. Trazendo na carga - "só carreguei porque é para ti..." - uma bela oferta da também tão amiga Fátima: um grande frasco de achar de limão, confeccionado com os seculares saberes de Inhambane. Que mais pode querer um homem? "Mal arranje um portador envio-te um de achar de manga...", responde-me ela ao meu agradecimento! Matabicho de hoje? Malga de café, torrada barrada de achar...
 
Tudo isto orlo com um pouco de cultura, inesperado auto-mimo. Ando a ler os Voltaire - a reler, como se diz dos clássicos, avisou Calvino. E descubro, caído na estante atrás da fileira vigente, este "A Princesa da Babilónia", colecção de seis contos, que - a este sim - nunca lera. Comprado há vinte anos, diz lá. Muito melhor do que um livro novo é mesmo encontrar um esquecido.... E também recuperar um antigo, e nisso leio este "Vélazquez" (sic) com oito reproduções fac-simile em cores, editado em tempos bem recuados por Pierre Lafitte e Cie. Pois preparo-me, dado que ando há meses para ir à Gulbenkian ver o retrato do nosso rei Filipe III e não passa desta semana... "Não tens livros novos, aqueles da Taschen, e isso?, sobre o Velásquez?", mais as "Histórias de Arte" canónicas, carregados de ilustrações e de ensaios actuais?. Tenho, mas assim irei com o meu avô Flávio, que a este mono cá de casa, que resdescubro, comprou em 1911. Razão suficiente para me preparar deste modo, mimando-me com a ancestralidade.
 
Nisto cruzei o Tejo, rumo a almoço às portas de Almada, casa amiga sempre de boa mesa. Não sou grande admirador do comestível coelho, mas não me nego. Mas ontem, e já nestes meus 60 anos, deparo-me com o melhor coelho da minha vida - à mesa o autor reclama que o molho não ficou o espesso suficiente, adiantando razões que nem compreendo tamanha a voracidade com que mastigo. "Como se chama a receita?", pergunto, enquanto me sirvo de segunda pratada, "Coelho à sem nome", diz-me, ríspido, o talentoso artífice, que estou ali a conhecer...
 
Mas o maior dos mimos foi outro. "Pai, podes-me rever a tese?", pergunta a Carolina, e nisso estive eu, nestes dias, a reduzir-lhe as palavras - ajudando a adequá-la aos limites impostos -, a garimpar-lhe a (extensíssima) bibliografia, a comprovar-lhe a justeza sintáctica. Entregou-a na sexta-feira. Numa mescla metodológica difícil, associando Ciência Política com Economia (quantitativa, não a sociologia dita Economia Social). Debatendo as articulações entre investimento em energias renováveis, dívida externa e condicionamento político. Como estudo de caso esmiuçando o exemplo moçambicano. 22 anos, culminando o seu segundo mestrado, antes um na Nova, este agora na LSE. Deparo-me, sem espanto mas ainda assim com alguma surpresa, com um trabalho de grande robustez. E atrevendo-se a correr riscos intelectuais. Com competência e denodo. Pujança. Fica assim um pai babado, muito mimado. E como sempre a frisar: "quem sai aos seus não degenera". Pois a jovem puxou mesmo à Senhora sua mãe. Grande profissional, arguta intelectual.
 
E para esta semana já chega. Tanta coisa boa foi que fui celebrar, uma estroinice: almoçar um crepe no chinês dos Olivais. Com os que quiseram por lá passar...

Ainda a entrevista a Marta Temido

Paulo Sousa, 25.08.24

Em Junho passado, postei aqui sobre a desastrosa entrevista que e Marta Temido deu a José Rodrigues dos Santos na RTP. Desde o primeiro momento que o incómodo da própria, e do PS, foi notório e isso terá levado a que uma queixa tenha chegado à ERC, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Digo isto, mas tenho de salvaguardar que não sei de quem foi a iniciativa que levou à recente publicação de uma Deliberação deste órgão regulador.

As primeiras reacções a esta Deliberação apontavam para o alinhamento da ERC no tom condenatório do Partido Socialista. Por sua vez, José Rodrigues dos Santos reagiu num artigo no Observador. A sua resposta não é curta, mas é explicita. De entre os vários pontos destaco a seguinte passagem:

No ponto 44, a ERC diz que teci “comentários laterais a afirmações da entrevistada que se situam no plano da opinião e não no plano da factualidade”. Para sustentar esta afirmação extraordinária, a ERC invoca que, quando a entrevistada afirmou que “alguns (países) têm até situações de tal modo graves que, neste momento, equacionar esta questão levanta uma série de outras questões”, eu terei replicado “por acaso, não creio”.

Fiquei muito espantado com esta citação, porquanto não proferi a declaração que a ERC me atribui. Existe realmente um trecho perto do final em que a entrevistada fala de países candidatos à adesão com “situações de tal modo graves que, neste momento, equacionar esta questão levanta uma série de outras questões”. Ao ouvir isto, eu de facto disse algo, mas, ao contrário do que pretende a ERC, não foi “por acaso, não creio.” O que eu disse foi “o caso da Ucrânia”.

Ou seja, eu não estava a fazer nenhuma réplica, estava só a nomear o caso de um país candidato à adesão à UE que vive de facto uma situação grave, a guerra, ilustrando exactamente o que a entrevistada estava a dizer. Oiça-se a entrevista aqui, a minha frase está aos 19 minutos e 01 segundos.

Que a ERC me atribua, como base para me criticar, declarações que jamais proferi afigura-se-me absolutamente surreal."

Sinto-me dividido em como classificar os responsáveis pela ERC. Entre a singela incompetência e a desonestidade cabeluda, mais simpático que consigo ser, faz-me ficar pela primeira hipótese, mas é óbvio que este minha simpatia me está a induzir em erro.

Aprender até morrer

Maria Dulce Fernandes, 25.08.24

Hoje aprendi que o governo talibã do Afeganistão, além  de obrigar as suas mulheres a vestir a roupa da cama para que os homens não incorram em tentação, "aconselha" também, e pelo mesmo motivo,  as mulheres a "evitar o som em público ou a voz elevada, incluindo cantar, recitar, ou falar em microfones".

Umas sussurram enquanto os outros zurram, pois quem por lá manda são as vozes de burro.

É assim, aprender até morrer...

 

Só um em oito

Pedro Correia, 25.08.24

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Joe Biden e Donald Trump defrontaram-se em 2020, mas o duelo não irá repetir-se agora

 

Talvez alguns não saibam e outros já não se recordem. A uns e a outros, vale a pena chamar a atenção: nas últimas oito eleições presidenciais nos EUA, só por uma vez o candidato do Partido Republicano obteve a maioria do voto popular.

Aconteceu com George W. Bush, em 2004.

 

As restantes foram assim.

1992
Clinton: 44,9 milhões de votos (43%)
Bush: 39,1 milhões de votos (37,4%)

1996
Clinton: 47,4 milhões de votos (49,2%)
Dole: 39,2 milhões de votos (40,7%)

2000
Bush: 50,4 milhões de votos (47,9%)
Gore: 50,9 milhões de votos (48,4%)

2008
Obama: 69,5 milhões de votos (52,9%)
McCain: 59,9 milhões de votos (45,7%)

2012
Obama: 65,9 milhões de votos (51,1%)
Romney: 60,9 milhões de votos (47,2%)

2016
Trump: 62,9 milhões de votos (46,1%)
Clinton: 65,8 milhões de votos (48,2%)

2020
Biden: 81,2 milhões de votos (51,3%)
Trump: 74,2 milhões de votos (46,8%)

 

Irá esta tendência acentuar-se?

Poderá Trump alcançar aquilo que não conseguiu em 2016 e 2020?

O interesse aumenta à medida que prossegue a contagem decrescente para a eleição de 5 de Novembro.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.08.24

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José António Abreu: «António Granado é professor na Universidade Nova de Lisboa. Mantém um blogue sobre jornalismo e comunicação social há mais de uma dezena de anos. Agora está de férias (conveniente para quem ande com as leituras tão atrasadas como eu) mas promete voltar em Setembro. O blogue da semana é o Ponto Media.»

 

Eu: «"Nunca devemos confundir movimento com acção", ensinava Hemingway. Tenho-me lembrado com frequência desta frase sábia que parecia antecipar o tempo actual, em que tudo se banaliza. É um tempo de anestesia colectiva, potenciado pelo efeito reprodutivo da internet, das redes sociais, dos canais de notícias, da televisão em fluxo contínuo. Já quase nada surpreende, já quase nada escandaliza ninguém. E o mais chocante nesta permanente girândola de imagens em movimento é o facto de as "consumirmos" (palavra muito em voga) numa total falta de enquadramento hierárquico de valores, proporcionada pela diluição do jornalismo clássico que funcionava como mediador neste circuito. Hoje tudo é importante. O que equivale a dizer que nada é importante.»

Blogue da semana

Pedro Correia, 24.08.24

Eis um blogue original, refrescante, apropriado a estes dias de Verão. Chama-se A lupa de alguém e é escrito pela Anabela, que se apresenta assim: «Sou operadora de caixa num supermercado Continente modelo. É esse universo que eu trato neste espaço...»

Tema que sempre prometeu ser interessante. Ela concretiza a promessa desde Janeiro de 2008. Com histórias divertidas, outras nem tanto. E alguns desabafos bem compreensíveis, como este: «É preciso ter mesmo paciência neste atendimento ao público.»

Vale a pena ler. É o nosso blogue da semana.