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Delito de Opinião

Reflexão do dia

Pedro Correia, 31.07.24

«Substituir "mulheres e raparigas" por "pessoas que menstruam" não é inclusivo. É exclusivo - porque exclui as mulheres e raparigas. É anticientífico - porque só corpos de milheres menstruam. É misógino - porque apaga as mulheres de um assunto que as impacta; porque espera que as mulheres (que são a maioria da população) se anulem em prol de meia dúzia de pessoas que acreditam que nasceram no corpo errado e teimam que o mundo valide os seus sentimentos (ao invés de simplesmente viverem a sua vida como lhes apetece, sem maçar terceiros que nem sequer estão interessados); porque impõem que "mulher" seja definido por homens que se identificam como mulheres (e não menstruam), ao invés de pelas mulheres.»

 

Maria João Marques, no Público

Cultura em Maputo, Política aqui

jpt, 31.07.24

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1. Um amigo, camarada de anos a fio em Moçambique, e que comunga o meu interesse pelo país e pelo que faz o nosso Estado nas relações bilaterais, e em particular nas questões culturais, avisa-me desta notícia: a nomeação de um novo adido cultural para a embaixada de Maputo, José Amaral Lopes, antigo secretário de Estado da Cultura e antigo presidente do Conselho de Administração do D. Maria II, deputado, entre várias outras posições de destaque. Dado o seu perfil "alto" é surpreendente a sua indicação para este posto, até modesto. Mas para todos que se interessam por estas matérias - a mescla entre "acção cultural externa" e "cooperação" - uma nomeação de alguém com este peso biográfico tem um significado: denota um grande e assisado interesse governamental no desenvolvimento destas relações culturais, decerto articulado com alguma capacidade para reforçar os  meios, materiais e humanos, dedicados a essas interacções. Fica-se assim - e mesmo que sem "pedir a Lua" - na expectativa de um período de grande desenvolvimento nas conjugações culturais entre ambos os países. Possamos nós fruir disso!

 

2. Paralelamente - mas sendo, de facto, uma irrelevância - a notícia desta nomeação tem um factor denotativo da mesquinhez intelectual dos mecanismos partidários, em particular os do PS. Amaral Lopes exerce actualmente as funções de presidente de junta de freguesia, eleito pelo PSD. Abandonará o posto para assumir estas novas funções.

O dirigente lisboeta do PS, David Amado, critica-o por ter abandonado a freguesia, dela fugido. Deixando assim até implícito um elogio ao actual presidente, dado que considera gravosa a sua substituição. Mas é a demonstração da total impudicícia desse dirigente socialista. Pois há poucos meses, nesta mesma sua concelhia partidária, um também presidente de junta de freguesia, o socialista Costa, abdicou das suas funções, indo (sem currículo que o justificasse) liderar um mecanismo televisivo de produção de opinião pública. Amado então nada contestou. Entretanto, aqui nos Olivais a socialista presidente de Junta, Rute Lima, aquando reeleita logo se foi a trabalhar para a nova Câmara PS de Loures, e vem por cá "exercendo" funções em regime "parcial". E Amado ficou mudo.

E já agora, até porque o postal é sobre "cultura"  e nisso "bibliotecas" - a do Camões em Maputo é muito relevante na cidade - convém relembrar que a biblioteca da Junta de Freguesia dos Olivais, a antiga Bedeteca, sita no Palácio do Contador-Mor (sempre associado aos Olivaes de "Os Maias") está fechada há mais de três anos. Devido a umas obras não estruturais, que se diz terem sido cabimentadas 2 vezes (!!!), e que se vieram arrastando por incúria da junta - estando agora aparentemente culminadas sem que a biblioteca reabra. Diz-se no bairro, e quem sabe, que esteve prevista a reabertura para o início deste Verão, transitando depois para Outubro. Mas que deverá acontecer apenas cerca do Ano Novo - para agitar as águas em ano de eleições autárquicas. Sobre tudo isto - e tanto mais - não fala o tal David Amado. Nem as hostes socialistas.

Da Tragédia ao Apocalipse

Luís Naves, 31.07.24

O Irão acusa Israel de ter assassinado em Teerão o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, convidado para a tomada de posse do novo presidente iraniano Masoud Pezeshkian (Israel ainda não assumiu o ataque). Três filhos e quatro netos de Haniyeh (alguns deles crianças) tinham sido mortos há quatro meses. Ontem, o exército israelita matou um dirigente do Hezbollah, no Líbano, em retaliação por um bombardeamento atribuído à milícia xiita libanesa, nos Montes Golã ocupados por Israel, incidente onde morreram doze jovens drusos.

A morte de Haniyeh pode ter dois efeitos imediatos: o agravamento da crise e a radicalização do Hamas. O Hezbollah, apoiado pelo Irão, promete retaliar e os iranianos estão furiosos pelo que consideram ser uma acção de guerra. Enfim, o barril de pólvora está pronto a explodir. Tendo em conta que acabou de ser assassinado o interlocutor mais moderado do lado do Hamas, o qual será substituído por alguém ainda pior, estamos a assistir a erros sistemáticos de Israel? Ou a intenção é provocar uma guerra alargada, para resolver os problemas de uma vez por todas com apoio americano? Não sabemos, mas é fácil imaginar cenários de Apocalipse.

O que sabemos é que ali ao lado, na Faixa de Gaza, ocorre uma tragédia, perante o silêncio complacente do Ocidente. Um dos exércitos mais poderosos do mundo ataca com impunidade uma população indefesa. Sensivelmente do tamanho da Ilha Terceira, o território de Gaza tem pelo menos dois terços da sua infraestrutura destruída, bairros inteiros arrasados, sistemas de saúde e saneamento em colapso. Os doentes crónicos estão a morrer, três em quatro mães recentes não conseguem amamentar os filhos, o lixo acumula-se e os esgotos escorrem pelas ruas sem tratamento. A água é insalubre e a população de 2,3 milhões de pessoas (já serão menos) não recebe abastecimento alimentar suficiente.

O governo israelita salvou poucos reféns e está a cometer um crime que vai perseguir a nação durante duas gerações. Cria a inspiração para futuras guerrilhas que farão do Hamas um grupo de escoteiros. Os bombardeamentos mataram quase 40 mil pessoas e calcula-se que nas ruínas dos milhares de edifícios demolidos estejam outras 10 mil vítimas enterradas. Um estudo da revista científica The Lancet fazia uma estimativa de mortes directas e indirectas na ordem de 180 mil pessoas, que os autores consideravam conservadora. Entre 7% a 9% da população, está lá escrito, para nossa vergonha.

O mundo faz como Pilatos, lava as suas mãos, e aceita com cobardia o argumento israelita de que estão a ser cumpridas as regras humanitárias. A vida em Gaza será impossível, amanhã e durante muitos anos. O território está a ser enviado para a idade da pedra e isto não é uma metáfora, mas um plano declarado. Tudo isto tende a piorar. É uma das batalhas da III Guerra Mundial. A América vai fornecer as armas, a Europa fornece o silêncio, Israel fornece os alvos e os palestinianos fornecem os cadáveres.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 31.07.24

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Hoje lemos: Miguel de Unamuno, "Névoa".

Passagem a L-Azular: "Abaixo da corrente da nossa existência e dentro dela, existe uma outra corrente que flui no sentido oposto. Nesta vida vamos de ontem para amanhã, mas lá vamos de amanhã para ontem. A teia da vida está a ser tecida e desvendada ao mesmo tempo. E de vez em quando recebemos respirações e vapores e até murmúrios misteriosos desse outro mundo, desse interior do nosso próprio mundo. O cerne da história é uma contra-história; é um processo que inverte o curso da história. O rio subterrâneo flui do mar e regressa à sua nascente.”

O meu rio é caudaloso e nem sempre tranquilo no seu percurso retrógrado, mais e mais frequente a cada dia que passa. Não lhe podendo travar o fluxo para a foz, contento-me em alimentar o refluxo e extrair dele toda a felicidade possível.

A verruga cabeluda no nariz da velha, e o sonso

Paulo Sousa, 31.07.24

O Partido Comunista da Venezuela, não sendo o partido de Chaves nem de Maduro, apoiou durante anos o regime chavista e madurista. Após a fraude eleitoral que decorreu no domingo passado, o PCV já veio a público apelar “às forças genuinamente democráticas, populares e patrióticas a unirem forças para defender a vontade do povo venezuelano que foi expressa neste domingo, 28 de Julho, com um clara intenção de mudança política no país”. A declaração completa pode ser lida aqui.

Em contra-mão com a vontade popular estão os regimes facínoras da Rússia, China, Cuba, Síria, Nicarágua, Irão e Coreia do Norte, que já felicitaram o ditador Maduro pela sua “vitória”. Sobre estes não há novidade nem surpresas. O alinhamento do PCP com ditaduras sanguinárias nunca causou nenhum bruaá, mas não deixa de ser curiosa esta fractura entre dois Partidos Comunistas ortodoxos.

Ou até o PC venezuelano já se vendeu ao imperialismo gringo, que ali pretende levar a cabo um "golpe de estado fascista”, ou o PCP é cada vez mais a verruga cabeluda no nariz da velha.

Por cá, assistimos ao sonso do Rui Tavares a tentar formar uma plataforma alargada de esquerda (onde pretende incluir a verruga cabeluda no nariz da velha) para governar o nosso país.

Poderá Tavares privilegiar as suas origens bloquistas e assim defender-se deste eventual incómodo? É possível, mas vamos então ver as vénias e as companhias europeias da recém-eleita Catarina Martins.

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Perante tudo isto, pelo menos no Twitter, Rui Tavares continua em silêncio.

O PCP e a Venezuela

jpt, 31.07.24

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O Partido Comunista Português é agora um pequeno partido português, decadente. Tem quatro deputados eleitos: Paulo Raimundo (o seu secretário-geral), Paula Santos, Alfredo Maia. E António Filipe - esse que chegou a ser presidente da AR, patética iniciativa simbólica no primeiro dia desta legislatura, dado ser o decano do parlamento vigente. Personalidade política execrável, como patenteou no seu apoio constante, sarcástico, inumano até, à invasão russa da Ucrânia. E que tão louvado foi quando nas penúltimas legislativas surpreendentemente não foi reeleito, coisa dos ademanes da corporação vigente no "campo político". Estes quatro indivíduos (Raimundo, Santos, Maia e Filipe) acabam de produzir este texto sobre as eleições deste fim-de-semana na Venezuela, absolutamente laudatório do regime de Maduro.

A propósito da actual situação eleitoral troquei ontem mensagens com amigos residentes nos países vizinhos. Digo-lhes sobre este texto. Do Brasil, saído de um encontro com estudantes de ciências sociais venezuelanos ali refugiados (que não constituem um núcleo da "extrema-direita", com toda a certeza), um amigo e colega espanta-se com o rumo das gentes da Soeiro Pereira Gomes. E logo me envia um texto com a posição dos comunistas venezuelanos, linearmente avessa à manipulação do regime de Caracas.

Entretanto a missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) repudia o processo eleitoral. Na vizinhança os países reagem, de forma matizada, o que é normal face à complexidade da situação e às articulações internacionais. Os governos ditos de "esquerda" também têm posições diversas: no Brasil Lula da Silva é Lula da Silva, e já sufraga a situação; mas o Chile de Boric refuta o processo, originando conflito diplomático e convulsões políticas no seu próprio governo (Boric tem um governo de coligação no qual está o PC chileno); enquanto em Bogotá Petro mantém o silêncio. No país há contestação popular, violentamente reprimida, e Maduro afirma os manifestantes como "drogados e mercenários". As forças armadas do país suportam o regime e denunciam o "golpe de Estado mediático". E, sempre sinal bem denotativo, não há manifestações de júbilo pela vitória.

Nada disso - a realidade, as características do regime de Maduro, a fraude em curso, a sua via repressiva e âmago cleptocrático, as próprias declarações dos seus congéneres e camaradas venezuelanos -, conta para os 4 deputados do PCP, Raimundo, Santos, Maia e Filipe. Não seguem qualquer "coerência" ideológica. Nem têm - como pequeno partido de outro continente - quaisquer preocupações geoestratégicas. São apenas o que são, boçais. 

Partido Comunista da Venezuela denuncia fraude eleitoral e repressão em curso

PCP esqueceu-se de ouvir os camaradas de Caracas antes de apoiar Maduro

Pedro Correia, 31.07.24

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Comunicado do Partido Comunista Português de segunda-feira, 29 de Julho:

«As eleições presidenciais na República Bolivariana da Venezuela constituíram uma importante jornada democrática, em que participaram milhões de venezuelanos e cujos resultados reafirmaram o apoio popular ao processo bolivariano. (...)

O PCP saúda a eleição de Nicolás Maduro como Presidente da República Bolivariana da Venezuela, bem como o conjunto das forças progressistas, democráticas e patriotas venezuelanas que alcançam mais uma importante vitória com esta eleição, derrotando o projecto reaccionário, antidemocrático e de abdicação nacional.»

 

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Comunicado do Partido Comunista da Venezuela de terça-feira, 30 de Julho:

«A Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista da Venezuela (PCV) apela às forças genuinamente democráticas, populares e patrióticas para unirem forças para defender a vontade do povo venezuelano expressa neste domingo, 28 de Julho, com a clara intenção de promover a mudança política no país.

Alertamos a opinião pública internacional: o Governo de Nicolás Maduro, que já despojou o povo venezuelano dos seus direitos sociais e económicos, pretende agora privá-lo dos seus direitos democráticos.

Exigimos à Comissão Nacional Eleitoral a publicação da totalidade das actas de votação - tal como estabelece o regulamento eleitoral - assim como a máxima transparência no apuramento dos resultados. (...)

Neste momento decorrem espontâneas mobilizações populares em diferentes pontos do país. No PCV não apenas apoiamos o clamor de respeito pela vontade popular, mas apelamos também às forças militares e policiais para não reprimirem o povo.»

 

Descubram as diferenças. Não é difícil.

Em Lisboa, o PCP apoia com chocante servilismo o que em Caracas o partido homólogo rejeita com desassombro, na sequência da brutal repressão exercida contra sindicalistas, vários dos quais estão detidos em presídios militares, enquanto outros foram despedidos ou aposentados à força.

Paulo Raimundo esqueceu-se de ouvir os camaradas venezuelanos antes de dobrar a cerviz perante Nicolás Maduro, o caudilho mais corrupto, incompetente e desacreditado da América do Sul.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.07.24

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João André: «Enquanto ateu, cresci num país essencialmente católico. A minha bússola moral demonstra-o claramente quando me comparo com protestantes. O mesmo se pode dizer para um amigo, ateu que cresceu num país muçulmano e outro, judeu, que cresceu num país católico. Isto deveria ser óbvio para qualquer pessoa sem ter necessidade de contar argumentos científicos (a ironia...) como espingardas.»

 

José António Abreu: «Quem contrai dívidas de 400 mil euros em seu nome junto de um banco arranja um problema a si próprio se não as conseguir pagar. Quem contrai dívidas de 400 milhões de euros em seu nome junto de um banco arranja um problema ao banco se não as conseguir pagar. É mais ou menos isto. Mas agora também: Quem contrai dívidas de 4 mil milhões de euros em nome do banco que dirige arranja um problema ao banco, ao governo e aos contribuintes se não as conseguir pagar.»

 

Luís Menezes Leitão: «Começo a desejar ardentemente que António Costa ganhe de vez o partido e liberte Lisboa o mais rapidamente possível das constantes ideias disparatadas que sistematicamente executa, para grande desespero de quem ainda aqui vive (e são cada vez menos). Primeiro, transformou o Marquês de Pombal numa rotunda onde não se consegue circular e os carros ficam sistematicamente parados. Dizem-nos que é para aliviar a poluição, como se os engarrafamentos automóveis numa rotunda não causassem poluição. Depois colocou os sentidos da Avenida da Liberdade de pernas para o ar, recuperando uma ideia de Nuno Abecasis, que deu tão mau resultado nessa época, que ele nem sequer voltou a recandidatar-se à Câmara.»

 

Luís Naves: «O Hamas pode ser esmagado, mas se isso acontecer, vão crescer como cogumelos novas organizações ainda mais radicalizadas. Os EUA, que fornecem as munições, terão dificuldade em manter as suas alianças no Médio Oriente. Em Israel, um quinto da população é árabe, mas alguns políticos extremistas israelitas defendem um Estado exclusivamente judaico, há até quem queira a expulsão de cidadãos. De facto, pior que um crime, tudo isto parece ser um monstruoso erro.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Xi Jingping continua a cumprir a agenda que prometeu. Quando em 2012 assumiu o poder declarou uma guerra sem quartel à corrupção que minava o PCC e toda a sua estrutura de poder. Ao apertar o cerco a Zhou Yongkang, Xi Jingping não podia ser mais claro. Ninguém está acima da lei, não há intocáveis. E os reformados ricos não serão poupados. A mensagem vai chegar a todo o lado. Espera-se que a Portugal também.»

Um país de papas

Cristina Torrão, 30.07.24

Censuram-se os muçulmanos por serem muito sensíveis, no que respeita à sua religião. Não se pode brincar, não se pode criticar, etc. e tal.

Mas, em Portugal, caiu o Carmo e a Trindade, em relação a uma cena incluída na abertura dos Jogos Olímpicos, em Paris.

Francisco, benza-o Deus, não se deu ao trabalho de se sentir ofendido. Mas, já se sabe, no nosso país, somos mais papistas do que o papa. Somos um país de papas. Açordas. Por vezes, mais valia ser na língua.

Os estranhos

Luís Naves, 30.07.24

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O Ocidente mergulhou num tempo de desordem, as elites estão a perder o pé e o modelo capitalista em vigor não parece sustentável. Guerras, migrações, mudanças tecnológicas demasiado rápidas, a destruição dos recursos, o empobrecimento acelerado de muita gente e o enriquecimento pornográfico dos magnatas, tudo isso contribuiu para criar incerteza, mas há um fenómeno que ameaça acelerar a decomposição social: a marginalização crescente de uma parte do eleitorado. Geralmente, estas pessoas não têm representação nas notícias nem poder financeiro, não estão na cultura e no activismo mediático, nas academias, nos debates da TV. A verdadeira desordem é esta separação mental de grupos que se hostilizam usando linguagens opostas, sem base de entendimento entre gente que não acredita pertencer ao mesmo país. Há uma rivalidade tribal: um lado não escuta, o outro tem dificuldade em falar. A democracia recua quando uma das partes se coloca num plano moral superior e, usando o seu domínio mediático, lança anátemas sobre os milhões que não sabem votar. São rurais, fascistas, pouco qualificados. Pode parecer paradoxal, mas as classes trabalhadoras continuam a ser desprezadas pela burguesia triunfante, embora a clivagem, agora, divida a sociedade ao meio. Na América surgiu um novo termo para estes membros das massas ignorantes que se inclinam para Trump, os 'weird', os estranhos, esquisitos, incompreensíveis; no fundo, pessoas diferentes, cujas opiniões não devem ser consideradas.

imagem gerada por IA, Night Cafe

A bem da nação bolivariana

Pedro Correia, 30.07.24

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Nicolás Américo Thomaz Maduro venceu, por expressiva maioria, a eleição presidencial na Venezuela. Derrotando o candidato da oposição, o antipatriota Edmundo Humberto Delgado González, apoiado por forças estrangeiras que tudo fizeram para conspirar contra o Governo a pretexto do processo eleitoral. Ao ponto do venerando candidato da União Nacional Bolivariana ter alertado para o risco de haver «um banho de sangue» caso o povo votasse de forma errada.

Felizmente as forças armadas, funcionando como guarda pretoriana do regime que em 1999 instituiu um Estado Novo na Venezuela, asseguram a estabilidade institucional, conferidos já os resultados pela Comissão Nacional Eleitoral em estrita obediência às instruções do Governo que a tutela. As actas eleitorais estão salvaguardas em lugar recatado, longe dos olhares indiscretos das forças subversivas que tentam minar a revolução nacional, iniciada na madrugada libertadora de 28 de Maio pelo major-general Hugo Óscar Carmona Chávez, de saudosa memória. 

A bem da nação.

 

ADENDA:

Sua Excelência já recebeu calorosas congratulações de países e partidos amigos. Nomeadamente a República Popular da China, a República Islâmica do Irão, o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e o Partido Comunista Português.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.07.24

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Luís Naves: «O capitalismo é insaciável. Cada um fecha-se nas suas razões: estamos a construir um mundo de condomínios privados que bombardeiam faixas de gaza.»

 

Patrícia Reis: «Quantos jornalistas portugueses estão em Gaza? Ah, esqueci-me, estamos à beira das primárias do PS e há o Ricardo Salgado. Ok. Como jornalista, com carteira e no sindicato, com contas em dia, não entendo. Alô? Está alguém a dirigir os jornais? As televisões? Quem são? De onde vêem? São jornalistas? E os donos dos órgãos de comunicação social são apenas isso: proprietários de imprensa escrita ou outra? Terão outros interesses? Devem ter.»

 

Teresa Ribeiro: «Saiu para comprar rins para o pequeno almoço da mulher. Regressou a casa cerca de 24 horas depois, na ressaca de uma bebedeira monumental, final apoteótico de um dia em que nada de extraordinário se passou, a não ser as coisas extraordinárias que se passam num dia normal. Consegue situar este enredo?»

Postalinho do Doutor Septimus

Luís Naves, 29.07.24

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Fiquei arreliado com um post imbecil do senhor Naves e decidi enviar este postalinho, aqui do meu universo paralelo, para ensinar o pobre a escrever. Chamo-me doutor Septimus, sou criador de maquinetas capazes de acabar com o vosso mundo e de algoritmos que eu próprio não entendo. É disto que estamos a falar, da falta de compreensão, por exemplo, da vossa queda no lado da noite, sendo fácil concluir que já estão pelo menos a meio do caminho. Vejam as olimpíadas, que costumavam envolver rapazes e raparigas bronzeados e agora evoluíram para cenas molhadas. Querem heróis? Não sejam tolos, isso é reaccionário. A cerimónia de abertura foi apenas o aperitivo, no futuro terão arte ainda de pior qualidade, pela demolição da grande tradição ocidental, que deve ser ridicularizada usando as minhas tecnologias. Vocês, desse lado da realidade, merecem o mau gosto, a obra de consumo imediato, a fancaria e o parvo, o superficial e o kitsch, numa palavra, a Má-arte produzida por um exército de criadores obedientes, visando a concretização do gigantesco museu da eurovisão, o único que é permitido no meu universo paralelo, onde o foleiro se eleva a sublime e dura pela eternidade. Não se pense que isto é uma questão de liberdade de expressão, pelo contrário, é tirar o belo da equação, colocar o relativismo na incógnita e impor a debilidade em vez da musculatura. Entendem?

imagem gerada por Inteligência artificial, Night Café

A Abertura dos Jogos Olímpicos

jpt, 29.07.24

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Não acompanhei o festival de abertura dos Jogos Olímpicos, dei-lhe alguns soslaios durante o fim de tarde no café. Notei que chovia imenso, o grande Zidane e o grande Nadal, e nem etc. e tal. Alguém me disse, meio surpreso meio escandalizado, que o músico Snoop Doog carregara a tocha olímpica - na senda de Olivia Newton-John que também o fizera in illo tempore, tal como mais alguns outros músicos esquecíveis e esquecidos. Surpreendi-me mesmo, pois nunca ouvira falar desse artista.

Depois li que a organização se desculpou, devido aos imensos protestos com um trecho, aquilo de terem posto uns mariolas transformados em mulheres histriónicas a glosarem os apóstolos da "A Última Ceia". O encenador Jolly, atrapalhado, veio afiançar que não se tratava disso, remetendo a influência para um qualquer "olimpismo", clássico. Está-se mesmo a ver que não foi o caso, é evidente que Jolly e sua equipa se grisaram imenso a meter @s drago@s ao barulho naqueles preparos.

Um tipo pode lembrar que os JO são (isso sim, desde os tais clássicos) um período de suspensão, tréguas. E que assim Jolly e Cia podiam ter dado tréguas aos católicos. Como deram aos judeus - dos quais há tanta tradição em França que até os vêm perseguindo, não só em célebre "affaire" como até também ajudando os primos alemães a levá-los para leste do Hexágono (assunto que não foi abordado no festival, ao que me parece, que foi mais atento aos nobres guilhotinados). E como deram aos islâmicos, que também os há em França, ao que consta.

Mas estas indignações por cardápio também têm muito que se lhes diga. Os tipos da "Charlie Hebdo" foram massacrados por este tipo de "ofensas", implacáveis que eram (e são). E muita gente se esquece que em democracia não há o direito de não se ser ofendido. Pode-se é dizer, como o Diácono Remédios dirá, "não havia necessidade...".

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.07.24

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Fernando Sousa: «Houve mil holocaustos, não houve só um. Negacionismo é passar sobre todos eles. Acabei de ler um: Holocausto brasileiro, da jornalista Daniela Arbex. Este foi também no século XX mas no Brasil, no centro “hospitalar” de Colónia, Barbacena, Minas Gerais. Milhares de pessoas, homens e mulheres, de todas as idades foram ali internadas por supostos transtornos mentais entre 1903 e o fim dos anos 80. Morreram 60 mil. A maior parte, 70 por cento, não tinha nenhum diagnóstico de doença mental. Eram epilépticos, alcoólicos, homossexuais, prostitutas, meninas engravidadas por patrões, mulheres despachadas para que os maridos pudessem viver com as amantes, brigões, pessoas só entristecidas.»

 

João André: «No caso de cancros, parte dos tratamentos de quimioterapia passam por um sistema de tentativa e erro, não se sabendo muitas vezes à partida qual o medicamento que poderá ter sucesso. Segundo me explicaram no passado, alguns há que têm uma enorme taxa de sucesso em casos específicos e são completamente inúteis noutros, aparentemente semelhantes. Esperemos que a avaliação do sucesso seja competente.»

 

Luís Naves: «Aqui é tudo verde e sedoso, prolongado e contido, cheio de esperança, mas nada de especial, sempre à espera não se sabe bem de quê. Que o tempo passe, talvez, que tudo escorregue sem passar, que o comboio chegue. Há quem esteja pior, nem a dormir nem acordado, preocupado com a mera preocupação, não sendo infecção nem alergia, mas estado de alma em fase aguda. Aqui, onde me encontra o crepúsculo, posso afirmar, com a certeza típica de um enviado especial que entrevistou a sua dose de taxistas: este é o País mais banal do mundo.»

 

Eu: «Os acontecimentos mais dramáticos da história mundial podem começar por um motivo fútil. Isto não os torna menos relevantes: uma coisa nada tem a ver com outra. Tal como alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória, à partida, nada tinham de psicopatas: eram homens comuns. Isso não os tornava menos perigosos, longe disso. O facto é que ninguém -- mesmo ninguém -- fazia a menor ideia, naquele período tão optimista da história mundial, da tragédia que estava prestes a acontecer no início do Verão de 1914. Dois tiros fatais disparados em Sarajevo por um anarquista sérvio contra o herdeiro do trono austro-húngaro e sua esposa, a duquesa de Hohenberg, produziram uma onda de morticínios em cadeia até atingir cerca de 20 milhões de mortos. (...) A I Guerra Mundial não era inevitável à partida: tornou-se inevitável pela infinita estupidez humana.»

O mundo interior

Luís Naves, 28.07.24

Talvez os jogos de guerra sejam brincadeiras de políticos viciados em jogo, talvez distorções criadas por meios de comunicação que perderam o espírito crítico ou, porventura, a psicose que serve para desenvolver o espírito da docilidade. As pessoas já deixaram de querer saber, a humanidade recua para os seus problemas íntimos e está-se nas tintas. Foi sempre assim nos grandes problemas do mundo: ignoram-se avisos de desgraça iminente, de declínio ocidental, de caos económico ou de ameaça existencial para a liberdade. Em que medida a nossa preocupação vai impedir a procura da felicidade, essa sim importante? As manobras dos poderosos estão além da nossa influência. Quem irá escutar um protesto prematuro, se a contestação só tem efeito quando ganhar massa crítica na opinião pública? Mais vale pensar na beleza do mundo e na resistência da bondade humana. Não sou intelectual e considero-me incompetente para tentar desvendar os enigmas desta nossa actualidade deprimente. Já muitos passaram por aqui. Não se pode travar os loucos, mas com um bocadinho de sorte eles não entram no nosso mundo interior.

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