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Delito de Opinião

O Manifesto dos 50*

José Meireles Graça, 26.06.24

Pena que o Manifesto não diga alguma coisa sobre o perfil das personalidades que o assinam: alguns nomes não reconheço, e fico com a impressão de haver uma esmagadora maioria do centrão político, e dentro deste do PS. Todavia, também lá estão Francisco Rodrigues dos Santos e Diogo Feio, por exemplo, assim como António Barreto, o conhecido magistrado da opinião que nem por ser, ou se dizer, de esquerda, pode ser suspeito de defender corruptos. 50 era ao princípio, que agora há outros tantos, entre eles Garcia Pereira, que podendo ser acusado de muitas coisas nenhuma é falta de seriedade ou independência.

O texto é prolixo, incluindo patacoadas discursivas (“intervenções de carácter estrutural” ou “múltiplos desafios da actualidade”, por exemplo), e decerto tem partes que não subscreveria, como a relativa à “participação activa de grande parte da comunicação social na quebra do segredo de justiça” (quem quebra o segredo é quem o detém, não quem o noticia), ou a recorrente referência ao “Povo” sem substanciação (o Povo em abstracto não é  mesma coisa que o povo em concreto, e porque este último tem, em todas as sociedades e também na nossa, pulsões justicialistas, falar em nome dele sem mais é tomar a parte pelo todo e deixar de lado a trabalheira da persuasão e argumentação).

Porém, não inventa um problema para defender interesses escusos, mesmo que eles existam: enuncia-o.

E o problema é que, como bem diz o texto,

Se a morosidade, designadamente na jurisdição administrativa e tributária e na investigação criminal, é o fenómeno mais persistente - e inadmissível numa sociedade democrática, uma vez que na prática acaba por pôr em causa a própria realização da justiça -, existem muitas outras falhas que em nada são compatíveis com o Estado de Direito Democrático, nem com a eficiente gestão dos avultados recursos públicos a ela afetos (que comparam bem com outros países europeus), nem com o respeito pelos direitos e interesses dos destinatários do sistema de justiça, que não é menos importante para eles do que o sistema de ensino ou o sistema de saúde para os respetivos utentes.

O Manifesto enumera as medidas que entende serem necessárias, mas não é, nem seria de esperar que fosse, muito detalhado. No dia em que parte delas forem densificadas (peço desculpa pela palavra, mas logo que o assunto envolva juristas sinto-me autorizado a abundar no palavreado pedante) direi o que me pareça. No essencial, tudo gira em volta de uma circunstância e três perguntas:

1. A circunstância: O Estado (quer dizer, os seus agentes e representantes) está presente em todas as esquinas da vida, incluindo económica, desde 1986 dispondo de abundantes fundos que políticos e agências governamentais distribuem sob o chapéu de generosos fins de propagandeado interesse público. Só por milagre é que num país como o nosso, em que o favor e a cunha são apenas as faces mais visíveis de um fundo atávico de dependência dos favores do Orçamento, é que é possível imaginar que a corrupção (a alegada e a real) que existe é apenas a que chega às notícias. Uma casa onde se vejam três ratos não tem apenas três, tem dúzias. E é por o eleitorado saber que é assim que está disponível para comprar o discurso do “eles” (isto é, os políticos) serem uma cambada de ladrões.

2. O Ministério Público abusa ou não abusa dos seus poderes?

3. Se abusa, as medidas que os coarctem são ou não são pior emenda que o soneto, isto é, podem ou não traduzir-se na impunidade dos detentores do Poder?

4. Por que motivo há um desequilíbrio evidente entre esquerda e direita na censura ao MP, a segunda encontrando razões, por vezes através de vozes respeitadas e geralmente sensatas, que compreendem e desculpam os desmandos?

Por partes:

Uma solução óbvia para diminuir os casos de corrupção seria diminuir o peso e os poderes do Estado: ninguém corrompe para obter o subsídio que não existe, a licença ou o alvará que não é precisa, a colocação num lugar público que não depende de decisões arbitrárias, e um longo etc. Mas essas são escolhas políticas, que cabem na respectiva luta, a que chamamos democracia. E esta não é o regime em que o Povo escolha bem por ser depositário de alguma lucidez que decorra da soma das inépcias individuais, é aquele em que o eleitorado – e só ele – detém legitimidade para delegar o exercício do Poder e revogar ou a não a delegação periodicamente. A União Europeia criou o instrumento deletério das transferências de fundos e raros são os que os veem com maus olhos; e as nossas sucessivas escolhas têm sido versões diferentes da social-democracia. É com isso que se tem de viver e imaginar que há um grupo profissional que garante a lisura de processos e a seriedade dos desempenhos dos eleitos só seria possível se as pessoas desse grupo nascessem com um halo na cabeça, por fora, e raios divinos de imarcescível sabedoria, por dentro.

E então, há ou não há abusos? A ideia de que os políticos são, salvo prova em contrário, generalizadamente corruptos, não só não é verdadeira  como se se aceitar o princípio, que o Ministério Público tem vindo a demonstrar ser o que o norteia partes dele, de que é melhor vigiar todos para apanhar os que se desviem do seu múnus, do que estamos a falar é de um Estado policial, sem que o dito Ministério (ou uma fatia encarnada nos magistrado xis, ípsilon e zê, cujos nomes o mais das vezes nem chegamos a conhecer) se tenha dado ao incómodo prévio de fazer uma revolução com aquele propósito. E se os abusos por parte de quem tem como missão ser titular da acção penal mas começa por desrespeitar as leis cuja ofensa tem por missão perseguir estreitar-se-á o leque dos que estejam dispostos a fazer uma carreira política quando possam ter outra.

Os magistrados do Ministério Público são pessoas como as outras, sujeitas às mesmas paixões e insuficiências. O que justifica a independência dos juízes (que, esses sim, são verdadeiros magistrados) não é serem perfeitos, é ela ser necessária para as sentenças não virem inquinadas por relações de força das partes, mesmo que uma delas seja o Estado, e em todo o caso poderem, via recurso, ser revistas.

As decisões dos agentes do MP têm, em alguns casos, de ser convalidadas pelo juiz de instrução. Mas ainda recentemente um edil esteve preso sem ser ouvido, muito para lá dos dois dias limite, sem que tenha sido afinal pronunciado por coisa alguma. Fosse apenas um caso e seria demais. Mas são inúmeros e se há um bem que tem decorrido desta saga é o de perguntarmos a nós mesmos (quem pergunta – somos poucos): se é assim que se tratam os poderosos, o que não se fará com os pobres diabos que ninguém conhece? Algumas estatísticas aterradoras, em matéria em que a opacidade é a norma, são referidas, por exemplo, neste artigo de Garcia Pereira.

Que o Ministério Público tem interferido decisivamente no processo democrático provocando eleições e influenciando-lhes presuntivamente o resultado só seria aceitável se estivéssemos a falar de acusações consistentes e urgência nos procedimentos. Não é o que tem acontecido: a ideia de que Costa poderia perfeitamente ter mantido o lugar sob o manto negro de uma suspeita assumida publicamente pela PGR pode até fazer sentido à luz do oportunismo, que se lhe atribui provavelmente com razão, de aproveitar a acusação para se pôr ao fresco para outros voos. Mas, objectivamente, a suspeita feriu-o, naquela maré, mortalmente, e após tanto tempo volvido não há qualquer resultado palpável, acusação, indiciação, desistência, o que seja – uma intolerável manifestação de autarcia, insolência e descaso. Aceitar como estando na ordem natural das coisas que, por todos os cidadãos serem iguais perante a lei, o MP não tenha nestes casos especiais deveres reforçados de diligência, é o mesmo que dizer que os ronceirismos de uma burocracia iluminada se sobrepõem a quaisquer outros valores.

As soluções aventadas implicam a clarificação de um equívoco: autonomia do MP não é a mesma coisa que autonomia de cada um dos magistrados. Porque, se fosse (e, aparentemente, tem sido) poderes majestáticos e institucionais seriam depositados ao acaso nas mãos de funcionários que na prática não respondem pelas consequências dos seus actos, sendo que estes implicam decisões sobre prisões (ignoro, e não preciso de saber, se técnica e pudicamente estas devem ser designadas por “detenções”, e a completa falta de respeito pelo respectivo prazo legal, em matéria sensível como a da liberdade física, é a medida da naturalidade com que já se está numa rampa deslizante), investigações desnecessariamente intrusivas, fugas de informação que nunca dão lugar a apurar-se quem as praticou, e todo um espectáculo deprimente de um vendaval de suspeitas, demolição de reputações e investigações intermináveis – que acabam em nada como se os milhões que os contribuintes gastam a perseguir gambozinos não devessem obrigatoriamente implicar informação pública sobre desempenho, em vez da litania de lamentos em que todos se queixam de tudo sem que ninguém seja responsável por nada.

Alguém deve, tem de, responder; se o topo da hierarquia não tem poderes deveria tê-los; se o exercício de tais poderes faz correr o risco de abusos internos deveria haver mecanismos para, sem riscos sérios, o magistrado decaído nas suas iniciativas e decisões os denunciar; e se a personalidade concreta de um PGR com poderes, e responsabilidades, reforçados, pode originar a suspeita de poder ser mais uma afloração do situacionismo e da acomodação com o estado das coisas na gestão da coisa pública, a resposta haverá de estar no processo de selecção: deve haver quem pareça ter perfil para resistir ao exame de uma maioria qualificada da AR, do PR e da opinião pública e a quem, no fim do mandato, se possa pendurar ao peito uma medalha, ou pelo contrário enfeitar de alcatrão e penas.

Resta explicar de onde vem esta tolerância para com o Estado dentro do Estado em que o MP se transformou, por parte de pessoas que não apreciam o Estado de Direito menos do que eu.

Vem desde logo da constatação de que a maioria das investigações, ou suspeitas, incide sobre socialistas. E como a estagnação do país e a degradação dos serviços públicos resultam das políticas socialistas, que Sócrates, Costa, e uma extensa entourage de personagens menores, encarnam, tudo parece pouco para remeter esta quadrilha para os cafundós da história. Acresce que a comoção da esquerda nunca teria lugar se quem está em exposição na vitrine dos horrores fossem políticos de direita.

Apoiar o Manifesto quando estão lá assinaturas de pessoas que, se os palpos-de-aranha fossem de outras tribos, nomeadamente do PSD, brilhariam pela ausência, e que verdadeiramente o que querem é tratar o Estado como se fosse uma coutada de arranjos? Credo, dizem não poucos dos meus correligionários no melhor lado do espectro.

E vem também do desejo de não deixar o terreno do dedo em riste da indignação, em exclusivo, para o justiceiro Ventura, que tem no combate à corrupção e na defesa da autoridade policial dois fonds de commerce rendosos.

Mas isto é um equívoco da parte de alguns dos outros selvagens da minha tribo. E para se o perceber refiro apenas um caso:

Há dias a CNN divulgou escutas no processo Influencer em que Costa aparece a ligar a João Galamba ordenando a demissão, por raciocínios de índole politiqueira, da presidente executiva da TAP, depois da polémica indemnização de 500 mil euros à ex-administradora Alexandra Reis.

Surpresa? Não. Com os costumes portugueses é impossível que o Governo não interfira na gestão das empresas públicas: se é ele que escolhe os dirigentes é também possível demiti-los, seja por razões de baixa política, como no caso, seja por outras.

É crime? Não, não é, a menos que se queira criminalizar comportamentos políticos lesivos do interesse público. Caso em que não apenas periodicamente se trancafiariam ministros de pastas sensíveis (ou presidentes de câmara, por exemplo) como os deveres de fiscalização do Governo seriam divididos entre o Parlamento e o Ministério Público, cuja missão seria escutar todos os políticos com responsabilidades executivas.

E como a definição do que seja o interesse público é, ela própria, passível de discussões, teríamos a judicialização da política, em tais termos que se poderia falar de um regime como o iraniano, com a diferença de os clérigos serem magistrados e não lerem todos, nem interpretarem do mesmo modo, o Alcorão.

Chega, e não é do partido que estou a falar.

* Publicado no Observador

Cheia

Maria Dulce Fernandes, 26.06.24

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Acabei de regressar de um rodízio de sardinhas assadas. 

Uma fatia de pão no prato e sardinhas, louras, gordas, muitas a chegarem nonstop, às três e três em cima da fatia. Comer o pão ensopado foi delicioso e rico em ómega 3.😁

Às dezasseis parei de contar. Sem batatas, só salada e no final um cafezinho e um passeio à beira-mar. Já vou na segunda garrafa de água com gás.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 26.06.24

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Hoje lemos: Daphne du Maurier, "O Outro Eu".

Passagem a L-Azular: "A qualidade que tinha agora, sob a luz fresca e intemperada do sol, o era nem feérica nem austera; as sombras cambiantes do crepúsculo e da meia-noite haviam desaparecido com a escuridão e a chuva, e as paredes, os telhados e as torres eram banhados pelo brilho que só surge nas primeiras horas do dia, suave, recém-lavado, o delicado rescaldo do amanhecer. As pessoas que dormiam lá dentro certamente deveriam carregar alguma marca desse brilho em si mesmas, deveriam voltar-se instintivamente para a luz que penetrava pelas venezianas, enquanto os sonhos fantasmagóricos e as tristezas da noite se esvaíam, encontrando refúgio nas árvores da floresta não acordadas que o sol não havia  ainda tocado."

Num livro considerado hitchcockiano, imersivo e surpreendente, e que dentro do seu género proporciona momentos superlativos de leitura, encontramos passagens de frescura em puro êxtase e tranquila paz. Paramos de ler, fechamos os olhos e inspiramos até o diafragma resistir e depois expelimos o ar, devagar como se fosse a suave brisa que desliza por dentre as sombras que fogem à luz e que a autora nos transmite brilhantemente.

O comentário da semana

«Ronaldo é genial, mas fez muito por si a partir de quase nada»

Pedro Correia, 26.06.24

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«A inveja é mesmo o mais rasteiro, o mais ranhoso dos sentimentos. A imagem mais comovente que guardo de Ronaldo é a de um rapazinho tímido, a entrar sozinho no enorme autocarro que o levaria de volta ao centro de treinos, creio eu, depois de um jogo da selecção para o campeonato da Europa, se não estou em erro, em que se entrevira já o talento que era seu. E onde estavam os outros, que tinham vindo com ele? Era madeirense, possivelmente viera sem família, os outros tinham ido para as suas casas, voltariam no dia seguinte, disse o meu marido.

Desde aí segui Ronaldo, e a mim, que nem costumo ver futebol, quantas alegrias me deu, a que verdadeiras obras de arte sublimemente efémeras assistimos em quase todas as suas exibições. Além do mais, um exemplo, num tempo em que o trabalho e a persistência parecem ter deixado de ter lugar e, a existirem, não andam bem considerados. O talento é uma coisa, o génio outra, mas sem muito trabalho o talento morre como rosa sem ser regada.

Ronaldo é genial, mas fez muito por si a partir de quase nada, só que o nada era esse talento imenso de que incansavelmente se ocupou. Por mim, tenho orgulho em que ele seja português, conto que continue a sê-lo, e espero que por muito tempo nos continue a dar alegrias como tem dado, desta ou de outras formas - no futebol há muitas casas e ele saberá reinventar-se.

Tem defeitos, mesmo na sua imagem pública? Decerto que tem, mas subam ao Olimpo e vejam os terríveis, crudelíssimos defeitos dos deuses que por ali moram. Cristiano vive por lá, mas é apenas um homem, para sossego nosso. Quando de lá desce, não será um santo... E que santos somos nós?

É afinal um homem do tempo e do mundo em que vivemos, das suas circunstâncias, e há indícios de ser boa pessoa... Quanto ao resto, à mesquinhez não se liga, pois mina tudo à sua volta. E quanto à inveja, diz o povo que nem o invejoso medrou nem quem ao seu lado morou.

Viva Cristiano Ronaldo! Deus o abençoe.

 

PS - Para que saibam, se quiserem saber:

Nunca vi o Cristiano Ronaldo, vejo futebol na televisão só quando o Sporting joga com o Benfica ou quando há jogos da selecção, nunca leio nada sobre futebol, escrever então... enfim, hoje deu-me para isto.»

 

Da nossa leitora Margarida Palma. A propósito deste texto da Maria Dulce Fernandes

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.06.24

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João André: «Este tem sido um mundial atípico para mim. Pelo que parece, será o mais interessante em termos de futebol jogado desde o EUA/94 ou mesmo Espanha/82. Por outro lado, não tendo televisão em casa, estando há já umas semanas sem internet (é conspiração dos alemães, eu bem digo) e sendo os jogos tão tarde (o que complica ir para um bar ver os jogos quando se tem de trabalhar no dia seguinte), a quantidade de jogos que tenho visto é relativamente reduzida. Por isso mesmo, as minhas observações têm de estar limitadas ao que vi e ao que vou conseguindo perceber. Vamos a elas.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Como escreve o director do Macau Daily Times, não se compreende como é que alguém que não foi sujeito a qualquer acção disciplinar, que é respeitado pelo próprio reitor, segundo este afirma, e por muitos outros dentro da Universidade de S. José, deva ser afastado da docência.»

Presidente sofre

Paulo Sousa, 25.06.24

Em resultado das dinâmicas da Guerra Fria, ou do espírito daquele tempo se assim preferirem, a forma como Jean-Bedel Bokassa chegou ao poder, e o exerceu, nunca pareceu importar à França, antiga potência colonial da República Centro Africana. O perigo soviético, cuja influência avançava em África ao ritmo de cada nova independência, justificava que se olhasse para o lado de forma a poder assegurar influência neste imenso território pejado de riquezas minerais.

Em 1969, Charles De Gaulle nomeou Bokassa como chefe de Estado, chefe de governo, presidente do partido único e ministro centro-africano da Informação, recebendo-o oficialmente para jantar no Eliseu. Reconhecido por tal generosidade, o antigo combatente que na Segunda Guerra Mundial se colocou ao lado das Forças Livres Francesas, entendeu tratar o presidente francês por “papá”. “Não me trate por papá!” terá dito De Gaulle embaraçado. “Oui, papá” terá respondido Bokassa.

Trago aqui este episódio em desagravo do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que igualmente embaraçado, terá recebido um email de um maluco qualquer, que lá por ser não sei o quê de uma Câmara de Comércio não sei de onde, o desatou a tratar por pai para aqui, pai para ali, se o pai puder ajudar, obrigado pai… dá mesmo vontade de dizer que vá chamar pai a outro! Ao que uma pessoa se sujeita para poder servir o país. Ninguém lhe dá o devido valor, é o que é.

A mãe dolorida e o circo mediático

Pedro Correia, 25.06.24

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Sempre considerei que o caso das gémeas convoca o pior do voyeurismo conjugado com o pior da inveja social.

Se alguém merece ser criticado não é seguramente a empresária Daniela Martins, mãe dolorida que tudo fez para proteger duas filhas em risco de vida, aceitando agora comparecer numa sessão de cinco horas em comissão parlamentar de inquérito num país que alguns dizem não ser dela. Mesmo sendo descendente de quatro avós portugueses. Nossa compatriota, portanto.

Esta senhora apedrejada no "tribunal da opinião pública" - o mais injusto dos tribunais - marcou presença no mesmo local onde já pontificou, como líder parlamentar, um antigo deputado acusado de assassinar há década e meia outra portuguesa residente no Brasil, permanecendo este crime impune até hoje.

Isto sim, devia suscitar escândalo nacional. Mas não suscita.

 

Apetece perguntar: enquanto Daniela Martins enfrentava deputados de várias cores ideológicas e respondia com dignidade ao acintoso André Ventura na Assembleia da República, onde estava o pai das gémeas? Sumiu-se, saiu de cena.

Onde estava o amigo "portuga" de São Paulo, filho do Presidente e suposto instigador da cunha hospitalar? Fora de palco, em silêncio completo, pecando por falta de comparência e desrespeito à Casa da Democracia.

De repente os homens eclipsam-se, só resta ela. Criticada até por ter cumprido o dever cívico de atravessar o Atlântico e submeter-se a um interrogatório em que não faltaram parlamentares quase aos gritos.

 

Vi, ouvi, reflecti. E concluo que só ela esteve bem nesta história ainda com vários ângulos por esclarecer.

Sem esquecer as meninas, que não têm culpa de padecerem de uma doença rara e grave. Expostas num circo mediático que as reduz a um rótulo depreciativo ("gémeas luso-brasileiras") pelos mesmos jornalistas que, quando dá jeito, enaltecem as supostas virtudes da "lusofonia" e aludem ao visionário universalismo de Camões. Renegam na prática tudo quanto proclamam com vibração hipócrita, soando a falso do princípio ao fim.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.06.24

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Joana Nave: «Hunos é uma marca que simboliza a força de vontade, a confiança e a determinação que une os elementos de uma equipa em prol de um objectivo comum. Conheci os Hunos em 2005, quando me juntei à equipa da BP Portugal. Desde logo me fascinaram pela forma altiva, e até um pouco arrogante, com que corriam pelos trilhos desconhecidos e deixavam um rasto de pó aos que, confusos, iam caminhando um pouco à toa e a medo. Os Hunos não têm receio de perder, partilham uma sede de conquista que não lhes permite fraquezas, apenas agilidade nas pernas, destreza nas façanhas e a inteligência que completa o círculo.»

 

Luís Menezes Leitão: «Neste momento, os cidadãos já têm o IMI em valores estratosféricos, multiplicam-se as execuções fiscais, e grande parte das pessoas vai perder as suas casas por não conseguir pagar o imposto, mas isto não interessa nada. O que interessa é que a Câmara possa adquirir empresas de transportes com dívidas colossais, nem que para isso tenha que desbaratar o dinheiro dos contribuintes. Transponha-se isto para a escala nacional e ficamos a saber que um governo de António Costa pode ser ainda mais catastrófico para o país que o de Sócrates foi. Sinceramente neste momento, entre Costa e Seguro, já não sei qual dos dois é pior.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Num momento em que a sociedade de Macau mais precisava de instituições fortes e de uma igreja activa e actuante, ao lado da sociedade e dos seus fiéis, os péssimos exemplos que chegam da Universidade de Macau e, agora, da Universidade de S. José e do seu reitor são uma vergonha e causam repugnância à luz do legado histórico e civilizacional de Portugal. E no caso da Universidade de S. José também envergonham a própria Igreja, que em Macau nunca se coibiu de manifestar as suas posições no passado, como sucedeu pela pena do padre Luís Sequeira ou até de Monsenhor Teixeira.»

 

Teresa Ribeiro: «Ao contrário do que se costuma afirmar, as mulheres não querem modificar os homens. Pelo contrário, desejam que sejam exactamente como se descrevem.»

Reflexão do dia

Pedro Correia, 24.06.24

«Parece que uma autora de histórias infanto-juvenis (um terreno fértil em tolices) lançou há meses um livro intitulado "O Pedro Gosta do Afonso". A coisa não impressiona. Na semana passada lançou um sobre Rui Nabeiro, o industrial do café; um grupo de militantes "de extrema-direita" chefiado pelo ex-juiz Fonseca e Castro, que já a tinha interpelado, apareceu no lançamento e interrompeu-o. Extrema-direita, extrema-esquerda, nacionalistas de ponta e mola, activistas carrapatos, ecologistas da treta, palhacinhos do Hamas, gente convencida de que o mundo vai acabar ou de que o 5G lhes provoca disfunção eréctil, costumam interromper os outros com frequência. É uma tolice: fazem publicidade aos adversários que estavam ali, deprimidos e silenciados, muitas vezes sem público.»

 

Francisco José Viegas, no Correio da Manhã

Sete de Portugal

Maria Dulce Fernandes, 24.06.24

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Desde 2022 que a ingratidão de muitos portugueses, nomeadamente os fatais "Velhos do Restelo”, alguns que pontuam por outras cores clubísticas e os fundamentalistas da religião e dos direitos humanos (que viram todos os jogos transmitidos pela TV desde o Qatar, com explosões de entusiasmo e crescente euforia sem pestanejar), têm tentado abater e arrasar um dos maiores futebolistas de todos os tempos a nível mundial, com um palmarés de recordes batidos invejável e, quem sabe, até difícil de ultrapassar.

Nem tudo o que é “velho” não presta. Para todos aqueles que conheço, que falaram cobras e lagartos deste fenomenal desportista e de um treinador que o chamou à selecção que tem representado brilhantemente durante anos, sendo um dos poucos, senão o único português conhecido e aclamado além-fronteiras pela sua ética de trabalho e excelência profissional, carregando em ombros o nome de Portugal pelo mundo fora, tenho afivelado o meu melhor sorriso sarcástico, aquele que guardo para as ocasiões especiais. Palavras para quê? O coxo velho da cadeira de rodas e das muletas em campo, seja qual for o desfecho do Euro 2024, deu-lhes já uma bela e justíssima bofetada sem mão.

Viva ele! Viva Portugal!

Sobre o naufrágio das elites políticas

Sérgio de Almeida Correia, 24.06.24

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“[À] force d’excès de transparence, de mandats rabotés, de rémunérations plafonnées et de prérogatives réduites, on ne trouvera bientôt en politique que des moines soldats prêts a tout à sacrificier pour le bien public ou des personnalités narcissiques en quête effrénée de pouvoir et reconnaissance.

Le centriste Hervé Marseille, président de l’Union des démocrates et indépendants (UDI) et pillier du Sénat, qui traine ses guêtres en politique depuis quatre décennies, caricature à peine : « Ce n’est plus la politique pour les nuls, c’est la politique par les nuls! »”.

 

Porque o tempo não é elástico e há razões que me ultrapassam, não pude aqui deixar um comentário, pequeno que fosse, ao que aconteceu nas eleições europeias, tanto em matéria de candidaturas como de resultados. Em todo o caso, não me passou despercebida a forma tão pouco razoável como Pedro Nuno Santos e o PS violaram o contrato com o eleitorado que nas legislativas de 10 de Março havia votado no partido, convencido de que Marta Temido, Francisco Assis e Ana Catarina Mendes iriam respeitar e cumprir o mandato para que haviam sido eleitos.

Se a ideia era candidatá-los nas eleições europeias, então para quê fazê-los eleger para a Assembleia da República? Para depois se fazerem substituir por nulidades que ninguém conhece? Como é possível gente séria e decente estar na política e prestar-se a isto?

Bem se pode vociferar contra o populismo e o cavalgar extremista das múltiplas ondas que vêm e vão, que será muito difícil, enquanto as actuais circunstâncias de exercício da política se mantiverem entre nós, conseguir quanto se perceba a razão que alguns têm. E recordo-me aqui de um dos últimos escritos da Ana Sá Lopes, do muito que o Pacheco Pereira, o António Barreto, o Manuel Carvalho e também a Maria João Marques, entre outros, que também têm escrito e analisado o estado de indigência política e cívica em que nos encontramos. De tal modo que já nem o Presidente da República ou a magistratura escapam ao escrutínio dilacerante da opinião popular, não pública, que faz as delícias do jornalismo trash.

 O livro que aqui vos trago – Les Naufrageurs – acabou de sair e faz parte de um conjunto de três que recentemente adquiri. Dos outros falarei a seu tempo. Foi escrito por uma conceituada jornalista e grande repórter do Point – Nathalie Schuck – que se deu ao trabalho de procurar investigar as causas deste estado de deserção cívica em que caiu a classe política francesa, dando a palavra, como ela escreve, aos “premiers acteurs de cette machine qui s’est dangereusement grippée: les responsables politiques”.

E nesse exercício, realizado numa França cada vez mais turbulenta e que vai de novo para eleições dentro de muito pouco tempo, escutou primeiros-ministros, uns mais recentes outros mais antigos, os conselheiros e pesos-pesados dos governos de Chirac, Sarkozy, Hollande e Macron, bem como presidentes de câmara, responsáveis partidários, aspirantes ao Eliseu, altos funcionários, membros do Conselho Constitucional e do Conselho de Estado.

Tem a chancela das Éditions Robert Laffont, custou-me 19 Euros e acabou de chegar às livrarias francesas.

Não perderão nada em lê-lo, creio, independentemente do posicionamento político-ideológico que cada um assuma.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 24.06.24

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Francisco Prieto: «Era uma menina que rezava todos os dias. De joelhos, olhos fechados e mãos encostadas ao peito, pedia fervorosamente: - que Deus não lhe desse vocação de freira. Que ela queria ter muitos filhinhos e se fosse para freira não podia ser mãe.»

 

José Navarro de Andrade: «O médico da selecção de todos nós falou hoje em "índices de suspeição lesional". Dir-se-ia que foram anexados à pasta dos "indicadores de certificiação disparatal". As maravilhas do futebol português são infinitas.»

 

Luís Naves: «Existe em certos círculos políticos uma ilusão federalista que está a contribuir para uma perigosa crise na Europa. O Conselho Europeu deverá discutir nos próximos dias a escolha do candidato a Presidente da Comissão e a insistência em Jean-Claude Juncker ameaça afastar mais um pouco o Reino Unido da UE. Esta escolha sempre foi feita entre os líderes, e por consenso, mas o primeiro-ministro britânico, David Cameron, ameaça desta vez forçar a votação, provável indicação de que dispõe de minoria de bloqueio.»

 

Eu: «Villa bateu-se em campo, neste último jogo, como se fosse o primeiro da sua exemplar carreira. Porque queria abandonar a selecção de cabeça levantada. Era ele que ali estava - mas era mais do que ele, como o homem do leme do poema de Fernando Pessoa: era já também o mito. Um mito vivo, feito de carne e osso. E também de lágrimas, que não conseguiu reprimir ao sentar-se no banco de suplentes. Quem disse que um herói não chora? Futebol é isto.»

(Após) Portugal-Turquia

jpt, 23.06.24

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Repito a ligação para esta minha historieta, com mais de uma década (gosto tanto dela que a agreguei ao meu "Torna-Viagem", o livrinho que impingi aos amigos e conhecidos), uma conversa com uma polícia de trânsito sul-africano sobre Cristiano Ronaldo.
 
Passou a tal década (ou mais). Cristiano Ronaldo é o maior atleta da história portuguesa. Um símbolo, admirado por muitos de nós. E também mundo afora, polícias do Mpumalanga e outros - como a menina que ontem se perfilava diante dele durante os hinos, com as mãos na cara tamanha a emoção espantada, tocando-lhe para ver se ele era real, ou o petiz (malandrete), que aos 10 anos se escapou campo adentro para tirar uma fotografia com ele.
 
Mas CR7 é também um barómetro, mede o cretinismo nacional. Pois desde há décadas que é perene a raiva contra ele, as críticas constantes, a vir ao de cima a maldita inveja lusa contra o sucesso (se obtido "lá fora" então é pior). O que vem muito do mais rasteiro do clubismo, alguns, apesar de tudo, ainda o apupam pelas origens sportinguistas - e outros, ainda mais abjectos, pelas origens humildes. (E não esqueço o povo de Guimarães, num particular de 2013, a gritar vivas a Messi apenas para o macerar, a mostrar como é escumalha o "berço da Nação").
 
É já um veterano - a sua idade acerca-se da que tinha Lopes quando foi campeão olímpico, Livramento campeão europeu de clubes, Agostinho no cume do Alpe d'Huez, Pepe na sua lenda de central insigne. É um veterano goleador... Os cretinos, que são minoria mas vasta, continuam a bolçar que "está velho", que "joga à mama", que "é egoísta", que "não joga nada".
 
Ontem, por parvas razões, vi parte do jogo da selecção num café lisboeta. A clientela, uma mole sorvedora de caracóis, passou a tarde clamando esses impropérios, enquanto perdigotava a repugnante molhanga. Retirei-me para casa, vi um John Ford que nunca vira ("Os Cavaleiros", com o Duke e o grande William Holden). Depois passei pelo FB, onde - apesar do "banho turco" - ainda havia básicos a repetirem impropérios contra o CR7.
 
Deitei-me, a ler o Dalton Trevisan que trouxera da Feira do Livro. Não haja dúvida, aquela desgraçada Curitiba de Trevisan é aqui mesmo.

Victor

Sérgio de Almeida Correia, 23.06.24

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Não poderia faltar. Por isso lá estive. 

Onde? Perguntar-me-ão.

Ali, na Casa Garden, paredes-meias com o Jardim Luís de Camões, onde está o espartano busto do dito, gravado no tempo da antecâmara feita na solidez da rocha que o protege das intempéries.

Ontem esteve lá o Victor. O autor, em 1989, da capa do I Glossário Jurídico Luso-Chinês. Nessa altura ninguém sabia quem era ele. E ainda hoje não sabem. Os portugueses. Os outros sabem.

Pois bem, o Victor lançou um livro, imaginem só, com todos os desenhos que fez para os cartazes do Dez de Junho. Desde 1990. Falhou dois anos. Houve um espírito menor iletrado que passou pelo Instituto Cultural sem ter percebido quem era o Victor.

A bem dizer não é um livro. É uma enciclopédia. Uma novela. Um filme. Está lá tudo. Até o quase de que quase nunca ninguém fala. Mais a senhora dona Amália e o Eusébio.

Mas ontem o Victor falou. Disse umas palavras com tudo aquilo que lhe ia na alma. Emocionou-se. Eu vi. E foi como se a noite anterior ainda não tivesse acabado. E o Álvaro, o Miguel e eu, que quase nunca estamos com o Victor, tivemos o privilégio de nos termos encontrado com ele de véspera. Mais o Nelson. Até parecia que tinha sido combinado. Ah, les grands esprits. Sauf moi.

E depois, aquela cumplicidade no olhar, tão querida e descomprometida, de quem já fez o caminho das pedras sem se perder. E voltou sempre. Deixando tudo no mesmo sítio, seguindo a ordem natural das coisas, a natureza dos homens, a beleza das mulheres, e o respeito por tudo aquilo que nos rodeia. O respeito e a gratidão.

O Victor sublinhou-o. Eu também o sublinho.

A ética dos homens livres, que sabem qual o preço da sua liberdade e o custo da ousadia, medem isso mesmo. Lêem todos o mesmo painel que o Victor registou. São três palavras muito simples, e que dizem tudo. Liberdade, respeito e gratidão.

A ordem dos factores não é aleatória. Não se nasce antes de morrer. Embora haja alguns que conseguem morrer sem nunca terem nascido. E mandam.

O Victor é tudo isso. Porque o talento dos grandes nunca sai desses parâmetros. Não há cagança, há discrição. Não há serodismo, há História.

Tal e qual como na profundidade do olhar do mocho, protegido na sua terna penugem, atravessando a cortina do tempo na verticalidade dos anos. Um após outro.

E depois, o Victor é um tipo de uma generosidade extrema, de uma alma imensa, com uma portugalidade tão vincada que me faz sentir o quanto sou pequenino, o quanto somos todos menores perante um traço maior que nos define nos cinco continentes. Para todo o sempre.

É claro que gostei do livro (obrigado pela dedicatória e o autógrafo), do momento, de sentir o quanto o Victor estava emocionado.

E recordei-me daquele dia de manhã em que me telefonou porque tinha levado o quadro errado, porque o meu não estava na galeria, estava em casa dele. Agora está em Cascais, onde pertence.

Mas não foi por isso que fiquei grato ao Victor, nem é por tal que escrevo estas linhas.

Eu escrevo porque gosto de cumprir as minhas obrigações.

Neste caso é mais do que uma obrigação. E ao contrário da minha sombra, eu não tenho gosto em deixar uma obrigação por cumprir. Cumpri-las também me dá gozo, me dá prazer, e é um acto intrínseco de liberdade.  Como quando bebo um gin & tonic e fumo um charuto. 

E escrevo aqui e agora, nesta hora de onde não avisto o golfo de Sorrento, porque os cartazes do Dez de Junho do Victor deverão, a partir de hoje, percorrer o mundo. E depois deverão ser expostos na Assembleia da República, no Museu da Presidência, percorrendo as escolas de Portugal e ilhas. Espero que a Isabel Moreira esteja atenta.

Espero que o outro Victor, o de Tóquio, ainda os possa acolher na nossa Embaixada. E que eu possa lá ir. Mais a outra sombra que me acompanha.

E que em Lisboa, no Porto, em Paris, em São Paulo, em San José, na Horta, talvez no Peter´s, onde for, encontrem um espaço e um mecenas, já que há tantos nas revistas, para pagar o transporte dos cartazes. Para que todos possam ver e conhecer o Victor. Em toda a sua simplicidade.

O que lá está não pode ser descrito. Não vemos todos a mesma coisa. E sabemos haver gente com olhos que não vê, e cegos que vêem para lá dos limites da Eternidade. Ou que viam. Como o meu padrinho Fernando Luís. Ou o Jorge Luís Borges. Que saudade, de ambos, meu Deus.

Em rigor, a razão de escrever estas linhas é que também há coisas que têm de ser ditas. Para que não se pense, um dia, que os portugueses importantes de Macau, e aqui agradeço ao anónimo, são pequenos lucíferes anões, milionários, sem pátria, que têm tempo de antena à segunda, terça e quarta-feira sempre com o mesmo fato e a mesma gravata.

Até porque o Victor não usa gravata. Não sei mesmo se ele sabe o que isso é, embora eu goste muito gravatas. De boas gravatas. E faça gosto em usá-las. Quando posso. Até se desfazerem. Às vezes depois disso.

Não, o que aqui me traz é muito mais importante do que tudo isso, só tendo paralelo na generosidade do Victor. E o Carlos irmão que me perdoe com toda a sua simpatia.

Porque o que é mesmo importante aqui ficar escrito, e os meus amigos que me desculpem, a começar pelo José Manuel, o Rui e o Luís, que já cá não estão, é que o Victor, que é igualmente um amigo, é o maior português de Macau desde os tempos do Camilo Pessanha. Isto tinha de ficar escrito.

E isto é tão rigoroso quanto a minha saudade pela Mélita, a minha paixão pela música do Brel, o encanto pela Loren, pela poesia do Fernando, a escrita do José ou do António, ou a minha paixão pela ternura da M.T. e os meus amigos.

O Victor é uma espécie de Serge Gainsbourg que fala português. Sabe rir em chinês e ainda pisca o olho aos amigos.

Não falo nelas porque nisso ele é como eu, e eu não sei quem é a sua Jane Birkin. Não temos tempo para lhes piscar os olhos porque gostamos de os ter bem abertos quando mergulhamos no seu olhar. E nos perdemos até reencontrarmos o caminho de volta.

Tirando isso, que acima ficou escrito para memória futura, recomendo-vos que façam uma visita à Catarina Cottinelli e à Casa Garden.

Certamente que já não encontrarão por lá a Amélia, nem o Carlos, que têm outras vidas, e já fizeram o seu trabalho, como outros também o fizeram, a partir do Porto, para trazerem, e entregarem, verdade seja dita, o Victor a Portugal e aos portugueses.

E uma vez mais, no mesmo dia em que Portugal estraçalhou os nossos amigos turcos em Dortmund, sob a batuta de um inspirado capitão, recomendo-vos a liberdade, o olhar, a generosidade, o encanto e a serenidade de um português de Macau.

Português como nós. Quer dizer, um bocadinho maior do que nós. 

Coisas que todos os milionários querem comprar, mas que só está ao alcance de espíritos superiores.

De génios na sua arte. De talentos que não se mercadejam. De gente como o Victor.

Saravah, Victor. A bênção, Senhor.

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P.S. Fez bem em estar presente o cônsul-geral de Portugal, Alexandre Leitão. Amanhã, provavelmente, será também caricaturado. Como muitos outros o foram. Mas só os imbecis não são suficentemente inteligentes para não se rirem da sua própria caricatura.