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Delito de Opinião

Reflexões europeístas (4)

Pedro Correia, 28.05.24

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 Ruínas do Templo de Delfos, no Monte Parnaso (Grécia central)

 

A Europa, tal como foi imaginada pelos seus pais fundadores, é inseparável de um projecto de crescimento e desenvolvimento, tanto no plano económico como no plano social e cultural.

O balanço da integração europeia também deve fazer-se a este nível: que qualidade de vida têm os cidadãos da União Europeia em comparação com quem habita outros pedaços do mundo?

 

A resposta bem fundamentada a esta questão é demolidora para as teses eurocépticas. Porque o balanço é incomparavelmente positivo para o Velho Continente nestas quase sete décadas de integração europeia.

Desde logo porque o espaço europeu é inseparável da democracia política. Portugal, Espanha e Grécia apenas receberam luz verde para ingressar na Comunidade Económica Europeia após a queda dos respectivos regimes ditatoriais. A mesma lógica aplicou-se aos países da Europa de Leste, que só começaram a libertar-se das ditaduras comunistas a partir de 1989.

Ter a democracia como senha de identidade comum a todos os Estados-membros confere uma irrefutável autoridade moral à União Europeia. Este é um património inestimável, que não pode ser desperdiçado ao sabor de ventos conjunturais. E que deve ser continuamente valorizado, nas palavas e nos actos dos protagonistas políticos deste espaço civilizacional herdeiro da pedagogia filosófica da Grécia clássica e do primado da lei posto em prática na Roma antiga.

 

A democracia não se esgota no plano político: tem repercussões inevitáveis em todos os domínios da actividade humana. E também neste aspecto a Europa tem motivos de genuíno orgulho no confronto com qualquer dos restantes fragmentos do globo.

Em que outro recanto do planeta existe tanta liberdade de expressão?

Em que outro continente há tanta criatividade e fruição artística?

Em que parcela do vasto mundo habitada pela espécie humana existe tanta liberdade de imprensa e tanto pluralismo político?

Onde haverá menos desigualdade social do que na velha e tolerante Europa?

Nenhum outro continente propicia o aparecimento de tantos poetas, cientistas, pensadores, filósofos, inventores, arquitectos, engenheiros, ambientalistas, génios de todo o género, profetas de todos os matizes.

 

Este é um património único. Mas é também um património frágil. Compete a cada um de nós contribuir para a sua preservação, algo que não é tarefa sujeita a prazo ou calendário: é uma batalha de todos os dias.

Contra o discurso flagelatório proferido pelas sentinelas de turno das brigadas eurocépticas.

Contra os que semeiam ventos para colher tempestades.

Contra os arautos de novos paraísos, tão tentadores quanto inviáveis.

Contra os vendedores de utopias a granel, que prometem aos povos futuros patamares de sonho que redundam sempre em pesadelo.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.05.24

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André Couto: «Estranhei, sem questionar publicamente, como se anuncia o voto favorável a uma moção de censura ao Governo, de iniciativa do PCP, sem antes se ler o texto. Depois do anúncio feito, quero ver como é que os deputados do PS vão subscrever o parágrafo que versa sobre "o retrocesso económico e social a que conduziu a política de direita executada nos últimos 37 anos por sucessivos governos"

 

Helena Sacadura Cabral: «Seguro cometeu, a meu ver, dois erros lapidares. O mais recente foi prometer que iria repor pensões e não aumentar os impostos.  O segundo, há pouco menos de um ano, foi o de não aceitar a proposta de Cavaco Silva para subscrever um acordo com o PSD, que tinha como contrapartida a antecipação das legislativas para 2014. Se assim  não tivesse acontecido, António José Seguro podia estar neste momento em São Bento como primeiro-ministro. E não no Largo do Rato a viver uma dificílima crise interna.»

 

Luís Menezes Leitão: «Conheço António Costa há mais de trinta anos, desde os tempos da Faculdade de Direito, e sempre verifiquei nele a existência de uma grande ambição política, que alia a um enorme calculismo, gerindo o seu percurso ao milímetro. No PS Costa soube sempre estar do lado do vencedor das eleições internas, fosse ele Soares, Constâncio, Sampaio, Guterres, Ferro Rodrigues ou José Sócrates. Precisamente por isso a sua ascensão no PS foi sempre imparável, tendo estado sempre muito próximo dos sucessivos secretários-gerais e atingido quase sempre elevados lugares no Governo.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Não sei o que diria se tivesse obtido uns módicos 44,53 % nas europeias, mas tenho pena que tenha sido necessário haver uma recondução em 2013 e fosse preciso esperar por "duas derrotas históricas à direita" para se ver o óbvio. A ver se desta vez não acaba tudo em águas de bacalhau, com abraços e palmadinhas nas costas. Como da última vez.»

 

Eu: «Uma bela, merecida e comovente homenagem a Maria José Nogueira Pinto, que nos deixou quase há três anos. Feita por quem a conheceu melhor que ninguém. Uma homenagem que é também uma tocante declaração de amor.»

Terceira derrota consecutiva

Pedro Correia, 27.05.24

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Talvez Pedro Nuno Santos seja um indivíduo com azar. Talvez seja mau-olhado que lhe lançou António Costa, que está longe - muito longe - de ser um dos seus melhores amigos. Talvez seja péssima escolha de candidatos. Talvez sejam as agruras do destino. Talvez haja por ali bastante incompetência.

O facto é este: desde que o actual secretário-geral do PS iniciou funções, a 16 de Dezembro, os socialistas já sofreram três derrotas eleitorais.

A 4 de Fevereiro, nas regionais dos Açores: primeira derrota no arquipélago desde 1996, perdendo dois deputados. Nem o crescimento do Chega os favoreceu.

A 10 de Março, nas legislativas antecipadas convocadas pelo Presidente da República: perdeu para a Aliança Democrática, embora por escassa margem, recuando 13 pontos percentuais. Em Janeiro de 2022 tinha vencido com maioria absoluta: ficou sem 40 deputados em menos de dois anos.

Ontem, nas regionais da Madeira, também antecipadas: manteve 11 deputados na Assembleia Legislativa, incapaz de potenciar o desgaste sofrido pelo PSD, que desta vez concorreu sozinho e com o seu líder, Miguel Albuquerque, indiciado por corrupção. O PS continuará arredado do poder insular.

Três desaires nas urnas em menos de seis meses. É possível que seja mesmo azar, nada mais do que isso. 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.05.24

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Helena Sacadura Cabral: «No meu tempo de aluna de Economia passeavam-se pela Universidade uns filhos família cujo nome, pronunciado em voz alta, dizia tudo da sua origem. Vestiam e falavam de maneira especial e de um modo geral conviviam em grupo fechado, olhando os restantes colegas como representantes de uma classe social que pouco ou nada lhes dizia. Tinham-me algum respeito porque era eu que fazia as "sebentas" de algumas cadeiras, porque era a melhor aluna e porque, sem bem saberem porquê, usava um nome conhecido da História. E, de nomes, parece que percebiam. Mas não pertencíamos ao mesmo mundo. Isso era tão claro para mim quanto para eles...»

 

José Gomes André: «Com excepção da CDU e de Marinho Pinto, todos perderam. O PS obtém uma vitória curta, face às expectativas de congregar o voto de protesto contra a coligação PSD/CDS. A Direita sofre uma derrota histórica, que poderá abalar os alicerces do Governo (vem a caminho uma remodelação ministerial?). O Bloco continua a via da implosão. Perdeu as causas fracturantes para o PS e ao rejeitar ser hipotético parceiro dos socialistas tornou-se politicamente irrelevante. A abstenção atingiu valores elevadíssimos, resultado de um crescente (e preocupante) desânimo popular com a política (e com a Europa!) e do desgaste dos partidos tradicionais. O Governo sai fragilizado, mas a oposição não recolheu combustível suficiente para apelar de forma convincente a eleições antecipadas.»

 

Luís Menezes Leitão: «Aos militantes do PS não escapou o ridículo da figura que António José Seguro fez na noite eleitoral, manifestando uma falsa euforia com uma vitória pífia, que os seus apoiantes aplaudiram estrondosamente. António Costa percebeu, porém, o que estava em causa e viu aí logo na noite de domingo uma oportunidade de ouro para se candidatar à liderança. É manifesto que vai ganhar o PS. Aliás, se Seguro tivesse um pingo de responsabilidade tinha-se demitido logo na noite eleitoral, como fez o líder do PSOE espanhol.»

 

Eu: «Dois dias depois da maior derrota da direita em democracia, a notícia é -- uma vez mais -- a turbulência no maior partido de esquerda, que se sagrou vencedor da noite eleitoral. Invertem-se os termos, ao sabor das conveniências mediáticas, ignorando a maré que arrasou grande parte dos partidos socialistas no tsunami europeu de domingo. Quem venceu, perde. Quem perdeu, ganha. Vem aí mais uma refrega "fracturante" e fratricida na trincheira vencedora.»

Leituras

Pedro Correia, 26.05.24

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«La literatura sólo apacigua momentáneamente esa insatisfacción vital, pero, en ese milagroso intervalo, en esa suspensión provisional de la vida en que nos sume la ilusión literaria (...), somos otros. Más intensos, más ricos, más complejos, más felices, más lúcidos que en la constreñida rutina de nuestra vida real. Cuando, cerrado el libro, abandonada la ficción literaria, regresamos a aquélla y la cotejamos con el esplendoroso territorio que acabamos de dejar, qué decepción nos espera. Es decir, esta tremenda evidencia: que la vida soñada de la novela es mejor - más bella y más diversa, más comprensible e perfecta - que aquella que vivimos cuando estamos despiertos, una vida doblegada por las limitaciones y la servidumbre da nuestra condición. (...) La literatura nos permite vivir en un mundo cuyas leyes transgreden las leyes inflexibles por las que transcurre nuestra vida real, emancipados del cárcel del espacio y del tiempo, en la impunidad para el exceso y dueños de una soberanía que no conoce límites. Cómo no quedaríamos defraudados, luego de leer La guerra y la pazEn busca del tiempo perdido, al volver a este mundo de pequeñeces sin cuento, de fronteras y prohibiciones que nos acechan por doquier y que, a cada paso, corrompen nuestras ilusiones?»

Mario Vargas Llosa, La Verdad de las Mentiras, p. 394

Ed. Alfaguara, Madrid, 2003 (4.ª ed)

Petiscos inesquecíveis

Não quero! Não como! Comi e bem.

Maria Dulce Fernandes, 26.05.24

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Ainda não tinha cinco anos quando começaram as estadias em férias no Verão, que creio devem ter sido as melhores da minha vida, porque no meio de tanto lugar que visitei e tanta coisa que fiz muito depois de Nandufe, muitas outras lembranças estão meio esbatidas na minha memória, mas estes dias não. Lembro-me de tudo como se tivesse acabado de acontecer. O verde, as sombras, os cheiros silvestres, o tanque, o cheiro do sabão, o rio, a balsa... A diversidade da vida local e a morte também. 

Os ratinhos, os passarinhos, os gatos, os lagartos, as osgas... morriam? Eram mortos? Apareciam esborrachados ou inchados e cheios de larvas gordas e nojentas.

É por aqui que começa a minha relutância em comer caracóis. C-A-R-A-C-Ó-I-S. Que nojo. Lesmias, como lá chamavam. Vermes como as larvas gordas que se alimentavam de animaizinhos mortos. Não quero. Não como. Não provo. Não!

Uma bela tarde de um domingo, o bando dos familiares que tínhamos e dos que escolhemos ter e que se dedicava quase sempre a aventuras malucas aos fins de semana com finais gastronómicos, depois de uma manhã na Figueirinha, resolveu ir ao Manel das Andorinhas. Grandes caracoladas, pipis, bifanas, tudo bem confeccionado e regado com muita cerveja. Era um mimo. Tinham um creme de camarão de estalar a língua, feito com os camarões miúdos de mar e com croutons bem torradinhos que eu adorava e pelo qual ansiava. Mas não. Um grupo de folgazões tinha esgotado quase tudo, excepto os caracóis e umas entradas de enchidos. Amuei. Tinha fome. A minha mãe disse-me que mais logo comia em casa, mas tinha fome agora, não logo. "Então comes caracóis." Não! Que horror, só a ideia me dava náuseas. Confesso que fui bastante espalhafatosa, o que para os meus pais era tolerância zero, quando quase em vias de correctivo se aproximou a Isaura, a cozinheira, linda, simpática e cor de rosa. Veio à minha beira com meia dúzia de pequenos camarões descascados numa tijela e disse-me para provar um caracol primeiro e que  podia comer os camarões depois. Decisão difícil, mas aqueles camarõezinhos... A minha mãe tirou o bicho da casca e deu-me para a mão. De facto não parecia nada com um morcão. Provei. Era bom. Era muito bom mesmo! Pedi mais e acabei por me esquecer dos camarões da Isaura. 

A partir daí, quando eu entrava com o grupo, o Ti Manel gritava "atenção que vem aí a comilona de caracóis." O Manel das Andorinhas fazia uns caracóis formidáveis, com o courato e os ossos do presunto das sandes. Caracóis com molhinho, entendem?

Só comi parecidos em dois ou três lugares. Um deles foi em Cacela Velha. Ultimamente deixei-me disso, porque comer comida que não tem sabor, como é naqueles dias em que por a + b tenho de estar sem comer. Comida sem sabor é o mesmo do que comer nada.

Pensamento da semana

Pedro Correia, 26.05.24

Bronnie Wares, uma prestadora de cuidados paliativos do Reino Unido, escreve sobre os mais comuns arrependimentos que as pessoas expressam no leito da morte. Estes são: 1) não terem tido a coragem de viver uma vida fiel a si próprios; 2) terem passado demasiado tempo a trabalhar; 3) não terem tido a coragem de expressar os seus sentimentos; 4) não terem conseguido preservar as suas amizades; 5) não se terem permitido serem mais felizes. ("Top five regrets of the Dying"). É uma lição contra o materialismo e consumismo que caracterizam o paradigma da vida moderna.

 

Este pensamento, que nos trouxe a leitora Susana V, acompanhou o DELITO durante toda a semana

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.05.24

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Helena Sacadura Cabral: «O povo escolheu. Sabiamente, como já nos habituou. O país está a tornar-se cada vez mais ingovernável, nos velhos moldes políticos que conhecemos e a mostrar, desde as autárquicas, que ou os partidos mudam ou o seu poder vai progressivamente desaparecer.»

 

Luís Menezes Leitão: «O que se passou ontem foi uma hecatombe para os partidos do arco da governação. E se não arrepiarem caminho, poderemos assistir a uma "pasokização" geral dos partidos tradicionais, que revolucionará o nosso sistema político, levando partidos extremistas à vitória eleitoral, como se passou ontem na Grécia. PSD e CDS demonstraram que neste momento em coligação não valem sequer 30% dos votos. E o CDS irá provavelmente ter menos deputados europeus do que o MPT. Por muito menos que isto, já se desfizeram coligações à direita.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «O PS vence com uma percentagem sofrível (31,5%) e um número total de votos - pouco superior a um milhão - que não dá segurança e conforto a ninguém para umas legislativas. Nem aos eleitores, nem ao PS. »

 

Eu: «Os partidos que defendem a saída de Portugal no euro, todos somados, recolheram ontem apenas 15% dos votos expressos. As coisas são o que são.»

Leituras

Pedro Correia, 25.05.24

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«Já não há heróis de romance porque já não há individualistas, porque a individualidade se perde, porque o homem é só, porque todos os homens estão igualmente sós, privados da solidão individual, e formam uma massa solitária anónima e sem heróis.»

Günter Grass, O Tambor (1959), p. 11

Ed. Estúdios Cor, 1964. Colecção Latitude, n.º 58. Tradução de Augusto Abelaira

Blogue da Semana

Marta Spínola, 25.05.24

Estava pelo Campo Grande, há uma semana, quando vi um clarão azul, entre as árvores do jardim da zona. Não percebi logo, só quando abri as redes soube o que se tinha passado nos céus de Portugal nessa noite.

Alguns dias, muitos vídeos e posts depois, dei com o blogue Linguagista, de Helder Guégués, um blogue "sobre a língua: acertos, desacertos e problemas", onde me deparei com a definição de meteoro.

Aproveitei para navegar por outros posts onde o autor escrutina diariamente o uso da língua portuguesa desde 2011. Deixo como sugestão da semana, nunca é de mais conhecer a nossa língua.

Sujar as mãos e lavar a alma

Pedro Correia, 25.05.24

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É o melhor programa sobre gastronomia que tenho visto em televisão desde há muitos anos. Passa na SIC, às sextas-feiras, integrado no Jornal da Noite - seguindo a lógica corrente de integrar programas dentro do principal bloco informativo do dia, que padece de gigantismo incontrolável. Disso não tem culpa o Ricardo Dias Felner, autor deste espaço de divulgação que contrasta com as habituais rubricas sobre comidas, bebidas e dormidas - autênticas "publi-reportagens" camufladas de jornalismo a exaltar o magnífico e fenomenal e caríssimo hotel X ou restaurante Y, a preços obscenos para a carteira do cidadão comum.

Conheci o Ricardo das lides jornalísticas. Era um talentoso repórter político, com pena acutilante e óbvia qualidade de escrita. Estou à vontade para elogiá-lo, pois trabalhávamos em jornais concorrentes. Um dia ele cansou-se do jornalismo político - ou talvez essa incómoda modalidade de jornalismo se tenha cansado dele - e decidiu especializar-se em gastronomia. Mas não toca de ouvido, como aqueles que peroram sobre culinária sem saber estrelar um ovo. 

É preciso conhecer bem aquilo de que se fala para fazer um programa exigente como este seu O Homem que Comia Tudo. Fala-nos de uma Lisboa ainda oculta aos olhos de quase todos nós. A Lisboa globalista que atrai gente de todas as parcelas do planeta e as integra numa amálgama caótica mas harmoniosa. A velha capital portuguesa enriquece com estes novos contributos. Também no paladar. E é isto que o Ricardo partilha, com a abertura de espírito inscrita no próprio título do programa. Sem dogmas culinários, sem tabus, sem preconceitos. 

Vale a pena ir com ele a estes restaurantes fora dos circuitos em voga. Podem ser simples tascos onde é garantido que se come bem - até sem necessidade de talheres. Comida diferente, sim, mas sempre recomendável. Do Brasil, de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique, da China, do Japão, do Nepal, de Goa. Muitas vezes comida crioula, arraçada, com aquele toque de mestiçagem herdado dos descobrimentos portugueses, notáveis também por isto: levaram sabores daqui, a bordo de cascas de noz, e trouxeram sabores de lá. Sendo  quase o mundo inteiro.

«Comida de festa, para sujar as mãos e lavar a alma.» Eis uma das definições do Ricardo, neste caso em louvor da comida mexicana - ela igualmente já com redutos gastronómicos em Lisboa que funcionam como genuínas legações diplomáticas. Porque nada aproxima tanto os povos como aquilo que comemos.

Também por isto, O Homem que Comia Tudo presta serviço público. Mesmo sem passar na RTP.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 25.05.24

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Hoje lemos: Goscinny et Uderzo, "Astérix e os Normandos".

Passagem a L-Azular: "Não importa o que Júlio César disse... não ir e não ver é a melhor maneira de não ser conquistado!”

Afinal é bastante simples a explicação para a taxa de abstenção com que Portugal tem vindo a ser presenteado nos últimos anos: aplica-se o princípio da avestruz. Primeiro enterra a cabeça na areia e depois vêm as bicadas. Com aqueles olhos de pára-brisas desequilibrado, não é de espantar. 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.05.24

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João André: «O Porto de Antuérpia é enorme, fascinante e aborrecido ao mesmo tempo. Oferece contudo várias possibilidades ao fotógrafo amador. Esta linha de guindastes foi uma delas num dia muito cinzento.»

 

Patrícia Reis: «O  meu filho mais velho votou hoje pela primeira. Consciente do que fazia. Informado. A escola onde votámos estava vazia. A abstenção parece que vai vencer, mais uma vez, estas eleições. É muito triste. Depois pergunto-me: será que a minha avó sabe exactamente o que faz um deputado europeu? Que responsabilidades tem? Que diferença faz? Talvez não. Como ela, existirão muitos, digo eu. Culpa dos partidos e, mea culpa solidária com quem é da profissão, dos jornalistas.»

 

Eu: «Em noite de europeias, há comentadores residentes nas pantalhas que não fazem ideia quantos deputados tem o Parlamento Europeu. Alguns, estranhamente, até parecem fazer gala nisso. Espero que as televisões se lembrem deles na próxima vez em que decidirem fazer uma daquelas reportagens de rua com perguntas de algibeira destinadas a provar que o povo é ignorante...»

Reflexão do dia

Pedro Correia, 24.05.24

«Parece-me pacífico que proferir a frase [de André Ventura] não equivale a praticar acto violento nem ameaçar ninguém. Também não vejo qualquer base para afirmar que a frase incita à violência e ao ódio: não parece galvanizadora de milícias encapuçadas com bastões. Sobre o carácter difamatório ou injurioso, trata-se de uma definição cheia de zonas cinzentas, cujo abuso pode levar a sérias limitações à liberdade de expressão. Condenar criminalmente alguém por uma frase destas equivaleria a uma deriva de higienização do discurso incompatível com a versão da democracia liberal na qual me revejo e almejo viver.»

 

Susana Peralta, no Público