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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 31.05.24

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Livro dois: Kokoro, de Natsume Soseki

Edição Presença, 2023

302 páginas

 

É o mestre dos mestres da literatura nipónica. Influenciou os outros todos - incluindo dois galardoados com o Nobel, Yasunari Kawabata e Kenzaburo Oe, além do mais icónico, Yukio Mishima. Sem esquecer Haruki Murakami, que confessa sem rodeios: «É o meu escritor japonês preferido.»

Ele, Natsume Soseki (1867-1916). Traduzido em mais de 30 idiomas - incluindo o árabe, o esloveno e agora o português. Cronista de um Japão em viragem histórica, na era do imperador Meiji, que modernizou o país, removendo os últimos vestígios do sistema feudal. Foi quando o arquipélago do Sol Nascente se abriu ao mundo, emergindo como uma das potências económicas do planeta. Mas o novo cenário não removia antigos dilemas existenciais, nomeadamente o confronto entre o dever e o prazer.

Obra-prima de Soseki que muitos consideram o primeiro grande romance moderno do Japão, Kokoro (significa "Coração") é uma parábola sobre a condição humana, impregnada do fatalismo oriental - também sintoma da decadência nipónica, coincidente com a morte de Meiji em 1912, dois anos antes da primeira edição do livro. Disto nos fala a enigmática relação entre um estudante universitário de Tóquio, de que nunca saberemos o nome, e um homem já idoso, a quem chamam Mestre. «Condenado a duvidar dos homens», em contemplação de uma sociedade com «demasiada liberdade, demasiada independência, demasiado egoísmo.» Foi há mais de um século, mas podia ter sido agora. Foi no extremo oriental, mas podia ter sido aqui.

«Solitário e triste», assim se assume o Meste. Saberemos porquê no longo capítulo que encerra o romance, redigido em formato epistolar. Surpreendente e amargurada meditação sobre a amizade, o amor e a morte. 

Linguagem depurada, reduzida ao essencial, muito valorizada pela tradução portuguesa (a partir da edição francesa) de Helder Guégués, autor do blogue Linguagista. Romance enraizado na sua época, funciona como meditação de alcance universal. Resistindo ao teste do tempo, a mais implacável de todas as provas.

 

Sugestão 2 de 2016:

Nada, de Carmen Laforet (Cavalo de Ferro)

Sugestão 2 de 2017:

Singularidades, de A. M. Pires Cabral (Cotovia)

Sugestão 2 de 2018:

Deuses de Barro, de Agustina Bessa-Luís (Relógio d'Água)

Sugestão 2 de 2019:

A Língua Resgatada, de Elias Canetti (Cavalo de Ferro)

Sugestão 2 de 2020:

Três Retratos - Salazar, Cunhal, Soares, de António Barreto (Relógio d'Água)

Sugestão 2 de 2021:

Presos por um Fio, de Nuno Gonçalo Poças (Casa das Letras)

Sugestão 2 de 2022:

Primeira Memória, de Ana María Matute (Narrativa)

Sugestão 2 de 2023:

O Plantador de Malata, de Joseph Conrad (Sistema Solar)

Entrevista para as eleições europeias

jpt, 31.05.24

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Ontem, cerca do fim da tarde, recebo uma sorridente mensagem filial: "pai, ouve a partir do minuto 20...". Respondo com esta fotografia, num "verei mas agora estou num ocaso olivalense" - pois sempre em luta ideológica contra estes pacóvios escravos da gamela turística que grunhem "sunset". Estava eu num muito agradável convívio, alguns casais vizinhos agregando este exemplar pós-moderno de solteirão, todos em torno de um belo vinho do produtor, canapés gentis, boa conversa, tudo em varanda defronte ao esplêndido Tejo, longínquo mas sempre vivificador. Lesta vem a resposta dela, jocosa: "dizes-me isso já depois de ouvir?". "Não", pois apenas justificava a minha pouca celeridade na audição...

Ouvi à noite, e percebi o envio e a sorridente resposta. Trata-se da entrevista de Guilherme Geirinhas - de quem já ouvira falar mas nunca vira - a Sebastião Bugalho, o cabecilha AD para as "europeias". A piada era a de que ambos aludiam aos "mitras dos Olivais", esses sempre dizendo "eu sou dos Olivais", e nisso a minha filha logo me reconheceu... Não veio aquilo com ponta de maldade, Geirinhas aludia ao seu próprio pai, Bugalho ao seu antigo chefe, o jornalista Vítor Rainho (que julgo ser da Catió, aqui nas minhas traseiras, ou pelo menos ter por lá parado aquando chavalo). E sim, aceito(-me), a "malta" dos Olivais gostou de crescer aqui, e nisso ganhou uma identidade perene. Mas há algo que estes mediáticos de agora não percebem, por mera ignorância, a qual afixam entre as suas graçolas: não éramos nem somos "mitras", o enorme "bairro" era um caldeirão multiclassista, congregando uma parte do espectro do que eles agora alisam (devido à tal ignorância), como "classe média", gente da média burguesia, da pequena-burguesia, além do operariado e, também, núcleos homelécios então reinstalados. (E continuo na minha, um bom barómetro sociológico seria estudar o acontecido na interacção classista na conjugalidade olivalense, pois é aí que se deverão encontrar os limites ao tal caldeirão...).

E nisso surgimos a estes mais novos menos dados aos "condomínios fechados", mais dados à abrangência dos contactos. Assim "mitras"... E tudo isto se me solta depois ter ouvido a entrevista toda, por muito representar as  mundividências dos dois participantes. Trata-se de uma série financiada pela FFMS, e até posso perceber o objectivo: através de Geirinhas mobilizar o público mais jovem para a participação eleitoral. Virtude que não impede o meu esgar. Pois assisto àquilo e lembro-me da velha piada "- Estás com ela por amor ou por interesse? - Deve ser amor, pois interesse não lhe vejo nenhum." Neste caso a pergunta será "- És entrevistado por humor ou por interesse? - Só pode ser por interesse, que humor não lhe vejo nenhum". Entrevistador vácuo, para não dizer pior. E, já agora, um político não precisa de ser erudito, nem precisa de ser melómano. Mas quando se entrega a mediação entre políticos e público a um tipo que nem sabe o que é música de câmara estamos (a FFMS e todos os espectadores) a delegar essa articulação a gente que nem lê. Gente com "piadolas" mas mais nada... Este abandalhamento da política está na moda, os auto-retratos do PR são um sintoma, Costa a cozinhar na "Cristina" o sopé de tudo isso. E a actual obrigatoriedade de "ir ao RAP" (esse que me lembro a fazer entrevista "humanizadora" ao já então consabido mariola Sócrates) instalou-se, no predomínio do sorrisinho para o incauto eleitor... Mas para animador político o RAP ainda tem equipa. Este é pungente.

Tudo isso se reflecte na entrevista. Bugalho é sabido e expedito, um talento natural. E irá longe. Apesar dele próprio. Nota-se ali, com o pobre entrevistador agarrado a dois temas pretensamente humorísticos: a juventude do homem, ainda que este seja mais velho do que o Pitt Jr. quando este chegou a PM do maior império mundial, para arquétipo. Ou, na contemporaneidade, seja da idade de Durão Barroso quando chegou ao governo. Ou da mesma geração de Attal, actual PM francês. Ou mais próximo de Macron do que eu sou dos meus convivas de ontem... E Bugalho corre apenas para deputado europeu. Mas bem pior do que isso é a longa deriva sobre o estatuto social (o estrato social) do candidato, um "quem és tu?" apinocado. E é notório que Bugalho se deixa ir nesse exercício. Ambos reproduzindo, com ironia prazerosa, o edifício da estratificação social. Não são "betos" nem "queques", são burguesotes convictos. Incapazes de se afastarem - por mais retóricas avulsas que façam actuar - das reais loas bem-dispostas a um estratificação crescente. Pois esta lhes é afectiva, identitária.

Bugalho deixou ainda dois apontamentos. Um será até secundário, e não lhe é novo - já o ouvira propalar isso num debate no qual dissolveu uma pobre adepta do dr. Mamadu Ba: confunde racialismo com racismo. Mais uma vez ilustra o seu anti-racismo por o seu padrasto, negro, ter sido tomado por infantes como motorista. Ora meras expectativas plausíveis em determinado contexto não  implicam racismo: se este comendador Teixeira, sob vestes mal-amanhadas, em Schaerbeek é tomado como operário da construção civil por uma idosa flamenga ou um boémio bruxelense, isso não é racismo, nem me faz içar os (parcos) pergaminhos académicos. 

Mas o segundo apontamento, o que me arrepia, é que Bugalho gosta de toda a gente, é amigo de toda gente, qual avatar de Rogério Alves, aquele bastonário comentador que a todos trata por "meu querido amigo". Ouça-se a entrevista, Bugalho é "amigo" de todos. Excepto, está explícito de modo sublinhado, do "doutor Passos Coelho", do qual é apenas "admirador" - o que dirá muito, e bem, de Passos Coelho e não de todos os outros. Talvez Bugalho seja assim, um verdadeiro "gajo porreiro". Mas, caramba, soa a falso como o Judas, e senti-o em pleno dia do "Corpo de Deus".

Enfim, eu não voto em cabecilhas de listas, e muito menos o faria nas eleições europeias, no qual tal figura é, por si só, irrelevante. Voto em partidos que apresentam listas. Mas, ainda assim, não será após esta iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos que irei votar AD. 

Reflexões europeístas (7)

Pedro Correia, 31.05.24

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O que vemos por essa Europa fora?

A Ucrânia invadida poderá fragmentar-se sob fortíssima pressão bélica de Moscovo, à margem da Carta da Organização das Nações Unidas e de todo o direito internacional. A Escócia não tardará a exigir novo referendo independentista, pronta a cortar os elos políticos com Londres. Húngaros e eslovacos esgrimem tensos argumentos dos dois lados da fronteira. A minoria húngara na Roménia reclama direitos que, segundo garante, não lhe são reconhecidos. O mesmo se passa com a minoria russa na Letónia. O exército turco desfila em parada para lembrar o dia em que esmagou os invasores de Atenas, conquistando-lhes a Trácia. Chipre é uma ilha dividida há 50 anos entre gregos e turcos, armados até aos dentes. Bascos e catalães estão em permanente conflito larvar com Madrid. Na Finlândia e na Lituânia, as recordações dos massacres soviéticos ainda ferem muitas sensibilidades. A Bélgica ameaça implodir a todo o momento, fragmentada por conflitos étnicos e linguísticos. A Córsega persiste na luta contra o centralismo jacobino do Estado francês. A Transnítria, em pré-ruptura com a Moldávia, pode seguir os passos da Ossétia do Sul e da Abecásia em relação à Geórgia, privilegiando os laços políticos com Moscovo. Os Balcãs são um barril de pólvora temporariamente neutralizado. Na antiga Alemanha de Leste crescem os sentimentos xenófobos: os movimentos de extrema-direita atingem já mais de 20% das simpatias dos eleitores jovens em várias cidades.

 

A Europa é uma construção política demasiado frágil para podermos adormecer confiados em sonhos de paz perpétua. Não nos iludamos: este continente em que vivemos mantém feridas mal cicatrizadas, fronteiras mal definidas, conflitos de toda a natureza que poderão reavivar-se a qualquer pretexto.

Inflamar os nacionalismos é acender um rastilho de proporções impensáveis. Que pode desde logo virar-se contra os seus autores, materiais ou espirituais. É esse, aliás, o destino de todos os aprendizes de feiticeiro.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.05.24

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Eu: «Na semana em que o centro-direita sofre a maior derrota eleitoral de sempre, o PS celebra tal facto entrando em processo acelerado de desagregação interna.  Apesar de ter alcançado a segunda vitória nas urnas em oito meses. (...) Logo se levantou um exaltado coro de notáveis. Porque entenderam que a vitória era "curta". Entre esses notáveis, estão João Cravinho, que encabeçou a lista do PS derrotada (com apenas 28,5%) nas europeias de 1989. E Vital Moreira, o cabeça-de-lista derrotado de 2009, agora amargurado com a "frustrante vitória eleitoral" socialista. E José Sócrates, que liderava o PS humilhado há cinco anos nas europeias contra o PSD de Manuela Ferreira Leite (sem coligação com o CDS). Sem então ter sentido necessidade de "clarificação" da situação interna através de um congresso extraordinário, como hoje sustenta. O mais notável de todos é Mário Soares. Que recusou fazer campanha pelo PS, apareceu num cartaz de propaganda do Syriza (o Bloco de Esquerda grego) e surge agora a incentivar o BE, que "não deve desanimar". Depois de no Verão passado - a dois meses das autárquicas - ter ameaçado o líder socialista de enfrentar um processo de "cisão" no partido. Algo inimaginável no tempo em que ele próprio era secretário-geral e conduziu o partido a três derrotas consecutivas, nas legislativas de 1979, nas autárquicas de 1979 e nas legislativas de 1980

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 30.05.24

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Livro um: Canções Para o Incêndio, de Juan Gabriel Vásquez

Edição Alfaguara, 2023

231 páginas

 

O leitor português já conhecia Juan Gabriel Vásquez como talentoso romancista, digno herdeiro de Gabriel García Márquez, a quem presta homenagem implícita na sua mais célebre obra: O Barulho das Coisas ao Cair (2011) - excelente a começar no título, prosa que parece verso.

A mesma chancela editorial revela-nos outra faceta do escritor colombiano, desta vez como contista. Num volume surgido originalmente em 2018. São nove histórias que podem ser lidas como parcelas do mesmo coro polifónico, à semelhança do que fez James Joyce em Gente de Dublin, ponto cimeiro deste género literário.

No conto, como no romance, Vásquez alude à violência inscrita num quotidiano de aparente normalidade – e à culpa que que tantas vezes lhe está associada. Em lugares diversos, nas situações mais inesperadas, provocadas pela intolerância e pelo fanatismo. Compondo um perturbante retrato da Colômbia em diferentes fases do seu conturbado processo histórico.

Ele «conhece a arte do conto como a palma das suas mãos», na justa apreciação do Le Magazine Littéraire. Aqui com inesquecíveis retratos de gente à beira do abismo, consumida pelo desejo de vingança, convulsionada pelo remorso ou perdida nos labirintos da traição. O Dom Gilberto de “Mulher à Beira-Rio” - «um desses homens que falam sem olhar para ninguém e sem invocar o nome de ninguém». A Mercedes de “As Rãs” – mulher de um veterano de guerra perseguido por um segredo talvez inconfessável. A enigmática Aurelia de León, nascida sob o signo do infortúnio e desaparecida quase sem deixar rasto. O Antonio Wolf de “O Duplo”, pai que perdeu o filho e não se conforma pela inexistência de uma palavra capaz de defender esta espécie de orfandade.

Todas estas histórias funcionam como frestas em que vislumbramos o espectáculo da vida, nos seus fragmentos de luz e no seu cortejo de sombras. Com atenção minuciosa às minúcias do enredo e a cada subtileza da linguagem – aspectos que traçam a fronteira entre a escrita de ficção como mero produto de oficina e a literatura enquanto arte maior, inconfundível.

 

Sugestão 1 de 2016:

O Islão e o Ocidente, de Jaime Nogueira Pinto (D.Quixote)

Sugestão 1 de 2017:

A Máquina do Tempo, de H. G. Wells (Antígona)

Sugestão 1 de 2018:

Delito de Opinião, de vários autores (Bookbuilders)

Sugestão 1 de 2019:

O Fundo da Gaveta, de Vasco Pulido Valente (D. Quixote)

Sugestão de 2020:

As Sílabas de Amália, de Manuel Alegre (D. Quixote)

Sugestão de 2021:

No Devagar Depressa dos Tempos, de Marcello Duarte Mathias (D. Quixote)

Sugestão de 2022:

O Caminho Fica Longe, de Vergílio Ferreira (Quetzal)

Sugestão de 2023:

O Olhar Mais Azul, de Toni Morrison (Presença)

Reflexões europeístas (6)

Pedro Correia, 30.05.24

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Algumas forças políticas, em alegada defesa do estado social, consideram que o problema é a Europa. Como se a solução estivesse fora da Europa. Mas não está. Porque a verdade é esta: ou haverá estado social dentro da Europa ou não haverá estado social de todo.

Convém não abusarmos da falta de memória: o estado social português só se generalizou e consolidou após a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia. O modelo social europeu é, de resto, uma das grandes conquistas da segunda metade do século XX -- prenunciada na legislação sobre benefícios sociais decretada pelo chanceler alemão Otto von Bismarck ainda no século XIX, e na legislação do Governo da Frente Popular (1936-37) liderado por Léon Blum em França, que concedeu pela primeira vez subsídio de férias aos trabalhadores e reduziu a semana laboral para 40 horas.

Muitos dos que hoje falam desdenhosamente na Europa "dos mercados" esquecem o contributo desta mesma Europa para as conquistas civilizacionais no domínio social. Também neste domínio -- como no das conquistas científicas, da fruição cultural e na defesa das liberdades essenciais -- a Europa serve de exemplo ao mundo.

 

Portugal só tem hoje estado social porque abandonou as ilusões terceiromundistas do período revolucionário e tomou como referência a Europa. O nosso estado social beneficiou do financiamento europeu, por muito que os vendedores de ilusões pretendam agora convencer-nos do contrário.

De resto, quando hoje alguns se indignam contra eventuais "recuos" sociais em curso, prestam homenagem involuntária à década e meia de apogeu do estado social português, que não por acaso coincidiu com o período de maior prosperidade de que guardamos memória - um período que correspondeu aos mandatos dos primeiros-ministros Cavaco Silva e António Guterres, entre 1986 e 2001.

 

O problema é que o estado social não existe no vácuo. Se alguma lição a crise que conduziu à intervenção financeira externa em Portugal entre 2011 e 2014 nos ensinou foi esta: o ajustamento orçamental é condição indispensável para um Estado assumir livremente opções de carácter político. Há que manter relação equilibrada entre as receitas que somos capazes de gerar e o nosso montante de despesa pública.

Desde logo perante esta realidade inelutável: os pensionistas do sistema geral e da Caixa Geral de Aposentações representam 40% da nossa população e Portugal gastou em despesas sociais na última década 18,4% da riqueza que produziu (acima de países como a Alemanha, a Holanda, o Reino Unido, a Hungria, a Polónia, a Grécia, a Noruega e o Luxemburgo, em termos percentuais).

Num país ainda marcado por graves assimetrias sociais, como o nosso, as desigualdades agravam-se num cenário de colapso das contas públicas -- que fatalmente lesam mais os pobres do que os ricos. É inútil, portanto, separar a economia das finanças. A economia só adquire real autonomia num quadro de finanças sustentáveis, com um sistema bancário capitalizado. Não há "escolhas políticas" num país falido.

O que, podendo ser dramático, tem pelo menos o mérito de clarificar o rumo a seguir.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.05.24

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Patrícia Reis: «Egoísta ganhou o Grande Prémio de Design na edição anual dos Papies. Foi ontem de madrugada na Figueira da Foz. Os prémios que a revista tem recebido ao longo dos anos são todos o reconhecimento do nosso trabalho (isto só quer dizer que nenhum envolve dinheiro) e são uma bênção para nós que estamos no atelier 004. Obrigada por saberem que nos esfolamos a trabalhar para termos uma revista como esta, há 14 anos, propriedade da Estoril-Sol. Obrigada a todos os que colaboram connosco (e são muitos!) Ao fim deste tempo, não sei como faremos melhor, mas faremos:)»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Confesso que não atinjo, mas esta deve ser a parte menos relevante. Talvez os portugueses entendam.»

 

Eu: «Eu sou contra mas voto a favor.»

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 29.05.24

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Hoje lemos: Colleen McCullough, "Pássaros Feridos".

Passagem a L-Azular: “Há uma lenda sobre um pássaro que canta apenas uma vez na vida, mais docemente do que qualquer outra criatura na face da terra. A partir do momento em que sai do ninho, procura um espinheiro e não descansa até encontrá-lo. Então, cantando entre os ramos selvagens, empala-se na espinha mais longa e afiada. E, morrendo, eleva-se acima de sua própria agonia para superar a cotovia e o rouxinol. Uma música superlativa, a existência é o preço. Mas o mundo inteiro pára para ouvir, e Deus no Seu céu sorri. Pois o melhor só se adquire à custa de muita dor... Ou assim diz a lenda.”

A lenda do canto doce do auto-sacrifício. É provável que na natureza abscôndita e impenetrável, viva, ou viva apenas na memória de quem lá vive, algum ser vivo que dê a vida para fazer Deus sorrir. Duvido não de Deus mas que o próprio Deus tenha motivos para sorrir.

Reflexões europeístas (5)

Pedro Correia, 29.05.24

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Ignoro se haverá ainda algum debate extra entre os candidatos dos diversos partidos à eleição do próximo dia 9. Mas se houver deixo aqui dez sugestões de temas europeus que justificam discussão.

 

1. A Turquia deve entrar na União Europeia? Antes ou depois de solucionada a questão de Chipre? Quanto custará a adesão turca a cada contribuinte português?

 

2. A Ucrânia deve tornar-se membro da União Europeia na próxima década? Em que moldes? Até que ponto as regras actuais de apoio comunitário ao sector agrícola podem alterar-se com a entrada na UE da maior potência cerialífera do continente?

 

3. O Pacto de Estabilidade e Crescimento deve ser revogado? Este pacto potenciou os efeitos da crise nos países da União Europeia?

 

4. Deve ser aprovada uma nova Agenda de Lisboa, que privilegie as políticas sociais e a criação de emprego?

 

5. Que política de imigração deve adoptar a União Europeia? Faz sentido reequacionar os critérios que levaram à adopção do Espaço Schengen?

 

6. Deve ser renovada a Aliança Transatlântica, pilar das relações entre a UE e os Estados Unidos? Faz sentido acelerar a criação de um exército europeu em prejuízo da cooperação militar com Washington?

 

7. A UE deve continuar a reger-se pelo princípio da intergovernabilidade ou privilegiar o reforço dos poderes efectivos do Parlamento Europeu?

 

8. Se parcelas dos actuais Estados membros declararem a independência -- na sequência de um referendo, como já ocorreu na Escócia, ou de modo unilateral, cenário que persiste na Catalunha -- esses novos países receberão luz verde para se tornarem num curto prazo membros da UE? Que limites devem ser estabelecidos ao tradicional princípio da inviolabilidade das fronteiras?

 

9. António Costa pode vir a ser um bom presidente da Comissão Europeia? 

 

10. A União Europeia deve ampliar-se para lá do perímetro do continente europeu? E até onde?

 

Gostava de ver estes temas debatidos pelos cabeças-de-lista. Até para perceber se cada um deles tem um pensamento minimamente estruturado a propósito destas questões.

Em vários casos, apostaria que não. Mas admito estar enganado.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.05.24

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Sérgio de Almeida Correia: «Esteve  envolvido durante mais de meio século em todos os acontecimentos importantes de Macau, tornando-se, juntamente com Ho Yin, num dos líderes da comunidade chinesa. Em 1950 foi escolhido para presidente da Associação Comercial de Macau, em cuja sede, ainda antes do 25 de Abril de 1974, se vendiam abertamente e sem que a PIDE pudesse fazer alguma coisa os exemplares do Livro Vermelho do Presidente Mao. Na crise de 1952 integrou a delegação enviada pelo governador Almirante Marques Esparteiro para negociar com os representantes do Exército Popular de Libertação o restabelecimento do fornecimento de víveres à então colónia portuguesa.»

 

Eu: «Somos sebastianistas: pensamos sempre que um indivíduo faz a diferença. Mas neste caso não faz. O problema é mais grave e mais fundo: as duas principais famílias políticas europeias estão gravemente feridas, talvez de forma irremediável, enquanto os egoísmos nacionais regressam em força com a sua oratória guerreira.»

O comentário da semana

«Num certo sentido, a Suíça é a verdadeira Europa»

Pedro Correia, 28.05.24

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«A Suíça formou-se tardiamente, nas zonas mais ricas e mais requintadas de quatro países — e que sintetizou as melhores experiências de todos eles. E foi sempre tida como neutra, porque no meio das guerras é preciso um porto seguro, para onde pessoas e riquezas possam escapar.

Nesse sentido, a Suíça é a verdadeira Europa.

Se não estivessem agrilhoados pelo esquerdismo internacional, mais países (os que não são centrais no desenvolvimento tecnológico) poderiam ter-se aproximado desse estatuto de paraíso financeiro e de serviços e produtos de alta qualidade.

Portugal não, porque tem comunistas e brutamontes a mais para que qualquer coisa resulte — mas a Irlanda e o Benelux estão lá perto e a Islândia tentou-o até 2011. Esta gente ainda não percebeu que, para haver riqueza e os países serem dinâmicos, e haver menos corrupção, o lugar do dinheiro é na rua, não é em aforros nem nos cofres dos estados. Quando oiço Bugalho defender que "nós no PSD sempre defendemos maior transparência financeira e não somos favoráreis a off-shores" (hum... ele entrou lá ontem, 15 dias atrás afirmava que tinha escolhido o jornalismo e não a política... mas okay...), começo logo a ranger os dentes.

Um dos maiores problemas à sustentabilidade da Europa é a complexidade da sua construção. Começa a fazer falta uma revisão, uma reforma de toda aquela papelada infernal que cria o espaço para que só "especialistas" dominem na realidade os mecanismos políticos. Apesar de manter ainda os seus princípios de transparência e de segurança para com os seus cidadãos, a Europa à medida que se expande para Leste começa a ter velocidades diferentes a mais e a perder eficácia perante as possiblidades crescentes que a complexidade legislativa fornece aos corruptos. Um corrupto não é mais do que aquele que "simplifica" a vida a alguém.»

 

Do nosso leitor V. A propósito deste meu texto.

A purga

Pedro Correia, 28.05.24

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Pedro Marques

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M.ª Manuel Leitão Marques

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Pedro Silva Pereira

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Margarida Marques

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Isabel Santos

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Sara Cerdas

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Carlos Zorrinho

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Isabel Estrada Carvalhais

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João Albuquerque

Estes são os nove deputados do PS no Parlamento Europeu. Nenhum deles continuará por lá. Todos serão "repatriados" por decisão de Pedro Nuno Santos, que fez uma razia inapelável na lista do partido.

Nunca se tinha visto nada assim nas fileiras socialistas: chumbo a cem por cento. Na opinião do líder, não se aproveitou nem um. Dá que pensar.

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