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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.04.24

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Luís Menezes Leitão: «Estamos perante um Governo de fanáticos, cuja única obsessão são os aumentos estratosféricos de impostos, os quais proclamam para gloria in excelsis Deo. O IVA a 23,25% passará a ser o sexto mais elevado da UE, ultrapassando mesmo a Grécia, que alegam ser o único falhanço dos programas de ajustamento. Os cortes temporários de salários passam a ser de tal forma definitivos que só se admite que o nível salarial de 2010 regresse em 2020, se os programas de redução de funcionários correrem como esperado.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Registo que com a mesma seriedade disseram antes que não iam cortar salários nem subsídios; que ninguém mexeria nas pensões; que o OE de 2012 foi condicionado, mas que o de 2013 é que já era deles. Enfim, a execução orçamental seria uma maravilha, a economia estaria a crescer no final de 2012, sem cortes, e por aí fora. Pelo caminho percebi que Passos Coelho se estava a lixar para as eleições. Os portugueses até nisto acreditaram e estoicamente tudo suportaram. Tinham motivos para isso.»

Leituras

Paulo Sousa, 29.04.24

“Era a terra dos brandos costumes, a merda daquela terra e daquela gente de Lisboa, famílias que se conheciam, que tinham sempre um primo na oposição, outro na situação, um na esquerda, outro na direita. Era o Portugal d’Os Maias e d’A Capital, o Portugal queirosiano, dos «tipos muito meus amigos», dos Dâmasos e dos Acácios, daquela amálgama ou máfia que ficava sempre à superfície, mesmo no esgoto. O seu era mais o Portugal profundo, o Portugal rústico de carabina e navalha do Camilo.”

Jaime Nogueira Pinto, Os passageiros da sombra.

 

Ao contrário do que possa parecer, isto foi escrito antes da recente conversa de Marcelo Rebelo de Sousa com os jornalistas estrangeiros.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.04.24

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João Campos: «Desta vez, escolho para blogue da semana aqui no Delito o Intergalactic Robot. E não é (só) pela amizade ao Artur Coelho, companheiro de armas nas andanças da ficção científica e afins; é, sim, pelas excelentes sugestões de banda desenhada (contemporânea e não só), pelas críticas literárias sempre pertinentes, e por algumas das melhores reflexões sobre o género que podemos ler actualmente em português. Para nem referir as belíssimas fotografias, claro. Para os interessados e curiosos, fica a sugestão.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Os portugueses não só continuam a empobrecer e a pagar mais pelo que tinham, como vêem regredir diariamente a qualidade dos serviços que um Estado cada vez mais mínimo presta aos seus cidadãos, incluindo em coisas tão básicas como o cartão de cidadão.»

Leituras

Pedro Correia, 27.04.24

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«Não foi senão no começo de 1949 que as Nações Unidas conseguiram que o Egipto, o Líbano, a Jordânia e a Síria assinassem um armistício com Israel. Estes acordos, que consagravam o termo das hostilidades, não acabaram com o estado de guerra. Os estados árabes proclamaram, com persistência e determinação, a vontade de suprimir um país que se recusavam a aceitar e a reconhecer. No entanto, o conflito que os israelitas denominaram a Guerra da Independência terminou deste modo. A jovem nação tinha pago caro a sua sobrevivência. Cerca de seis mil israelitas tinham morrido durante os combates. Isto representava, proporcionalmente, mais perdas do que a França tinha sofrido durante a Segunda Guerra Mundial.»

Dominique Lapierre e Larry Collins, Oh Jerusalém (1971), p. 575

Ed. Bertrand, 1992 (4.ª ed). Tradução de José Luís Luna

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 27.04.24

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Hoje lemos: Yann Martel, "A Vida de Pi".

Passagem a L-Azular: “Devo dizer uma palavra sobre o medo. É o único verdadeiro adversário da vida. Somente o medo pode derrotar a vida. É um adversário inteligente e traiçoeiro, pelo que sei. Não tem decência, não respeita qualquer lei ou convenção, não demonstra piedade. Vai sorrateiro até ao teu ponto mais fraco, que consegue encontrar com uma facilidade enervante. Começa na tua mente, sempre... então deves lutar muito para expressá-lo a viva voz. Deves lutar muito para iluminar o medo com a luz das palavras. Porque se não o fizeres, se o teu medo se tornar numa escuridão sem palavras que tentas evitar, talvez até consigas esquecê-lo por algum tempo, mas ficas exposto a novos ataques de medo porque nunca lutaste verdadeiramente contra o oponente que te derrotou.”

Dizem que o Inferno não existe. No Antigo Testamento, a palavra traduzida como "inferno" é Sheol; no Novo Testamento é Hades (que significa "invisível") Sheol também é traduzido como "buraco" e "sepultura". 

Poderá depreender-se que a fonte de todos os medos é a morte? Ser sepultado e passar a ser invisível ao olhar de todos os que continuam a sua vida?

Desde tempos imemoriais que existe a crença na efemeridade dos dias que nos foram permitidos viver numa forma corpórea, preparando por pensamentos, palavras e obras a nossa ascensão à perpetuidade infinita da felicidade total. Podemos encontrar a essência da imortalidade da energia que flui na alma em todas a religiões, que cumprem os seus dogmas de um ou de outro modo, dependendo grandemente da sua interpretação doutrinal.

Então a pergunta que fica no ar é sobre a morte, a porta de transição para a total harmonia e a origem de todos os medos. Pessoalmente não acredito que haja quem não tema todo o processo que leva ao total e final oblívio.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.04.24

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Helena Sacadura Cabral: «A fé é algo que se não discute. Ou se tem ou não se tem. Mas para um crente não ter fé não o dispensa de lutar por ela. Sei do que falo, porque os meus Pais deixaram ao meu critério essa escolha. Por isso, apenas fui baptizada aos 19 anos e de forma muito consciente. A fé não foi, portanto, algo que tenha nascido comigo. É, sim, algo por que luto diariamente, que todos os dias me faz confrontar comigo própria, que guia os meus passos e que, julgo, me torna uma pessoa melhor.»

 

João André: «Esta foto foi tirada no Egipto, enquanto esperava para passar as comportas de Esna, no Nilo. No bote estavam uns vendedores de túnicas que avançavam para os barcos de turistas e atiravam as túnicas para apreciação e, de imediato, se afastavam, evitando que as túnicas lhes fossem enviadas de volta de imediato e acabassem compradas. Era um quase bailado engraçado que naquelas águas adquiria uma beleza intensa.Não resisti e fiz esta fotografia.»

 

Luís Menezes Leitão: «Enquanto na Ucrânia e na Coreia do Norte os sinais de guerra são cada vez mais ameaçadores, a resposta do Ocidente continua a ser ridícula. As agências de rating consideram a dívida da Rússia como lixo financeiro, julgando que em caso de guerra os investidores continuarão a comprar dívida como se nada se passasse e a seguir os prestimosos conselhos destas agências. O Governo interino da Ucrânia acusa a Rússia de querer a terceira guerra mundial. E Obama acusa a Rússia de não levantar um dedo para resolver a crise ucraniana. Quanto à Europa, amarrada pelo colete de forças do euro, não tem quaisquer condições de ter a mínima presença militar, assobiando agora para o lado do sarilho que causou na Ucrânia. Continuem com os cortes orçamentais, deixem os países europeus sem defesa, e vão ver aonde vamos parar.»

 

Eu: «Ainda existem intelectuais que honram o carácter primordial desta palavra e do seu ambicioso conceito, mas para nosso mal são cada vez menos. Acabamos de perder um deles: Vasco Graça Moura -- poeta, ensaísta, novelista, cronista, tradutor de Dante, Petrarca, Racine, Molière, Shakespeare, Rilke e Lorca, com mais de meio século de vida literária -- morreu hoje, aos 72 anos. Tinha sido alvo de uma tardia homenagem do Estado -- sempre muito lesto a colectar impostos e demasiado lento a reconhecer o mérito dos cidadãos -- há menos de três meses. Homenagem que se arriscou a ser post mortem: naquela altura já se encontrava muito doente.»

Leituras

Pedro Correia, 26.04.24

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«A república tentou domesticar o movimento operário no quadro da democracia burguesa e travestiu-se na Carbonária para dar "caça ao sindicalista", tendo criado um ambiente de fortíssima repressão junto das camadas onde criara as maiores expectativas. O regime acabou por envelhecer rapidamente, defraudando irreversivelmente as expectativas dos sindicatos.»

Adelino Cunha, Para Que Serve o PCP?, p. 46

Ed. Desassossego, 2023

Um banco com vista: Marsaxlokk

Ana CB, 26.04.24

Está um belo dia de sol e o ambiente é modorrento. O Mediterrâneo exibe os seus matizes mais leves, quase leitosos, tão tranquilo que nem incomoda os inúmeros barcos ancorados no porto. As cores garridas que pintam a madeira das embarcações contrastam com a paisagem semidesértica que assoma do outro lado da baía, e com os edifícios em tons desmaiados que rodeiam a marginal. É hora de almoço. São poucos os turistas que vagueiam entre as bancas de artesanato e souvenirs, e ainda menos os habitantes locais, certamente recolhidos no fresco das suas habitações. Fosse domingo e a animação seria outra; mas é apenas mais um vulgar dia de semana, e Marsaxlokk está posta em sossego.

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A tradição da pesca

Marsaxlokk está situada numa grande baía, irregular e abrigada, no extremo sudeste da ilha de Malta, a cerca de 10 km de Valletta. O nome deriva da sua localização: “marsa” é uma palavra árabe para ancoradouro, e “xlokk” significa sudeste em maltês. Como porto natural, faz parte da cultura marítima mediterrânica desde a Antiguidade: foi usado por fenícios, romanos, árabes e até mesmo otomanos, quando cercaram Malta em 1565.

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Actualmente é o maior porto de pesca das ilhas maltesas, e uma das poucas aldeias piscatórias que sobrevivem no arquipélago. Grande parte do peixe vendido em Malta é capturado por pescadores que aqui ancoram os seus barcos. Durante a semana, o peixe capturado destina-se ao mercado de Marsa, mais perto da capital, onde os retalhistas e proprietários de restaurantes se abastecem. Só ao domingo é que os pescadores locais vendem o seu peixe fresco directamente aos consumidores, no mercado ao ar livre, razão pela qual este é o dia mais movimentado na localidade – sobretudo porque muitos malteses (e turistas) aproveitam a oportunidade para almoçar num dos variados restaurantes que há à volta do porto.

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Um festival de cor

Em Marsaxlokk reinam as cores primárias, e sinto-me como que imersa num espectáculo de videomapping. Desde as riscas do banco onde estou sentada às faixas multicoloridas dos barcos, o mundo à minha volta veste-se de amarelo-canário, azulão, vermelho Ferrari e verde-esmeralda.

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Na amálgama de embarcações paradas na água há de tudo um pouco. Há barcos a remos, alguns ainda de madeira pintada, com os bordos exteriores protegidos por grossos cabos entrançados. Há semi-rígidos e pequenos barcos de pesca desportiva, insípidos nas suas cores neutras. Há traineiras apetrechadas com uma parafernália de fatos cor de laranja, guinchos, projectores e radares. Mais ao longe, impõe-se a massa tricolor do Armada LNG Mediterrana, um navio-tanque de produção e armazenamento de gás natural liquefeito que está desde há alguns anos atracado junto à central eléctrica de Delimara.

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E há os luzzijiet (plural de luzzu; pronúncia maltesa: [lutt͡su]), que são também um dos motivos pelos quais Marsaxlokk é tão colorida e apelativa para os visitantes turistas. Descendentes dos ferilli, os barcos de pesca típicos de Malta entre o século XVII e o final do século XIX, os luzzijiet são feitos de madeira e têm um casco duplo, pontiagudo e arqueado para cima em ambas as extremidades. Estão pintados com riscas de cores garridas e ostentam, em ambos os lados da proa, o amuleto egípcio de protecção mais difundido em todo o mundo: o olho de Hórus. As velas tradicionais foram substituídas por motores, alguns já estão dotados de uma cabina, outros têm apenas uma lona, em jeito de tenda, para abrigar os utensílios usados na faina, e outros ainda estão cobertos com um toldo rectangular. Tal como é habitual em tantas comunidades pesqueiras, as cores de cada luzzu não são escolhidas aleatoriamente; obedecem a um código que indica o local de onde a embarcação provém, o núcleo familiar a que pertence (os luzzijiet são passados de pai para filho), e até mesmo se houve alguma morte recente nessa família.

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Do mar até à mesa

Sobre as lajes aquecidas pelo sol espraiam-se as redes que os pescadores estenderam para secar. Mais à frente, afundado no chão, um tanque pelo qual parecem já ter passado muitos anos foi convertido em base de obra artística: um memorial aos homens do mar. Imobilizados em bronze, duas crianças e um gato assistem à chegada de um pescador carregado com cestas cheias de peixe.

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O acolhimento depois da faina será certamente diferente hoje em dia. Ainda assim, a vida em Marsaxlokk continua a apoiar-se no mar e na pesca. Aproxima-se das duas dezenas o número de restaurantes que se perfilam à volta do porto, e todos eles oferecem pratos de peixe. Claro que também há concessões ao gosto (e à bolsa) de quem não aprecia aquilo que o mar nos dá e se inclina mais para os omnipresentes hambúrgueres e as suas obrigatórias acompanhantes. Mas a oferta de peixe e frutos do mar domina as ementas: cozinhados das mais diversas maneiras ou crus (fatiados em carpaccio e divinamente temperados), envolvidos em massa ou arroz, ou na aljotta, a sopa de peixe maltesa tradicional, em saladas ou como petisco de entrada. Só as sobremesas se mantêm alheias ao alimento que vem do mar – pelo menos até que algum chef mais atrevido se lembre de inventar um doce à base de peixe.

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Depois do almoço – num pontão sobre a água, as mesas resguardadas do sol por enormes sombrinhas verde-mar – impõe-se uma volta pelas ruas interiores, onde as casas antigas de pedra ocre convivem com prédios baixos de linhas mais modernaças, em que o mármore, ferro forjado ou madeira das varandas foi substituído por cimento pintado. A aridez cromática é cortada aqui e ali por um mural, uma porta multicolorida, uma floreira ornamentada, uma varanda de madeira azul-pavão.

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Uma história de fé

Acima do casario pairam as torres da igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, construída em finais do século XIX. Estranha-se a padroeira, mas tem uma justificação, e uma história. Em 1885, a Marquesa Rosalia Apap Viani Testaferrata viajava por mar ao longo da costa ocidental de Itália quando se levantou uma tempestade. Devota da Nossa Senhora de quem tinha o nome, a Marquesa invocou-a em oração, suplicando a sua ajuda. Coincidência ou não, a tempestade amainou durante algum tempo, suficiente para que o navio conseguisse chegar ao porto de Bastia, na Córsega, e os seus ocupantes desembarcassem sãos e salvos, antes de a tempestade desabar de novo. Como agradecimento pela sua salvação milagrosa, a Marquesa propôs custear metade do valor da construção da igreja de Marsaxlokk, desde que a dedicassem a Nossa Senhora do Rosário de Pompeia. Desde 1963, esta igreja é o destino de uma peregrinação nacional que se realiza anualmente a 8 de Maio, liderada pelo Arcebispo de Malta. Em 2017 foi elevada de igreja paroquial a Santuário Mariano. É um dos testemunhos da fé dos malteses, que se replica nos inúmeros e grandiosos templos religiosos que encontramos por todo o lado nas ilhas de Malta e Gozo.

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Deixo Marsaxlokk como a encontrei: soalheira, plácida e colorida, guardiã tranquila de histórias e hábitos antigos que convivem sem sobressaltos com as exigências dos tempos modernos. Na esperança de que assim se consigam manter.

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