O legado (22)
SIC, 6 de Novembro
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SIC, 6 de Novembro
O título do postal foi o comentário que a minha filha fez, quando assistiu à notícia.
Não sei se mais alguém pensa como eu. Mas achei louvável a intervenção do candidato do MRPP no debate organizado pela RTP com os representes dos pequenos partidos. Não pelas ideias, claro: são mais antigas do que o animatógrafo, a grafonola, o hidroavião e o zepelim. Mas pela sinceridade: vê-lo defender abertamente «uma sociedade comunista» revela-nos, por contraste, até que ponto o PCP se tornou reformista, longe de qualquer ideal revolucionário.
Há quanto tempo não ouvimos um secretário-geral deste partido advogar os dogmas do marxismo-leninismo? É possível um verdadeiro comunista votar seis orçamentos do Estado em estrita obediência às normas do pacto de estabilidade e aplaudir a maior contracção do investimento público registada na democracia portuguesa, como aconteceu durante a geringonça?
Há muito que o PCP deixou de amedrontar as "classes dominantes": tornou-se um partido fofo, respeitador da moral burguesa e dos bons costumes. Isto explica-se, em parte, por já não ser acossado pela defunta "esquerda radical" que se acoitava sob a bandeira do BE: Catarina Martins deu uma guinada ao Bloco, tornando-o num movimento "eco-socialista", quase pós-ideológico, new age. Chegou até a intitulá-lo «social-democrata». Por muito que isso incomode os professores Francisco Louçã e Fernando Rosas, a "renegociação da dívida" e a saída de Portugal do sistema monetário europeu deixaram de figurar entre as proclamações bloquistas, hoje mais embaladas por jazz de hotel do que pelos estridentes acordes d' A Internacional.
Música para os ouvidos do PS, que nestes oito anos reduziu os partidos à sua esquerda a caricaturas de si próprios. Enquanto seduzia a classe média com duas percepções dominantes: contas certas e ordem nas ruas.
Esquerda radical neutralizada: eis o grande contributo de António Costa para sedimentar o regime instaurado com a Constituição de 1976, alterando-lhe o eixo dominante ao leme de um partido socialista que há muito deixou de o ser.
Os antigos pregoeiros da revolução andam hoje mais preocupados com a extinção das focas do que com a extinção da classe operária. Quem ainda sonhar com a insurreição comunista pode sempre votar no MRPP.
Somos um colectivo aberto, horizontal e anti-capitalista, dizem eles. A parte do horizontal não se compreende bem porque a Climáximo tem ligações e participa em eventos internacionais, o seu site é excelentemente elaborado, fazendo inveja ao de não poucas empresas e organismos, e vem num crescendo de actividades que implicam coordenação. O que tudo só é possível com financiamento, que não vem certamente dos bolsos dos moços exaltados e das moças com frequência bem compostas que constituem o exército de peões para agit-prop.
Hoje, um “activista climático”, que não se sabe (nem, no caso, interessa muito, é tudo farinha do mesmo saco) se pertence àquele notório grupo terrorista, resolveu atirar uma lata de tinta apropriadamente verde a Luís Montenegro, o qual reagiu fleumaticamente e ficou no estado que se vê na fotografia.
São netos da juventude festiva do Maio de 68. E descontada a falta de ineditismo e originalidade, bem como da solidariedade da classe operária, e perdido o encanto da liberdade sexual, que por adquirida já não serve de bandeira, o processo tem a mesma componente de chantagem exercida sobre os pais que estão em casa: somos jovens, generosos e chanfrados, lemos umas coisas e sabemos mais do que vocês. Portanto, contamos com a vossa tolerância para partir umas montras, bloquear o trânsito e causar todo o tipo de outros estragos, agredir uns quantos bonzos do situacionismo, nomeadamente dirigentes políticos, pendurar os ricos no pelouro da execração pública e explicar às massas que a sociedade ideal está ao alcance delas, desde que sigam os ensinamentos dos gurus do mundo novo.
É tudo igual, portanto? Não, dantes os inimigos eram os costumes conservadores, o ensino assente na rigidez tradicional do mérito académico e, logo a seguir, quando a esquerda viu o furo, os proprietários dos meios de produção e de difusão da informação, bem como o poder político burguês que permitia a reprodução de uma sociedade, achava aquela juventude exuberante, fundamentalmente injusta. Acabada a festa, e com umas eleições que mostraram que os azougados manifestantes não tinham convencido ninguém, estes regressaram às suas carreiras académicas e, concluídas estas, inseriram-se na sociedade burguesa – quase sempre do lado esquerdo.
Dantes. Santos tempos em que havia as guerras do Vietname e a Fria de pano de fundo e em que a esquerda se dividia entre a comunista e a socialista, que não era marxista mas queria um extenso sector público e a centralidade do Estado na regulação da vida, sobretudo económica, das pessoas.
Aquela esquerda não marxista detém o Poder em quase todo o lado, ainda que em recuo, com frequência travestida de centro ou até de direita, o conservadorismo nos costumes ausentou-se para parte incerta e as guerras contemporâneas até há pouco não tinham o risco, como tinha a do Vietname, de a juventude de um país rico ir lá parar com os juvenis costados. Excepto no caso dos Judeus, que todavia não podem beneficiar do estatuto de santidade que tinham os admiradores de Joan Baez.
A esquerda moderna, isto é, a que continua a ser radical mas constata melancolicamente que o marxismo tradicional faliu, precisa de causas – sem elas não há superioridade moral. São inúmeras e encontram-se em toda a relação em que se possa classificar as pessoas entre opressores e oprimidos (os antigos exploradores e explorados). A das alterações climáticas vem a calhar, e pode ainda reclamar-se da “ciência”, no caso a consensual subsidiada para realizar estudos, num processo infernal em que a comunicação social amplifica os perigos e simplifica as análises, a boiada da opinião pública estoura, os eleitos tomam “medidas” para a sossegar e personalidades de relevo cavalgam a onda, no processo adquirindo a autoridade moral e intelectual que nada, nos seus percursos, permitia augurar – caso de Guterres.
A verdade é que não há tempestades como antigamente, dizia-se dantes, e agora diz-se ai credo que nunca houve tantas tempestades, e tufões, e ciclones, e inundações, e incêndios. Porém, não se podem ter impressões sobre o clima, o que se pode é ter impressões sobre o tempo, e mesmo isso com grande grau de irrelevância porque a memória nos trai e além do mais o tempo de uma vida humana, ou quatro ou cinco, compreende grande variabilidade significando nada. Sobre o clima o que se pode é medir temperaturas ao longo do tempo em vários sítios, e para épocas mais recuadas inferi-las através de métodos indirectos. E aqui temos a burra nas couves porque as medições foram sendo afinadas (donde quando se repescam notícias antigas de vagas de calor se diz que as medições não eram rigorosas, como se os instrumentos estivessem sempre mal calibrados no sentido de indicar temperaturas superiores às reais). É indesmentível que em vários momentos históricos, quando ainda não havia consumo de combustíveis fósseis, as temperaturas foram mais altas e mais baixas do que actualmente.
E é por tudo isto ser tão titubeante e discutível, e permitir ao mesmo tempo reforço dos poderes de governos e burocracias, a par do sonho de sociedades alternativas imaginárias, que se transformou numa luta campal direita/esquerda. A primeira é céptica e conservadora, não quer sem certezas absolutas mudar a vida das pessoas para pior, esmagando-as com impostos, aumentos de custos sortidos, restrições de todo o tipo e voluntarismos políticos a esmo; a segunda é dirigista e estatista, e imagina-se superior por o seu coração bater por religiões laicas e bandeiras que possa fazer ondear, que embrulham no que “diz a ciência”. Que não diz nada porque não fala, quem fala são os cientistas. E estes não estão de acordo quanto à gravidade das alterações, quanto às consequências e quanto aos prazos. A impressão que a comunicação social veicula não é esta porque o acolhimento reservado a quem não vê catástrofes para depois de amanhã é frio – não se fazem notícias com base em não-problemas. E, finalmente, cada época tem os seus fantasmas. Para os Gauleses era que o céu lhes caísse em cima da cabeça. Para o eng.º Guterres, e a miúda Greta, que recebeu como se fosse uma miraculada, é que morramos todos assados nuns sítios, e afogados noutros.
E então, quanto a este pequeno patife, igual à restante canalhada da Climáximo, que anda por aí com desmandos que são tratados como se a idade e o fanatismo acéfalo os isentasse do cumprimento das leis que penalizam as agressões e o vandalismo? Daria vontade de lhes dizer que vão tratar da acne, uma doença dermatológica que não é conhecida por conferir particular lucidez. Mas seria pouco e já é mais do que tempo de haver, dentro dos limites legais, consequências sérias. Porque a tolerância guarda-se para as opiniões, não para os crimes à sombra delas, senão estes tendem a ir num crescendo.
O movimento ambientalista tem, na maior parte dos casos, de amor à Natureza, sobretudo o gosto por melancias. Que, como se sabe, são verdes apenas por fora. Mas com desmiolados a prometer terrores se não lhes seguirmos os conselhos podemos bem; com criminosos, mesmo que para já de meia-tigela, não.
Midnight and You, Solomon Burke
(Álbum: I Have a Dream, 1974)
SIC, 23 de Dezembro
Hoje lemos: Toni Morrison, "Beloved".
Passagem a L-Azular: “Eu estava a falar sobre o tempo. É tão difícil para mim acreditar. Algumas coisas vão. Passam. Outras simplesmente ficam. Eu costumava pensar que era a minha memória. Sabe como é. Algumas coisas esqueces. Outras coisas nunca fazes. Mas isso não. Os lugares, os lugares ainda estão aqui. Se uma casa arder, está feito, mas o lugar – a imagem dele – permanece e não apenas na minha memória, mas lá fora, no mundo. O que me lembro é de uma imagem flutuando fora da minha cabeça. Quero dizer, mesmo que eu não pense nisso, mesmo que eu morra, a imagem do que fiz ou do que sei ou do que vi ainda está lá fora. No mesmo lugar onde aconteceu."
Dizem que nunca devemos revisitar os lugares onde já fomos felizes. Não creio que seja verdade. Devemos revisitar sim, mas devemos ir preparados para a mudança, porque afinal "a vida é composta de mudança", porque afinal tudo muda. As memórias dos lugares são únicas e são nossas. É tão aprazível poder compartilhá-las, poder compará-las com o que foi, ali, naquele local, naquele dia, àquela hora. O tempo que passou foi uma mais-valia. Deixou mais conhecimento, mais serenidade, mais confiança e um profundo sentimento de pertença e gratidão pelas fabulosas memórias que flutuam na nossa cabeça.
(Imagem Google)
Nada mais conveniente, para os partidos com fraquíssima representação parlamentar, do que integrar manifestações alheias para aparecerem na fotografia, fingindo que os poucos afinal são muitos. Consultar a agenda diária de manifestações e colar-se a elas: eis uma forma fácil e expedita de fazer política.
Nestes dias iniciais de campanha eleitoral das legislativas de 2024 o campeão desta chico-espertice tem sido Rui Tavares. No sábado conseguiu aparecer um par de vezes nos telediários integrando-se em duas concentrações populares em Lisboa: uma no Rossio, de repúdio pelos dois anos de agressão da Rússia à Ucrânia; outra na marcha contra o racismo e a xenofobia, na Alameda D. Afonso Henriques.
Exibiu-se em qualquer dos eventos, transmitindo assim a mensagem subliminar de que toda aquela gente apoia o Livre.
A mesma táctica tem vindo a ser seguida por dois outros partidos muito carentes de votos: o PCP e o Bloco de Esquerda.
Aproveitando um protesto dos trabalhadores da empresa multinacional Teleperfomance, também em Lisboa, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua surgiram na primeira fila. Com a certeza de que picariam o ponto nos noticiários da noite.
O secretário-geral do PCP lá se ajeitou com o megafone para debitar banalidades, proclamando-se «solidário» com os trabalhadores. A porta-voz do Bloco nem necessitou de megafone, sem ficar atrás do comunista ali na caça ao voto.
A diligente repórter da RTP deu uma ajudinha. Dizendo isto: «Porque é ao lado dos trabalhadores que o Bloco quer estar.» Enquanto mostrava a bloquista enxugando uma furtiva lágrima de comoção. E culminou a peça desta forma: «Atenta às questões dos trabalhadores, Mariana Mortágua promete que as condições dignas de trabalho vão estar num entendimento à esquerda pós-eleições.»
Linguagem carregada de tintas épicas: pedia sonorização a condizer. Pena não se terem escutado os acordes d' A Internacional. Até a mim daria vontade de chorar.
Francisca Prieto: «Mãe no mimo "ó Rodrigo, tu és tão giro. Quem me dera ser uma miúda de 2003. Olha que não me escapavas". E ele todo derretido "ó mãe eu é que gostava de ser, eu é que gostava de ser de... de... mil novecentos e tal". E é assim que uma pessoa se fica a sentir do século passado.»
José Navarro de Andrade: «Conheci um jornalista português que foi à cerimónia dos Óscares. E o que aconteceu foi terem arrebanhado a malta de jornalistas, e depois de lhes oferecerem o biscoito de uns minutos passados na orla da passadeira vermelha – na qual os repórteres são parte fundamental do cenário e da festa, acrescentando-lhe excitação, barulho e flashes – conduziram-nos pressurosamente para uma sala nas catacumbas do Kodak Theater (hoje rebaptizado com o naming de Dolby Theater) onde puderam ver o show… pela televisão. Na verdade o meu amigo esteve lá, pode dizer que respirou o ar eléctrico de Hollywood, mas viu exactamente o mesmo que eu vi, sentado num sofá a 8 fusos horários de distância.»
Eu: «O PCP, em sintonia com a Rússia de Putin, condena firmemente aquilo a que chama "autêntico golpe de Estado" na Ucrânia. Mas houve um tempo em que os comunistas portugueses apoiavam golpes de Estado. O de 19 de Agosto de 1991, por exemplo -- tentativa desesperada da velha guarda soviética de travar o passo às reformas de Mikhail Gorbatchov, resistindo a todo o preço ao desmoronamento da ditadura. Três dias depois, a golpada malogrou-se. E a obsoleta União Soviética recebeu aí o seu dobre a finados.»
Rikki Don't Lose That Number, Steely Dan
(Álbum: Pretzel Logic, 1974)
SIC, 5 de Janeiro
Em 23 de Novembro de 2021, no âmbito da relevante Liga dos Campeões de futebol, o crónico campeão alemão e sempre poderoso Bayern de Munique visitou o Dinamo de Kiev, este pálido legado do glorioso clube da era do grande treinador Valeriy Lobanovskyi e sua estrela magna Oleg Blokhin. Logo nesse dia os cultos e perspicazes jornalistas portugueses nos explicaram a realidade. E nisso nos auguraram o vencedor da Taça, para gáudio dos praticantes do Placard. Entretanto os imbecis incultos - caricaturas de pensantes - torciam pelo Sporting. Ou pelo Porto, ou Benfica...
A campanha eleitoral já está "na estrada", como se diz em jargão jornalístico - que abrange expressões papagueadas até à náusea, como "bala de prata" ou "elefante na sala". Logo transitam de liberdade poética para insuportável lugar-comum.
Fixo-me na caravana socialista. Teve como estrela principal, na primeira noite, o presidente da Câmara de Sintra. Como orador em Viseu. O que fará este autarca tão longe do seu habitual raio de acção? Terá ido explicar aos viseenses por que motivo o novo hospital de Sintra, por ele prometido nas eleições de 2016, ainda não foi inaugurado oito anos depois?
Nada disso. Basílio Horta subiu ao palco para arengar contra "a direita". Nem de outra forma poderia ser astro convidado na campanha do PS.
Fez «críticas a Montenegro» e garantiu que o «PSD está refém do Chega», como rezam os oráculos dos canais televisivos.
Vejo isto com ironia, não consigo evitar. Porque a minha memória de campanhas eleitorais é já longa. Este mesmo Basílio Horta, vindo dos "promissores quadros" do caetanismo, integrou a Comissão Central da União Nacional em 1969, iniciando-se na democracia como secretário-geral do CDS. E enfrentou nas presidenciais de 1991, com votos da ultra-direita, o fundador do PS. Esse mesmo, Mário Soares, que ele desancou num célebre debate televisivo a propósito de Macau.
As voltas que a vida dá para quem tem estômago de betão. Capaz de digerir seja o que for.
Gui Abreu de Lima: «Todo o Outubro, todo o Novembro e o Dezembro até ao último cacho, ao derradeiro bago, murcho. Não lhes sei o nome, vinha cada um de sua vez, numa acrobacia sem rede, sem poiso, e zás, está no bico, e na corda da roupa chega ao papo. Não lhes sei o nome, nunca os vira aqui, só comem uvas de vinha virgem, parecem piscos de peito claro. Agora, moem-me as saudades. Também sou de hábitos. E Aquilino, tê-los-á visto? Espero que sim, que agora moem-me as saudades.»
Sérgio de Almeida Correia: «Este artigo do circunspecto The Guardian pode não contribuir para a regeneração da terceira via ou da imagem de Tony Blair. Mas pelo menos deixa-nos a pensar sobre o perfil dos governantes que queremos. O que vale para os britânicos também vale para nós, portugueses.»
Teresa Ribeiro: «"Ignorar é a forma mais elegante de maldade" - postou ela no Facebook.»
Se Você Quiser Me Dar Amor, Carlos Lyra e Kathy Lyra
(Álbum: Carlos Lyra, 1974)
Começa a ser demasiado evidente que a guerra da Ucrânia está perdida, mas os comentadores, com raras excepções, continuam a iludir a realidade. Na frente de combate, o lado ucraniano parece à beira do colapso, não há munições e as baixas acumulam-se. O país ficou arruinado e a estratégia de não se permitir o fim do massacre revela a mais pura hipocrisia.
A ideia da América era reduzir as capacidades militares russas sem perder soldados americanos, mas assistimos à destruição progressiva da Ucrânia, que fornece a carne para canhão. O Ocidente queria gerir o fim do império russo, mas apenas reanimou o adversário. Dizem agora que os russos invadem a Europa se a Ucrânia perder, mas oculta-se que o lado europeu da NATO gasta seis vezes mais dinheiro em defesa do que a Rússia. Se nem nos conseguimos defender com tal abundância, a verba serviu para quê? Portugal é um dos entusiastas na defesa da Ucrânia, diz que vai até ao fim, mas não consegue pagar o seu próprio compromisso na NATO de 2% do PIB em defesa.
Esta guerra de dois anos matou talvez meio milhão de pessoas e provocou na Europa brutais aumentos no custo da energia e dos alimentos. A sabotagem dos gasodutos NordStream foi ignorada e o gás natural americano é comprado ao triplo do preço do gás russo. Os nossos dirigentes diziam que a Rússia ia colapsar sob o peso das sanções, mas as sanções saíram do bolso dos europeus. Bruxelas também permitiu a entrada livre de produtos agrícolas ucranianos mais baratos, que não cumpriam as regras da política agrícola comum, e os agricultores europeus entraram em revolta. Não deixa de ser curioso que a metade mais fértil das terras agrícolas ucranianas fosse comprada antes da guerra por multinacionais americanas (também sauditas e europeias) que querem escoar os seus produtos.
Jornal de Notícias, 10 de Fevereiro
Para tentar preparar um texto sobre bloguismo estive há poucos dias a vasculhar as já muito antigas ligações com blogs. É consabida a redução da escrita e da leitura em blogs. Como também o encerramento de muitos. Isto para além do desaparecimento de vários, o que é lamentável - e faz-me sempre pensar, desde o início da "onda blogal", sobre o arquivo geral disto tudo, a "Torre do Tombo" do bloguismo, que seria preciosa para se perceberem dinâmicas comunicacionais deste primeiro quartel de XXI.
Mas outra coisa percebi - para além de mais ou menos recentes blogs (e na SAPO continuam a brotar) há vários veteranos que seguem, uns mais espaçadamente, outros tendo criado ou novos blogs ou tendo migrado para outras plataformas blogais, por vezes mantendo os velhos nomes, outras renomeando. Deu tudo isto para remodelar a minha conta no Feedly, indexando os blogs a acompanhar, às vezes após um sorridente "olha, este ainda cá anda...". De facto, um incremento das (entre)leituras não é apenas impedido pela atenção nas "redes sociais" - essas também em notória regressão de utilização quotidiana. Mas muito mais pela redução das interacções entre blogs, convocando as atenções. Ou seja, no fundo o que falta é o sistema Technorati, que nos avisava de quem nos "ligava", verdadeiro motor da interacção.
Mas para além de tudo isso há um manancial de blogs cujos autores, saudavelmente, não os apagaram (ou esconderam). Deixando materiais interessantes. Como há pouco descobriu o Grande Miguel Esteves Cardoso, em pesquisas sobre doçaria. E deu de caras com o "É uma iguaria portuguesa, com certeza", um blog da minha amiga e colega Alice Patrício, que há anos o descontinuara. E logo deu disso sinal, em tons encomiásticos, na sua coluna no "Público" (3.2.2024).
E com o belo efeito de ter causado o regresso da Alice ao bloguismo, logo num apetitoso postal "Pastéis de Santo António". E por tudo isto, e não só, escolho o (regressado) É uma iguaria portuguesa, com certeza como blog da semana.
O nosso companheiro José Pimentel Teixeira já aqui trouxe o assunto da ausência da Defesa nestas eleições. Segundo o Expresso desta semana, a SEDES apresentou os resultados de uma sondagem sobre diversos aspectos da nossa sociedade, dos quais saliento um valor que merece ser destacado. Quase metade dos inquiridos (47%) concorda com o aumento dos investimentos em defesa, mesmo que isso implique cortar noutras áreas da governação e só 27% discordam desse aumento. A mesma maioria de 47% concorda com o regresso do serviço militar obrigatório (SMO).
Ao fundo ouvem-se os tambores da guerra e o peso da defesa no nosso orçamento aparenta uma despreocupação que afinal não existe.
Eu, que não fui inquirido, concordo que é necessário canalizar mais recursos para as nossas forças armadas. Ouvi num debate, alguém que defendia o contrário, argumentando que o peso dos salários era esmagador no total do Ministério da Defesa. A resposta, de uma alta patente, foi clarificadora. Quanto menos se investir em equipamento, maior será o peso dos salários.
Além do investimento urgente em equipamento em todos os ramos da Forças Armadas, o regresso do SMO seria também uma forma de aproximar os portugueses aos assuntos da defesa e segurança. Esta nova versão do SMO, deveria ainda incluir uma vertente não militar e refiro-me a Protecção Civil e Serviços Sociais.
O “reembolso” dos jovens ao país que os formou e ajudou a educar, no final da vida escolar, não é descabido e reforçaria o sentido de cidadania. Não estamos a falar em querer amarrar os médicos para tentar resolver a má organização do SNS, mas apenas a envolver os jovens na vida do país.
Lamentavelmente a Defesa tem estado arredada da campanha eleitoral. Será que os partidos acham que nestas alturas se devem evitar assuntos impopulares? Podem achar, mas este inquérito da SEDES mostrou-nos que investir nas Forças Armadas pode não ser assim tão impopular.