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Delito de Opinião

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 31.01.24

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Hoje lemos: Evelyn Waugh, "Reviver o Passado em Brideshead".

Passagem a L-Azular: "O problema da educação moderna é que nunca se sabe o quão ignorantes as pessoas são. Com qualquer pessoa com mais de cinquenta anos podes ter bastante confiança no que lhe foi ensinado e no que foi deixado de fora. Mas estes jovens de hoje têm uma superfície muito inteligente e conhecedora, e depois a crosta quebra-se subitamente e olhamos para profundezas de confusão que nem sabíamos que existiam.”

Escrever bem é pré-histórico. Escrever com muleta raramente tem final feliz e a confiança depositada nos correctores esfuma-se à mais pequena brisa. Eu sei. De quando em vez boto asnices vocabulares de bradar aos céus, apenas porque revejo os escritos na diagonal. Mea culpa. 

Insânias linguísticas à parte, numa destas tardes tropecei numa reportagem já com uns bons pares de anos, gravada à entrada do IST, na qual aos alunos que entravam ou saíam do Instituto era perguntada a tabuada dos 7, 8 e 9. Nem um deles respondeu correctamente. 

"Para quê saber de cor, se existem calculadoras?" O advento da IA tem há algum tempo raízes bem estruturadas. Lembro-me de ser literalmente obrigada a comprar uma calculadora científica para a disciplina de Geometria Descritiva, cara que doeu, para ser utilizada apenas quatro vezes. 

A IA veio embrutecer o já parco conhecimento ministrado nos educandários nacionais? Bastante. Praticamente já nada se faz sem o apoio conectado à rede. Somos todos trapezistas dependentes.

(Imagem Google)

A dupla fuga de Montenegro

Legislativas 2024 (1)

Pedro Correia, 31.01.24

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Luís Montenegro (natural do Porto mas residente em Espinho onde passou grande parte da infância e juventude) sempre foi candidato a deputado por Aveiro. Agora, que é presidente do PSD, decidiu candidatar-se por Lisboa. Gesto incompreensível, vindo de um homem do Norte: então é defensor da descentralização e fez até justas proclamações contra a macrocefalia alfacinha, mas corre a empoleirar-se no distrito da capital? Incompreensível por outro motivo: assim evita o embate nas urnas com Pedro Nuno Santos (natural de São João da Madeira), que também sempre foi candidato por Aveiro. Foi e volta a ser: mantém-se lá.

Percebo mal esta dupla fuga de Montenegro. Ao distrito adoptivo e ao confronto directo com o secretário-geral socialista. Parece ter-se esquecido disto: uma das qualidades mais valorizadas num político, seja de que quadrante for, é a coragem.

Este atributo avalia-se por actos, não por palavras. Ao esquivar-se ao duelo em Aveiro com o antigo ministro da ferrovia e dos aeroportos, o líder laranja parece fazer campanha contra si próprio.

Se ainda ninguém lhe disse isto, fica dito agora.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.01.24

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Francisca Prieto: «Uma mãe tem de ter muito arcaboiço para ouvir de um palerma de 11 anos “ai, mãe, que com essa carteira assim pela mão pareces uma saloia” e responder com toda a prontidão “olha, Manel Prieto, fica sabendo que esta tua mãe nem vestida de minhota, de faces coradas e a dançar o vira, algum dia vai parecer uma saloia, ouviste?”. Estes miúdos têm cá uma falta de noção.»

 

Helena Sacadura Cabral: «Costumo ler dois livros em simultâneo. Há muito que o faço e por isso tornou-se um hábito. Acabei de ler o "Doutor Glass", de Hjalmar Soderberg que é um belíssimo ensaio sobre a alma humana. Não é recente e foi considerado um livro muito bom. É-o de facto. E já comecei outro, acabado de sair - tem dias -, intitulado "Jusqu'ici tout va mal", de Cecile Amar, uma especialista em faunos da política e que aqui se ocupa de Hollande, depois de já ter escrito sobre Ségolène Royal e Lionel Jospin. Porquê este último? Porque, por motivos sentimentais, a França é, para mim, uma espécie de segunda pátria e o seu actual presidente constitui, aos meus olhos e parece que aos dele próprio, um verdadeiro enigma.»

 

José António Abreu: «Primeiro em busca de uma imagem cool, depois mais ou menos forçadas umas pelas outras (a concorrência é coisa boa), as operadoras móveis de telecomunicações vêm desempenhando um papel importante na divulgação da música pop/rock nacional, seja através do apoio a festivais de Verão, seja através de projectos menos óbvios, de onde se destacam estações de rádio (Vodafone e Meo Sudoeste) e o apoio directo à produção e distribuição de álbuns (Optimus Discos). O último caso será o mais interessante, tendo dado origem a quase noventa álbuns desde 2009. We Will Destroy Each Other foi lançado em Março de 2013.» 

 

Luís Menezes Leitão: «Depois de todas as consequências trágicas provocadas pelas praxes, esperar-se-ia do Ministério da Educação uma reacção enérgica a disciplinar e a punir essas práticas, semelhante à que aqui defendi. O ministro da Educação parece achar, no entanto, que o seu papel se limita a ser o de inventar exames absurdos aos professores, deixando os alunos totalmente em roda livre, independentemente de quais sejam as consequências para outros alunos envolvidos.»

 

Teresa Ribeiro: «- Ele anda muito agitado, sr. doutor. Nem de noite sossega.

- Tem o sono agitado?

- Nem imagina. Ontem esteve toda a noite às voltas na cama a falar enquanto dormia.

- Conseguia perceber o que dizia?

- Dizia que a violência está à porta e mais umas coisas em francês, mas sabe como é, com aquela pronúncia que ele tem, eu não consegui perceber nada.

- Pois, estou a ver. Diga-lhe mas é para vir cá falar comigo.

- Já lhe disse, mas ele manda-me meter o Freud na gaveta e até já ameaçou defenestrar-me se insistisse na conversa.

- Defenestrá-la?!

- Sim, diz que é o que se faz aos traidores à Pátria.»

 

Eu: «Previsão minha: Marcelo Rebelo de Sousa será o primeiro a anunciar a candidatura à Presidência da República, condicionando todas as outras estratégias, à esquerda e à direita. Tão cedo quanto possível. Enquanto outros fazem que andam mas não andam, ele sabe o que quer. E quer que se saiba. Mesmo que Cristo não desça à Terra

Nó cego

José Meireles Graça, 30.01.24

Costa, diz-se, aproveitou, para se pôr ao fresco, a boleia oferecida pelo comunicado da PGR que informava ir ser investigado no âmbito de um processo criminal.

Queria disponibilidade para “ir para a Europa”; o futuro próximo da economia está carregado de nuvens ominosas, outro que se amanhasse; está cansado, a vida política esgota.

Peço desculpa para não comprar nada disto: o tal lugar na Europa é tudo menos garantido, a menos que haja acordos debaixo da mesa que ignoramos; o futuro próximo, por causa das guerras e suas disrupções, mais a debilidade das economias dos países destinatários das nossas exportações, não é realmente entusiasmante, mas se há coisa em que Costa é mestre é no mecanismo de alijar responsabilidades – desculpar-se e sacudir a água do capote é, do catálogo dos seus números de prestidigitação, o que faz melhor, e as crises lá fora vêm a calhar para este efeito; está cansado coisa nenhuma, tem apenas 62 anos e não há disso o mais leve indício.

De modo que o mago foi apanhado de surpresa e esta desarmou momentaneamente o seu inato calculismo, levando-o a dar um passo em falso, do qual já deve estar arrependido.

Seja como for, o país só terá talvez perdido alguma coisa se, no caso de o PS ganhar as eleições, Pedro Nuno lhe suceder. Porque este prócere do PS, pelo passado e pelo conjunto de tolices sobre economia e Estado que lhe atulham a cabeça voluntariosa, poderá deixar ainda pior marca.

Isto porém é o menos. O mais é que, sem o comunicado da PGR e o seu famoso parágrafo assassino, não estaríamos em campanha eleitoral (tecnicamente só a partir de 25 de Fevereiro mas isso são frescuras – a campanha já começou). A Procuradora-Geral não tinha de adivinhar que Costa se demitiria mas tinha de saber que iria causar um abalo político, não pela prática de quaisquer crimes ou sequer indícios da grande probabilidade de eles terem ocorrido com culpa do PM, mas pelo facto de haver uma investigação que o envolvia indirectamente. As investigações ganham pelo secretismo – não se fazem na praça pública. E se era impossível que dos processos correlatos nada transpirasse para a opinião pública, uma coisa são hipóteses e zunzuns, que moem, e outra é um claro apontar de dedo por parte de quem tem como missão exercer a acção penal e defender a legalidade.

A referência à investigação a Costa podia assim, e devia, ter sido omitida. E a razão por que não o foi não é difícil de imaginar: o MP é, para a maior ou uma parte grande da opinião pública, ineficaz. Esta manifestação de coragem e independência vem a calhar, e aqueceu decerto os corações de muitos dos senhores magistrados. E a senhora Procuradora-Geral deve ter-se apavorado com a perspectiva de ter remetido ao STJ, para investigação, um processo que envolve o PM, e dito nada, o que no futuro podia vir a ser interpretado como uma atitude de protecção. Engano dela: em lugares de topo há momentos em que, decida-se o que se decidir, haverá sempre lugar a críticas acerbas.

Aconteceu. E ainda aturdidos somos surpreendidos com a notícia de que um pequeno exército de 270 inspectores da PJ, 6 magistrados do DCIAP com outros tantos assessores mais dois juízes invadiram por via aérea a risonha ilha da Madeira para o efeito de fazer uma razia nos poderes locais, não duvido nada que há muito e tradicionalmente acomodados numa rede clientelar de amigos e negócios obscuros.

Desde aí, há uma semana, vai um corrupio de comentários, debates apaixonados e satisfação mal disfarçada do lado esquerdo do espectro político, que murmura: é para aprenderem, corruptos não são só os do PS. E do Chega, que esfrega as mãos: estes políticos dos dois partidos do arco são tudo farinha do mesmo saco.

Ficamos a saber, entre muitas outras coisas, que o regime local é parlamentar, ao contrário do da República, que é semipresidencialista, e portanto os poderes do PR são menos extensos nas ilhas. Esta anomalia (que fere, ao contrário do que dizem leis e juristas de vária pinta, a unidade do Estado) não parece perturbar ninguém. Coisa fantástica: as autarquias locais têm de ter, e têm, um regime próprio; mas as regionais embrulham-se no manto de instituições para-estaduais, coroadas, no caso dos Parlamentos locais, com poderes que o nacional não tem. Por mim, confesso: ignorava que vivia num Estado para-federal e suspeito que esta evolução teve mão do politicamente falecido Jardim, de um lado; e de continentais cobardes, do outro.

A formação acelerada no conhecimento dos nossos arranjos constitucionais é uma vantagem colateral desta crise. Mas é a única, infelizmente. Porque a mesma Procuradoria que espoletou eleições no país com um caso de polícia inquina-as agora com outro – o da Madeira tem importância, e consequências, para as eleições nacionais.

Justiceiramente os casos são simétricos: PS de um lado e PSD do outro.

Disse acima que a senhora Procuradora-Geral não avaliou adequadamente as consequências do seu mau passo. E quanto a este novo abalo sísmico, pergunto: Estas diligências não podiam esperar cinco semanas, até à realização das eleições? Tinham de ser agora?

Não tinham, é evidente. E foram, salvo explicação melhor ou mais arguta, porque a majestade da Justiça, que se realiza, ao contrário do que parece acreditar o Ministério Público, com julgamentos e sentenças judiciais, não inclui as necessidades de investigações policiais, que não devem afectar, se isso puder ser evitado, o normal desenvolvimento do processo político em aspectos críticos. Isto não seria a mesma coisa que garantir imunidade a detentores de cargos; seria um juízo de oportunidade que a senhora PGR podia e devia ter feito, se para isso tem poderes. Se não tem, deveria tê-los.

Entender-se o contrário é negar o equilíbrio dos poderes. Se um deles se arroga o direito de destratar na prática o processo pelo qual os representantes dos outros são escolhidos é porque lhes é superior. Mas não é. E como o MP não legisla, e a independência dos juízes é uma inerência dos Estados de Direito mas a dos magistrados do MP não, corre-se o risco de o legislador ter a tentação de criar no futuro mecanismos de dependência do Executivo. Seria pior a emenda que o soneto.

Esta arrogância, finalmente, não podia deixar de manifestar-se nas prisões preventivas, que são já um ex-libris do abuso: prende-se para investigar com sossego e, no caso de os juízes de instrução não o coonestarem, sempre o preso já fica com uns dias de encarceramento, que é para aprender, mesmo que a acusação não seja consistente, ou seja mas não haja riscos atendíveis que justifiquem a prisão.

Neste momento um preso já vai com sete dias, sem um estremecer de escândalo ou sequer um franzir de sobrolho.

A opinião pública, porém, acha isto bem, e a publicada não anda longe. A justiça popular, que é sempre virulenta, mormente contra os poderosos, não é justiça. E a independência deveria servir para não ter de prestar vassalagem ao desejo da populaça de humilhação dos acusados.

E então o comentariado e a comunidade jurídica, que dizem? Pouco: ou sofrem do mesmo viés da opinião pública ou dela têm medo e das magistraturas também. A liberdade, a de opinião e as outras, sempre teve poucos amigos.

Os imigrantes

Paulo Sousa, 30.01.24

O nosso companheiro José Meireles Graça trouxe aqui ontem um assunto pertinente e que realmente merece ser debatido com seriedade.

Salto rapidamente a parte em que tenho de dizer, e digo por o sinto, que é bem-vindo quem vier por bem. Mas antes desta ideia, existe uma outra mais abrangente e não menos válida, que costumo resumir por “nem sempre, nem nunca”, querendo nestes termos dizer que em tudo temos de procurar um equilíbrio.

A falta de bebés é uma sentença que condicionará irremediavelmente as gerações futuras. Uma das consequências deste inverno demográfico é a sustentabilidade da segurança social, que não sendo pouco importante, é apenas uma das suas muitas consequências. A diversidade social que resulta dos imigrantes que chegam, os emigrantes que não conseguimos reter é uma outra lavra, irá alterar a nossa sociedade nas próximas décadas. Confesso que gosto de diversidade, mas sei bem que a natureza humana nos muniu de vários sistemas de defesa, de entre os quais um que, perante o desconhecido, nos retrai. A génese de bichos gregários que durante dezenas de milhares de anos nos ajudou a sobreviver num mundo pejado de ameaças, faz disparar um alerta sempre que encontramos um indígena oriundo de outra tribo. Sem novidade.

Ouvi há dias um viajante dizer que quando começou a acumular países, encantava-se com as diferenças culturais em que tropeçava, mas com o tempo passou a procurar aquilo que sente ter em comum com aqueles com quem se cruza. Dizia ele, que depois disso, e perante tanto em comum que o bicho humano tem em cada região do mundo, passou a saborear muito mais cada quilómetro percorrido.

Dito isto, recebermos cinco mil imigrantes é diferente de recebermos cinquenta mil, e muito diferente de recebermos quinhentos mil. Dizem que o melting pot norte-americano é um dos factores por detrás do sucesso dos EUA na sua afirmação enquanto potência maior dos nossos tempos. Mas dizer isto não é suficiente. O Brasil é também um melting pot e, embora prenhe de recursos naturais, não foi tão bem-sucedido, nem um pouco mais ou menos. Poderia para aqui trazer muitas explicações para essa diferença, mas podemos simplificar a explicação com a forma diferente como estes dois países lidaram com aquilo que designamos como “estado de direito”. A igualdade de tratamento perante a lei, pressupõe instituições sólidas e capazes de esvaziar os impulsos dos que se sentem poderosos e privilegiados perante os mais simples ou indigentes. Isso existe nos EUA e nunca se comparou com o que existe no Brasil. E, perguntará quem me lê, o que é que isto tem a ver com o assunto do postal? Tem a ver na medida em que a serenidade com que a chegada de toda esta gente de diferentes latitudes ao nosso rectângulo, irá depender da solidez das nossas instituições. E isso, sabendo nós o que a casa gasta, não me deixa entusiasmado.

Os intelectos de fina espessura já andam a espalhar a magia que se esperava. Para eles este é um assunto sem matizes nem tonalidades. Mal o assunto é puxado, logo desatam a distribuir carimbos. Adoram seres humanos, desde que sejam estrangeiros, e odeiam os fascistas com a mesma intensidade com que desprezam o discurso de ódio. E a sua definição de fascista incluiu todos os aqueles que não aplaudem a sua cor partidária, passando pelo tipo que não faz pisca à saída das rotundas, até ao vizinho que tem um carro melhor que o dele. Como é linear o mundo dos simples!

Há uns anos, li algures (não sei se isso continua válido) que a Austrália criou um modelo que atribui pontos às diversas valências e capacidades aos estrangeiros requerentes de um visto de trabalho. Idade, formação académica, nível de inglês, estado de saúde e região de origem. Só quem reunisse mais de 100 pontos era autorizado a ali poder trabalhar. Uma coisa parecida cá no burgo seria inaceitável, mas teria impedido o aumento significativo de sem-abrigos que, segundo as notícias, está em curso em Lisboa.

Como disse no início, o assunto merece ser debatido com seriedade, mente aberta, sem sectarismos nem dedos em riste. Mas bem sabemos que isso não irá acontecer. Vai ser mais do mesmo, medidas avulsas, legislação a quente, debates de raspão e regados com emoções. A treta do costume, quem vier depois que feche a porta.

Ferrari

Sérgio de Almeida Correia, 30.01.24

Tirando o facto de ser falado em inglês e Il Commendatore ser um cepo nessa língua, mostra bem o que foi o culto das Mille Miglia e porque tantos durante tantos anos se renderam aos seus encantos.

Belíssimas imagens, uma sonoridade invulgar de motores que deixaram muitas saudades, destacando-se os papéis de Adam Driver, da sempre espantosa Penélope Cruz e do jovem que se assume como Piero Lardi Ferrari. A caracterização de Carlo Chiti, com quem me cruzei algumas vezes, está excelente. 

A sequência final, após o acidente de Guidizzolo, embora espectacular, ficou um pouco aquém do que antecedeu e surge como uma quebra na narrativa. Mas nem por isso deixa de ser um belo filme de Michael Mann, concluído, curiosamente, no ano em que a Ferrari venceu a Corrida do Século.

A ver, e talvez a rever se houver tempo para apreciar alguns detalhes.

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Manifestações

José Meireles Graça, 29.01.24

Para 3 de Fevereiro foi marcada para o Martim Moniz, em Lisboa, uma manifestação anti-islamização na Europa que está a causar alguma comoção e justificou, parece, uma proibição por parte da Câmara Municipal local, que não autoriza “toda e qualquer manifestação de caráter violento, racista ou xenófobo na cidade”.

Ao que sei, aquela zona da cidade é frequentada por muçulmanos de proveniências várias e assim pode ser interpretada, e seria, por aqueles imigrantes, como um acto hostil. Por outro lado, e posteriormente, “coletivos antirracistas” decidiram preparar uma manifestação de “pessoas de todas as cores”, para o mesmo dia e zona.

Há portanto, e duplamente, um potencial de conflito violento, conforme previne a PSP. E fosse esse, e apenas esse, o fundamento da proibição para aquele local, nada haveria a objectar. Não há falta de sítios em Lisboa onde semelhante manifestação poderia decorrer sem mais inconvenientes do que aqueles que as manifestações normalmente acarretam. E mesmo que os tais colectivos antirracistas (no essencial comunistas, bloquistas e alguns moços com muita seborreia e pouco juízo) pudessem aparecer, e haver confrontos, o papel da polícia deveria ser contê-los porque nessa hipótese seriam eles os provocadores e fautores da agitação. Se os promotores desta manifestação são de extrema-direita (é assim que os classificam os senhores jornalistas, uma alegação que pode ou não corresponder à verdade porque aquela variedade de formadores da opinião pública tende a ter opiniões enviesadas e sumárias), os contramanifestantes são de extrema-esquerda, em nada se distinguindo uns dos outros no que toca à agressividade e a intolerância.

O art.º 45º da Constituição garante o direito de manifestação. Porém, “não são [artº seguinte] consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”.

Que as organizações fascistas não sejam permitidas não se percebe quando se permitem organizações comunistas – umas e outras são inimigas da democracia parlamentar e se os partidos comunistas estão de tal modo enfraquecidos no mundo ocidental que jogam ordeiramente o jogo democrático, nada permite supor que organizações fascistas iriam muito além do folclore. E depois conviria dar conteúdo ao que se entende por fascismo, palavra que se tornou entre todas equívoca por ter uma extensão que depende de quem a usa. Mas enfim, a Constituição di-lo, e é por o dizer que se classificam como “fascistas” estas iniciativas.

Mas, é claro, nada têm de fascistas porque a rejeição de imigrantes que não são pela maior parte susceptíveis, nem os seus descendentes, de se integrarem, não é mais do que a manifestação de compreensível medo a quem, pelas suas crenças, defende soluções que ofendem valores alcançados ao cabo de muito tempo nas sociedades do Ocidente, como por exemplo a igualdade de direitos entre os sexos ou a natureza não-confessional dos regimes.

Medo mais do que legítimo. Porque não há sociedades islâmicas com costumes e ordenamentos penais susceptíveis de aceitação no Ocidente. E isto é verdade mesmo naquelas que estão mais próximas, como a Turca, em permanente risco de regressão. E medo também porque em países como a Suécia, a Bélgica, o Reino Unido e a França já há enclaves dentro de cidades onde as leis desses países são sistematicamente desrespeitadas.

Medo também por causa da evolução demográfica. As mulheres de muitas sociedades ocidentais (noutras longitudes também, mas não curemos disso agora) não têm filhos em quantidade suficiente para repor os mortos. Ainda não se encontrou o antídoto para essa tendência negativa e enquanto não se encontre são precisos trabalhadores importados. Porém, se as comunidades islâmicas não são susceptíveis de integração e são todavia, por razão de costumes e organização social, muito mais férteis, do que estamos a falar a prazo é de suicídio, a menos que se entenda que todas as sociedades estão no mesmo estado de adiantamento civilizacional e por isso tanto faz.

É uma questão de dimensão: em tendo números suficientes estes corpos expatriados começam a tentar impor as suas mundividências. Os poderes públicos podem, se quiserem, e infelizmente querem muitas vezes, ignorar isto, prestando uma intolerável vassalagem à esquerda, que vê em todos os imigrantes e minorias os antigos explorados e oprimidos, a sua clientela.

Há falta de imigrantes potenciais? Não há. Os manifestantes vão provavelmente defender discriminações e fazem bem. Desde quando desapareceu o direito de cada país decidir quais são os estrangeiros que deve acolher?

Estes que já cá estão têm direito, desde que cumpram as leis, à mesma protecção de que gozam os nacionais, por maioria de razão se tiverem adquirido a nacionalidade ou tiverem cá nascido. Mas as portas escancaradas são a estupidez e a imprevidência feitas política. A qual se devorará a si mesma porque quanto maior for a visibilidade, e quanto mais crescer o desconforto, se os partidos do dia fecham os olhos haverá extrema-direita, ou o que isso chamam, para lhes tomarem os lugares.

De fascismo estamos conversados, portanto. E de racismo ainda mais porque onde raio se veem raças nisto (admitindo que certas características, como a cor da pele ou o formato dos olhos, servem para este efeito, o que é discutível)? A religião é uma raça?

Os organizadores acham que há uma ameaça para a Europa nas vagas de imigrantes islâmicos. Que essa ameaça exista em Portugal é duvidoso porque o nosso país não é um destino particularmente atraente. Opinião discutível, decerto, que, tal como as a expender pelos manifestantes, está protegida pelo art.º 37º da Constituição.

E a decisão da Câmara de Lisboa, nos termos em que foi formulada, está protegida pelo quê? Pelo abuso de poder.

Falar para quem quer votar

Ana Cláudia Vicente, 29.01.24

"Eu não voto por rótulos. (...) Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada.

Eu quero saber das ideias que as pessoas têm e da maneira como depois as vão defender e praticar."

Agostinho da Silva (1906-1994)

 

Hesitante - fraco traço pessoal e geracional, bem sei - fui à procura de um dito de alguém melhor. Queria um respaldo - profético, de preferência - ao que queria dizer, algo que vou sentindo e ouvindo mas vejo ainda informe, expresso de várias formas, nestes dias. Apareceu-me esta citação, presumo que real, da boca de alguém que reconheço, respeito, em irónica contramão ao que desejava. 

É que eu quero efectivamente saber de campanhas eleitorais, admito. Ainda espero que nelas me transmitam ideias, e se possível algumas maneiras de as pôr em prática. Espero que os líderes se disponham a falar para quem quer votar. Foquem-se, fónix! Não falem uns para os outros. Queremos lá saber das piadas do petróleo no Rato, ou da espetada na Madeira. Falem e escrevam para nós, eleitores, incluindo os que estão indecisos. Dêem sinais claros de que sabem o que estamos a viver nestes últimos anos. Precisamos de evidências de que as pessoas que desejam estar envolvidas na coisa pública têm na cabeça um horizonte de acção para uma geração; de que têm visões chãs (não pequeninas) para cada sector; de que conhecem o que cada região tem para dar. 

 

Para começo, e em resumo: é falar para quem quer votar.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.01.24

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Francisca Prieto: «Pelo-me por uma história em que não sei quem resolveu abrir uma livraria numa pequena aldeia de não sei onde. Ora, tendo lido que esta "é uma obra-prima acerca do mundo dos livros, dos sonhos e das vicissitudes da vida, sob a forma de uma história envolvente e original", me atirei ao touro com toda a confiança. Aguentei-me à bronca até meio, mas quando a história, para além de mortalmente enfadonha, foi ensombrada por um fantasma, achei que era demais. Dizem que a autora ganhou o Booker. Deve ter sido no ano em que disputou a shortlist com a Danielle Steel.»

 

Helena Sacadura Cabral: «O divórcio seja ele de um casamento ou de uma união de facto é sempre uma ruptura e esta é, por norma, fonte de dor. Por isso se espera que os seus intervenientes se comportem com a maior dignidade, quer haja ou não filhos. É um problema de respeito mútuo e um tributo aos anos passados em conjunto.»

 

José António Abreu: «Portanto o álbum chama-se Woman. Escutem um pouco, antes de prosseguirem a leitura. Já está? Não façam batota, cliquem no triangulozinho e aguardem – com o som ligado – cerca de um minuto antes de continuarem a ler. 1, 2, 3, ..., 30, ...,59, 60. OK, vamos lá. Não, não é a Sade. É – aqui vai – um gajo. Pois, já estavam à espera, depois de tanto suspense de má qualidade. Ah, já conheciam. Cambada de... pessoas bem informadas. Então para os três distraídos que passam pelo Delito nos dias em que não se esquecem de o fazer: os Rhye são um duo baseado em Los Angeles composto por um canadiano (o vocalista) e um dinamarquês. (Quem disse que a globalização não é uma coisa bonita?)» 

 

José Maria Gui Pimentel: «Costumo comentar que a economia, mais do que a ciência que estuda a "alocação eficiente dos recursos escassos", é a ciência que estuda os impacto dos incentivos. É esse o seu maior contributo para o conhecimento.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Das decisões possíveis sobre a borrada que o PSD aprovou relativamente à co-adopção e à adopção por casais homossexuais, o Presidente da República optou pela mais cómoda: enviar o assunto para o Tribunal Constitucional. Ao fazê-lo, em vez de pura e simplesmente rejeitar o que lhe foi enviado, Cavaco Silva dá o sinal de que admite contemporizar com tal borrada, matando de vez o instituto do referendo. Não podendo despachar para "consideração superior" a apreciação política do que lhe foi proposto, atirou para os senhores juízes o ónus da apreciação jurídica, como se esta se pudesse sobrepor àquela e aliviar as suas dores.»

 

Teresa Ribeiro: «E eis como em duas penadas se reduz as mulheres à categoria de parideiras. Além de tolo, pois quando uma mulher quer abortar, aborta mesmo, este argumento não podia ser mais insultuoso.»

 

Eu: «Há quem torça o nariz mal se escutam os primeiros acordes daquilo a que se convencionou chamar música de intervenção. Esquecendo que o nosso próprio Hino Nacional, tão vibrantemente entoado nos estádios de futebol, começou por ser um tema de protesto contra o Ultimato britânico de 1890. A Marselhesa tem origem semelhante. Exemplo de outro hino de protesto que resiste a todos os ventos e a todas as modas: Le Chant des Partisans, imortalizado por Yves Montand -- o mesmo que depois filmou em Hollywood uma fita fútil com Marilyn Monroe.»

Teu irmão, teu rival

Cristina Torrão, 28.01.24

Outro dia, li uma publicação no Facebook sobre um tema que me é caro: a rivalidade entre irmãos. O foco eram os irmãos alemães Rudolf Dassler (1896 – 1974) e Adolf Dassler (1900 – 1978), fundadores da Adidas e da Puma (Adidas vem do nome pelo qual o irmão mais novo era conhecido na família: “Adi”, de Adolf, a que se juntaram as três primeiras letras do apelido: “das” de Dassler). Apesar de não ter havido nenhum crime, eles foram comparados a Caim e Abel, por causa da rivalidade que marcou a sua relação. Começaram aliás por fundar a Adidas juntos, mas haveriam de se separar, completamente incompatíveis (daí a fundação da Puma, por Rudolf Dassler).

Nessa menção a Caim e Abel, Paulo Marques, o autor do postal, dizia: “trágica e tristemente, foi entre dois irmãos que se deu o primeiro homicídio da história da humanidade”. Na minha opinião, porém, e num contexto criminal, o acontecimento não é, nem especialmente trágico, nem especialmente triste. Vejo-o como um símbolo muito forte, como o são praticamente todos os acontecimentos relatados na Bíblia. Sejamos crentes, ou não, a sua leitura despoleta (ou “espoleta”, para os mais puristas) reflexões sem fim. A Bíblia é a história da condição humana: conflitos, lutas, ciúmes, traições, tristezas, alegrias, desesperos, obediência cega, heroicidades e, last but not least, a nossa impotência perante as forças da Natureza, venham elas em forma de dilúvio, secas, pragas ou outras, independentemente de acreditarmos, ou não, serem baseadas em castigos divinos.

O crime de Caim sobre Abel é, por isso, um símbolo fortíssimo, ao lado de tantos outros. Irmãos eram, são e serão sempre rivais. Mesmo que se dêem bem, há sempre algo por resolver, algo de inquieto, desconfortável, na base do seu "amor". E os pais são os principais responsáveis por essa instabilidade latente. As comparações, as preferências, a vontade de irritar um deles e elogiar o outro (sempre os mesmos, nisso, os pais não alternam), tudo isso, levado ao extremo, pode desembocar numa grande tragédia. Tudo depende da intensidade que os pais põem nessas suas, digamos, inconstâncias. O carácter inato dos irmãos representa um papel bem mais pequeno, pois é, acima de tudo, manipulado pelos pais (mesmo que inconscientemente).

Acham que estou a exagerar? Vamos então à Bíblia! O que gerou tão grande ódio em Caim? A diferença com que Deus o tratou, em relação ao irmão. Sem ser explicada a razão, Deus preferiu as oferendas de Abel, desprezando as de Caim, apesar de este tentar, por todos os meios, agradar-Lhe. Sim, os pais biológicos eram Adão e Eva, mas, na Bíblia, Deus é definido, inclusive por Jesus Cristo, como o Pai por excelência, o Pai da Humanidade.

No seu romance Caim, Saramago mostra compaixão pelo assassino, levado a exercer um crime por Aquele que devia ser o símbolo máximo da Justiça. Porém, na Bíblia, assim como na vida real, ninguém quer saber das razões que levam um irmão a odiar outro. O insatisfeito, aquele que reclama, é sempre apelidado de ciumento, invejoso, violento e sabe-se mais lá o quê. Parece ser-nos mais confortável enchê-lo de epítetos negativos, vê-lo como uma figura fraca, reles, desprezível. Sim, é muito confortável. Dá-nos a ilusão de sermos superiores, justos, cândidos.

Podemos perguntarmo-nos qual a razão de Deus ser tão injusto, neste episódio. Como já o disse acima, temos motivos de sobra para reflectir. Mas é pena que, na maior parte das reflexões, a atitude de Deus não seja identificada com a de muitos pais. Podiam evitar-se infelicidades e até crimes. Seria para isso que o autor nos tentava chamar a atenção?

 

Nota: o título deste postal foi inspirado no título de um capítulo do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram o Lavrador. Sim, também o nosso rei-poeta, um rei caracterizado como justo e culto, nunca conseguiu estabilizar a sua relação com o irmão mais novo. Chegaram mesmo a guerrear-se.

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O Pensamento "Woke"

jpt, 28.01.24

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Vejo o "E tudo o vento levou", que há muito não revia. Chega agora numa cópia restaurada há cerca de uma década, a avivar-lhe, mesmo que em mera televisão, algum do brilho fílmico que incendiou os cinemas aquando do seu aparecimento, fenómeno que foi. Lembro-me, vagamente, da primeira vez que o vi, petiz junto à minha mãe em cinema de grande tela - talvez o "Monumental", bem antes deste ser uma vulgata envidraçada de vendilhões do templo, talvez o "Império", também antes deste ser um templo de vendilhões.

Ela adorava o filme, percebi depois e lembro agora, saudoso, que por venerar Scarlett, feita arquétipo de pessoa, suplantando-se entre a candura e a estratégia, numa franqueza ardilosa, símbolo da mulher adequado ao circundante, mais necessário de afirmar em tempos já tão distantes que a boa língua portuguesa sobrevivia sem patacoadas como "resilência"... Ao longo dos anos regressei ao filme algumas vezes, percebendo que - afinal - articula o dramalhão comercial com o desfazer dos aparentes estereótipos, pois não só desfraldando as fraquezas masculinas como escorrendo algum sarcasmo com o estertor daquela nada bela "Belle Époque" escravista. Num filme de guerra sem guerra, assim sem heroísmos encenados, nisso subreptícias justificativas...

Mas ontem nem pensei nisso. Sexta-feira à noite fiquei a ver o filme ao lado dela, Marília, enquanto o meu pai António ia lendo na sua poltrona, alheado como (quase) sempre da televisão. Tinham vindo passar o serão, agradados com a visita que lhes fizera de manhã no cendrário dos Olivais - onde acorrera por razões outras, - tendo-me demorado, ali, junto ao que deles me resta. Até me sentir qual o Anthony Hopkins no final do "O Pai" que vi há dias, que foi o sinal para partir, que nada é bom em demasia.

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Depois do tão esperado e obrigatório "After all, tomorrow is another day", a mãe foi-se deitar e fiquei, como é habitual, de conversa com o pai. Ele disse-me que estou a fumar demais e, como é óbvio, resmungou com a pepineira do "Gone With the Wind". Foi o (por mim ansiado) sinal para politizarmos. Precipitei-me para o controlo e puxei o filme atrás - coisa que ele nunca faz, estranhando estas novas tecnologias - até ao princípio. E logo concordámos no ditirambo contra este pensamento "woke", paupérrimo arremedo de reflexão. Tanto barulho fazem os seus "activistas" para expurgar a história, para tutelar mentes, para "analisar" o "abissal" mundo. E para apenas saracotearem coisas como esta: enfrentar um filme destes, com o impacto que teve, quase quatro horas de filme, num argumento com as camadas que tem, e julgam relevante e necessário anunciá-lo como "produto da sua época e retrata preconceitos raciais e étnicos", como se houvesse algo que não o seja. E é com esta pobre mentalidade que se agitam, ufanos na crença de que "para criar um futuro melhor é necessário primeiro conhecer e compreender a história"... Assim?

O pai abanou a cabeça, em desprezo, e nisso tanto concordamos na aversão a esta pobre gente adormecida, enlevada consigo própria, tanto que se dizem "Acordados", essa sempre dita "esquerdalhada". Avancei um pouco o filme e digo-lhe "vê esta cena, pai", o baile no qual a jovem viúva Scarlett dança pela primeira vez, assim quebrando as regras do nojo, com o galhardo Rhett. E ela, enquando rodopia, diz-lhe "Mais uma dança e perderei a minha reputação para sempre", ao que ele responde "Se tiver coragem, pode viver sem a sua reputação". E o  meu pai, o Camarada Pimentel, sorri, anui, nem preciso de lhe explicar o que quero dizer - até porque já cheguei à idade em que não só o compreendo como também ele me percebe. "Querem a história sem "grão", como o dos filmes antigos, a história como "cópia digital restaurada", atiro. "É isso", diz, aceita. E repete que estou a fumar demais. Depois vai dormir. Estando, claro, acordado mas nunca "woke"...

Pensamento da semana

Pedro Correia, 28.01.24

Insistoas apreciações do mérito artístico nunca devem estar dependentes de critérios ideológicos. Isso levar-nos-ia, por exemplo, a rejeitar parte da obra de Beethoven por ele ter chegado a ser um fervoroso adepto do despotismo bonapartista. Ou a pôr no índex certos escritores sulistas norte-americanos por excesso de benevolência em relação à sociedade esclavagista. Ou a riscar com lápis azul as vinhetas racistas dos primeiros álbuns de Hergé. Ou a deitar Os Lusíadas para o lixo por Camões glorificar os morticínios praticados pelos soldados do Gama na Índia.

 

Este pensamento acompanha o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.01.24

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Francisca Prieto: «O problema de se estar gorda é que tem de se ser muito mais porreira

 

João André: « Os holandeses são dos condutores mais enervantes que conheço. Fazer sinal com o "pisca" é contra a religião de metade deles. Nas autoestradas têm como noção de distância de segurança em relação ao condutor da frente, o espaço onde caiba, no máximo, uma bicicleta (qualquer distância de segurança normal é apenas um espaço para se meterem). Em cruzamentos gostam de cortar curvas; etc, etc, etc.»

 

José António Abreu: «Como se diz que não há duas sem três e, pelo menos um par de vezes por ano, gosto de dar uso às velhas pérolas de sabedoria popular, vou começar este texto da mesma forma que comecei os dois anteriores: com um desabafo. Detesto o nome artístico desta rapariga. Tentar fazer carreira com base no nome próprio é de cantor pimba – ou da Beyoncé mas essa é um caso à parte e, de resto, toda a gente lhe conhece o apelido enquanto eu tive que pesquisar imenso para descobrir o de Márcia (Santos). Tem isto importância? Não. Sim. Não. Depende. Não devia ter. Se calhar não tem. Mas pronto. Rant over.» 

 

Luís Menezes Leitão: «Passos Coelho ficou assim de um momento para o outro sem candidato presidencial para o PSD, e com uma ridícula moção que no Congresso vai cair no vazio. Não admira por isso que tenha vindo a correr dar o dito por não dito, dizendo para quem quiser acreditar que nunca pensou em Marcelo Rebelo de Sousa quando falou num candidato "catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político". Já Marcelo assumiu a divergência, anunciando que nem sequer vai ao Congresso, deixando Passos lá a falar sozinho. Marcelo colocou-se assim claramente ao lado da oposição interna a Passos Coelho, e tudo fará para o derrubar, contando que uma nova liderança do PSD lhe dê o apoio que exigiu para as presidenciais.»

 

Eu: «No limite, basta um poderoso conglomerado empresarial reservar espaço publicitário em todas as primeiras páginas para suavizar ou anular o impacto das notícias, por mais acutilante que seja o seu conteúdo. O que acabará por constituir uma grave ameaça à liberdade editorial. Eis um tema que justifica uma reflexão séria em todos os órgãos de informação. E também no conjunto da sociedade portuguesa. Antes que "arrastões" como o de hoje se banalizem e nos habituemos a ver anúncios de telemóveis, gasolineiras, bancos ou marcas de veículos onde só deviam vir notícias. Incomodem quem incomodarem, doam a quem doerem.»

A crise política na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 27.01.24

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Tenho visto aparecer afirmações sobre a resolução da crise política na Madeira praticamente decalcadas da péssima solução que Marcelo Rebelo de Sousa adoptou para o país, que se baseou em adiar, quer a demissão do Governo, quer a dissolução do Parlamento para permitir a aprovação do orçamento. Isto implicou que o país esteja a viver num limbo durante quatro meses, em que as instituições se vão degradando à vista de todos, sem que ninguém faça nada para resolver os problemas.

Na Madeira, no entanto, esta solução não é replicável por uma razão muito simples: É que nas Regiões Autónomas vigora um regime parlamentar puro, enquanto que na República o regime é semipresidencialista. Tal leva a que grande parte do que foi feito no país não possa ser repetido na Madeira.

Assim, em primeiro lugar, não há qualquer possibilidade de o Presidente do Governo Regional apresentar a demissão e a mesma não ser logo aceite, uma vez que o art. 62º, nº1, b) do Estatuto Político-Administrativo da Madeira refere expressamente que implica a demissão do Governo Regional a apresentação pelo Presidente do Governo Regional do pedido de exoneração. Ou seja, é logo no momento da apresentação do pedido de exoneração que se verifica a demissão do Governo Regional, não podendo a mesma ser adiada, pois não é necessário qualquer acto de aceitação.

Para além disso, ao contrário do que sucede na República, onde o Programa do Governo é discutido, mas não votado, só podendo o Governo cair se for apresentada uma moção de rejeição, na Madeira o Programa do Governo Regional implica a apresentação de uma moção de confiança (art. 59º, nº1, EPAM), pelo que sem a Assembleia Regional aprovar o seu Programa, o Governo Regional ficará em gestão (art. 63º, nº1, EPAM). Assim, qualquer substituto de Miguel Albuquerque terá que ter necessariamente desde o início a confiança da maioria da Assembleia Regional.

Em qualquer caso, como a Assembleia Regional ainda não fez seis meses sobre a sua eleição, a mesma não poderá ser dissolvida pelo Presidente da República a não ser daqui a dois meses. Não parece, porém, que possa ter seguimento a evidente tentativa do Presidente da República de manter o actual Governo Regional em plenitude de funções até esse momento. Basta que algumas das anunciadas moções de censura seja aprovada para que tal já não seja possível.

Aguardemos assim pelas cenas dos próximos capítulos.

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