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Delito de Opinião

A abdicação da Rainha da Dinamarca.

Luís Menezes Leitão, 31.12.23

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A notícia da abdicação da Rainha Margarida II da Dinamarca no último dia de 2023 reveste-se de grande simbolismo, representando o fim de uma era no país. Na data do nascimento da Rainha, a 16 de Abril de 1940, o país estava ocupado pelas tropas nazis, que tinham invadido o país há uma semana, a 9 de Abril de 1940, pelo que o nascimento da filha mais velha dos Reis foi recebido pelo povo como um símbolo de esperança na sua futura libertação. Só que a Dinamarca possuía na altura a Lei Sálica, pelo que as mulheres não podiam herdar o trono, que estava reservado aos membros masculinos da família real. Assim, e como os Reis só tiveram filhas, o herdeiro da Coroa seria o irmão mais velho do Rei, o Príncipe Canuto, que até tinha simpatias nazis.

A sucessão do Príncipe Canuto seria por isso um escândalo nacional, razão por que  a lei viria a ser alterada em 1953, permitindo assim à princesa subir ao trono em 14 de Janeiro de 1972, data da morte do seu Pai. Curiosamente também apenas uma semana depois, a 22 de Janeiro de 1972, viria a assinar o Tratado de Adesão da Dinamarca, Irlanda, Noruega e Reino Unido às Comunidades Europeias que se concretizou em 1 de Janeiro do ano seguinte, salvo quanto à Noruega, que em referendo rejeitou a adesão.

A adesão foi, no entanto, sempre polémica na Dinamarca tendo chegado a surgir em tribunal uma acção de cidadãos a pedir que fosse declarada nula a assinatura da Rainha no Tratado, que consideravam o maior atentado à independência do país em toda a sua história. O Tribunal limitou-se a dizer que a pretensão não era susceptível de apreciação jurídica.

A Dinamarca tem desde então vivido com um pé fora e um pé dentro da Europa. Em 1992 rejeitou em referendo o Tratado de Maastricht, embora depois tivesse aceite uma versão alternativa com cláusulas de isenção específicas para o país. Em 2000 rejeitou igualmente em referendo a adesão ao euro, pelo que se mantém com a coroa dinamarquesa. E em 2015 rejeitou também em referendo integrar a área da Justiça e Assuntos Internos da União Europeia, prejudicando assim a cooperação nestas áreas. Não chegou a fazer um referendo para sair da União, como o Reino Unido, mas pouco faltou.

Em todas estas cinco décadas os dinamarqueses tiveram a mesma Rainha, que soube sempre representar o seu país com uma enorme dignidade. Agora por razões de saúde abdica da coroa. Vai seguramente deixar saudades aos seus súbditos.

Leituras

Pedro Correia, 31.12.23

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«A tradição bíblica mostra-nos que a felicidade do primeiro homem antes da queda consistia na ausência de trabalho, isto é, na ociosidade. O gosto da ociosidade permaneceu no homem depois da queda, mas a maldição divina continua a pesar sobre ele, não só porque é obrigado a ganhar o pão que come com o suor do rosto, mas ainda porque a sua natureza moral o impede de encontrar contentamento na indolência. Uma voz secreta nos insinua que é culposo entregarmo-nos à preguiça e, entretanto, se o homem pudesse encontrar um estado onde lhe fosse dado sentir que continua a ser útil e a cumprir o seu dever permanecendo inactivo, deparar-se-ia nele uma das condições da primitiva felicidade.»

Leão Tolstoi, Guerra e Paz (1869), volume II, p. 88

Ed. Inquérito, 1957 (3.ª ed) . Tradução de José Marinho

Pensamento da semana

Pedro Correia, 31.12.23

«O Natal nada mais é do que um ponto de luz rodeado de noite», escreveu em 2022 Jorge Bustos, um dos melhores cronistas da imprensa espanhola. Definição exacta do que sinto nesta data, reforçando convicções antigas. Possa esta luz, mesmo frágil e vacilante, iluminar-nos muito para além da quadra natalícia. Conquistando - palmo a palmo, metro a metro, passo a passo - terreno às trevas. E nos permita distinguir o essencial do acessório à medida que se sucedem as folhas do calendário. 

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.12.23

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José António Abreu: «Hoje, às 23:59:59, milhares de milhões de pessoas susterão a respiração, exalando apenas quando os ponteiros dos relógios saltarem para a meia-noite.» 

 

Sérgio de Almeida Correia: «Do que disse em 1 de Janeiro de 2013 não se aproveitou nada. Uma vírgula que fosse. Nem os partidos da sua coligação lhe deram ouvidos, precipitando uma crise política que custou ao País mais uns milhares de milhões de euros. Houve de tudo: demissões em barda, declarações patéticas de quem saiu empurrado pela porta dos fundos a dizer que saía pelo próprio pé, remodelações a intervalos regulares, manifestos irrevogáveis, cartas de fazer corar um santo. Enfim, aconteceu tudo o que a criatura disse que não queria que acontecesse em matéria de credibilidade externa, estabilidade e cooperação institucional, segurança interna, confiança dos mercados e equilíbrio social

 

Teresa Ribeiro: «Não confie na banca, no governo e muito menos nos mercados. Guarde o dinheiro que lhe resta debaixo do colchão. Se tem dívidas ao fisco não as pague, aumente-as até um montante que seja considerado incobrável, que o Estado perdoa-lhe tudo.»

 

Eu: «Dizia John Donne, na magnífica frase que Hemingway inscreveu no pórtico de Por Quem os Sinos Dobram, que nenhum homem é uma ilha. Pois não. Convém lembrar esta verdade elementar em tempo de progressivo isolamento, numa altura em que a solidão é talvez a mais grave doença que se abate sobre o mundo "desenvolvido" que habitamos. Comunicar, como aqui fazemos dia a dia, é um poderoso exercício contra a solidão.»

Perdoem-me a imodéstia

Pedro Correia, 30.12.23

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Mas quase tudo já estava antecipado aqui:

 

15 de Novembro 2022:

«Isto está a degradar-se mais depressa do que parecia. Ei-los a descer a rampa, já em marcha acelerada.»

 

29 de Dezembro 2022:

«Um governo, paradoxalmente, em fim de ciclo quando as eleições legislativas foram apenas há onze meses.»

 

2 de Março 2023:

«A marca desta governação: poucochinha. Por isso a maioria absoluta adquirida há um ano já está em queda livre. Tem tudo para acabar mal. Mais cedo do que muitos previam.»

 

3 de Maio 2023:

«Marcelo Rebelo de Sousa não fará a vontade a António Costa: vai dissolver, sim, mas apenas no momento em que entender. Que será, não por coincidência, quando der menos jeito ao primeiro-ministro. (...) Costa pagará com juros a sua bravata de ontem, comportando-se perante os portugueses como se comesse Marcelo de cebolada a pretexto de segurar in extremis um dos ministros mais desacreditados do actual elenco, algo tão desproporcionado que soa a falso desde o primeiro minuto. Entrámos numa nova etapa, nada edificante: um dos piores conflitos institucionais de que há memória entre um Governo e um Presidente - logo este, que durante cinco anos quase levou o Executivo ao colo. Episódio digno de figurar em qualquer antologia da ingratidão. De Gaulle dizia que o poder usa-se, não se delega. Mas Costa é fraco aprendiz do velho general: a bravata irá sair-lhe cara. Mais cedo do que pensa.»

 

18 de Maio 2023:

«Isto já não é um governo: é uma opera buffa. Com final anunciado.»

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 30.12.23

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Hoje lemos: Jack London, "O Apelo Selvagem".

Passagem a L-Azular: "Há um êxtase que marca o cume da vida e além do qual a vida não pode subir. E é tal o paradoxo da vida, que este êxtase surge quando se está mais vivo, e surge como uma completa alienação de se estar vivo.

Este êxtase, este esquecimento de viver, chega ao artista, apanhado e fora de si numa folha em chamas; chega ao soldado, num campo devastado, enlouquecido pela guerra e recusando quartel; e chegou a Buck, liderando a matilha, emitindo o velho grito de lobo, empurrando a comida que, estando ainda viva,  fugia rapidamente diante dele sob o luar."

É verdadeiramente paradoxal que se esteja vivo e não se dê pela vida. A vida não é mais do que um dado adquirido. Acordamos vivos, vivemos, a vida passa e amanhã, hoje já foi ontem. São muito poucos os que acordam e se quedam a pensar como é que irão viver todas as 24 horas daquele dia da sua vida. A vida e o tempo são as duas metades da tal laranja, amigos que se completam inversamente. É fácil programar um dia da vida, dizemos, mas se pararmos para pensar no tempo de vida que perdemos com essa programação, concluímos que é preferível deixar fluir o subconsciente e vivermos todos os dias sem grande cogitação.

Envio os meus melhores votos de boas entradas no Novo Ano que está prestes a chegar à instituição que é o Delito de Opinião, a todos os autores, comentadores, leitores e visitantes. Que 2024 possa ser melhor do que o ano que irá terminar.

Bom Ano Novo.

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(Imagens Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.12.23

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João André: «A verdade é que Portugal é de facto um país de emigração e vai continuar a sê-lo. Vejo Portugal a sofrer uma verdadeira catástrofe demográfica a médio prazo e sem sequer ter a visão de criar laços com aqueles que partem. Isto terá consequências verdadeiramente desastrosas dentro de uns 20 anos. Claro que por essa altura, os bandalhos que estão no governo, nunca nada fizeram na vida (começando pelo PM) e exortam os portugueses a «sair da sua zona de conforto» já terão tratado do seu. Tenho ainda esperanças: nos filmes, os jagunços costumam pagar pelos crimes. Seria bom que 2014 fosse um ano nesse sentido.»

 

José Navarro de Andrade: «Muitos filmes são excelentes por aquilo que não mostram nem dizem. É o caso deste. Sarah Polley não é narcisista, nem se faz vítima; não julga, mas não se coíbe de comentar (ou seja de dar a ver as emoções contidas) como faria se acreditasse na farsa da objetividade; não disseca as emoções e os factos mas – e creio ser isto que faz de “Histórias que contamos” um filme prodigioso – revela e pondera o modo como conta estes acontecimentos.»

 

Eu: «Já acreditava nessa altura, como acredito agora, que o efeito acumulado de más notícias provoca um sentimento de exaustão junto dos consumidores de informação. Isto ocorre ainda mais em tempos de crise: procuramos encontrar no fluxo noticioso quotidiano alguma luz que nos permita sair do escuro. Enganam-se aqueles que se empenham em carregar ainda mais nas tintas escuras, julgando ir assim mais ao encontro dos leitores, ouvintes e telespectadores. É um erro semelhante àqueles que, na política, radicalizam em grau crescente as suas propostas, sem perceberem que a crise potencia soluções de moderação da parte dos eleitores, naturalmente descrentes de derrapagens radicais.»

As gémeas*

José Meireles Graça, 29.12.23

O caso das gémeas agora luso-brasileiras foi a mais recente escandaleira da vida pública portuguesa, que há longo tempo vem sendo alimentada com uma regularidade impressionante – uma história escabrosa por mês, em média a olho.

Isto poderia ter uma externalidade positiva, que seria a venda de jornais e a audiência de programas televisivos. Mas os jornais, ao menos os em papel, estão em crise, salvo se forem especializados, precisamente como o Correio da Manhã, nestas coisas.  E as televisões não estão, nem é previsível que venham a estar para já, nas vascas da agonia, não precisando por isso de dar mais importância a estas coisas do que às trincas e mincas da política do dia-a-dia. A rádio, a julgar pela TSF, que esbraceja para evitar o afogamento por estes dias, também já viu tempos melhores. Sobra Sandra Felgueiras, que por milagre vai denunciando moscambilhas ou a probabilidade delas. Milagre porque num país com a presença esmagadora do Estado na economia, na saúde e na regulação sortida, e este coutada de uma casta que nele se imbricou há mais de vinte anos, com um pequeno intervalo, as denúncias são vistas por não poucos olhos oficiais e oficiosos como dissidência, e esta como má recomendação para carreiras de sucesso.

Se tivesse uma receita para a salvação dos jornais em crise hesitava em pô-la aqui, talvez tentasse deitá-la para render. E como imaginação ou engenho para sequer imaginar saída para o problema não tenho, mas sou contribuinte líquido, veria com muito maus olhos que o que me falta, e aos que se afogam por já não conseguirem nadar, fosse suprido com impostos para sustentar aqueles alegados pináculos da democracia. Até porque o fatal resultado seria, em vez de Pravdas oficiosos, Pravdas genuínos.

O caso das gémeas foi denunciado há quatro anos e logo se farejou que havia ali mão suspeita. Mas foi deixado em banho-maria – até ao início de Novembro último. Cabe aqui a pergunta do porquê desta delonga. Já há pelos menos três inquéritos, o do MP que há-de chegar a conclusões possivelmente por alturas do solstício do Verão ou aquando da vinda de D. Sebastião, o da Inspecção-Geral da Saúde e do próprio hospital (o de Santa Maria).

Peço desculpa por não levar a sério nenhum inquérito feito por quem dependa do Governo ou tenha interesse funcional no caso; e por não acreditar que o MP alguma vez chegue a uma conclusão antes de este escândalo ser substituído por outro ou por eleições ou por um terramoto nos Açores ou um atentado islamita, ou, ou.

Deste Governo, credo, e da nebulosa de serviços povoados por funcionários por si nomeados, então, nada há a esperar. E, na ausência de explicações convincentes, resta a suspeita de que era preciso um escândalo novo para ajudar a tapar a cratera aberta pela acumulação de casos, casões e casinhos afectando o PS, que quer chegar a Março em estado de virginal pureza. Nada melhor do que um enxovalhando Marcelo, que teve o topete de aceitar o pedido de demissão de Costa, uma grande vítima de sombrios complôs.

Não é que Marcelo não mereça: quem fez carreira no leva-e-traz, rodilhices avonde, e se distinguiu por uma imparável e diária torrente de banalidades, mesmo em questões sérias, traindo ao mesmo tempo a esperança, que loucos nele depositaram, de servir de algum contraponto a um governo mexicano, merecia isto e pior.

E merecia tanto mais que, agora que parece que já se está a lavar os cestos da vindima, veio dizer que o filho bem merecia umas palmadas; e fez uma declaração extraordinária, que seria o seu inconsciente auto-retrato triste, se a obsessão com a popularidade fosse vista como a inferioridade daninha que é, e não como uma faceta atraente de um feitio simpático. Como segue:

“Os portugueses estão firmes na confiança que mantêm no Presidente. Não trocam o conhecimento de 20 ou 30 anos que têm da pessoa por dois ou três meses de crise política, com muitas notícias contrárias ao Presidente’, afirmou Marcelo no Barreiro, aludindo à sondagem do Expresso publicado este fim de semana: a popularidade do Presidente caiu, mas pouco, para cerca de 65%”.

Fantástico: Que interessa esta lamentável história se os bons chefes de família (e as chefas, que são inúmeras) têm, por cima da lareira, uma selfie com o Presidente, emoldurada, em que este dá testemunho do seu imenso coração, que o faz amigo de todos os bons Portugueses?

Ou talvez não. Que com tudo isto se vai compondo o quadro, de que os reformados no meu café dão testemunho, da inabalável certeza de que todos os políticos dão um jeito aos amigos e que quase todos (mas este não, que é um gajo porreiro) o fazem a troco de benesses presentes ou futuras. A magistratura de influência, que a Presidência é, superintendeu sempre alegremente na pêessização do país; e pode-se dizer que com isto fecha com chave de ouro.

Há quem reaja, fora do dever de ofício da Oposição? Pouca gente. E até a Igreja, a julgar pelas declarações do interessante bispo Ornelas, veio pôr uma cereja marcelística em cima deste bolo:

"Cunhas que salvam crianças não fazem mal a ninguém."

No mesmo dia em que isto li, escrevi numa rede:

Era bom que os lugares de topo estivessem reservados a pessoas sensatas, equilibradas e inteligentes. Poderíamos julgar que sim porque, se são de topo, há poucos para candidatos muitos, donde a concorrência é grande. Mas não: a experiência diz-nos que o asneirol acompanha muito também as pessoas que são, como se diz, de representação. E uma notabilidade a aliviar-se de tolices tem a vantagem de a gente se divertir. Excepto se o assunto for sério, como é aqui, porquanto: o medicamento custou 4 milhões de Euros que nasceram numa árvore regada com o suor dos contribuintes, os quais não têm a obrigação de ajudarem filhos de cidadãos estrangeiros, naturalizados às pressas para o efeito; é intolerável que a diligência, os cuidados, o ultrapassar do ronceirismo tradicional da Administração, mormente do SNS, se tenham visto de repente transmutados numa impressionante eficácia a benefício de cunhas de quem não deveria ter o poder, que é inadmissível num Estado de Direito, de tratar desigualmente o que é igual; não faltam cidadãos, e destes muitas crianças, que têm doenças às vezes da mesma gravidade, e que esperam e desesperam pela consulta, o tratamento, o medicamento, a prótese, o meio auxiliar da vida de diminuído, que nunca mais vem. A investigação é necessária porque o cidadão tem o direito de saber o que passou – o dinheiro de todos não é pertença de uma casta; e, garantidos os direitos de defesa, alguma sanção, nem que seja apenas a condenação pela opinião pública, tem de haver. Ornelas não entende nada disto porque não as pensa e entende que dá testemunho de grande virtude ao achar, porque mais não cabe no seu apertado bestunto, que há crianças de primeira e de segunda. Mas não há: nem aos olhos do Deus que nisto serviu mal nem aos das leis atropeladas.

O Chega, porém, não cresce por acaso, cavalga a indignação; e a descrença na reformabilidade do país é a maior amiga da abstenção. Ambas as coisas subprodutos, em parte, do PS. Uma herança que teve aliado no sítio onde menos deveria estar.

* Publicado no Observador

Leituras

Pedro Correia, 29.12.23

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«Não jurarei que qualquer deus exista. Só sei que é grosseiro viver sem deuses. Porque mais importante que os deuses existirem é acreditarmos neles. E mesmo que, existindo, nos ignorem, não sejamos nós a ignorar a sua autoridade primitiva que, nutrindo de segredos as florestas, os rios, os ventos, fez correr o sangue em nossas veias.»

Natália Correia, citada por Filipa Martins em O Dever de Deslumbrar, pp. 501/502

Ed. Contraponto, 2023

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.12.23

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Leonor Barros: «Antes que a quadra se vá de vez, um dos meus filmes preferidos. Esta cena que retrata o primeiro Natal de uma família turca na Alemanha, em pleno Milagre Económico, e o inevitável choque cultural. Almanya, de Yasemin Samdereli, 2011.»

 

Eu: «Como diria Churchill, que recebeu o Nobel da Literatura em 1953, "não há mal nenhum em mudar de opinião -- desde que seja para melhor." Quando não for, é preferível ficar assim.»

Na morte de Odete Santos

Pedro Correia, 28.12.23

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Foto: Global Imagens

 

Quando Odete Santos abandonou por vontade própria a Assembleia da República, em 2007, deputados de todas as bancadas tributaram-lhe uma calorosa ovação em plenário. Acompanhei esse momento e questiono-me se aquela rara unanimidade voltaria a ser hoje possível, fosse quem fosse a figura em causa. Sinto-me inclinado a supor que não: os hábitos políticos mudaram muito, a crispação acentuou-se, as trincheiras foram-se aprofundando.

Odete estava há muito retirada dos palcos mediáticos. Depois do Parlamento, chegou a fazer teatro em Setúbal, cidade adoptiva desta jurista natural da Guarda. Era pessoa de verbo fácil e gargalhada espontânea. Não escondia o que pensava nem temia ser inconveniente, por vezes face ao próprio cânone do PCP, que representou durante 27 anos no hemiciclo de São Bento. «Calma, Odete» era a frase-bordão que lhe dizia o secretário-geral Carlos Carvalhas, ambos caricaturados nos bonecos da divertida e saudosa Contra-Informação da RTP.

Isso ficou patente, aliás, na entrevista que lhe fiz para o Diário de Notícias, a última que concedeu enquanto deputada. 

Quando lhe perguntei se devia haver «mais mulheres» na cúpula dirigente dos comunistas, ela não hesitou um segundo na resposta: «Sim. Deveria haver mais mulheres. Não tenho dúvidas nenhumas.»

 

Sempre simpatizei com ela. Tinha o coração ao pé da boca. Entre ortodoxos e moderados nas fileiras comunistas, alinhava com os primeiros. Mas não por cálculo ou conveniência: era isso o que sentia, era isso o que realmente pensava. Fazia parte da sua maneira de ser e da fidelidade de longa data ao magnético «camarada Álvaro» que a levou à militância no pós-25 de Abril.

No entanto, na rua Soeiro Pereira Gomes nem todos lhe apreciavam o estilo algo dissonante e a popularidade que granjeou fora das paredes partidárias. Odete nunca fez parte dos organismos executivos (Secretariado, Comissão Política), nunca foi líder parlamentar, nunca foi candidata presidencial - ao contrário dos cinzentos e sensaborões António Abreu, Francisco Lopes e Edgar Silva, funcionários diligentes mas totalmente desprovidos de carisma.

Apreciava teatro, cinema, literatura. Era vibrante declamadora de poesia. Gostava de acampar. Nunca fugia a um debate, mesmo com quem estivesse nos antípodas do seu pensamento: permanece na memória de muitos a sua vigorosa defesa de Cunhal, na RTP, como "maior português de sempre" num simulacro de concurso em que emergiu como vencedor Salazar, enaltecido por Jaime Nogueira Pinto. Nem D. Afonso Henriques, nem D. Dinis, nem D. João II, nem Vasco da Gama, nem Camões. A memória histórica é curta, os extremos exercem sobre muitos uma atracção irresistível. 

 

Nessa entrevista que lhe fiz em Abril de 2007, confessava abandonar o parlamento com «uma sensação de alívio». Saudades, só as «do futuro» - parafraseando o "poeta militante" José Gomes Ferreira. Deixando no entanto antever alguma mágoa: sentia que devia ter sido mais bem aproveitada pelo partido que nunca renegou. «Tenho pena de não ter criado condições para fazer trabalho de organização, que é importante.» Por uma vez, ficou-se pelas entrelinhas - aliás facilmente entendíveis.

Lembrei-me de várias ocasiões em que privei com ela - nomeadamente em campanhas eleitorais - ao saber ontem a triste notícia do seu falecimento, aos 82 anos. Era de um tempo em que vultos de diversos partidos se cruzavam nos corredores parlamentares sem confundirem divergência com ódio ou insulto ao adversário. Parece uma era já remota, nestes dias em que abunda o carreirismo político, cada um fala quase só para a sua bolha e as personalidades com voz própria e autonomia profissional estão cada vez mais distantes da vida parlamentar.

Não tenho a menor dúvida: a democracia portuguesa perde com isso.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.12.23

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Ana Cláudia Vicente: «Antes de mais, e já que ainda vos apanho na oitava natalícia, faço votos para que (trabalhando ou feriando) continuem a celebrar a quadra com ternura e boa disposição

 

Luís Menezes Leitão: «Só há uma função absolutamente imprescindível a uma Câmara Municipal: é tratar da higiene urbana, onde se inclui obviamente a recolha diária do lixo. No entanto, António Costa, que sempre encarou a gestão da Câmara como um trampolim para outras funções, acha naturalmente que a recolha do lixo é demasiado prosaica para ser uma função camarária, decidindo por isso atirá-la para as juntas de freguesia. Os trabalhadores da recolha do lixo é que obviamente não gostaram de serem assim atirados às juntas, pelo que decidiram fazer greve. Essa greve está a ter um impacto tal que hoje, dia 28 de Dezembro, o lixo acumula-se nas ruas de tal forma que praticamente não se pode circular.»

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