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Delito de Opinião

Qual a dose de moral desejável na política?

Paulo Sousa, 31.10.23

O filosofo e ensaísta espanhol Daniel Innerarity já foi várias vezes aqui referido no Delito. Há dias, no El Correo publicou um texto interessante sobre a moralidade e a política.

Dei por mim a fazer uma tradução livre, que aqui partilho.

 

“Se olharmos para a corrupção e outros comportamentos degradantes é lógico que clamemos por uma moralização da política, que os valores sejam postos acima dos interesses. Porém, proponho inverter por um instante este ponto de vista. Perguntemo-nos se a causa da política ser tão decepcionante, agressiva e disfuncional, não resultará do peso crescente da moralidade em vez de se recorrer a uma lógica mais adequada. Quando o campo de jogo se define como um combate entre o bem e o mal, dificulta-se a argumentação racional e impossibilitam-se os acordos.

A moralização a que me refiro, não consiste apenas na que permite que as questões morais tenham um papel crescente na política, pois nesse caso tudo seria tratado como uma questão moral. A moralização da política ocorre sempre que as avaliações morais se sobrepõem aos valores. Nesses casos o que se observa são interesses e aspirações de poder e que a argumentação política é substituída por sentimentos morais como a culpa e a indignação. A polarização que lamentamos é a consequência lógica de se ter criado um campo de antagonismos absolutos, em que tudo é decidido numa luta épica entre o bem e o mal, nacionais contra traidores (referir-se-á certamente à situação espanhola), as vítimas contra os carrascos, a dignidade contra a infâmia, a culpa contra a inocência. Em contraposição existem duas posições claras, mais nada além disso. O moralismo é uma máquina de simplificação.

A moralização da política tem a vantagem de poupar argumentações mais trabalhosas. Para ter razão e estar do lado certo da história, basta indignar-se contra aqueles que acreditamos oporem-se ao bem. Quem discorda, não tem opinião própria, mas apenas más intenções. A moral, enquanto critério de oposição do bem ao mal, não permite que se discuta com os maus. Se um dos lados considera que as suas próprias intenções são moralmente boas (em vez de simplesmente melhores), então não há outra alternativa a combater por todos os meios, o mal que se aloja nos outros. Quem pensa assim, acha que não está defendendo os seus interesses, mas apenas as convicções e no momento seguinte recorre ao argumento da dignidade e da humilhação e assim encerra qualquer hipótese de diálogo e de negociação.

O exagero moralista é um fingimento com consequências reais negativas, uma vez que beneficia os mais radicais e dificulta os acordos necessários. A primeira vítima da moralização é a margem de negociação. Podem-se negociar interesses, mas se qualquer assunto se torna numa questão de princípio, as transacções são impossíveis. As pessoas com convicções fortes cometem geralmente erros, também por não acudir aos seus próprios interesses. O político munido com as armas da moral, costuma converter os seus interesses em princípios.

(…) A primeira regra da moral na política consiste em não se apresentar como defensor da moral quando se está a defender os seus interesses. De acordo com a segunda, não se pode desclassificar moralmente a quem consideramos estar politicamente errado. Sempre admirei a subtileza liberal que nos ensina a distinguir a diferença do erro, o adversário e o inimigo, que é o mesmo que dizer, entre a política e a moral. Assim, cria-se um espaço de comunicação e combate político, que permite estar completamente a favor de algo e reconhecer o direito de outros defenderem o contrário, sem levantar a suspeita da imoralidade.

Na política, e não só, para além de existirem coisas exclusivamente boas ou más, existem coisas oportunas, discutíveis, previsíveis, negociáveis, desejáveis e outras que não é razoável termos uma posição exclusivamente moral, ainda que o possamos fazer pontualmente.

A comunicação política seria muito diferente se conseguíssemos excluir toda essa carga moral. A política não pode resumir-se à neutralidade técnica, a dados assépticos sem avaliação implícita, mas deveríamos deixar um pouco mais de espaço a factores que suavizem a contraposições ideológicas. Falemos mais do melhor e do pior e menos do bem e do mal. Discutamos mais a partir de critérios menos enfáticos, como a oportunidade, a conveniência, as alternativas, os custos e benefícios, que são muito menos antagónicos. O melhor e o pior estão muito mais próximos do que o bem está do mal.

Defendo uma menor moralização da política porque acredito que isso beneficiaria a política e também a moral. Representar o bem, proporciona um sentimento de superioridade moral que é incompatível com a verdadeira moralidade. Que a moralização não implica necessariamente um aumento da moral, pode comprovar-se nos actos de quem tem diz ter a moral do seu lado e, por isso, acha que tudo lhe é permitido, incluindo comportamentos imorais. O início da imoralidade ocorre quando alguém pensa que tem a moralidade do seu lado. Na medida em que é essencial para a democracia estabelecer um espaço de controvérsia, a moralização da política é um perigo objectivo. Os defensores da democracia precisam não apenas de se defender do mal, mas também devem defender-se da tentação do bem.”

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.10.23

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Fernando Sousa: «Boa notícia, boa notícia, seria, não a reforma do Estado, mas a sua aposentação; já fez o que tinha a fazer, podia vestir o roupão, calçar os chinelos de quarto e passar o resto dos seus dias a ver telenovelas. Esta também é só para reflectir.»

 

João André: «Não tenho mesa de cabeceira, o que estraga um pouco o sentido da ideia, mas gosto de ler na cama. Na fotografia acima falta o telemóvel (foi usado para a fotografia) onde costumo também fazer algumas leituras (jornais e alguns e-books), mas está o essencial do monte ao lado da cama. Está também o candeeiro e a ficha onde o candeeiro e o carregador do telemóvel vão buscar a energia.»

 

Eu: «A "lufada de ar fresco" e o "novo ciclo de esperança para a Europa" que prometiam vir de Paris não passaram afinal de miragem para iludir incautos: com 73% de opiniões negativas, François Hollande é o chefe do Estado francês mais impopular desde que há registos. E até já vê a Frente Nacional, de Marine Le Pen, ultrapassar o seu Partido Socialista nas intenções de voto. Nos dias que correm, o inquilino do Eliseu só pode transmitir más vibrações à son ami Tó Zé no Largo do Rato. Seguro vai ter de encontrar outra fonte de inspiração. Antes que se constipe com tanto ar fresco.»

Os silêncios sobre as eleições confiscadas em Moçambique

jpt, 30.10.23

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(Votação nas eleições municipais, Montepuez, 2003)


Já em postal anterior referi o que vem acontecendo em Moçambique desde as recentes eleições municipais de 11 de Outubro. E voltei ao tema lamentando o silêncio do governo português. Mas regresso ao tema: sumarizo a situação - nisso repetindo alguma informação - e aduzo mais razões para lamentar a posição do nosso poder político.

1. O estabelecimento de conselhos municipais tem sido gradual, acompanhando o acréscimo da população urbanizada – a qual em 2019 era já 34% do total –, pois os distritos rurais têm outro enquadramento administrativo. Em 1998, aquando das primeiras eleições locais, estipularam-se 33 municípios, em 2008 o seu número subiu para 43, e desde 2013 passaram a ser 53. Nas últimas autárquicas, em 2018, o partido RENAMO conquistou 8 - entre os quais as relevantes capitais provinciais Nampula e Quelimane -, o MDM susteve o seu bastião Beira, tendo os restantes 44 sido ganhos pelo partido FRELIMO. E para 2023 o reordenamento administrativo implicou o aumento para 65 municípios.

 

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.10.23

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Bandeira: «Preferia não ter que me decidir.»

 

Fernando Sousa: «O xeque Ali al Hemki, membro do Conselho dos Estudiosos da Arábia Saudita, emitiu uma fatwa, um decreto islâmico, proibindo as viagens a Marte, noticiou o jornal Ah Hayat, citado pela EFE - e o DN. Allah-o-Akbar! Quem comprou bilhetes, aconselho que os devolva.»

 

Helena Sacadura Cabral: «Em Portugal dialogar, ouvir quem pensa diferente, questionar as próprias decisões, não são apanágio da "partidarite bacoca" que se apossou do que entendemos ser a democracia. E isto, infelizmente, aplica-se tanto ao governo como à oposição.»

 

José Maria Gui Pimentel: «Enquanto nos restantes países europeus – mesmo incluindo os chamados “países mediterrânicos” – os grandes anúncios políticos são feitos normalmente da parte da manhã, ficando o resto do dia para a análise dos comentadores, as reações dos vários intervenientes e até a reflexão dos cidadãos, em Portugal o prime time político ocorre já após o dia normal de trabalho, perto ou sobre a abertura dos telejornais. Lembro-me sempre desta peculiaridade do sistema quando surgem já ao fim do dia intervenções importantes do primeiro-ministro, da ministra das Finanças, dos juízes do Tribunal Constitucional (da última vez que me lembro já passava das 20h30m), do Presidente da República ou, como foi o caso de hoje, do vice-primeiro-ministro. Como se fosse às 20h que, qual coruja, o país tivesse o seu pico de actividade.»

 

Teresa Ribeiro: «Uns saem, outros ficam, mas não se multiplicam para que o mal de viver não cresça. O país começa a parecer-se com uma doença infecto-contagiosa. Os demógrafos dizem que assim não há futuro.»

 

Eu: «Lamento, caríssimos herdeiros de Sophia, mas tenho demasiada consideração pela autora dos Contos Exemplares para lê-la numa grafia que ela não escolheu nem certamente defenderia. Como nem o próprio editor defende. Felizmente restam as edições antigas, cada vez mais disponíveis por aí. Felizmente também há ainda muitas editoras que resistem em render-se ao acordês, recusando perpetuar delitos de lesa-cultura em páginas impressas. Felizmente, neste ano de 2013, podemos ver Sophia bem reeditada. Abro a décima edição de Coral, por exemplo, lançada há poucos meses pela Assírio & Alvim (por ironia, pertencente ao grupo Porto Editora), escolho um poema ao acaso: "Nardo / Pesado e denso, / Opaco e branco, / Feito / De obscura respiração / E de nocturno embalo." Assim mesmo. Sem a supressão de supostas consoantes mudas.»

Leituras

Pedro Correia, 29.10.23

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«Para descobrir a verdade sobre a maneira como os sonhos morrem, nunca se deve aceitar a palavra do sonhador.»

Toni Morrison, O Olhar Mais Azul (1970), p. 109

Ed. Presença, 2023. Tradução de Tânia Ganho

Pensamento da semana

Pedro Correia, 29.10.23

Alguns entram hoje em êxtase com o eixo Moscovo-Minsk-Teerão-Pequim-Pyongyang. Eu olho para Putin-Lukachenko-Khamenei-Xi-Kim e vejo Hitler-Mussolini-Al Husseini-Pétain-Tojo-Hirohito. Ao novo eixo, tal como acontecia com o outro, não faltam colaboracionistas. 

Estou na margem oposta. Detesto ditadores, desprezo tiranos, abomino genocidas.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.10.23

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André Couto: «Os escravos e as escravas, noutros séculos, também tinham vantagens: eram mais vigorosos fisicamente, mais atraentes e, para além disso, tinham uma vantagem relativamente aos escravos e às escravas modernos: davam-lhes casa e comida. Hoje nem isso.»

 

Ivone Mendes da Silva: «Eu que leio em todo o lado, o local onde menos leio é na cama. Deito-me madrugada alta e é mesmo para dormir, que já sei como me acordam as olheiras. O mais habitual é ler no canto do sofá e esse é infotografável pela desordem bibliófila que o ocupa. Mas tenho dias, melhor, tenho noites em que digo de mim para mim, majestática como convém nos solilóquios que se prezam: vou retirar-me. Agarro então num outro livro, que não o que esteja a ler, por uma qualquer razão que me salte ao caminho no momento. E esses volumes ocasionais empilham-se por lá, nas mesas, no chão, não era para fotografar o chão, pois não?»

 

JPT: «Blogar tem sido para mim, nesta última década, uma espécie de catarse, uma navegação de cabotagem, enfrentando os males meus e fruindo os bens alheios. Nos últimos tempos tenho procurado fazer do bloguismo, um pouco aqui no DO, mais ainda no ma-schamba, um refúgio, de coisas melhores face a horizontes difíceis. Algo que tentei aventar em 13 "futuro" que lá fui metendo. Mas esse "futuro" chegou entretanto, não tão inesperado assim. A situação é muito complicada. Não é tempo, não é espírito para bloguismos. Eu suspendo, voltarei quando desanuviar o país e se me aligeirar aquela alma na qual não creio. Um abraço aos opinadores aqui, que continuem nos seus delitos.»

Comer (12)

Arroz selvagem com espargos, tomate-cereja e ovos

Pedro Correia, 28.10.23

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Longe vai o tempo em que comia quase sempre fora. Isso mudou, aliás antes da pandemia. Agora tornou-se raro o dia em que não cozinho. É uma actividade que cultivo, aprecio e recomendo - começando, aliás, na lista de compras já a pensar nas ementas. 

Como salientei no primeiro texto desta série, houve mudanças a outro nível. Sou hoje muito mais exigente naquilo que consumo à mesa. Bani quase por completo os fritos da minha alimentação diária e reduzi a carne à expressão ínfima. Adoro peixe, mas também fui reduzindo - neste caso sobretudo pelo preço, que se tornou proibitivo. Uma recente ida ao mercado, aliás quase vazio, deixou-me com certezas reforçadas nesta matéria. Não apenas no peixe, mas nos legumes: por um molho de espargos pediram-me o triplo do preço que costumo pagar no supermercado.

Vade retro, especuladores. Depois são os primeiros a debitar lamúrias perante as câmaras de televisão...

 

Partilho convosco um dos pratos de que mais gosto: todas as semanas o faço. Alterando uma vez por outra os ingredientes, mas sempre com a mesma base: arroz selvagem - rico em fibras, vegetais e anti-oxidantes. 

Exige três focos de atenção. Por um lado, o arroz vai cozendo, demorando um pouco mais do que o arroz tradicional: cerca de 20 minutos. Por outro, escaldamos espargos, devidamente cortados e despojados da base mais rija: cerca de quatro minutos bastam. Finalmente, numa frigideira, vamos salteando em azeite e louro uma curgete partida em pedaços. Quando estiverem dourados, dão lugar aos espargos, repetindo-se o processo.

À parte, numa tigela, depositamos fatias de queijo mozzarella (o vulgar queijo fresco também serve) com tomates-cereja cortados em metades. Tudo bem misturado e temperado. Com orégãos, um fio de azeite, algumas gotas de vinagre balsâmico e uma colher de sobremesa de pesto: tenho usado pesto alla calabrese, pelo seu inconfundível travo picante.

Entretanto o arroz cozeu e respirou durante alguns minutos antes de rumar à travessa. Vai servir de leito aos pedaços de curgete, aos espargos, ao queijo e ao tomate. Falta revolver tudo noutra colher de pesto. E escalfar dois ovos, que seguirão o mesmo rumo, cada qual de sua vez. Ficam no topo da travessa, juntamente com sementes de sésamo ou miolo de caju. Além das cabeças dos espargos, só para enfeite. 

 

Fácil, rápido, nutritivo e saboroso. Daí eu repetir tantas vezes este prato. Que não encontro em nenhuma ementa de restaurante. Nem sinto essa necessidade.

Para quê procurar fora aquilo que tenho em casa?

O hífen na RTP-África

jpt, 28.10.23

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Enfim, sou um chato, cada vez mais um velho chato... Ontem liguei a RTP-África (um canal do serviço público, para quem se possa ter distraído). Procurava notícias sobre a situação em Moçambique - inexistiam, tal como inexistem nos outros canais da RTP. Paciência, a gente sabe da modorra e desinteresse do funcionalismo público instalado naquela empresa. 

Mas não é isso que me traz aqui. Pois andava eu vasculhando para trás e para a frente na transmissão,  à cata de algo que tivesse chegado do (efervescente) Maputo, quando me deparei com este programa, que será de variedades e tem aspecto de ser simpático. Mas acontece uma coisa: a RTP é estatal, cumpre (algo esbatidas) funções do tal "serviço público". Para que ela funcione nesse enquadramento os portugueses pagam impostos. E concordam também que concorra com outras empresas televisivas no mercado da publicidade, contribuindo para o estado depauperado em que essas vão subsistindo. Tudo isso porque se acorda que o papel da RTP é fundamental.

Sendo assim conviria informar os serviços de produção que "Bem Vindos", o nome inscrito nos cenários deste programa, é um erro. Não é um acto criativo, não é  uma "liberdade literária". É pura e simplesmente um erro, falta-lhe um hífen. Que haja erros nas legendas ou nos rodapés (que agora os incultos incautos chamam "oráculos") é criticável mas é normal, humano, falhas avulsas e individuais sob a pressão da inscrição célere. Agora um erro perene num cenário, não (r)emendado, assim reproduzindo-se entre espectadores? Para preguiça empresarial não haverá melhor exemplo.

Será que alguém pode ir ali a Chelas, à porta da RTP, informar o recepcionista "falta-vos um hífen na RTP-África"? Faltarão mais coisas. Mas pelo menos este hífen eles deverão conseguir arranjar.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 28.10.23

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Hoje lemos: Joël Dicker, "Os Últimos Dias dos Nossos Pais".

Passagem a L-Azular: “Não, isso não foi nada. Estou a falar do medo que te esmaga, que te faz dormir mal, viver mal, comer mal. Aquele que não te dá trégua. O verdadeiro medo é o dos caçados, dos perseguidos, dos rebeldes, o medo daqueles que têm que viver escondidos porque correm o risco de morrer mesmo que não tenham cometido nenhum crime. O medo de existir. O medo dos judeus.”

Viver com medo.

É legítimo ter opiniões. É lícito podermos expressá-las sobre tudo e todos, porque somos livres de dizer. Falamos sobre o que pensamos saber, porque formámos um ponto de vista que cremos sólido sobre tudo o que vimos, lemos ou ouvimos dizer. Sobre tudo aquilo que nos é informado subjectivamente por terceiros.

Mas e o que dizer de perorarmos objectivamente, porque experimentámos fisicamente? Porque estivemos lá e por isso o sentimos na pele?

Sobre isso não sabemos coisa alguma. Quem de nós nasceu e viveu com medo, com o tal medo que não dá trégua, e que nos acossa e agrilhoa o espírito de tal modo que nos faz recear a própria sombra?

Falar é fácil, quando nos cremos entendedores daquilo que nunca presenciámos para poder contar como foi.

(Imagem Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.10.23

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André Couto: «Certamente que a teoria já foi explicada e assinada por alguém de renome, mas há muito digo que o problema das nossas frustrações em adultos reside nas histórias com que nos embalam em crianças. Aquela lengalenga do "e viveram felizes para sempre"/"fim", com base na parte encantadora da história e deixando por explicar como é que fizeram quando começaram a acordar gordos, sem base e com os olhos por limpar, quando passaram a ter de defecar com uma porta de madeira de permeio para a pessoa amada, como fizeram quando ficou evidente que ambos eram desprovidos de talento para a cozinha e as mães já não estão presentes, é algo assassino que não estamos preparados para gerir. "E agora?! Raios! A Cinderela limpava a casa e cozinhava como ninguém, e o Príncipe era cortês e sempre lindo de morrer..."»

 

Fernando Sousa: «Corto [Maltese]: “... tem de ser na primeira sexta-feira da lua. Compras uma fita azul de comprimento médio em nome da rapariga que amas... Dás um nó dizendo versículo 5 da surata 30, dita Dos Venezianos ou, se preferires, Dos Bizantinos... Mas não o apertes antes de recitares todo o versículo... Depois, amarras a fita no teu braço esquerdo, e, com esse braço, acaricias a rapariga que amas e... tudo correrá bem.” Cush [da tribo dos Beni Amer]: “E se ela não quiser que eu a acaricie?” Corto: “Então, arranja outra...” (O golpe de misericórdia, in As Etiópicas). Precisava de Corto Maltese depois de terminar "Meio Sol Amarelo" (Chimamanda Adichie) e antes de pegar na piada infinita de David Foster. Não levem a mal: Corto é culto. Voltamos sempre a ele.»

 

Helena Sacadura Cabral: «O Correio da Manhã noticia que dez pensionistas recebem prestações de sobrevivência que custam aos cofres da Segurança Social 893 mil euros por ano. A ser verdade, e feita uma pequena conta de dividir, tal significaria que o/a sobrevivente casara e enviuvara de um verdadeiro “tubarão” salarial. Com efeito a viuvez permite que cada um destes pensionistas receba em média 89.300 euros anuais! Há casos em que a viuvez parece compensar...»

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