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Delito de Opinião

Leituras

Pedro Correia, 30.09.23

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«Chega-se a um momento da vida em que da gente que se conheceu são mais os mortos do que os vivos. E a mente recusa-se a aceitar outras fisionomias, outras expressões: em todos os rostos novos que encontra, grava as velhas feições, para cada um arranja a máscara que melhor se lhe adapta.»

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis (1972), p. 106

Ed. D. Quixote, 2016 (5.ª ed). Tradução de José Colaço Barreiros

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 30.09.23

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Hoje lemos: Abū al-Qāsim Muḥammad ibn ʿAbd Allāh ibn ʿAbd al-Muṭṭalib ibn Hāshim  ou  apenas Muhammad, "Al Qur'an".

Passagem a L-Azular: “É melhor sentar-se sozinho do que em companhia com o mau; e é melhor ainda sentar-se com o bom do que sozinho. É melhor falar com aquele que busca conhecimento do que permanecer em silêncio; mas o silêncio é melhor do que palavras vãs.”

Nos dia que correm o bom, o mau e o sábio confundem-se nos seus pensamentos e acções, podendo um ser todos e todos serem um. Permanecer em silêncio e reflectir é fundamental. E é um truísmo evidente e comprovado que, sendo o silêncio de ouro, não se deve desperdiçar em banalidades. Pensar no que se diz antes de traduzir o pensamento em palavras é um dom que, apesar de estar fora de moda, não abduz de modo algum o mérito da prática.

(Imagem Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.09.23

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Fernando Sousa: «Entretenho agora a alma com o Meio Sol Amarelo (ASA), da nigeriana Chimamanda Adichie. Já sei para onde me leva e ainda vou no cenário, nos sonhos revolucionários do senhor Odenigbo e nos amores das irmãs Olanna e Kainene; cheira-me a petróleo e a genocídio. Era muito miúdo quando o pivot da televisão anunciou que iam transmitir imagens susceptíveis de chocar as pessoas e mandaram-me para a cama. Terá sido aí por 1967. Ainda hoje vejo pela frincha da porta um ibo a ser fuzilado. Disse “ai, aiiii” – e caiu. Tenho-o nos ouvidos. Mas hoje já ninguém me manda para a cama.»

 

JPT: «Em 1985 fui professor na escola do Catujal, Sacavém (na altura um para lá do Trancão verdadeiramente dantesco). Desde então que posso dizer que tenho uma ligação biográfica a Loures. Como tal realço a vitória do PCP nessa câmara, um dos factores que torna o "Partido" o grande vencedor de ontem aí em Portugal. Saúdo, particularmente, o cabeça-de-lista, Bernardino Soares, o político português que em XXI mais defendeu a democraticidade da Coreia do Norte e justificou as posições do poder do Zimbabwé.»

 

Luís Menezes Leitão: «Se as eleições autárquicas serviram para alguma coisa foi para derrotar estrondosamente a estratégia suicida de candidatar dinossauros às câmaras vizinhas numa clara fraude à lei de limitação de mandatos, escandalosamente sancionada pelo Tribunal Constitucional. De facto, com as excepções de Ribau Esteves em Aveiro e Álvaro Amaro na Guarda, as candidaturas de dinossauros autárquicos foram estrondosamente derrotadas. Seara teve um resultado humilhante em Lisboa e Luís Filipe Menezes deixou que a Câmara do Porto fosse parar às mãos de um independente sem qualquer currículo político.»

O fim de uma era

Pedro Correia, 29.09.23

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«Não penso sentar-me no chão, à porta de uma livraria. Mas procurarei, muitas vezes, bancos de jardim, à sombra. E assim me deixarei ficar, absorto, tomando notas para uma improvável emissão futura, feita de silêncios e de palavras elementares, assim me pouse no ombro a ave clandestina.»

O Olhar Perto do Chão: a última crónica do Fernando Alves. Foi hoje, na TSF. O fim de uma era na rádio, sintoma do fim de uma era no jornalismo português.

Greves e direitos*

José Meireles Graça, 29.09.23

A maioria esmagadora dos portugueses não tem nada a correr nos tribunais, isto é, não é parte, nem réu, nem testemunha. E presumo que uma muito menor parte, mas ainda assim maioria, nunca tenha frequentado tais estabelecimentos ominosos.

A maioria esmagadora dos portugueses não está internada, ou tem consultas, exames ou intervenções cirúrgicas marcadas. Porém, será difícil encontrar quem seja indiferente ao que se passa em hospitais e centros de saúde, quer porque já os frequentou, quer porque tem familiares ou amigos que lá estão, estiveram ou têm de regressar, quer porque não ignora que há grandes probabilidades de, a qualquer momento, deles necessitar.

Não é muito nítida na consciência social a necessidade da Educação, cuja utilidade a generalidade das pessoas (e não poucos responsáveis) mede pela quantidade de diplomas. Disto decorre que os danos que as medidas induzidas pela histeria covidesca causaram ao ensino, ou melhor, à aprendizagem, não aflijam excessivamente os pais porque, baixando o nível de exigência escolar, é possível satisfazê-los.

Sucede que estes três sectores – Justiça, Saúde e Educação – estão volta e meia em greve, e esta vai num crescendo de frequência, acrimónia e irredutibilidade.

O PS, que governou em 21 dos últimos 28 anos, nunca se distinguiu pela inflexibilidade na satisfação de reivindicações; e pelo contrário não hesitou em “negociar”, que é o nome que se dá à cedência, mesmo que limitada, às reivindicações dos sindicatos, no caso do sector privado após os respectivos representantes anuírem (voluntariamente coagidos, se posso usar a expressão).

A isto se chama concórdia. E é sobretudo ela, e a consideração pelo interesse de pensionistas e reformados, que explica as vitórias pêessísticas.

Cabe portanto perguntar por que razão há tanta relutância do Governo em pôr-se de acordo com médicos, enfermeiros, oficiais de justiça e professores.

A resposta é simples: não há dinheiro. A dívida pública continua nominalmente a crescer e a falência socratiana enxertou no corpo ideológico do PS a ideia (acertada) de que os défices orçamentais (mais propriamente de execução orçamental, que os Orçamentos tornaram-se instrumentos de manipulação e fantasia) devem tender para zero, uma vitória póstuma de Salazar.

Ora, se foi possível diminuir horários de trabalho, aumentar o número de funcionários públicos e controlar o défice, o preço veio sob a forma de degradação dos serviços que o Estado oferece, por falta de investimento, não obstante a carga fiscal dar sinais, após sorrateiros e sucessivos crescimentos, de estar no limite, mesmo para estatistas de vária pinta.

Essa degradação não pode prosseguir, as queixas e resmungos já começam a erodir o saldo de confiança popular. E o Governo, não tendo outra ideia para o país que não sejam as cansadas receitas da chupice europeia, intervencionismos sortidos na economia privada (sempre promissores e sempre falhados) e “apostas” grandiloquentes nisto e naquilo, conta agora apenas com doses massivas de propaganda, benevolência da comunicação social, um bodo aos pobres e cedências às reivindicações mais perto das eleições, tudo e ainda o que a mestria de Costa nas cabriolas do Poder recomende para tirar um coelho da cartola.

Até onde a vista alcança, porém, ou aumenta uma regressão palpável no que o Estado vem oferecendo na qualidade dos serviços, ou se regressa aos défices, ou nas próximas eleições este Governo é despedido.

Se for, todavia, doses mais modestas das mesmas políticas não vão resolver o problema de fundo, que é o da ausência de crescimento, sem a qual o bolo para distribuir, com o número de velhos a aumentar e os novos a darem à sola, tende a diminuir. E como a criação de condições para sair do arrastar de pés implica, entre outras coisas, diminuir a dívida, há que travar o aumento da despesa,

Dizem alguns que o corte nos impostos induz crescimento. Concordo que sim, a prazo, mas o intervalo é grande e entretanto é preciso maneirar.

Dito de outro modo: ceder às reivindicações na medida das exigências não é um bom caminho; cortar nas despesas sim, desde que sem convulsões sociais (verdadeiras, não o berreiro de sindicatos e a fronda da boa gente de esquerda), ainda que as poupanças daí decorrentes não sejam exaltantes, salvo um esforço sério e nunca empreendido de extinguir serviços inúteis, ou prejudiciais, ou redundantes; e inverter o caminho da degradação dos serviços igualmente sim, na exacta medida em que com isso não se comprometa o sanear das contas públicas.

Não é provável que os servidores públicos aceitem apertar o cinto. E um novo governo, sendo por definição, se for novo, de direita, terá mais e não menos dificuldade em lidar com este complicado puzzle.

Daí que a solução óbvia (tão óbvia que até mesmo um governo do PS tenha porventura de a vir a encarar) seja rever as leis da greve, não para resolver qualquer problema de fundo mas para lhe podar as consequências. As greves assentam no pressuposto de que o direito respectivo se pode sobrepor a outros direitos, nomeadamente o à Saúde, ao Ensino e à Justiça, com a condição de haver serviços mínimos decididos em determinadas condições e que respeitem os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Esses princípios são actualmente contemplados? Claramente não.

Admite-se que doentes (sobretudo pobres que não podem recorrer ao privado) vejam consultas, cirurgias e exames adiados porque, não correndo o risco de morrer de imediato, podem bem aguentar? Das duas uma: ou essas consultas, cirurgias e exames, não servem para nada; ou, se servem, então o doente vê, provavelmente, diminuir a sua esperança de vida, ou a continuação do seu sofrimento.

Admite-se que se assista pacificamente ao degradar da qualidade do ensino, que vai entupir o país, a prazo, de analfabetos licenciados? Ou acreditamos que o progresso tem necessariamente uma componente de educação ou não. Se acreditamos (e quase ninguém duvida) então é intolerável que uma geração inteira seja comprometida.

É razoável que todos os dias milhares de diligências nos tribunais sejam canceladas (ainda por cima em menu à lista, umas são adiadas, outras não, nuns dias serviços xis sim, noutros não), com danos para credores, devedores, pessoas e empresas que vêm a sua vida gratuitamente complicada e os seus negócios prejudicados? Ou achamos que o progresso material exige o funcionamento tempestivo da Justiça, a que todos têm direito, ou não.

De modo que urge uma clarificação. A ideia de que o direito à greve é universal contempla, no ordenamento jurídico actual, limitações, como os militares, juízes (quanto a estes segundo o melhor entendimento, o ponto não é, inacreditavelmente, completamente pacífico) e deputados, em cada um destes grupos por boas razões. Que não são as mesmas, obviamente, que as dos médicos, professores, enfermeiros e oficiais de Justiça.

Excepto pelo facto de todos serem pagos por dinheiros públicos e todos estarem ao serviço de funções do Estado que satisfazem direitos constitucionalmente garantidos.

Que os partidos de direita tenham paciência: os serviços mínimos não garantem nada; o seu silêncio é interesseiro e cego, traduz apenas uma cedência acéfala a uma bandeira que a esquerda quer impingir como um direito humano; e se precisamos de Forças Armadas que assegurem um módico de respeito para com o país, não precisamos menos de Saúde, Educação e Justiça e não simulacros mancos desses três bens.

* Publicado no Observador

As eleições na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 29.09.23

Não tencionava comentar as eleições na Madeira, mas este post do JPT estimulou-me a dar também a minha opinião, no quadro da pluralidade que sempre caracterizou este blogue. Na minha opinião estas eleições foram um desastre para o PSD, o que só augura o pior para as eleições que se seguem e para a liderança de Montenegro.

As principais culpas do que se passou não podem ser atribuídas a Miguel Albuquerque, que até partia lançado para renovar a maioria absoluta e trucidou a oposição do PS. O problema ocorreu na semana anterior, com a posição do PSD nacional perante a moção de censura do Chega. Essa moção de censura fez o Chega aparecer ao eleitorado como a única oposição ao Governo de António Costa, o que lhe permitiu saltar de uma base de zero — nem se sabia se conseguia concorrer até ao último momento — para 8,5% na Madeira. E a Iniciativa Liberal entrou no Parlamento da Madeira porque apoiou essa moção. Pelo contrário, o PSD perdeu deputados ao abster-se numa censura ao Governo do PS. Se não conseguia votar ao lado do Chega, teria que apresentar ele próprio uma moção de censura e votá-la favoravelmente. A conversa de que somos o partido das soluções e não o das moções só serve para o PSD não ser visto como oposição. Espero que ao menos aprendam de vez a lição. Se amanhã aparecer de braço dado com o PS na revisão constitucional, o PSD será trucidado em quaisquer futuras eleições.

Mas a solução de Miguel Albuquerque de fazer um acordo com o PAN também é péssima para o PSD. Luís Paixão Martins, no seu livro Como perder uma eleição, assume ter cometido um erro ao aconselhar António Costa a assumir que o PS, caso não tivesse maioria absoluta, se poderia coligar com o PAN. Tal provocou uma reacção indignada de muitos militantes do PS no interior. Na verdade o PAN pode ter muitos votantes no meio urbano, mas é odiado nas zonas do interior, pelo seu posicionamento contra o meio rural. Ora o PSD ainda tem mais apoio nos distritos do interior do que o PS, pelo que um acordo com o PAN será tóxico para o partido. Aliás, pelas convulsões que o próprio PAN está a ter, aposto que esse acordo não vai valer o papel em que será escrito.

Ou o PSD muda rapidamente de estratégia ou a sua chegada ao Governo será uma miragem.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.09.23

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Patrícia Reis: «Eu estive, alegremente, em duas secções de voto e depois, fiquei numa secção diferente daquela que julguei certa, mas votei. Nos três papéis. Três cruzes, nada de bonecadas ou asneiras. Senti-me quase crescida.»

 

Teresa Ribeiro: «Houve um tempo em que se gozava muito com os turistas japoneses por dispararem com as suas Minoltas e Nikons sobre tudo o que mexia. Agora esse frenesim passou a ser global. Com os telemóveis fotografa-se tudo, até a roupa nas montras (fiquei a saber através de uma reportagem de rua que vi na televisão). Este frenesim nipónico corrompe o que deveria ser sempre a nossa relação com a fotografia: uma selecção criteriosa das imagens ou momentos que queremos resgatar do fluxo temporal contínuo, desafiando as leis do espaço e do tempo. A banalização da fotografia está a roubar a alma aos retratos.»

 

Eu: «António Costa obtém a maior vitória de sempre em Lisboa, conseguindo um inédito terceiro mandato consecutivo do PS no executivo municipal. Vence em dois planos: derrota a direita que o enfrentou em coligação e o sectarismo à sua esquerda. Governará o maior município do País como entender, até porque se sagrou vencedor em quase todas as 24 freguesias da capital e dispõe finalmente de maioria na Assembleia Municipal. Torna-se, a partir de agora, o maior triunfo eleitoral da sua área política: ninguém à esquerda soma tanto como ele. Num futuro próximo será candidato ao que entender, à revelia dos estados de alma do actual secretário-geral do partido.»

Eleições na Madeira

jpt, 28.09.23

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As eleições na Madeira já foram esmiuçadas pela imprensa e locutores políticos. E nas tertúlias que ainda se dedicam às coisas da política nacional. Um amigo que tem a gentil paciência de me ler nos blogs pergunta-me se não direi nada sobre o assunto. Não conhecendo eu o contexto - lamentavelmente não vou à Madeira desde 1993 - nem tendo acompanhado as notícias que poderei eu dizer? Ou melhor, que poderei eu dizer que não tenha já sido dito? E, ainda mais, que não tenha eu já dito?

Sobre os resultados das eleições há dados que são  factos, transcendendo o estatuto de mera opinião: há meio século que o PSD governa a região, o que demonstra ter alguma virtude nisso, por mais críticas que possam ser feitas aos seu sucessivos governos. Agora ficou resvés a maioria absoluta - olhando para os resultados presumo que com mais cerca de 700 votos a teria alcançado. O PS teve uma enorme quebra, uma estrondosa derrota eleitoral. O parlamento regional pluralizou-se, nisso seguindo o que vem acontecendo no nacional - pois longe estão os tempos dos quatro partidos e das imensas lérias sobre as vantagens da "bipolarização", que tantos aldrabões políticos propagavam no final de XX. O CHEGA teve um grande crescimento, sublinhando o seu estatuto de terceira força política nacional.

Depois há opiniões, "cada cabeça sua sentença". A fragmentação do parlamento regional poderá também ter sido causada pelas lideranças das várias listas candidatas. As representações dos pequenos partidos poderão ter sido possibilitadas por alguma abstenção entre os eleitores atreitos à coligação PSD/CDS, provocada pelas sondagens que anunciavam grande vantagem. Há uma grande deslocação de eleitores para o amplexo centro-direita. O eleitorado do CHEGA é constitutivo da nossa sociedade e não pode continuar a ser demonizado e as suas preocupações pontapeadas. As novas direcções dos já institucionalizados PCP e BE não tiveram efeitos relevantes no eleitorado madeirense - ainda que tal possa ter sido apenas provocado pelas listas locais. As preocupações com as alterações climáticas no seio da população urbana continua a favorecer o atrapalhado PAN, que se reclama ecológico.

E há dúvidas, também cada um terá as suas. Antes de tudo, não faço a mínima ideia do que seja o regional JPP. Será o CDS ainda existente no arquipélago? De qualquer forma o seu novo líder foi engolido na arena comunicacional, tendo uma vitória eleitoral mas uma relativa derrota política. E os arranjos governativos têm também um sabor amargo para esse CDS: o líder da coligação regional anunciou um acordo governamental com a nova deputada do PAN. E logo se sabe que esta tem um programa radiofónico (isso a que agora se chama podcast, sabe-se lá porquê) dedicado a temas antes ditos "fracturantes", educação cívica e sexualidade, e sobre esta fala com (saudável) liberalidade lexical e temática. Como reagirão as "massas" antes ditas "demo-cristãs", sempre filiadas no seu valor fundamental "vícios privados, públicas virtudes"? Ou, para falar como a nova deputada do PAN,  parece-me que na Madeira "meteram no dedo no cu do CDS".

E a minha principal dúvida após estas eleições. Muito lamento o baixo crescimento "da" (é um partido, deve ser dito "do" mas cedo aos usos consagrados pelo vulgo) Iniciativa Liberal. Pois não sendo eu um fiel do deus Mercado desde há anos que julgo aquilo que o socialista Sérgio Sousa Pinto há pouco foi dizer a uma associação portuense: neste Portugal tão estatista é urgente fazer um caminho conjunto com os liberais. E ciente de que - ao contrário do que dizem muitos mariolas socratistas, perdão, socialistas e os militantes dos partidos comunistas parlamentares - o liberalismo foi e é estruturante das democracias europeias e da União Europeia, e não um corpo estranho e inimigo. Ora esse fraco crescimento da IL poder-se-á dever a uma pobre escolha local. Mas mesmo que assim seja aparenta algo que penso, a nova liderança do partido não é uma escolha de sucesso. Há meses um amigo, pertencente ao partido, respondia ao meu torcer de nariz dizendo-me que Rui Rocha "segurara o partido". Restringi-me a mais um gole (ainda para mais ele convidara-me para o jantar) não lhe respondendo o óbvio, que  isso é um argumento de partido do poder, instituído (um PS, um PSD), preocupado com o agregar das suas esfaceladas "bases". Mas nunca argumento positivo para um partido em crescimento, e de relativa ruptura.

Finalmente, uma opinião minha que é também facto. Pela primeira vez em meio século um presidente do PSD foi à Madeira acompanhar as eleições, nitidamente em busca de ser aspergido por uma vitória retumbante. O PSD teve uma boa vitória, ainda que não óptima. O seu directo rival PS teve uma derrota estrondosa. E a sensação generalizada - que não se deve apenas ao trabalho de uma comunicação social enviesada - é a de uma relativa derrota social-democrata e de uma verdadeira derrota do seu líder nacional. Ou seja, pode-se dizer que as novas lideranças dos pequenos partidos (IL, BE, PCP, CDS) não demonstraram ter tido efeitos positivos eleitorais. Mas tem de se sublinhar que a (já não tão) nova liderança do PSD não teve efeitos positivos eleitorais e tem efeitos políticos negativos.

Em Janeiro de 2023 aqui deixei um postal sobre Luís Montenegro: "O complexo Silas". Com todas as crises internas ao governo PS e todo o tempo que o presidente do PSD tinha tido para preparar a sua agenda política, era já óbvio que Montenegro é uma espécie de Jorge Silas - o treinador de futebol que o Sporting contratara, crendo-o e anunciando-o como "the next big thing". E que veio a falhar rotundamente, por causas próprias e alheias. E passado quase um ano, com mais um rosário de trapalhadas governativas e em plena crise económica mundial, o rumo do presidente do PSD sublinha a já antiga evidência: Luís Montenegro é um Jorge Silas da política nacional.

O PSD que se cuide. Pois o país precisa de uma oposição forte. E inteligente.

Sobre a imprensa local *

Paulo Sousa, 28.09.23

O Portomosense assinalou há poucas semanas a sua milésima edição. O que para uma publicação de amplitude nacional seria um facto merecedor de registo, é neste caso um feito de extraordinária dimensão.

Escrevo estas linhas num tempo em que a imprensa livre vive ameaçada. A digitalização da informação banalizou o acesso a conteúdos aparentemente noticiosos e aparentemente gratuitos. Na palma da mão recebemos as últimas novidades e acontecimentos e, juntamente com elas, a ilusão de que estamos bem informados. Quando a intenção de quem produz a notícia, é simplesmente angariar muitas visualizações, a verificação dos factos descritos perde a importância. Para isso, usam-se títulos contundentes, mostram-se fotos chocantes, exploram-se as tragédias e, se isso for necessário, amolga-se a verdade. Vale tudo para conseguir audiência. Pelo meio das notícias, segue publicidade em barda e, sem dar por isso, o leitor deixou de ser o freguês e passou a ser o produto.

A imprensa livre precisa de leitores dispostos a pagar por informação relevante e credível, e essa é a única forma de se assegurar a independência dos jornalistas. Só assim poderá atingir o seu fim último, bem lembrado pelo Director Luís Vieira Cruz na milésima edição, e que é o de ser o maior inimigo das ditaduras.

A imprensa local vive sob essas mesmas ameaças, mas tem também a responsabilidade de fazer das suas páginas um registo do que mais relevante acontece na nossa terra e que, a partir delas, ficará disponível para memória futura.

É encantador folhear jornais locais publicados há cinquenta ou cem anos atrás. Graças aos arquivos digitais acessíveis em linha, é fácil fazê-lo. Com os pés assentes no Outono de 2023, e conhecedores das datas e do processo que levou ao fim do regime anterior, é interessante lermos o que sobre ele diziam os seus contemporâneos.

Quando, daqui a cem ou mais anos, os que cá estiverem, folhearem a 1006ª edição de O Portomosense, o que pensarão de nós? Acredito que para eles, seremos apenas gente que viveu nesse sítio distante chamado passado, e nas suas considerações seremos vizinhos de personagens históricas muito anteriores a nós, e de outras que ainda não nasceram. Facilmente confundirão António Costa com Afonso Costa e Marcelo Caetano com Marcelo Rebelo de Sousa, não tivessem sido todos eles gente do tempo da República.

É por isso que o que mais aprecio ler nas páginas deste nosso quinzenário são as entrevistas feitas aos nossos mais velhos. Nem todos se exprimem com a mesma clareza e desenvoltura, mas cada um à sua maneira, tem algo para nos dizer, tem algo que deve ficar registado para o futuro. Usar o jornal para dar voz às nossas gentes, associar um nome à imagem de um rosto, a um discurso e a uma memória, é sublinhar aquilo que somos e fintar o esquecimento. Quando isso acontece, cumpre-se a natureza do jornal local.

Por isso, e fingindo que o jornal só foi fundado umas semanas mais tarde, não posso deixar de aproveitar esta milésima edição, para dar os parabéns ao nosso quinzenário O Portomosense. Todos os que o imaginaram e lhe dão forma merecem o nosso apreço e reconhecimento. E que venham mais mil edições!

 

* Texto publicado no jornal O Portomosense

Os charlatães

Pedro Correia, 28.09.23

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Somos invadidos, a ritmo crescente, por charlatães que invocam a ciência como patamar supremo de autoridade, sem admitir discussão. Quem ousar um esboço de dúvida é brindado com dois rótulos: fóbico ou negacionista. Desqualificações que põem logo fim a qualquer debate. Quem duvida das teses enunciadas é corrido a pontapé para o terreno pantanoso da patologia ou da equiparação moral aos que recusam a evidência do Holocausto nazi. 

E no entanto, como sabemos, é precisamente com a dúvida que a ciência avança. Foi sempre no confronto com teses adversas que o ser humano deu os tais pequenos passos que geraram os grandes saltos da Humanidade - da descoberta do heliocentrismo à teoria da relatividade, da lei da gravidade terrestre à alunagem de Armstrong e Aldrin em Julho de 1969. 

Os meios de comunicação de massas, privilegiando quem grita mais alto e é capaz de semear o pânico com maior desenvoltura, dão palco aos tais pantomineiros que invocam a ciência como pretexto para a berraria enquanto os cientistas verdadeiros ficam fora dos holofotes.

Todos recordamos as previsões do "apagão universal" que ocorreria no ano 2000 - a maldição milenar que já sobressaltara almas mais crentes no ano 1000 da nossa era, em suposta expiação de múltiplos pecados pessoais e colectivos. Quando os factos desmentiram as teorias, nenhum alarmista foi convocado à sala para prestação de contas. Vários deles já andavam então a prever novas catástrofes.

 

Sempre assim foi, sempre assim será.

A diferença é só de escala: os de agora têm palco planetário. E continuam sem permitir discussão: isso beliscaria a sua putativa aura de autoridade. São herdeiros directos daqueles que em tempos mais recuados chamavam "ciência" ao pensamento mágico enquanto sopravam as trombetas do Apocalipse. Aqueles que na edição da Newsweek de 28 de Abril de 1975 anunciavam o advento iminente de uma «nova Idade do Gelo»: havia comprovado registo de acréscimo de neve no Hemisfério Norte - e  logo se deu um arriscado salto para a tese geral. 

Dar voz a «credenciados especialistas» muitas vezes redunda nisto. No início de 1914, o reputado analista político britânico Henry N. Norman publicou no Guardian um ensaio que concluía: «Creio que não haverá mais guerras entre as seis grandes potências.» Sabemos o que aconteceu nesse mesmo ano.

No seu livro The Population Bomb que foi best seller em 1968, um biólogo da Universidade de Stanford, Paul Ehlirch, garantia em tom desesperado: «Perdemos a batalha para alimentar a Humanidade.» Antevendo uma década seguinte em que «centenas de milhões de pessoas morrerão de fome.» Tese já enunciada noutro best seller, dado à estampa em 1967: Famine 1975! America decision: Who will survive?, dos irmãos William e Paul Paddock - um agrónomo, o outro diplomata. Mencionando a Índia e o Egipto entre «as nações sem esperança» do mundo subdesenvolvido. Erraram: até ao fim do século, a quantidade média de calorias ingeridas por pessoa no mundo aumentou 24%. 

 

Devemos acautelar-nos contra o suposto argumento de autoridade, que detesta ser refutado por teses opostas. Em regra, esse é o caminho seguido não por cientistas mas por embusteiros. E que nos conduz não à iluminação, mas à ignorância. Recorrendo quase sempre à mais primária das vias: o medo. 

Nesta matéria, como noutras, aplaudo o que escreve Mike Hume no seu livro Direito a Ofender: «Numa sociedade livre e civilizada, nenhum debate devia ser dado por encerrado. Mesmo no campo da ciência. O cepticismo e o questionamento de tudo continuam a ser as bases do método científico. E essa abertura torna-se muito mais importante quando passamos à arena intensamente contestada do debate político acerca do futuro da sociedade.»

Além de ser um imperativo de cidadania e liberdade, é também uma garantia adicional de não andarmos tanto à mercê da chusma de charlatães que por aí pululam.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.09.23

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Bandeira: «Eu queria ser mais crítico, escrever uma recensão digna do nome, falar em como o estilo cirúrgico de Lydia Davis contém e transforma, mas de todo anula, as emoções; fico com a sensação de que já escrevi palavras a mais quando o que queria dizer era tão-só "Leia Lydia". Ponto. E desculpe as citações em inglês, mas tenho apenas a versão na língua original.»

 

Eu: «Primeira decepção: um corpo de letra demasiado reduzido. Sempre achei uma falta de consideração pelos leitores editarem-se livros nada recomendáveis a quem possua o mais leve indício de miopia ou tenha já a vista irremediavelmente fatigada. Mas insisti, ainda embalado pela beleza do título. Recordo-me bem das páginas iniciais, que nos transportavam à praia de Venice, na Califórnia. Numa noite carregada de maus presságios. Prometia, mas tardou em cumprir. Virava as páginas, o enredo adensava-se de tal forma que se tornava um quebra-cabeças para o leitor. Voltei atrás, recomecei, insisti. Em vão. Para cúmulo, a letra parecia-me cada vez mais pequena -- à dimensão do fio da história. Parei a meio. Ou antes disso. Não foi preciso contratar nenhum detective para chegar a esta conclusão: a estreia de Bradbury no policial não passava afinal de um pastiche mal sucedido de Chandler. E eu sempre preferi os originais às cópias, seja em que género for.»

Eça no panteão?

jpt, 27.09.23

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Eça de Queirós é a referência na prosa portuguesa. Isto nem é eco de proclamações da elite literária ou da literata. É o sentimento da população, por difuso que seja, por gente que o lê e relê apaixonadamente ou apenas o sofreu no final do ensino secundário. E, também, por aqueles tantos que a esse final não acederam, e que nunca o terão lido. E por mais respeitáveis e apaixonáveis que sejam outras figuras - passadas ou presentes - das letras portuguesas, consoante os gostos e a formação de cada um (os ícones Camões e Pessoa, que serão menos lidos do que amados, Camilo para os irredutíveis, o Nobel ideológico Saramago e o não-Nobel menos ideológico Lobo Antunes, para os mais "presentistas", Rodrigues dos Santos, para os mais populares, Fernão Mendes Pinto para um qualquer antropólogo que sonhe recriar-se como arisco, ou um pequeno punhado de outros). Ou seja, "Eça" encima o Panteão Nacional. Essa entidade metafísica, criação perene e algo estanque ainda que porosa, crida e querida pelos cidadãos crentes. Nem deveria haver mais discussão sobre o assunto. 

Outra coisa é este processo político de transportar "Eça" para o panteão nacional, edifício sito no centro da capital, ao qual acorrem turistas nacionais e internacionais - principalmente para prestarem homenagem aos féretros da Diva Amália Rodrigues e do Rei Eusébio da Silva Ferreira, sendo que há algumas décadas me constou ainda haver movimentações das ditas "viúvas de Sidónio", mas isso não posso afiançar. A instituição (museológica, se se quiser) "panteão nacional" é interessante em si mesma - nunca li algo sobre a sua génese, apenas a presumo refracção de similar projecto brotado após a Revolução Francesa, uma deriva da laicidade republicana nacionalista, até deísta, querendo elevar a o ideário dos "cidadãos". E talvez por esses fundamentos terá sido esse nosso "panteão" terreno exponenciado desde a I República. É por isso interessante em si mesmo, deverá ser preservado - e nisso animado - como peça em si mesmo, demonstração de uma mundividência nacionalista tipica de uma (longa) era. 

Mas continuar a enviar para lá ossadas (ou símbolos) de cidadãos "que da lei da morte se libertaram"? Não sendo grave é uma desnecessidade. Até apoucando o espaço. De facto, aquilo já é um "bric-a-brac" de vultos, escolhidos por critérios não só de época (contextuais) mas até nisso muito discutíveis. Por exemplo, porquê o ilustre Teófilo Braga mas não o ilustre Leite de Vasconcelos? Ou, sendo ainda mais comparativo, em termos de escolhas no tempo longo, porquê o geniquento Sidónio Pais, verdadeiro antecessor da "Ordem Nova" internacional, e não o geniquento Joaquim Agostinho, verdadeiro ícone do "a salto" que vigorou no século XX português?

Ou  seja, em última análise, para quê levar as ossadas de Eça de Queiroz para aquele (já) verdadeiro "albergue espanhol" de restos mortais e placas evocatórias? É uma paupérrima homenagem. E tão desnecessária - até porque, de facto, Eça, ainda que muito menos antissistema ou revolucionário do que tantos o pintam, se fartou de apoucar políticos e politiqueiros, esses que se acotovelam tanto no "panteão", os já defuntos, como nas homenagens que lá se vão fazendo, os próximos defuntos. Enfim, cerimonial pechisbeque que esta fotografia do fotógrafo e meu amigo Miguel Valle de Figueiredo muito melhor explica do que tudo aquilo que eu possa perorar.

Mas há uma última nota: Eça de Queiroz morreu há 123 anos. As instituições democráticas decidiram homenageá-lo desta pobre forma. E o processo está parado devido à oposição de alguns dos seus trinetos, que terão as suas respeitáveis razões. Mas ocorre-me isto, apesar de não ser eu um estatista. Que direitos particulares, peculiares, especiais, sobre o legado simbólicos de alguém, têm os seus longínquos descendentes 123 anos após a sua morte? Seja para apoiarem ou desapoiarem uma acção?

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 27.09.23

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Hoje lemos: Virgínia Woolf, "Um Quarto Só Seu".

Passagem a L-Azular: "O que se entende por 'realidade'? Parece ser algo muito errático, muito pouco confiável - ora encontrado numa estrada empoeirada, ora num pedaço de jornal na rua, até num narciso ao sol. A realidade ilumina um grupo numa sala e marca algum ditado casual. Pode dominar uma caminhada sob as estrelas até à porta de casa tornando o mundo do silêncio mais real do que o mundo da fala - e de repente, lá está ela de novo num autocarro, no tumulto de Piccadilly. Por vezes, também parece habitar em formas muito distantes para que possamos discernir qual é a sua natureza. Mas em tudo o que toca, corrige e torna permanente. Isso é o que sobra quando a pele do dia é lançada ao limite; é o que resta do tempo passado e dos nossos amores e ódios.”

Realidade será apenas o agora, o momento? Se agora estou a tomar café, é a minha realidade ou é a realidade que eu penso que é a minha? Nada é mais real do que os nossos pensamentos no átimo, mas mesmo estes podem estar muito longe de ser presente, e o que não é presente, pode ter sido, mas já não é real. 

(Imagem Google)

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