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Delito de Opinião

A ponta do iceberg

Cristina Torrão, 31.08.23

De Alfa a Omega e o resto do tempo

Maria Dulce Fernandes, 31.08.23

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Da minha página de FB

Hoje é dia de descanso e é também o prelúdio das férias mais desejadas. Dois anos sem férias foi tremendo para quem as não gozou por motivos de saúde, porque ter de estar em casa fechada sem trabalhar, por não poder e por não dever... não é nada, nada igual ou o mesmo que estar de férias.
O dia de hoje marca também o princípio de um fim, o encerro de um ciclo, o Omega do meu Alfa profissional, o término de uma caminhada de 47 anos, que começou com um convite para trabalhar durante três meses em substituição de uma piquena que estava com baixa de parto. Foram sem dúvida uns longos três meses, durante os quais estudei, conheci o meu marido e casei, fui mãe, perdi os meus pais, casei as minhas filhas, fui avó e cresci, cresci muito desde os 18 anos que levava na bagagem em 1977 até aos 65 de uma vida plena e rica em conhecimento, alegrias e tristezas, que recolho do cacifo e das gavetas da secretária da posteridade.
Não tenho termo de comparação porque nunca tive outro emprego nem outra maneira de viver o dia a dia que não fosse em função do binómio casa/ trabalho. Foram 47 anos em que todos os caminhos iam dar a Belém e, por mais planos que se tenha em esboço para os chamados Anos Dourados, temo que adaptação não seja o tal “ mar de rosas” que todos gostaríamos de encontrar. Afinal não se perdem rotinas de 47 anos num estalar de dedos.
Num cômputo geral, foram uns anos bons. Não digo que não mudaria nada do que fiz. Como nem sempre se opta pelo caminho mais fácil, repensaria seriamente muitas das minhas escolhas.
Saudade não tem tradução, mas traz consigo uma carga enorme de sentimento. E eu vou sentir saudades e muitas. Das pessoas, dos aromas dos sabores, dos espaços… ontem dei por mim a caminhar pelas salas vazias e pensar que seria a minha última ronda matinal. Prometi a mim mesmo que não iria chorar, mas rapidamente percebi que há promessas que não se podem fazer.
Vou sentir muito a falta dos de “lá de cima”, dos meus patrões e chefes que sempre me apoiaram e ajudaram a quebrar barreiras e estereótipos. Pessoas espectaculares para com quem para eles trabalha, sem qualquer excepção.
Vou sentir muito a falta da miríade turbulenta “cá de baixo”, em que cada um trazia consigo um mundo, um pensar diferente que requeria entendimento, adaptação, aconselhamento e sobretudo uma paciência infinita.
Vou sentir muito a falta de rir com todos eles, de chorar com todos eles, até de me exaltar com muitos deles.
Vou ter saudade de quem trabalhou ao meu lado, de quem me entendeu, de quem me apoiou, de quem me ajudou e foi rocha de apoio das minhas fragilidades adquiridas.
Vou sentir muito a falta dos milhares de rostos sem nome que, sorridentes ou não davam cor e temperavam cada um dos meus dias.
Ganhei riqueza em afectos, uma fortuna fabulosa daquelas que não se consomem em cem vidas e por tudo isto a todos sou grata.
Um dia, quem sabe, encontrarei em mim uma réstia de talento que me ajude a penejar esta história tão rica em experiências e narrativas.
Até lá, beijos do tamanho do mundo cá de fora, para todos os lá de dentro, que ajudam todos os dias a engrandecer Portugal no mundo inteiro.
Obrigada!
Foi uma honra e um privilégio fazer parte desta equipa. Bem hajam.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.08.23

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Teresa Ribeiro: «Se ao nível da formação dos bombeiros muito se evoluiu com o tempo, o resto, tudo em que assentava o antigo sistema de prevenção de fogos permaneceu afastado dos programas governamentais, com destaque para a rede de postos de vigia, com comunicação entre si, a que acediam os guardas florestais (que foi desactivada) e práticas como a abertura e manutenção de picadas e valas para facilitar respectivamente os acessos da floresta em caso de fogo e a sua delimitação.»

 

Eu: «Bem-vindos ao admirável mundo novo. O do trabalho sem direitos, o das jornadas laborais sem horários. Não me refiro às lúgubres linhas de montagem da China ou do Bangladeche, onde mulheres e crianças são atiradas, a troco de quase nada, para satisfazer as delícias consumistas das sociedades "emergentes". Refiro-me a outro género de escravatura contemporânea. À promovida pelos esclavagistas engravatados da City londrina, que utilizam jovens trabalhadores precários como peões da sua alucinada engrenagem do compra-e-vende, espécie de proletariado do nosso tempo que começa a trabalhar ainda antes de nascer o sol e continua agarrada à cadeira e ao telefone depois de o sol se pôr (porque há sempre uma Bolsa a abrir algures, noutro continente)

O que sobra do "socialismo real"

Pedro Correia, 30.08.23

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O chamado socialismo real não era uma ideologia, mas uma teologia alternativa que teve em Karl Marx o seu principal profeta: assim nos ensinaram pensadores como Raymond Aron e George Steiner.

Noutros tempos, dizia-se comunismo. Acontece que hoje ninguém fala em comunismo: eclipsou-se de vez. Começando pelos próprios comunistas que restam, cada vez menos. Estes só aludem ao «socialismo».

Nunca mais regressarão as ilusões do passado, quando multidões de fanáticos se proclamavam dispostas a dar a vida por Estaline, jurando-lhe fidelidade com devoção inquebrantável. Tempos de idolatria à solta, com a razão entorpecida, que desembocaram no pesadelo totalitário e nas vítimas do Arquipélago Gulag, dos campos da morte no Camboja, do "Grande Salto em Frente" e da pseudo-revolução cultural maoísta. Simon Leys contabiliza, só na China, 50 milhões de mortos.

Religião despótica, como a definiu Bertrand Russell. Irremediavelmente condenada ao caixote do lixo da História.

O socialismo nominal é o que resta deste catecismo doutrinário que se manchou de sangue sempre que passou da teoria à prática. Como teologia de substituição, fracassou. Por ter ambicionado não apenas refundar a sociedade, mas reconstruir a própria natureza humana - quimera condenada ao insucesso desde o primeiro instante. 

De Marx quase já não restam vestígios nos dirigentes socialistas do nosso tempo, tornados meros gestores do sistema capitalista, que não pretendem derrubar nem desfigurar. Proclamam-se interclassistas, sem a menor alusão ao velho dogma da luta de classes. Nenhuma sociedade alternativa têm para propor: só ligeiros retoques à que já existe. Sobram-lhes tautologias como esta, expressa por Felipe González: «O socialismo pode ser definido como o aprofundamento do conceito de democracia.»

A utopia sumiu-se pelo caminho. 

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 30.08.23

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Hoje lemos: Nathaniel Hawthorn, " A Letra Escarlate"

Passagem a L-Azular: "Ela tinha vagueado, sem regra ou orientação num deserto moral... O seu intelecto e o seu coração tinham o seu próprio lar, por assim dizer, em lugares desertos, onde ela vagava tão livremente como o índio selvagem, livre, nas suas florestas... A letra escarlate era o seu passaporte para regiões onde as outras mulheres não ousavam pisar. A ergonha, o desespero e a solidão foram seus professores — severos e selvagens — e fortaleceram-na, mas ensinaram-lhe também muitas coisas erradas."

Que entenderá o autor por "coisas erradas"? Por falar o que pensava? Por desdenhar do puritanismo? Por dar asas à sua sexualidade? Por engravidar de um " homem de Deus" que retribuía os seus sentimentos? Por não ser escrava do um macho que não amava? Valha-a Deus, criatura! Bem haja por demonstrar fibra,  trilhar o caminho das silvas e vencer, um amargo e solitário triunfo, mas sempre uma vitória. 

(Imagem Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.08.23

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Ana Cláudia Vicente: «Regresso então a Isaltino de Jesus, a Jaime Ramos, ao mundo da investigação de crimes de sangue num Portugal não tão ficcional quanto seria de desejar. Dois traços autorais me prendem a atenção, aí: a presença sensível de um território que nunca é apenas cenário ou decoração; a insistente sombra do insolúvel, apesar do progresso da acção. Desta feita, há dois russos e uma africana aparecidos sem vida não longe do Porto, e uma portuguesa de velhas famílias desaparecida algures na Galiza. Ajustes novos, diferenças antigas. E o fim? E o título? Ainda não sei  comos nem porquês - prefiro disdesfrutar o caminho para lá chegar.»

 

Ana Vidal: «O anedotário nacional soma e segue. Agora é a penalização do piropo, como se não houvesse problemas a sério para nos preocuparmos. Se não quiser ir preso, cavalheiro, modere a linguagem quando passar por uma boazona (perdão, por uma jovem interessante). Nada de sugestões em vernáculo de calceteiro, nada de fantasias culinárias. Se não conseguir mesmo ficar calado, nunca vá mais longe do que isto: "Minha senhora, permita que lhe diga que a acho particularmente bonita. Nos meus sonhos mais ousados, imagino-me a oferecer-lhe um bombom na Versailles"

 

José António Abreu«Das duas, uma: ou os juízes do Tribunal Constitucional não sabem interpretar a Constituição, o que, sendo grave, até um pouco assustador, a gente acaba por entender (incompetência é o que há mais por aí), ou a Constituição deveria deixar de chamar-se "da República Portuguesa" e passar a chamar-se "dos Direitos dos Trabalhadores do Sector Público e dos Dependentes do Estado da República Portuguesa", por ser cada vez mais claro não se destinar a proteger os direitos dos restantes.»

O Beijo Espanhol (2)

jpt, 29.08.23

Mais um capítulo na polémica! Vídeo mostra Jenni Hermoso a rir-se do beijo de Rubiales

A plataforma SAPO publica um curto vídeo (que não é integrável em blog - e não compreendo como uma plataforma que acolhe blogs não inclui uma opção "incorporar" nos vídeos noticiosos que publica, como fazem várias outras plataformas) em que se vê a futebolista Jenni Hermoso e as suas colegas, recém-campeãs, a rirem-se, com humor e sem preocupações ou mágoas, da beijoca entre o presidente da Federação de Futebol e essa futebolista durante a cerimónia final do Campeonato de Mundo de futebol. É evidente o júbilo, brotado da vitória história, mas ressaltado para as brincadeiras entre várias jogadoras que, em coro, referem o brevíssimo episódio. O filme, que decerto muito em breve estará em plataformas que permitem a sua captação para blogs, está aqui.

Como é sabido, passados dias, após a estratégica intervenção de ministras socialistas espanholas - decerto que influenciadas pelo confronto com os peculiares discursos sobre este tipo de temáticas emanados do partido rival VOX, e isto sublinhado por se estar em pleno processo de formação de governo coligado no país - a jogadora apareceu a lamentar-se do caso, depois secundada pelas colegas. E por todo o lado - desde a patética intervenção do porta-voz da ONU até ao próprio Delito de Opinião, passando pelo primeiro-ministro espanhol até aos patetas televisivos nacionais do costume - cai o "Carmo e a Trindade", denunciando o caso de "assalto", "assédio sexual", de machismo empedernido que teria conduzido a tamanha violência. A própria SAPO destaca hoje um postal lacrimejante sobre o assunto, que remete - dando-lhe estatuto de prova - para um texto de jornalista espanhola que afirma haver machismo e falta de educação entre os membros da federação espanhola de futebol. Nem duvido que haja, mas a questão é outra: o que aconteceu ali, durante a cerimónia?

aqui botei sobre o assunto: o que o homem fez - ainda por cima sendo ele não um "doutor" tutelando a bola nacional, mas um antigo jogador -, é mesmo o inverso, tratou a jogadora "como um homem", replicando um gesto tantas vezes feito pelos praticantes quando em júbilo. Para não me repetir sumarizo: é um gesto assexuado (no sentido de desprovido de erotismo). Basta ver. Voltei ao assunto aqui, diante da histriónica incapacidade analítica de propalados intelectuais. Esse tipo de gente para quem é porreiro surfar as vagas em voga, e botar umas coisas na imprensa...

O assédio sexual (laboral e não só), a violência sexual, o mais abrangente machismo, são temas fundamentais. A combater, pela lei, pelas instituições, pela opinião pública, pela sensibilização. Profissionalmente cruzei casos tétricos disto. Até incríveis, de inacreditáveis, passe a aparente redundância. Mas quando uma mulher feita e realizada, trintona bem sucedida, campeã mundial, se ri a bandeiras despregadas, quando um conjunto de mulheres feitas e realizadas, profissionais campeãs mundiais, se riem a bandeiras despregadas, isso a propósito de um gesto que bem entendem desprovido de qualquer violência ou ameaça, não  podem depois invocar terem estado sob "assalto", "assédio", "violência". Nem há argumentos convocando contextos "infalsificáveis" (a la Popper) que justifiquem estas inflexões interpretativas. Ou seja, entenda-se, como prevalece um machismo violento e desrespeitador aquele gesto é violento e desrespeitador. Isso é um acto falsário, um silogismo aldrabão. E contestar essa evidência, em nome de uma qualquer "boa causa", é apenas desvalorizar, apagar, superficializar, as abissais realidades do "assédio", da "violência sexual", do "machismo", mundo afora. É uma pantomina abjecta. Matéria-prima por excelência para políticos demagogos e para os "activistas" de agora. Mas uma vergonha para quem se veste (ou traveste, melhor dizendo) de intelectual, de militante. Ou, pior do que tudo, de professor. Uma vergonha intelectual. E uma vergonha moral.

E isto tudo independe de Rubiales.

No metropolitano

jpt, 29.08.23

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Ontem, Estação de Metropolitano de Chelas, quase 23 horas. Comboio parado, luta de grupos - verdadeiramente multicultural. Tem ar de coisa avulsa, mera "zangadaria", não aparentando ser confronto de grupos "orgânicos" (os sempre ditos "gangs"). Nada de tiros, felizmente, nem se vêm brandir naifas, pedras ou coisas do género. Mas muito mais a tradicional gritaria histérica. A passageira brasileira que me ladeia - talvez por me ver seráfico, ainda que amarfanhando o pobre livro de bolso - pergunta-me "é preciso esperar que chegue a polícia?" antes que retomemos o nosso rumo, pois "assim vou perder o autocarro das 11...". Respondo-lhe, fleumático - já espreitei, notei a tal ausência de armas e a prevalência dos apenas símios gritadores, tendencialmente inofensivos - "não faço a mínima ideia, nunca vi uma coisa assim". Crianças choram, mulheres praguejam, transumância entre carruagens, velhos caducos caducam. Um destes, que é da zona - di-lo pelo sotaque e, mais do que tudo, através dos trejeitos -, logo avança a bom som as suas explicações para o caso pois "há pretos", olhado com algum espanto pelos circundantes ali retidos, entre os quais haverá um ou outro "branco" para além de mim e dele, e da brasileira (a qual talvez se reclamasse, lá no país dela, "parda" para ver se colheria alguns apoios estatais). Os dois sikhs estão calados, ainda que os turbantes lhes pendam um pouco.  Imensos brasileiros brasileiram, e como praguejam!, comprovando os seus "avôs transmontanos", apesar de serem - se necessário - também "afrodescendentes". Os chavalos de Chelas seguem a la Olivais, não se ficando atrás no esbracejar e no vernáculo, mas este sai-lhes sem o trinado arábico típico do nosso bairro. Não há dúvida, para além da Marechal Gomes da Costa o sotaque é diferente. A malta PALOP está calada e furiosa com estes atrasos a atrasar o descanso. E alguma olha-me, quero eu imaginar, com simpatia - haverá algo no meu semblante que dirá por onde andei? Ou será por ser o único dos dois velhos tugas brancos que ali não clama "há pretos"? Os funcionários estão excitados, cais acima, cais abaixo, armados de velhos Motorola, ou similares. Enfim, espera-se a polícia. Milhazes é citado com abundância. Uma das alas contendoras avança e dissemina-se na minha carruagem, continuando a gritar os impropérios que são rescaldo, catarse e ressaca. 

O comboio avança. Mais uma estação e chego ao destino. Estou, verdadeiramente, em casa. Na escada rolante um companheiro de viagem, talvez angolano, murmura-me, entreolhando-me, "filhos da puta!". Sorrio-lhe, encolhendo os ombros. E não lhe digo o que penso: somos, de facto, aqui e agora, nós os dois, lusófonos!

Pornográfico

Pedro Correia, 29.08.23

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Neymar à chegada a Riade, após um voo de seis horas em que foi passageiro único

 

Neymar, contratado por 98 milhões de dólares pelo Al-Hilal, número inédito na Liga da Arábia Saudita, viajou como único passageiro para este reino árabe num luxuoso Boeing 747-400 de 344 lugares que num só voo contamina 32 vezes mais a atmosfera do que uma pessoa comum num ano inteiro.

Nesta rota de seis horas entre Paris e Riade, o aparelho custa ao meio ambiente 230.000 kg de emissões de CO2, enquanto um cidadão comum, em 365 dias, é responsável por 7.000 kg. Cada hora de voo deste avião custa 23 mil euros, além dos danos ambientais causados.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.08.23

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Ana Vidal: «Chego de fora mesmo a tempo de não precisar de me beliscar para saber que estou de volta a casa. Enquanto o país arde triste e realmente, no Chiado brinca-se aos fogos num simulacro comemorativo para turista ver, com figurantes e cheiro a fumo em spray. Enquanto morrem bombeiros e as populações se queixam de uma aflitiva falta de meios, corporações inteiras sobem e descem escadas de incêndio, de mangueira na mão, fingindo apagar um fogo inexistente. Diria o velho Camões, habituado aos lusos absurdos, que foi "um fogo que arde sem se ver". Digo eu, entre a estupefacção e a vergonha alheia, que isto é de um mau gosto atroz e de uma total falta de senso. E ainda falam da Cristina Espírito Santo.»

 

José António Abreu«Do mesmo modo que noticiar suicídios tende a fazer com que ocorram novos suicídios, o espectáculo televisivo das chamas, do fumo, do medo, da impotência, opera simultaneamente como prémio e incentivo aos pirómanos. Há pouco mais de vinte anos somente existia a RTP e os incêndios ocupavam dois ou três minutos de um noticiário que demorava meia hora. Há pouco mais de trinta, as chamas nem sequer tinham cor. Hoje, as televisões dedicam aos incêndios mais de meia hora de cada serviço noticioso (alongado para hora e meia) e mostram aos pirómanos, com som, cor, transpiração, desespero, a grandiosidade dos seus actos. O que fazer? A única solução credível passaria pela auto-regulação e isso significa que dificilmente algo mudará.»

A genitália espanhola

jpt, 28.08.23

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Na actualidade há um grande alarido, um pessimismo político constante, que vem de todos os sectores. Não vigoram grandes utopias (aleluia!!), nem mesmo distopias, é mesmo só "isto está uma desgraça" à mesa do café. Se calhar o pessimismo sempre aconteceu (por cá, em tempos terá dado gás a um "sebastianismo" a que já ninguém acorre...), e o alarido também. Mas agora é mais tonitruante - um estardalhaço decerto que proveniente do impacto da revolução digital na imprensa, essa miríade de canais radiotelevisivos concorrenciais e demais "órgãos de comunicação social". E na emergência das "redes sociais".
 
Mas esse alarido escatológico cria uma percepção de crise política, degerenerescência democrática, que é errada. Pois, de facto, as democracias liberais estão muito mais viçosas do que antes. Nas décadas precedentes - quando até eu era novo - a rapaziada mais rústica, dada à nostalgia por uma velha "Ordem Nova", sorria, melíflua, num "antes Suharto do que Sukarno" ou "apesar de tudo vá lá Pinochet, pois aquele Allende...".  E os "progressistas", os nossos próprios e os dos vizinhos, na expectativa de "amanhãs canoros" tinham como sonhos e causas erguer Berias, Hoeneckers, Hoxhas, louvavam Neto, a família Castro e - até - um Sung do pensamento Juche. Ou, vá lá, se mais calmos, suspiravam por Boumédiènes. E nisso sorriam, os que não exultavam - feitos "revolucionários" -, com os ideais de matar Mountbattens, funcionários espanhóis, alemães se ocidentais, Moros. E, já agora, dar um tiro no malandro da Santa Sé. E nisso, à nossa pequena escala, até mesmo "terminar" alguns anónimos portugueses, em nome do Herói Otelo, esse tão homenageado ainda agora por (proto)aposentados da função pública. Enfim, era o sonho de "transformar o mundo", e de criar o "Homem Novo". Nisso derrubar regimes. E também, em capítulo que não era mero rodapé, apear as monarquias restantes, ditas ilegítimas, e não só porque capitalistas, pois coisas do ócio irracional e da injustiça hereditária.
 
E agora?, após trinta anos de internet e vinte da digitalização do quotidiano, o que move os tais "progressistas", "revolucionários"? Tudo se tornou qual uma "sociedade de corte", essa que Norbert Elias dissecou... As nuestras hermanas ganham um torneio de futebolada. E erguem-se as "vítimas da fome...", clamando contra a "falta de (boas) maneiras", isso de um pateta histérico acariciar os genitais diante da rainha e das princesas de Espanha. Por cá tudo mudou, nesta senda do tal "Homem Novo". Há duas décadas Louçã e seus esbirros abandonavam o parlamento quando um Borbón entrava. Agora cultuam o "respeitinho é muito bonito", em especial se diante de Sua(s) Majestade(s). Podem parecer, e são, ridículos. Mas nesta mansidão - e por irritantes que possam aparecer - são melhores vizinhos, alheados das iras anti-regimes. Pois desde que haja "decência" tudo corre pelo melhor.... E as Majestades também concordarão com isto.
 
Deixo pequena nota de rodapé, meu contributo ideológico para que "o Sol amanheça para todos" e as "Luzes" se instalem. Como é sabido os gestos não têm significado universal. E o celebratório coçar da tomatada espanhol tem um correpondente português, este actual semi-manguito, o antebraço de punho fechado impulsionado na semi-horizontal o número de vezes correspondente ao júbilo de quem o brande. Quem veja um jogo de futebol - e outros desportos mais exultantes - vê-lo-á, repetidas vezes. O viril (e heternormativo) significado deste gesto "penetrador" é exactamente o mesmo. Espero assim que os damos, as damas e es dames se aglutinem em arruadas e abaixo-assinados da próxima vez que um qualquer jogador, treinador ou dirigente clame assim o "já lá está todo dentro", "f....-te/vos". Pois ainda que sendo nós uma república também exigimos ter boas maneiras...
 

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DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.08.23

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Eu: «Palavras que soaram como denúncia da fanática brutalidade dos esbirros de Franco. Palavras que custaram o cargo e a vida a Unamuno: de imediato destituído das funções de reitor, confinado a prisão domiciliária, o filósofo basco viria a morrer dois meses mais tarde, no último dia desse ano tão trágico. Mas o eco das suas palavras, fruto de uma vontade indómita, prolongou-se muito para além dos horrores daquela guerra. Como admirável exemplo de resistência contra a barbárie - tenha a cor que tiver, seja em que época for.»

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