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Delito de Opinião

Curiosidades do Adriático: o Sagrado Coração da Refundação

João Pedro Pimenta, 27.06.23

Entre a foto de cima e a de baixo medeiam quase vinte anos mas poucas outras diferenças.
 
A de cima é de Dezembro de 2003. A de baixo é de Maio passado. Trata-se da esquina da secção da Refundação Comunista do "sestiere - ou bairro - de Castello, em Veneza, na realidade a única que o partido mantém na Sereníssima. A Refundação é o que resta do antigo (e outrora poderoso, com votações à roda dos 30%) Partido Comunista Italiano, que no fim dos anos oitenta, na sequência do "eurocomunismo" lançado pelo seu antigo líder Enrico Berlinger, decidiu reformar-se de alto a baixo, transformando-se no Partido Democrático de Esquerda e, entre outras metamorfoses, seria parte integrante do actual Partido Democrático, também ele a atravessar algumas convulsões. Uma minoria não aceitou a mudança e juntou-se na Refundação, mantendo o espírito comunista original, que, como na maior parte dos países da Europa, está inserida numa coligação com outras formações de esquerda e escassamente representada nos parlamentos.
 
O curioso aqui é o nicho mesmo ao lado da entrada. Consta que aquele Sagrado Coração de Jesus já lá estava antes, havia décadas, quando aquilo era um tasco, e o partido manteve-o e tratou dele. Mas, se olharem bem (e a foto de cima não ajuda), verão uma diferença: em 2003 era aquele Cristo mais loiro e de olhos azuis, que costumamos ver em pequenas imagens tradicionais; agora, é um Jesus mais moreno, com feições mais semitas. Parece que os detentores quiseram dar-lhe um cunho mais "palestiniano", menos europeu e provavelmente até mais próximo do real aspecto de Jesus. E assim, utilizando a arte popular religiosa para alguns fins políticos, podem ter ficado mais próximos da verdade.
 
De resto, a secção tem um bar polvilhado com imagens de Che Guevara e de antigos líderes comunistas italianos, e, à volta, junta-se um público claramente esquerdista mas heterogéneo, entre velhos militantes do "partido" com respectivo crachá e gente de rastas a fumar cigarros de enrolar. Tudo isto numa Veneza com menos turismo, que vai rareando cada vez que se caminha para Norte em direcção a San Pietro di Castello, e onde, se não se estiver rodeado do silêncio que já indicia a proximidade da laguna, até se pode encontrar uma coisa rara e em vias de extinção: venezianos autênticos.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.06.23

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João André: «Aquilo que me faz confusão é o facto de o Supremo tribunal [dos EUA] declarar que uma decisão na direcção de aceitar o casamento homossexual já não é reversível, mesmo que seja essa a vontade dos eleitores (como no caso da Proposta 8 na Califórnia). Pelo que entendo, a Constituição é um documento tão poderoso no sistema legal americano que se sobrepõe (desde que os seus guardiões - o Supremo tribunal - assim o entendam) a qualquer vontade democrática.»

 

José Gomes André: «Enquanto largos sectores do Partido Socialista continuarem a achar que "o PEC IV teria evitado o resgate", o PS faz parte do problema, e não da solução.»

 

José Navarro de Andrade: «O picaresco da edad de oro, o castelhano adocicado e feroz do México e o ritmo truculento da modernidade daqueles épicos anos 20, convertem “Tirano Banderas” numa obra-prima do seu tempo, ou seja, sem uma ruga se lido hoje. É um livro faiscante em que os crioulismos disputam cada parágrafo ao finíssimo léxico clássico, e onde não há página em que não palpite o sangue, o suor e a canícula. Tais elementos são o combustível para a crueldade da narrativa e das personagens, às quais se equivale a escrita cruel de Valle-Inclán.»

 

Patrícia Reis: «O homem olhou-me. Calado. Depois sorriu, ou pareceu-me ver um qualquer sorriso, e saiu.»

Uma bifana no Porto

jpt, 26.06.23

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Vim ao Porto. O motivo oficial para isso foi um outro, mas o verdadeiro era uma pesquisa. Pois o blog Gastronautas publicara há pouco tempo um Manifesto apologético das bifanas da consagrada Cervejaria "O Astro", sita ali mesmo em Campanhã. Acorri logo que chegado, mas para enfrentar a desilusão do "estabelecimento encerrado para férias do pessoal", hiato anunciado até 25, o domingo de ontem. Eu regressaria à moirama na sexta-feira seguinte, tombei cabisbaixo.

Os dias passaram. Neste Porto, que em eras antigas justificou o cognome "Invicta", a derrota é agora iminente, ainda que prossigam ferozes combates rua a rua, casa a casa, homem a homem. Mas se às forças locais, traídas pelo generalato nacional, ainda assiste alma, escasseiam já os recursos, desabam as trincheiras. Sobre os escombros de Porto Cale chorei diante de viçosos "pizzaria - sushi", "wine bar", "hamburgarias" e, até, "empanadas argentinas"... 

Por tudo isto, em assomo patriótico prolonguei por uns dias a minha estada a Norte de Gaia. E hoje mesmo, atrevendo-me entre a artilharia de kebabs, cariladas, goulash, spare ribs, chinoiseries e japonices, regressei a Campanhã, fiel seguidor dos Gastronautas. E confirmo, a bifana da "O Astro" é Invicta.

Recortes do Canhenho

Maria Dulce Fernandes, 26.06.23

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Com a chegada do calor, chegam todas as memórias a ele associadas, as boas e as más. A pior memória que tenho de dias muito quentes é a da morte prematura do meu pai. Também são com o meu pai as memórias mais felizes de dias despreocupados de Verão, na Costa da Caparica, em Albufeira, em Pedras D'El Rei, mas principalmente no campismo, em Lagos, numa altura em que, apesar de já não ser uma menina, não era mulher feita e não tinha preocupações.

Foi por essa altura que fiz de bóia, mergulhei em apneia, andei de barco, conheci o Algarve de ponta a ponta e frequentei pela primeira vez um hotel de 5 estrelas.

Estávamos em 1973 e a Liberdade ainda estava em embrião, apesar de, nas imensas férias de Verão, não se dar pela sua falta. A liberdade de se ser jovem era imensa e envolvia-nos às golfadas.

Depois de um mês de campismo no Parque de Turismo em Lagos e das imensas peripécias que vivíamos diariamente, eis-nos chegados ao momento de regressar a Lisboa. Nesse ano, a partida iria ser diferente: não seria necessário "levantar âncora", porque a Joceline iria ocupar a tenda, de três cómodos, sala, cozinha e avançado, com o Dietmar e o Lars por mais um mês.

Lembro-me de aguardar ansiosa que chegassem. Adorava esta minha prima que casara com um alemão de Bremen, divorciado e folgazão, amante da nossa cultura e principalmente da nossa grastronomia. A Line foi a pessoa mais tranquila que conheci em toda a minha vida. Nunca a ouvi exaltar-se ou levantar a voz. O Dietmar era o homem dos sete ofícios, desde compartilhar a gestão da Electroliber em Portugal até à administração de uma empresa pioneira em máquinas de depenar aves, que ele, numa altura em que a publicidade era cara e as redes sociais ficção científica, se propôs divulgar por todo o Algarve.

A meio de um almoço supimpa providenciado pela minha mãe, o convite chegou inesperadamente. A Dulcinha fica connosco, queres? Claro! Como recusar? Ler, dormir, passear… Adeus mãe, pai, rapazes, que eu fico por cá!

Foram quatro semanas inesquecíveis, a partir do Quartel General em Lagos. Aprendi a ficar quatro minutos sem ar no fundo da piscina, aprimorei a minha natação, acompanhei o Dietmar na pesca submarina na qualidade de bóia, visitei de barco todas as grutas, viajei por todo o Algarve, comi fruta a rodos, assei na praia numa fogueira de gravetos o peixe que se apanhava nas incursões mar adentro, jantei em bons restaurantes e tive uma das mais incríveis experiências da minha vida, num hotel de 5 estrelas em Vale do Lobo, para festejar o final do prolongamento das férias, as vendas das máquinas de depenar aves, as longas noites na praia a cantar belas melodias e o merecido descanso daquele casal maravilhoso, que adorava a vida, os filhos, os desportos e me adorava a mim. Aprendi muito com ambos.

Gostava de ter uma foto do momento em que, com o meu longo cabelo solto, já manchado pelo sol, envergando um caftan cor de salmão com renda na frente, executado primorosamente pela minha mãe, a pele dourada por muitos dias de sol, olhei para o espelho e vi. Vi que era bonita para além de calções e t-shirts e não apenas a maria-rapaz de rabo de cavalo, magra, desengonçada e quase invisível. Senti-me bem. Senti-me feliz.

Ao jantar, à luz das velas, senti também os olhos brilhar. Não é verdade que o brilho não se sente, porque depois de perceberes que o tens, é algo que  guardas como uma jóia rara durante toda a vida.

É uma das minhas memórias mais doces, esta de zarpar  com ambos à descoberta e ter-me descoberto também a mim.

Ainda agora, nas profundas e cálidas noites algarvias, com a música das ondas que rebentam de mansinho, me chegam os acordes do Edelweiss, que acompanho baixinho, com saudade e gratidão.

(Foto HDF)

A ler

Sérgio de Almeida Correia, 26.06.23

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À la fin de la séance, un auditeur est venu me dire qu’il était le responsable des études de la télévision publique, et me demandais si j’étais libre le soir. C’est ainsi que j’ai fait la connaissance de Pavel Campeanu, qui est ensuite devenu un ami, ainsi que de son épouse, Stefana Steriade, sociologue.

Le soir, Pavel m’a entrainé au siège de la télévision, où nous avons retrouvé quelques collègues à lui. Il m’a présenté en affirmant que j’étais un ami, et qu’on pouvait parler librement devant moi. Tous étaient des démocrates convaincus. En plein Bucarest, dans un organisme public, au pire moment de la dictature de Ceausescu, nous avons ainsi échangé tranquillement et, je dirai, chaleureusement.

Pendant des années, nous avons travaillé ensemble. Notamment en construisant un échantillon national de la population roumaine et en organisant des sondages libres. La Roumanie étant un pays rural, mes amis ont demandé à des acteurs de films ou de séries connus du public d’être leurs ambassadeurs auprès d’habitants de leur village, pour leur poser des questions dont on leur garantissait que les réponses ne seraient transmises à l ‘État, ni au parti. Progressivement, l’échantillon bricolé est devenu représentatif. Des résultats ont été reproduits en ronéo, à l’intention de démocrates choisis.  Parfois, les questions étaient les mêmes que celles posés par des organismes officiels. Nous avons souvent enregistré des différences de cinquante points de pourcentage entre ces organismes et notre méthode !

Pour vérifier leur légitimité, l’équipe de Pavel a parfois demandé aux répondants de se livrer, à heure dite, à une action : éteindre cinq minutes leur téléviseur, marcher quelques minutes autour de la fontaine de leur village … À chaque fois cela fonctionnait, les citoyens le faisaient !

J’ai acquis la conviction que, dans les pires régimes autoritaires, l’opinion publique existait et que l’information circulait…J’ai pu vérifier cela dans d’autres pays   – au Chili, au Maroc, j’y reviendrai.

J’ai donc toujours été sceptique, par exemple aujourd’hui concernant la Russie pendant la guerre d’Ukraine, devant ces affirmations, chez nous, selon lesquelles les peuples seraient abrutis par la propagande et ne sauraient pas ce qui se passe réellement.”    (p. 182/184)

 

Escolhi esta passagem por razões pessoais que alguns compreenderão. Poderia ter sido outra que serviria do mesmo modo para ilustrar a riqueza do texto. E muito embora outra ordem de preocupações me tenha impedido de aqui vir com mais regularidade para vos dar conta do que ainda vou lendo de interessante, acontece que este livro cuja sugestão vos deixo me prendeu da primeira à ultima linha e não merecia ficar esquecido.

Trata-se do último livro de Roland Cayrol, da editora Calman-Levy, e que constitui uma "espécie" de exercício auto-biográfico em final de carreira.

Digo uma espécie exactamente porque na verdade não é uma auto-biografia, mas antes um exercício de memória e reflexão que percorre a sua infância em Marrocos, na Rabat onde viveu os seus primeiros 17 anos ("... cette étonnant mélange de bonheur de vivre lá et de soucis sociaiux et politiques très rudes, un mélange détonant d'insouciance adolescente et de prise de conscience politique précoce, face aux violences entendues et aux injustices observées"), enquanto filho de um alto funcionário da administração pública e de uma professora de árabe, ambos pieds noirs nascidos na Argélia, antes de ingressar no mundo novo e efervescente de Sciences Po e do Direito, em Paris, e de realizar um percurso académico, cívico, empresarial, literário e jornalístico a todos os títulos notável.

Estou a falar de um homem que foi secretário do Clube Jean-Moulin, membro da Fondation nationale des sciences politiques, director de investigação do Cevipof, que publicou mais de duas dezenas de livros sozinho e tem mais uns tantos em colaboração com outros autores, cuja socialização, como escreve, se deu com De Gaulle e Pompidou, mas com quem nunca se encontrou e jamais trabalhou.

Em contrapartida, porém, e daí o principal interesse da obra, trabalhou directamente com aqueles a quem chamou os seus presidentes – Giscard d'Estaing, Mitterrand, Chirac, Sarkozy, Hollande e Macron –, relatando agora pequenas histórias e revelando detalhes curiosos desses anos de vivência e convivência, em diversos papéis, o que faz com inteligência, sentido de humor e numa escrita que tem tanto de elegância e correcção quanto de simples e clara.

Não vou aqui dar conta dessas histórias, algumas passadas em França com esses personagens, outras no exterior, em épocas e locais tão diversos como na Roménia de Ceuasescu, numa Polónia a sair do comunismo, no Chile, em Marrocos ou na Argélia, nem os interessantíssimos detalhes de quem escreveu três romances de grande sucesso sob pseudónimo retratando pessoas vivas, pelos seus próprios nomes, e com títulos tão sugestivos como Meurtre à l'Élysée e Meurtre à TF1, cinq jours qui ébranlèrent la Repúblique, o que retiraria aos potenciais leitores o prazer da sua leitura e da fina ironia dos seus relatos.

Gostaria, todavia, de sublinhar dois capítulos que deviam merecer a atenção de universitários, professores e alunos, politólogos e especialistas de sondagens e de comunicação social, bem como de jornalistas e simples curiosos, e que são os capítulos VII (Ma vie de sondeur de opinion) e VIII (Le goût de la transmission: enseignement et médias), que nalguns pontos quase parecem tirados de manuais académicos e desmistificam, sem deixar de questionar, o universo das sondagens e do papel da comunicação social, de cronistas e comentadores.

O pequeno prefácio de Arnaud Mercier é um aperitivo e um convite à leitura de uma obra que seria lastimável não conhecer uma tradução portuguesa. Espero que haja algum editor disposto a correr um risco que vale a pena ser corrido, até porque temos muita gente em Portugal, de São Bento à Gomes Teixeira, da São Caetano ao Largo do Rato ou à Soeiro Pereira Gomes, do continente às ilhas, do interior ao litoral, de norte a sul, que não lendo em francês precisa como de pão para a boca de ler este e muitos mais livros como este devidamente traduzidos.

Porque essa será a única forma, já que não estudaram antes e não estudam agora, de poderem alargar horizontes e de se cultivarem aprendendo algo de útil.

Pena que entre nós não haja "senadores" dispostos a fazerem o mesmo exercício de Roland Cayrol com a classe e a distância com que ele o fez. Teríamos todos a ganhar.

D. Luísa

José Meireles Graça, 26.06.23

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Não é que seja viciado em necrológios, é que com o adiantar dos anos as clareiras da saudade e da gratidão vão ficando mais amplas.

Era uma pessoa bem-disposta, tanto que há muitos anos, num filme dos irmãos Marx (Um Dia nas Corridas), teve acessos de riso incontrolável tão fortes que a plateia toda ria com ela.

As cóleras, inevitáveis no afã da administração das vidas do marido, do filho, da filha e da casa, que lhe faziam a voz aguda, nem eram frequentes nem duravam mais de 10 minutos.

Fora na juventude uma beldade, que se conservou até tarde. E dedicou a vida ao amor de caixão à cova que a ligou a um artista completo com um extenso rol de peculiaridades, que integrou sem esforço numa inalterável rotina doméstica. Cozinheira superlativa, e formadora avant la lettre de quanta criada (ainda se pode dizer assim?) lhe passou pelas mãos, o passadio era a inveja das visitas. Foi, durante muito tempo, gente das Artes, e um ou outro amigo ocasional que se interessasse por música (jazz, que a outra o pater familias não ligava pevas) ou, por exemplo, Camilo, o escritor que, numa casa de agnósticos, tinha altar posto nos interesses e nas conversas.

Um amigo do filho passou a páginas tantas a ser visita assídua. E discretamente, como se estivesse na ordem natural das coisas, também ele passou a ter direito às sextas-feiras, que era quando chegava para o fim de semana, ao mimo que nada fazia por merecer e que era, por exemplo, umas costeletas de porco das quais, com ofensa das boas maneiras, até a película do osso comia. Assim como a resposta que tinha para dar a modestos mas indevidos e frequentes pedidos de empréstimos foi sempre a mesma: chega?

O tal amigo, que era este vosso criado, foi substituído na hierarquia das atenções pela neta, dado que casou com a prata (no caso, ouro) da casa, e passado o tempo regulamentar o enlace frutificou. E logo do outro lado da diarquia filial outra neta veio, e as duas reinaram inocentemente até que veio a segunda série de netos, três rapazes, a que mais tarde se juntaram duas bisnetas, turba que tomou conta da cidadela a tal ponto que em alguns momentos se poderia julgar, no almoço dominical, que o serviço era à lista.

Morreu ontem, aos 90 anos, serenamente, não tendo tido nunca noção perfeita, porque acamada há mais de dois anos, de que o marido já cá não estava. Decerto o provedor destas coisas lá no assento etéreo não quis que quem dedicou a vida aos outros como se não tivesse qualidades de inteligência e vontade para brilhar por si tivesse ainda de pagar um preço pela passagem.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.06.23

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JPT: «Mandaram o tipo à África do Sul, é jornalista. À porta do hospital onde Mandela agoniza diz o tal jornalista português que se coloca a possibilidade de se terminar o apoio artificial, tecnológico, à vida do velho líder. Mas tomar essa decisão enfrenta um problema, diz-nos, com ar semi-pesaroso semi-analítico. E explicita o tal problema, como se pedindo a nossa compreensão para aquele peculiar contexto cultural, quiçá muito africano: é que na "tribo" de Mandela só se pode fazer isso, cessar o apoio artificial à sobrevivência, a pedido do próprio. Ora como Mandela está (já) impedido de o fazer só resta uma solução. Que a família tome essa decisão. Ocorre-me que na minha "tribo" também é assim.»

 

Patrícia Reis: «Na cadeira verde está uma mulher que faz parte da banda sonora da minha vida, de quem sei algumas coisas, agora mais, que me faz rir e chorar. Tem o dobro do sangue dos outros, sim. E perto dela a vida corre mais depressa ou mais devagar, não sei dizer. Sei que as palavras correm, atropelam-se, as histórias entram umas nas outras e, de repente, eu podia estar nas tábuas de um palco, eu que morro de medo dessas coisas, de mão dada com esta mulher podia ir onde fosse, podia mesmo ao fundo do poço, ali onde ela tem o seu lugar e sabe como sair. Há momentos de privilégio na vida. Hoje tive mais umas horas que ninguém me pode roubar, aprendi, ri e quase chorei. Quem me move desta forma? Simone de Oliveira.»

Blogue da semana

Sérgio de Almeida Correia, 25.06.23

Bem sei que não existe nenhuma regra escrita, mas também é verdade que não aparecem assim tantos blogues com textos legíveis,  informação rigorosa, opinião qualificada, informada e interessante que nos obrigue a restringirmo-nos ao universo nacional. E esta semana, uma vez mais, resolvi saltar do rectângulo e aproveitar uns dias no hexágono para vos deixar aqui uma proposta diferente.

Alguns dir-me-ão que é demasiado técnica. A esses responderei apenas que nem todos os assuntos se podem tratar pela rama e que vale a pena ler quem estudando se predispõe a escrever sobre o que leu, investigou e aprendeu, em especial se forem temas de actualidade e que estão todos os dias nas notícias.

Desconheço, no que confesso a minha ignorância e a ousadia da proposta que agora aqui deixo, se em Portugal existe algum blogue com características idênticas e com um escol tão grande de boa gente a escrever.

De qualquer modo, não hesitei, correndo o risco de não agradar nem a gregos nem a troianos, em escolher um blogue em língua francesa que nos ajuda a abrir horizontes e onde ainda recentemente surgiu um artigo sobre a próxima revisão da Constituição portuguesa, assinado por Mélanie Sousa, doutoranda em Toulouse.

Por essa razão, enquanto não puderem ler o último livro de Roland Cayrol (Mon voyage au coeur de la Ve République), que recomendo vivamente e ao qual voltarei, sugiro que visitem um blogue cujos textos são sempre de grande actualidade e tem uma lista de colaboradores impressionante.

A minha escolha para esta semana, que é também um reflexo dos meus gostos e interesses, é o blogue JP,  abreviatura de Jus Politicum, revista internacional de direito constitucional.

Espero que aproveitem a sugestão para ler alguma coisa de diferente, longe do que se passa com os magos da bola ou com a indigência política da nação.

Abjecto

Pedro Correia, 25.06.23

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Diálogo ontem à noite, na CNN Portugal:

Jornalista - Aqui neste mesmo estúdio, quando começaram os problemas entre o ministério russo da Defesa e o grupo Wagner, perguntei-lhe se havia ou não dissonâncias entre estes dois. E respondeu-me que não: «Isso são fantasias.» Enganou-se nesta análise?

Major-general Agostinho Costa - Não. Uma coisa é o que parece. Outra coisa é o que é. (...) Temos de analisar e não nos iludirmos pelas aparências. Então temos um golpe de Estado e o cabecilha do golpe de Estado vai passar férias para a Bielorrússia? 

Jornalista - Mas também referiu que o grupo Wagner «é uma concepção de Gerassimov [comandante das forças armadas russas], é preciso ler a doutrina de guerra híbrida, e está a funcionar muito bem.» Está?

Major-general Agostinho Costa - Está.

Jornalista - Isto tem aparência de normal funcionamento?

Major-general Agostinho Costa - Reitero tudo quanto disse. Reitero tudo quanto disse. 

Jornalista - Também referiu aqui que «o grupo Wagner corresponde, na Rússia, às forças especiais norte-americanas, é mais ou menos a mesma coisa». Foi isso que referiu neste estúdio. Arrepende-se de comparar o grupo Wagner a exércitos regulares?

Major-general Agostinho Costa - De maneira nenhuma!

Jornalista - O Wagner não é uma força regular. 

Major-general Agostinho Costa - É uma força de assalto. É uma força especial de assalto. As forças de assalto têm várias missões. O Wagner, quando é enviado para o exterior, combate ao lado dos países para onde vai. Por isso é que tem tido este sucesso.

Jornalista - Há ou não, nestas últimas 24 horas, um dano reputacional para Vladimir Putin, bastante visível à própria opinião pública russa?

Major-general Agostinho Costa - Não o acompanho, não o acompanho. 

A SuperLiga Europeia de futebol

jpt, 24.06.23

Superliga da Europa

Anda meio mundo a conversar e a ler sobre as desbragadas contratações de futebolistas pelo futebol árabe - desde Cristiano Ronaldo e Benzema até Iuri Medeiros e Rúben Neves tem sido uma azáfama. Contratos supra-milionários, que multimilionários já eram os anteriores. Francamente não compreendo os objectivos dos responsáveis dos países árabes. Posso aventar ("mandar bocas") mas não percebo - com toda a certeza não se trata de "massificar o desporto" naquelas populações "ensofazadas" pelos petrodólares. Nem será um mero objectivo económico, até pelos montantes envolvidos. Mas mesmo politicamente - em termos de "imagem" interna e externa, e de geoestratégia - não consigo entender o que pretendem com isto, que surge na sequência de terem, em particular a Arábia Saudita, assumido relevância na organização (que não na prática) de competições de elite de outros desportos. Enfim, julgo que só alguém minimamente sagaz e que acompanhe as dinâmicas sauditas, cataris e vizinhas, poderá interpretar o que se passa.

Mas um efeito terá esta desmedida investida dos responsáveis árabes sobre a grande "indústria" de entretenimento europeu. Estou certo que muito em breve será recuperado o projecto dos grandes clubes europeus de constituir uma Super Liga Europeia, mais ou menos encerrada, congregando alguns clubes históricos e outros propriedade de macro-capitalistas, "oligarcas", replicando o modelo anti-liberal das "ligas" desportivas norte-americanas, e possibilitador da concentração de gigantescos recursos. Disso afastando um alargado de clubes de países menos centrais, menos lucrativos aos mercados televisivos globais.

Se o popular futebol do Oriental, Carcavelinhos, Barreirense, Lusitano de Évora, etc. é já há muito uma esconsa nota de rodapé, muito em breve poucos atentarão nos Guimarães, Leiria, Boavista ou Chaves. E, no virar da década, nos Sportings e Benficas desta Europa.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 24.06.23

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Hoje lemos: José Saramago, "Cadernos de Lanzarote".

Passagem a L-Azular: "Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos."

Deveria ler-se: "Privatize-se principalmente e sempre a TAP e pague-se constantes indemnizações milionárias para voltar a nacionalizar a companhia  que sem dúvida voltará a ser privatizada para o gáudio de que quem se tem sempre enchido e bem à conta da transportadora nacional."

De resto no ensino, na saúde, na alimentação, nos transportes, etc., já muito foi "internacionalizado". 

(Imagem Google)