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Delito de Opinião

Clint Eastwood

jpt, 01.06.23

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(Ontem Clint Eastwood fez 93 anos. No FB da "lisboa" erudita vai polémica sobre o homem, teclam-no qual "fascista", pois de "direita", e, pior ainda, "machola" - um terrível neo-insulto - e etc. Alguns insurgem-se e defendem-no..., citam-se filmes que o "eximem" a tais pecados, etc. Ao ver o relambório lembrei-me de velhos postais que sobre ele botei ao longo dos anos no meu antigo blog ma-schamba. E depois encontrei este, de 2016, no qual mais ou menos resumi o que penso do autor. É certo que também poderia embrulhá-lo em papel de jargão, e com laço conceptual, e até o poderia candidatar a participar no concerto de trinados contra a "macholice". Mas não me parece que viesse a entoar no tom certo. Por isso aqui o coloco, para quem tenha paciência. Ou goste do Clint:) 

Se na actualidade há algum bardo por aí é este e há muito que o encontrei, a fazer-me a vida. De todos os vivos é o meu cineasta preferido e, também, o meu pensador preferido. E compreendo que nos filmes dele, até nos falhados, fico feliz, suspendo todo o juízo crítico. Ora, não é isso o amor? Segue ele pensando o mundo com uma intensidade e uma densidade ímpares, incompreensíveis para os “bem-pensantes” das ideologias lites e muito para além dos pobres boçais que dele retiram o culto de colts, magnums ou drones. Julgo que a paupérrima apreensão da obra de Clint é mesmo o espelho do superficialismo militante do hoje em dia.

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Saudosismo

Coisas da meninice neste Dia da Criança

Maria Dulce Fernandes, 01.06.23

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As aulas começavam às 8 horas e de casa ao Liceu eram 15 minutos de autocarro, ou meia hora a pé. A minha mãe dava-me diariamente 1 escudo para os bilhetes do 27, um verde da Carris, ou do 18, um amarelo que saía de Belém para a Praça do Comércio e passava pela Rua da Junqueira. Eu preferia sair mais cedo, ir a pé e guardar o dinheiro para comprar coisas boas na cantina. Havia de tudo e era tudo muito bom. Os bolos, os bombons, as bombocas, as batatas fritas, os nougats e as sandes de queijo ou fiambre, feitas num pãozinho enfarinhado e leve com muito miolo e um fiambre delicioso. Preferi muitas vezes a sandocha aos doces.
Lembro-me das sandes de fiambre do Liceu sempre que se compra fiambre para ter em casa. O pão é o que é, uma tristeza, mas o fiambre, esse então é aguado, não dura mais do que um dia, não sabe a fiambre, não presta. Mesmo aquele xpto da marca nacional mais conhecida em produtos de charcutaria, comprado ao balcão e cortado na hora, passado um dia  já sabe mal, independentemente das caixas de vácuo onde o acondiciono.
As saudade que eu tenho de uma bela sandes de fiambre saborosa, num papo-seco enfarinhado e com miolo, que se podia comer no dia seguinte sem partir um dente ou dois, que comprava na cantina do Liceu e que marcou mais vivamente a memória dos meus doze do que ter sido "senhora" ou um buço escuro persistente ter começado a despontar, realçando ainda mais o meu nariz de Cleópatra.

(Imagens Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 01.06.23

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Alexandre Carvalho da Silveira: «A gastronomia portuguesa está mais pobre: morreu no dia 26 de Maio Gabriel Fialho, do Fialho de Évora, grande amigo de quase 50 anos, guardião e grande divulgador da Gastronomia Alentejana. O Gabriel, que passou mais de sessenta anos a trabalhar no Fialho, estava doente há uns dois ou três anos. O Masterchef do Céu resolveu chamá-lo, poupando-o a ele e à Familia, principalmente à sua Zefinha, a um grande sofrimento. Fica a saudade de um Amigo que proporcionou vezes sem conta, a mim e a outros amigos, momentos gastronómicos únicos.»

 

Patrícia Reis: «A multidão aperta-se para ver os saldos na Praça Leya, há fila para os gelados e um senhor que teima em passear um cão minúsculo que, decerto, não sairá dali mais culto. Aflito? Isso é fatal. O desgraçado do bicho é mínimo e encara os homens e as mulheres, as crianças que podem - por ser dia da criança - comprar um livro. Baratinho, diz uma mãe. Depois fica para lá e dizes que lês e nunca lês, acrescenta naquele tom que certas mães têm, um tom que é o poder de desprezar as crianças. Mais tarde, num suspiro, dirá a uma amiga enquanto faz a manutenção das unhas de gel que o marido acha que custam 10 euros, quando custam 35: Fiz tudo para que o meu filho fosse um leitor.

 

Teresa Ribeiro: «Sorriu ao imaginá-la a esgrimir contra o desejo. Conhecia-lhe os hábitos: "A esta hora ainda não foi dormir de certeza". Remexeu-se no sofá, ansioso: "Deve estar a pensar o que há-de responder". Ah, como ele gostaria de voltar a sentir aquelas unhas nas costas. Estava tão absorto que se sobressaltou quando o telemóvel começou a vibrar. "É ela! As mulheres não resistem a este género de surpresas". A confirmação das suas expectativas fê-lo evoluir da excitação para a ternura: "Que saudades de ver aparecer aquele nome no ecrã!" Abriu a mensagem sem pressa, para saborear o momento. Em maiúsculas  lia-se: V A I  MORRER LONGE.»

 

Eu: «Ontem trouxe da feira dois livros: Confusão de Sentimentos (Verwirrung der Gerfühle), uma colectânea de contos de Stefan Zweig, com a marca de qualidade da editora Antígona, e O Intruso (Intruder in the Dust), um romance de William Faulkner ainda pré-Nobel da Literatura, relançado em Portugal há dois anos pela Bertrand. Duas obras que se arriscavam a ser atiradas para os famigerados "fundos de armazém" agora tão em voga - ou mesmo a ser destruídas, como tantas vezes vai acontecendo quando decorre um certo prazo, perante a generalizada indiferença das sumidades culturais da nossa praça. Confesso que me faz impressão esta espécie de recriação ao vivo do cenário de Fahrenheit 451, de Ray Bradbury - um dos livros da minha vida. Quem nunca o leu, é capaz de o encontrar na feira. Talvez também em saldo, talvez ainda a tempo.»

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