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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 03.05.23

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José António Abreu: «Há seis milhões de portugueses que hoje nem ele conseguirá fazer deixar de sorrir.»

 

Luís Menezes Leitão: «Já se sabe que o primeiro-ministro virá hoje anunciar mais um assalto aos sacrificados do costume, após o que provavelmente irá festejar entoando canções nostálgicas. O que me choca, no entanto, é a precisão horária com que estas medidas são sempre anunciadas. As 20h00 de sexta-feira passaram a ser o momento mágico em que os mercados estão encerrados e os governos ou os tribunais constitucionais são autorizados a disparar os seus tiros, ficando com quarenta e oito horas para avaliar as consequências. Já que os sacrificados fiquem com o fim-de-semana estragado é algo que não os preocupa minimamente. Tivessem comprado também bilhetes para o concerto onde o primeiro-ministro irá a seguir.»

Ler os outros

Paulo Sousa, 02.05.23

António Barreto regressa ao espaço público com regularidade, onde acrescenta uma clareza de pensamento que aprecio escutar. No seu último artigo de opinião no Público, fala sobre várias aspectos da actualidade de que aqui partilho um excerto.

"Entre as fraquezas da democracia está a mais citada: é o regime de todos, incluindo os não democratas e os antidemocratas. Além desta, outras fragilidades mostram bem como, mais do que imperfeita, a democracia tem vícios, alimenta vícios e premeia vícios. O regime democrático inclui corruptos, mentirosos, exploradores, ladrões e os representantes das várias cáfilas conhecidas. A democracia coexiste ainda com cunhas, droga, machismo, assédio sexual e tráfico de influências. Muitos destes vícios e defeitos têm de ser tratados com civilização. Outros, com a Justiça e o Estado de direito. Quando estes últimos falham, perde a democracia.

Os últimos episódios “mediáticos” revelaram o papel crescente do partido Chega e os receios, igualmente crescentes, dos que se dizem defensores da democracia. E que talvez sejam, em título, pelo menos. Mas convém olhar melhor para este confronto que parece simples, mas não é. Na verdade, os provocadores do Chega, ridículos, mas eficazes, são tão perigosos quanto os prevaricadores do PS e do PSD. Os oportunistas do Chega são tão ameaçadores quanto os que não são capazes de gerir a democracia. Sem falar naqueles que se querem aproveitar da democracia."

O artigo na sua totalidade pode ser lido também no seu blog.

O caminho das dúvidas

Luís Naves, 02.05.23

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Vivemos em tempos conturbados de política polarizada, como acontece em períodos de transformação rápida. O caminho parece denso e repleto de sombras, a nova crise económica é imprevisível, agigantam-se os estrondos da guerra, mas talvez a dificuldade mais longa seja a grande mudança de mentalidades que acompanha o estertor da ordem vigente. No fundo, são contestadas as regras impostas pela hegemonia ocidental. A ordem triunfante inclui globalização do comércio, o poder financeiro, a força militar mais poderosa da história, o domínio da língua inglesa, o todo-poderoso dólar norte-americano, as ideias de Hollywood e a internet.
O Ocidente tenta impor a todas as sociedades esta visão de uma ordem baseada nas suas regras. É messiânico, os tradicionalistas devem ver a luz, têm de abandonar as maneiras desprovidas de equidade que os levaram à submissão. A política ocidental usa sanções e narrativas noticiosas, aparentemente não tem ideologia, mas lembra o comunismo de antigamente, com as suas manhãs que cantavam. Não há dúvidas sobre a justiça e perfeição do nosso modelo, quem se questionar é um radical. Os outros países devem alterar o que lhes resta da parte fossilizada das suas defuntas civilizações, nomeadamente autoritarismo, estrutura familiar, superstições, a própria noção do belo.
Nós também teremos de mudar, precisamos de ter vergonha da religião dos nossos pais, de pagar indemnizações pelo tráfico de escravos, de sentir o tom pálido da pele como um ferrete de injustiça passada, de renunciar às imposições biológicas de género. Teremos de aceitar que os transexuais acabem com o desporto feminino em nome da equidade, que as crianças sejam educadas na escola com grandes confusões sobre a sexualidade. A correcção política implica que os próprios resultados eleitorais possam ser revertidos quando ganharem os partidos maus que só querem andar para trás. As massas precisam de ser ensinadas por gente iluminada. A revolução cultural pode começar em coisas pequenas, mas as revoluções nunca sabem parar.

imagem Dall-E, IA

As melhores praias portuguesas

Pedro Correia, 02.05.23

A partir de amanhã recupero uma série que mantive aqui há uns anos, para aparente agrado de muitos leitores. Agora que se aproxima nova época balnear e em que as temperaturas já convidam a refrescantes mergulhos.

A ideia de retomar estes postais, confesso, partiu deste texto do João Campos e de uma espécie de adenda que lhe fiz, muito comentada.

Faço desde já a promessa de publicar fotos sem filtos coloridos nem esmagadoras vistas aéreas nem panoramas nocturnos dotados de aura romântica. Para todas serem apreciadas, tanto quanto possível, em igualdade de circunstâncias.

Passarão por cá apenas as que conheço - e são muitas, valha a verdade. Mas aceito sugestões dos leitores: espero que me vão dizendo que praias preferem, por este ou aquele motivo.  A todos agradeço desde já.

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 02.05.23

Em 20 destaques feitos pelo SAPO em Abril, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu 20 menções ao longo do mês. Fazendo o pleno.

Incluindo quatro textos na primeira posição do pódio, quatro na segunda e dez na terceira.

 

Os 20 postais foram estes, por ordem cronológica:

 

Trocar o real pelo digital (78 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Outra "gloriosa" conquista de Putin (58 comentários, terceiro mais comentado do dia)

O caviar da "verdadeira esquerda" (24 comentários, o mais comentado do fim-de-semana)

A resposta é sempre a mesma (56 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Lápis L-azuli (23 comentários, terceiro mais comentado do fim-de-semana)

Pensamento da semana (42 comentários)

Um amigo de Putin (106 comentários, o mais comentado do dia)

O passado não regressa (26 comentários, terceiro mais comentado do  dia)

Setas amarelas até Santiago (33 comentários, terceiro mais comentado do dia)

A verdade e a mentira (35 comentários)

Pensamento da semana (28 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Nem escravos nem vassalos (62 comentários, o mais comentado do dia)

Lula: o fascínio por ditadores (1) (44 comentários, segundo mais comentado do dia) 

Lápis L-Azuli (30 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Lula: o fascínio por ditadores (3) (34 comentários, segundo mais comentado do fim-de-semana)

Pensamento da semana (82 comentários, segundo mais comentado do dia

Os três Dês de Abril. E os outros três também (25 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Dois deputados que deixaram saudades (30 comentários, segundo mais comentado do dia)

A arbitrariedade do tipo disfarçado de árbitro (81 comentários, o mais comentado do dia)

Inteiramente de acordo (30 comentários, terceiro mais comentado do fim-de-semana)

 

Com um total de 940 comentários nestes textos. Do Paulo Sousa, da Maria Dulce Fernandes, do Luís Naves e de mim próprio.

Fica o agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 02.05.23

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José António Abreu: «Não obstante todas as particularidades da situação japonesa (deflação, mais de 90% da dívida detida internamente, capacidade de inovação de muitas empresas, diferenças culturais que se reflectem na preferência por produtos nacionais, forte possibilidade de atritos políticos e comerciais com a China, etc.), trata-se de uma experiência que outras partes do mundo, igualmente atoladas em dívida (e, no caso europeu, com assimetrias difíceis de gerir no quadro de uma moeda única), acompanharão com interesse. Seja para acabarem cedendo às vozes dos que nelas desejam fazer o mesmo (e entenda-se por "o mesmo" a parte pública e expansionista do plano, não a da liberalização de mercados), seja para validarem a posição oposta e aproveitarem os fluxos de capitais em fuga.»

A última viagem de comboio

João Campos, 01.05.23

É uma daquelas ideias soltas que nos assalta de vez em quando: a dada altura teremos feito algo pela última vez sem o sabermos, de tal forma que o mais provável é nem nos lembrarmos de tal ocasião por o seu momento não ter sido memorável. Lembramo-nos de inúmeras vezes em que brincámos na rua, em que saímos para o bar do costume, em que juntámos o grupo todo para um serão de conversa nas noites quentes de Verão - mas não nos lembramos do momento exacto em que o fizemos pela última vez.

Em Setembro assinalarei os vinte anos da minha vinda do Alentejo para Lisboa. Foram quase duas décadas a fazer viagens regulares de comboio entre a capital do país e a minha pequena aldeia natal no interior Sul. No primeiro par de anos que cá passei, o percurso era feito da estação da aldeia até ao Barreiro, sendo então a travessia do rio concluída de barco (e ainda apanhei os velhos barcos, apesar de ter beneficiado da transição para os catamarãs mais modernos). Era o tempo do extinto Inter-Regional que percorria toda a linha do Sul desde a margem do Tejo até à margem do Guadiana em Vila Real de Santo António. Esse comboio ainda tinha carruagens com compartimentos, que eu e os meus amigos por vezes conseguíamos ocupar nas idas para baixo (para cima não tínhamos hipóteses, claro). Às Sextas e aos Domingos o comboio enchia-se de rapazes e raparigas de dezoito, dezanove, vinte anos - estudantes da universidade e tropas no serviço militar. Hoje serão menos, uns e sobretudo outros.

No seguimento do Euro 2004, da travessia ferroviária do Tejo e da electrificação da Linha do Sul, vimos o "comboio da ponte" matar o Inter-Regional - com a ligação entre as estações centrais de Lisboa e o Pinhal Novo concretizada, a CP colocou automotoras eléctricas a fazer o percurso entre esta localidade do distrito de Setúbal e Faro, com automotoras mais antigas a assegurar as restantes ligações no Algarve. Não me lembro ao certo de quanto tempo durou esta solução, mas lembro-me bem de como acabou - com a CP a mudar os comboios para horários menos convenientes, até eliminar as ligações por uma "falta de procura" mais auto-inflingida do que qualquer outra coisa. E assim morreram pela segunda vez dezenas de pequenas estações e de diminutos apeadeiros - primeiro quando as instalações foram encerradas por falta de pessoas, e depois, em definitivo, quando os comboios deixaram de lá parar. Quem deles precisasse teria de se deslocar para longe - Alcácer do Sal, Grândola, Funcheira, Messines - para apanhar o Intercidades. No meu caso, o destino era a Funcheira, esse velho entroncamento votado à irrelevância pela desertificação inexorável do interior alentejano e pelo fim quase criminoso da ligação ferroviária a Beja, a nossa bela e longínqua capital de distrito. Há 30 anos podia ir e vir - como fui e vim, tantas e tantas vezes - de comboio da aldeia para Beja; uma das minhas memórias mais antigas é dos campos infinitos de girassóis que o comboio atravessava, um mar amarelo lindíssimo a contrastar com o azul profundo do céu alentejano. Não sei sei ainda se cultivam girassóis algures entre Ourique e Beja; mas se houver, ninguém os poderá apreciar da janela do comboio.

Quis a sorte, ou uma rara insistência dos presidentes das Juntas de Freguesia da minha região, que a estação da minha aldeia conhecesse uma ressureição parcial. Afinal, a Funcheira fica ainda no concelho de Ourique, e ficava mal a uma empresa pública como a CP, paga por todos nós, ter comboios a passar pelo maior concelho em território do país - Odemira - sem lá fazer uma única paragem. A estação não reabriu, claro - na minha memória ainda guardo a imagem da antiga bilheteira onde o Sr. Marques vendia os pequenos rectângulos de cartão coloridos que davam acesso ao comboio, bilhetes a sério, nada dos talões de compra que hoje em dia passam por bilhetes em todo o lado, dos comboios aos cinemas; essa porta está definitivamente fechada -, mas o comboio voltou a parar lá. E assim a viagem de quarenta quilómetros que o meu Pai fazia para me ir buscar à Funcheira às Sextas-feiras (e mais quarenta quilómetros para me ir levar, necessariamente) foi reduzida para um breve passeio de dois quilómetros da porta de casa à estação. Mais conveniente seria difícil.

Mas essa conveniência foi-se desvanecendo, sobretudo com a degradação do serviço da CP. Em cerca de quinze anos de Intercidades tenho a sensação de que as carruagens continuam a ser as mesmas, apenas mais e mais sujas (vi coisas inacreditáveis nestes anos, e fiz viagens em condições impensáveis para um país com pretensões de desenvolvimento). Os atrasos são constantes, e de há cinco meses para cá sempre que quis ou precisei de ir à terra vi-me condicionado por greves. Percebo os motivos, e apoio - o direito à greve é fundamental. Mas nesta fase da minha vida, e sobretudo da vida dos meus pais, não posso mais ficar dependente dos humores de uma empresa pública tão essencial como mal gerida.

Os bilhetes que fotografei não terão sido da última viagem que eu e a Ana fizemos de comboio até à nossa terra - não tenho dúvidas de que, mais cedo ou mais tarde, por um ou outro motivo, recorreremos de novo ao Intercidades. Mas marcam a última viagem regular de comboio entre a Lisboa onde (ainda) vivemos e as aldeias onde crescemos, e das quais saímos há mais de vinte anos. Voltámos no Domingo, conversámos sobre o fim-de-semana, sobre a semana que se avizinhava, lemos em silêncio durante um bocado - a minha companhia de leitura foi o canadiano Peter Watts e o estimulante Echopraxia. Terei saudades daquelas duas horas e quinze minutos (fora atrasos) de pouca-terra-pouca-terra a ler, a escrever, a ver o meu belíssimo Alentejo a passar para lá das janelas. Também por isso faço questão de me lembrar desta última viagem.

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Gigantes

Luís Naves, 01.05.23

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Num comentário a este texto, o nosso leitor Balio observava que "cada vez há menos liberdade económica", sendo os próprios países europeus e os EUA menos liberais. Julgo que a observação é certeira e revela muito sobre o nosso tempo. A globalização devia ter trazido diversidade, mas aconteceu o inverso: temos menos bancos e lojas, menos companhias de aviação e produtores de automóveis; pode haver dezenas de marcas, mas os produtos são todos iguais; a nossa comunicação social concentra-se em três ou quatro grupos que dizem coisas parecidas; os livros e filmes são semelhantes, como as salsichas, saem de fábricas de conteúdos. O liberalismo tem vantagens, permitiu uma época de preços baixos e de abundância, criou milhões de empregos, mas à custa da insustentabilidade dos recursos. Houve também perdedores e o impacto do inevitável descontentamento está ainda no futuro. A revolução digital prometia diversidade, mas aconteceu o inverso: quem esteja no facebook ou twitter não tem alternativa à sua plataforma. Para empresas como Amazon, Google, Netflix ou Disney (algumas mais poderosas do que países) só existe um caminho: crescer e ganhar escala.

imagem Night Café, IA

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 01.05.23

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João Campos: «O jornalismo de investigação está mesmo em vias de extinção; quanto aos mais novos - e creio que os meus 27 anos me permitem ainda fazer parte do grupo -, diria que não compram jornais e revistas porque estes meios há muito que deixaram de trazer algo que lhes interesse. Exceptuando casos muito pontuais, para os jovens comprar um jornal ou uma revista é deitar dinheiro à rua, algo que se torna mais grave quando este está longe de ser abundante. A espuma dos dias pode ser lida na Internet (e se há coisa que os mais novos têm é ligação à Internet), de forma gratuita, tanto nas páginas online dos jornais como nos blogues de opinião - com a vantagem, neste último caso, de o alinhamento dos blogues ser quase sempre evidente. E se vamos procurar temas mais específicos, um leitor fica muito mais bem servido na Internet, pois a diversidade e a qualidade oferecida é incomparavelmente superior.»

 

JPT: «Houve agora uma votação no seio da Comissão Europeia intentando banir estes pesticidas, protegendo a população das abelhas. Mas neste processo não só se introduziram "nuances" (daquelas que minoram os efeitos positivos almejados - no caso julgo que, pelo menos, restringindo a proibição a culturas directamente procuradas por abelhas), como sete países se recusaram a votar favoravelmente, impedindo uma maioria qualificada na votação que permitiria uma rápida, abrangente e eficaz política de protecção. Portugal, que neste assunto se representa pela ministra Assunção Cristas, numa questão desta gravidade ecológica decidiu... abster-se. Em defesa das indústrias produtoras (Bayer, Syngenta), pedindo (tal e qual num blockbuster americano) "mais estudos", o velho argumento dilatório.»

 

Eu: «Pais e Filhos fala-nos do que permanece imune à passagem do tempo, da natureza que cumpre o seu destino indiferente às paixões humanas e dos genuínos afectos, capazes de formar de modo mais decisivo um carácter do que toda a sabedoria académica. É um romance quase musical, cheio de admiráveis diálogos e onde inesperadamente surge um trecho de Schubert ou Mozart que imaginamos mesmo escutar, tal é o poder sugestivo do escritor. Ivan Turguéniev acreditava - como depois dele aconteceria com Henry James ou Joseph Conrad, por exemplo - que o maior dever moral de um romancista é escrever bem.»

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