Leituras
«A crueldade dos homens é um abismo insondável.»
Manuel Mendes, Pedro, Romance de um Vagabundo (1954), p. 109
Ed. Editores Associados, s/d. Colecção Unibolso, n.º 95
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«A crueldade dos homens é um abismo insondável.»
Manuel Mendes, Pedro, Romance de um Vagabundo (1954), p. 109
Ed. Editores Associados, s/d. Colecção Unibolso, n.º 95
Paulo Tunhas era um dos nossos, e por isso o convidámos (a Oficina da Liberdade) para fazer uma conferência no Porto. Muita gente, muito interesse e muito encanto – não era possível deixar de lhe apreciar a simplicidade, a vasta cultura que sem querer deixava transparecer e a agudeza de espírito que o levava a ver as coisas por baixo das coisas.
Prefaciou o livro de Carlos M. Fernandes “Vai ficar tudo mal” e tem um ensaio no a publicar “Polarização - Ensaios de história, filosofia e teoria política”, além da vasta obra que a notícia da sua morte refere.
Dos nossos, os que liam religiosamente a sua coluna no Observador. Também dos outros, os que, partindo de pressupostos diferentes para moldar as suas convicções, lhe reconheciam a superioridade intelectual e a incapacidade para ser banal, superficial ou odiento.
Na minha cidade almoçámos uma vez. Um grupo improvável – ele, Sérgio Sousa Pinto, Francisco Assis, Sebastião Bugalho, João Bianchi e eu, por ser da terra. Conversa ao correr da pena, Paulo tinha a lhaneza de trato e a despretensão de quem era, à falta de melhor palavra, civilizado.
Nos cemitérios há, ao contrário do que se diz, pessoas insubstituíveis. Sem ele, não vamos pensar melhor.
Uma em cada três nações do mundo está sujeita a sanções económicas dos países ocidentais que mandam no sistema capitalista. Apesar dos efeitos limitados, a proporção triplicou em 30 anos. As sanções eram dirigidas contra países pequenos e nunca derrubaram regimes, mas a guerra da Ucrânia desencadeou uma tempestade contra a Rússia, o maior alvo de sempre desta estratégia. Desta vez, muitos países alarmaram-se com a vulnerabilidade das suas riquezas estacionadas em bancos da América ou da Europa. A administração Biden parece obcecada em estabelecer uma ligação entre sanções e democracia, penalizando quem recuse liberalizar as suas sociedades, incluindo aliados. A facção que controla a política externa americana procura até impor ideias sobre género que horrorizam os governos mais tradicionalistas. O mundo está a ser dividido entre democracias e autocracias, entre G7 e a rebelião de protesto dos BRIC's, entre Davos e o resto. O ouro valorizou quase 20% nos últimos seis meses e as ditaduras estão a diversificar as suas finanças, mas o eventual declínio do dólar levará anos. Por outro lado, as sanções atingem as populações pobres e criam ressentimentos que as lideranças autocráticas têm relativa facilidade em manipular a seu favor.
imagem, Night Café, IA
«Um ser humano deve ser capaz de mudar uma fralda, planear uma invasão, comandar um navio, arquitectar um prédio, escrever um soneto, fazer contas, erguer um muro, ajustar um osso, consolar um moribundo, receber ordens, dar ordens, cooperar, agir na solidão, resolver equações, programar um computador, confeccionar uma saborosa refeição, lutar com eficácia, morrer com garbo. A especialização é para os insectos.»
Robert A. Heinlein (1907-1988)
Notável entrevista de Noah Chomsky ao suplemento Ípsilon, do jornal Público (entrevistado por Ivo Neto e Karla Pequenino). Tema dominante: a inteligência artificial. O pensador norte-americano adverte: hoje há pessoas que se apaixonam por máquinas. Gente nascida após 1997, os chamados "nativos digitais". Gente deste XXI - o século em que a máquina, tendencialmente perfeita, supera de vez o homem, imperfeito por definição.
«Porque é que uma criança de três anos fala com os seus brinquedos? Algo nestas tecnologias lembra a nossa infância e todos podemos ser apanhados nisso», assinala Chomsky. Na sua perspectiva, proibir não é solução. Nunca é. «Podemos levar as pessoas a compreender o que a inteligência artifical é e não é. Acabar com a euforia e olhar para a realidade como ela é. Basicamente, é como qualquer outra ideologia ou doutrina. (...) Não há maneira de a impedir, não vai acabar nem desaparecer. Pode educar-se a população para compreender como realmente são as coisas.»
Sempre estimulante, concordemos ou discordemos dele. Com lúcidos 94 anos.
Em democracia, há verdades e mentiras. Em ditadura, só há mentiras camufladas de "verdade".
Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
José António Abreu: «É estranho, até um pouco assustador, mas não me lembro de um único pormenor deste dia. Tê-lo-ei passado a dormir? Tê-lo-ei eliminado da memória em resultado de uma experiência traumatizante? Mas, neste caso, que experiência poderia levar-me a uma reacção tão definitiva? Um assassinato? Um sonho húmido com a Ana Gomes? Uma tentativa para ler um livro do José Rodrigues dos Santos?»
Luís Menezes Leitão: «Este Governo começa a parecer-se cada vez mais com o grupo de conselheiros de Júlio César no Obélix et Compagnie. Temos um problema para resolver? Cria-se mais uma comissão para analisar esse problema, a qual depois se dividirá em sub-comissões específicas ou então combina-se um almoço para discutir o assunto.»
Teresa Ribeiro: «O mercado, é bom não esquecer, é feito de gente que regula a oferta e a procura. Não adianta chorar lágrimas de crocodilo quando vemos fechar mais um cinema. Se mesmo lutando à sua maneira contra a crise, integrando uma livraria com exposições temporárias de pintura e um bar onde nos podemos sentar confortavelmente a lanchar, os lisboetas lhe viram as costas, o King terá os dias contados.»
Everything's Been Changed, 5th Dimension
(Single: Everything's Been Changed, 1973)
«Tenho todas as condições para participar neste governo.»
João Galamba, esta tarde
(Gerardo Santos/Global Imagens)
Os rocambolescos episódios que têm acompanhado o XXIII Governo dariam uma óptima comédia "à italiana", não fosse dar-se o caso da situação nacional e internacional ser tudo menos o cenário ideal para uma coboiada.
Os mais recentes casos envolvendo o ministro Galamba e a sua entourage, quase fazendo do despedido Pedro Nuno Santos um menino de coro, mostram bem como o "socratismo jotinha" continua a enxamear o PS. A garotada que António Costa levou para o Governo pode ter frequentado todas as universidades promovidas pelo partido, ter feito a escola dos gabinetes e do parlamento, mas não aprendeu rigorosamente nada.
E o que se está a ver é que transformou o Executivo, com a bênção do primeiro-ministro, numa extensão de um congresso da JS, dominado por fédayins que se digladiam entre si para conseguirem os melhores lugares à mesa.
A falta de senso de que no passado deram mostras aconselharia a que não passassem da sala de visitas de qualquer ministério ou secretaria. Ao invés, deram-lhes palco e estatuto. Os resultados estão à vista dos portugueses, não havendo maneira de disfarçar a sua mediocridade, enquanto o país assiste a mais um deprimente espectáculo de incapacidade governativa, de falta de autoridade política, de ausência total de sentido de Estado, numa galambada pegada pela qual os únicos responsáveis são o primeiro-ministro e a Direcção do PS que ao longo dos anos acarinharam aquela garotada inepta parida pelo socratismo.
Mário Soares se fosse vivo estaria naturalmente siderado com o que se está a passar e já teria dado dois berros para correr pela porta dos fundos aquela catrefada de putos mimados e pseudo-políticos mal formados, que se propõem resolver os problemas aos gritos e ao murro. Figurantes sem consistência, sem estrutura ou estatura ético-moral para integrarem qualquer junta de freguesia; quanto mais um governo da república.
Numa terra sem uma oposição capaz, com uns aparentados de seminaristas a estagiarem à frente das bancadas parlamentares, em que o panorama mais provável, se o PSD chegasse ao governo, seria a reedição do que estamos a viver, substituindo-se apenas a miudagem da JS pelos "agilizadores" da JSD e afins, e com um Presidente da República que dá provas de desnorte, sem saber como há-de levar o seu mandato até ao fim, resta aos portugueses a esperança de que António Costa ainda seja capaz de, por uma vez, correr com a galambada instalada, fazer uma remodelação decente (não é difícil), não continuando a queimar cartuchos, e poupando aquela meia-dúzia de ministros que ainda consegue segurar as pontas e manter o país a funcionar sem grandes ondas.
Mais do que nunca, Portugal precisa de um governo de combate, com gente íntegra, sensata e madura, que deixe de dar diariamente argumentos aos partidos que o querem apear. Enfim, dispensando-se de uma vez por todas aqueles tarecos e jericos de que António Costa se rodeou, e que têm transformado a maioria absoluta num horrível espectáculo, no pior e mais deprimente que um mau infantário pode produzir numa festa de Carnaval.
Não há filme de terror que possa durar sempre. Haja dó.
Hoje lemos: Agatha Christie - Encontro com um Assassino/ Crime no Vicariato
Miss Marple: “Interrogo-me muitas vezes por que motivo tem o mundo uma tendência tão grande para generalizar. As generalizações raramente ou quase nunca são verdadeiras e são muitas vezes totalmente inexactas.“
Passagem L-Azulada. Deveria ler-se: "Generalizar é sempre, mas sempre falar de género. E o género é uma escolha. E as escolhas podem ser inexactas, mas são verdadeiras."
Escrevi politicamente correcto! Não me incomoda minimamente ser inconveniente, incorrecta, ou o que me quiserem chamar. A realidade é bem mais estranha do que a ficção, como alguém já se encarregou de salientar. Não me assustam as palavras de trogloditas, assim como não me intimidam por bater o pé e fazer braço de ferro aos novos dogmas e às ditas discriminações criadas pelos que as usam e abusam no sentido de mascarar incapacidades, que são diferenças apenas nas suas cabeças ou nas suas competências, e muito provavelmente na falta delas.
(Imagens Google)
«A ternura é o dom que me comove, que me sustém, nesta manhã, em todas as outras manhãs.»
Raymond Carver (1938-1988)
Ana Vidal: «A cada um a sua Ítaca. A de Kavafis, que nos fala de todas elas com admirável sabedoria, é um poema belíssimo.»
Gui Abreu de Lima: «O meu companheiro seguiu o rasto dos mais velhos. Era um tagarela serão fora, capaz das perguntas mais parvas só para me ouvir praguejar. Bom sentido de humor, das noites queria a risota (fazia-me bem aos brônquios). Agora a sala é um intervalo. Vem beber, o passarinho, e segue onde outros estão de olho num monitor. Desprende-se o petiz da saia, rumo ao ciberespaço. Os filhos são como os pintos, ganham pena e voam. Ingratos.»
Leonor Barros: «Ler. Ler. Ler. Desejar dias longos sem amarras nem obrigações, dias em que nos recostamos no mais confortável dos lugares e nos deixamos levar por um livro. Ou que agarrramos o que está à mão e, nos sítios improváveis, sucumbimos ao apetite voraz de devorar páginas, ou de saboreá-las com vagares de tempos suspensos.»
Eu: «Dois partidos que nunca ganharam uma eleição para a Assembleia da República repetem, a todo o momento, que os portugueses devem ir a votos outra vez.»
Dream On, Aerosmith
(Álbum: Aerosmith, 1973)
«Governo fez uma denúncia à Polícia Judiciária por causa do computador de Frederico Pinheiro, exonerado por João Galamba no dia 26 de abril. Portátil já está na posse do Estado e não houve buscas domiciliárias. Frederico Pinheiro afirma ao Expresso que o entregou "de livre vontade". Antes disso, houve conflitos e agressões no gabinete quando o adjunto foi buscar o computador ao gabinete. PSP foi chamada ao local por causa das “altercações” e assessoras de Galamba fizeram queixa.» - Expresso
«A fé do homem em si mesmo foi reduzida a cinzas em Auschwitz. A busca pela revolução total gelou nos gulagues da Sibéria. O desejo de domínio universal dissolveu-se nos crimes da colonização. A crença no progresso evaporou-se ao contactar com o aquecimento global.»
Raphaël Glucksmann, Carta à Geração que Vai Mudar Tudo (2021), p. 36
Ed. Guerra & Paz, 2022. Tradução de André Morgado
Depois da revelação e apagamento do vídeo sobre o qual já aqui escrevi, Augusto Santos Silva (ASS), Presidente da Assembleia da República em funções, acusou o toque e já anda à procura de alguém para crucificar. Tentou explicar-se dizendo que “o aconteceu foi uma violação gravíssima de direitos e liberdades individuais e desrespeito da AR com outros órgãos de soberania.”
Nas horas de aperto tem de haver sempre um culpado, pode ser o motorista ou senhor que envia emails. Os responsáveis nunca têm qualquer responsabilidade. Esses estão lá para receber os louros e as bajulações.
Este é um método da escola soviética, que se baseia no princípio de que o estado, ou o partido, nunca falha. Se alguma coisa corre mal, manda-se executar o traidor e nesse meio tempo a viúva já chegou à Sibéria. É um método que, temos de reconhecer, permite seguir em frente mesmo após às piores partidas urdidas pela realidade. E bem sabemos como a realidade pode ultrapassar a ficção.
ASS já ordenou a abertura de um processo de averiguações. As gravações e a respectiva divulgação de conversas feitas sem o conhecimento de um político são ilegais e, dirá ASS, profundamente ilegítimas. O aproveitamento político que se possa fazer desse tipo de registos é igualmente ilegítimo e revelador de uma absoluta falta de integridade política.
Hoje, o Miguel Pinheiro na Rádio Observador lembrou um episódio em que Vítor Gaspar foi filmado, sem que disso tivesse conhecimento, enquanto conversava informalmente, com o Ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schubel.
Perante tal devassa da privacidade, o PS mostrou-se também profundamente indignado e recusou-se a comentar imagens captadas sem o conhecimento dos envolvidos.
De Portugal enviam-me novas de uma polémica sobre condecorações às mulheres dos presidentes da república que nos visitam. A presidência já se veio explicar, num texto pungente: pois na justificação confunde a atribuição de condecorações a rainhas e príncipes consortes às atribuídas a cônjuges de presidentes. Ou seja, resmungo eu, temos um presidente e seu gabinete que não percebem a diferença entre república e monarquia. Entendam os distraídos: ao receber-se um casal real é absolutamente curial condecorar ambos, pois os dois têm estatuto político no seu ordenamento monárquico, ao receber-se um presidente da república é totalmente descabido condecorar o seu cônjuge, pois este não tem estatuto político no seu ordenamento republicano. Enfim, minudências dirão, mas bem demonstrativas da superficialidade reinante. Aliás, presidencial.
Mas é um breve resmungo meu, mais lesto do que me levou a escrever isto. Desligo o WhatsApp, sorvo a tisana de coca, saio da esplanada e entro no belíssimo Museu Botero. E logo dou com esta "Primeira Dama" - e sai-me uma gargalhada, sonora. Pois que melhor resposta àqueles dislates lisboetas?
Protestos de deputados houve muitos na história do nosso Parlamento, como se lembra muito bem neste excelente artigo. O PCP já se levantou e saiu da sala quando Ronald Reagan entrou na Assembleia, o que o levou a comentar que as cadeiras do lado esquerdo não deveriam ser muito confortáveis. E o Bloco de Esquerda já se apresentou no Parlamento com t-shirts com a bandeira da II República espanhola, quando o Rei Filipe VI discursava, recusando-se depois a participar na sessão de cumprimentos. Por isso os cartazes do Chega e a redução da Iniciativa Liberal a um deputado podem ser atitudes desrepeitosas e mesmo ridículas, mas não correspondem a nada que não se tenha já visto em São Bento.
A novidade foi a reacção do Presidente do Parlamento, que não me lembro de alguma vez ter ocorrido em situações anteriores. Mas o mais grave foi a patética conversa do Presidente do Parlamento, gravada em vídeo, que demonstrou o carácter artificial da sua reacção. Na verdade, olhando para a cena, o mesmo parecia um actor a perguntar aos outros actores da cerimónia a forma como avaliavam a sua prestação. No fundo tudo isto pareceu uma encenação para efeitos da campanha presidencial de Santos Silva.
O Presidente do Parlamento é a segunda figura do Estado. Não pode comportar-se como se fosse um actor político em campanha. Isto só contribui para aumentar o desprestígio do Parlamento, colocando em causa a autoridade do seu Presidente.
Com o que aqui escreve Henrique Pereira dos Santos.