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Delito de Opinião

Leituras

Pedro Correia, 31.03.23

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«Um homem possuído pela paixão não estará nunca falido.»

Joseph Conrad, Nostromo (1904), p. 146

Ed. Dom Quixote, 2009 (2.ª ed). Tradução de Ana Maria Chaves e Fernando Ferreira Alves. Colecção Ficção Universal

Qual é a nossa mais bela praia?

Pedro Correia, 31.03.23

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No mês passado, o João Campos deixou aqui uma opinião que merece debate neste país com cerca de 2500 quilómetros de zona costeira: para ele, não há praia mais bonita em Portugal do que a da Zambujeira do Mar.

Serve de mote a uma pergunta que lanço aos leitores: qual é a nossa mais bela praia? Pergunta com interesse renovado, agora que o clima começa a ficar propício para um regresso às praias. E antecedendo uma série de postais que hei-de trazer aqui.

Um conflito do futuro

Luís Naves, 31.03.23

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O combate às alterações climáticas tem um alvo evidente no sector agrícola. Será um dos conflitos dos próximos anos. Sob pressão das organizações ambientalistas, os governos querem reduzir o número de cabeças de gado e de explorações, criar um sistema de agricultura em extensão, com menor utilização de fertilizantes, nomeadamente de azoto (baseados em amoníaco, que combina azoto e hidrogénio, sendo sintetizado a altas temperaturas e cujas matérias-primas são gás natural e ar). Isto está tudo ligado: para obter este efeito, é preciso reduzir para metade, até 2030, o consumo de carne e de lacticínios, mexer com a alimentação de cada pessoa. Haverá impostos sobre as emissões de metano, o que vai limitar a pecuária. As palavras de ordem são menos carne, queijo, leite, terra arável, menor dimensão das quintas e produção de alimentos reduzida. Na Holanda, onde as emissões de azoto são quatro vezes maiores do que a média europeia, a reacção às medidas do governo deu origem a um movimento populista. Na Finlândia decorre o mesmo debate, mundo rural contra elites urbanas. A experiência foi tentada pela ONU no Sri Lanka e causou uma crise alimentar em larga escala, seguindo-se um colapso político.

(imagem Dall-e)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.03.23

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José António Abreu: «Ligo a familiares, amigos e colegas por razões particulares (telefonemas profissionais são outra realidade) e passo a duração da chamada em busca de assunto. Hesito. Repito-me. Balbucio trivialidades. Há pessoas capazes de ficar a conversar durante horas – sobre a saúde, o tempo, o almoço, as brincadeiras dos filhos, a idiotice ou a injustiça dos colegas de trabalho, um programa de televisão, os resultados do futebol, a temperatura e o tempo correctos para cozinhar pão-de-ló, os inacreditáveis erros de Gaspar e as inacreditáveis mentiras de Passos. Eu não. Ao vivo, cara a cara, até falo bastante. O telefone, porém, seca-me a verve.»

 

Patrícia Reis: «Estão 14 distritos em alerta, a chuva parece que não vai parar e as janelas da casa mínima onde estou ameaçam cair. Oiço o vento lá fora e, confesso, tenho medo. O melhor será um livro.»

 

Eu: «O cristianismo, para não trair a sua raiz nem o seu destino, jamais deve omitir a face humana de Jesus, que nasce numa gruta obscura e morre crucificado entre dois salteadores. Alheado de toda a glória mundana, despojado de todos os bens terrenos, proclama para a eternidade que nem a morte é capaz de travar a indomável essência do espírito

Um conflito entre bons e maus

Luís Naves, 30.03.23

O interesse pela guerra da Ucrânia está a diminuir e parte da opinião pública começa a ter dúvidas sobre a narrativa dominante, segundo a qual estamos perante um simples conflito entre bons e maus. Tem sido difícil interpretar os factos de outra forma, pois as dúvidas sobre a natureza da realidade são rapidamente transformadas em colaboracionismo e apoio a ideias totalitárias. Alguém que se atreva a enunciar a perspectiva russa procura um novo tratado de Munique. O problema é que já passou um ano desde que a Rússia ia perder a guerra na semana seguinte e os combates continuam; passou um ano desde que a Rússia ia à falência na semana seguinte e a sua economia continua a funcionar, aliás, está transformada numa economia de guerra.

Elementar burrice

Pedro Correia, 30.03.23

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Dizia o outro que a esquerda mais estúpida da Europa é a francesa. E provavelmente estava cheio de razão.

Digo eu que a esquerda mais burra de Portugal é a de Lisboa. Acaba de confirmar isso chumbando, pela segunda vez em quatro meses, uma medida emblemática do programa eleitoral de Carlos Moedas - e condenando-a assim ao insucesso.

Uma medida que iria beneficiar muitos jovens - precisamente o segmento populacional de que Lisboa mais carece. A isenção, até aos 35 anos, do pagamento do famigerado IMT - Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis - na compra de habitação própria até 250 mil euros.

Ou muito me engano ou estes adoradores de impostos, imbecis como poucos, andam a trabalhar para uma maioria reforçada da direita na câmara de Lisboa antes de se esgotar o prazo previsto para o fim do actual mandato. Já pouco falta para sabermos.

Emendar os textos antigos e racismo

jpt, 29.03.23

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(Jô Soares e casamento português)

A propósito disto das "sensibilidades" ofendidas e da "urgência" em higienizar os legados textuais (e outros) para, dizem, evitar desmandos e desvalorizações sociais, lembrei-me desta "piada de português" (muito brejeira, aviso os ouvidos frágeis) do João Soares. Só há pouco a conheci e ri-me imenso, apesar do/devido ao tom corrosivo que nos é dedicado. Ri-me apesar de saber do abrasivo do humor brasileiro contra todos nós, da sua origem xenófoba (e elitista) - recordo um belo artigo sobre a emergência na imprensa de meados de XIX destas invectivas contra os portugueses, publicado numa "Oceanos" de 2000, coordenada por Robert Rowland... Ri-me porque tem piada e porque o contexto o permite (e não é ilegitimado por qualquer patente ou presumida intenção), e ele é omnipotente nestas coisas. Tal como os "ouvintes" devem ser minimamente esclarecidos para se contextualizarem.
 
Nestas coisas de me ofenderem a "sensibilidade" (de me "racializarem") lembro dois episódios: há mais de uma década um casal moçambicano convidou-nos para jantarmos com um outro casal brasileiro, quadros de empresas recém-chegados a Maputo. Assim foi, eles simpáticos, cultos, conversadores. Mas de repente o marido contou uma "anedota de português". Não foi mal acolhida, pelo que seguiu um vasto repertório no tema. Como é evidente nunca mais convivemos com eles, desagradados num "que é isto?", e foi pena pois até poderia ter sido "o início de uma bela amizade". Mas a minha sensibilidade fora demasiado "racializada".
 
Décadas antes acontecera-me outra, ainda pior. Aos meus 14/15 anos, no Verão de São Martinho do Porto, uma família francesa (naquela época os turistas eram quase todos franceses) alugou uma barraca balnear perto da nossa. A filha era linda, loura, e aos meus anseios já se parecia com a Marion des Neiges dos "Pequenos Vagabundos", e o seu irmão e o amigo logo acamaradaram nos jogos de bola, mergulhos e outros que tais. Uns dias passados foram almoçar lá a casa, encantados com a simpatia da minha mãe - até porque ela era verdadeiramente bilingue - e com a sisuda placidez do meu pai (que devia estar a fruir o estado basbaque deste seu filho, assim notando-o a crescer "como um homenzinho"). Depois fui eu almoçar lá a casa, recebido como se adulto fosse pelo messire ali veraneante e sua extremosa mulher. À mesa a conversa fluiu, eu no meu francês pausado mas melhor do que o de agora, eles elegantemente acompanhando o meu ritmo. Entre conversas, e entre eles, o pai pediu à bela filha, sentada do outro lado da mesa, uma qualquer coisa e eu, de imediato, lha passei. Para sua sorridente surpresa, pois entendera eu não só o léxico mas, acima de tudo, a velocidade parisiense da fala... Ao que respondeu ela, talvez ufana do jovem pretendente, talvez precisando de justificar aquele convívio "inter-cultural", "ele é português mas é inteligente!"... Eu passei-me, mantendo a compostura diante dos pais, mas passei-me mesmo. Pior ainda com os outros rapazes a tentarem justificar a "gaffe" mas nisso, atrapalhados, metendo les pieds par les mains... Enfim, o pai lá soube fechar a questão, elaborando sobre a grandeza e a excelência lusa (e após a minha saída deve-se ter rido, vero gaulês, do sanguíneo petiz que lhe entrara porta dentro).
 
Ora esta minha sensibilidade foi reactiva apesar de não ter eu interiorizado (ou sofrido) qualquer pressuposto sobre a minha inferioridade intelectual, social, cultural - ou mesmo "racial" ("étnica" mascara-se agora). É pois normal que outros, provenientes de contextos recorrentemente desvalorizados (por exemplo os "parolos" que Augusto Santos Silva despreza), sejam mais epidérmicos com algumas expressões que vão enfrentando.
 
Por isso as nossas expressões e as nossas sensibilidades são educáveis, aprimoradas - só um imbecil se ri hoje daquele vil filme "Os Deuses Devem Estar Loucos" que há 40 anos foi um sucesso mundial, ancorado no humor racista do apartheid. Mas isso não implica andar a apagar o passado, a emendá-lo. Hoje a Agatha Christie e a Enid Blyton, amanhã o Engels e o Hegel (que vendem menos).
 
Enfim, mas de tudo isto o fundamental que retiro é que foi o Joaquim, um tipo do Porto, que depois conseguiu trocar uns beijos mais intensos com a Falbala de São Martinho do Porto. Não foi a última vez que isso me aconteceu, nem nada que pareça. Mas ainda me dói...

O país das quatro mil taxas

Pedro Correia, 29.03.23

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É um número impressionante: há mais de quatro mil taxas em Portugal. Serão cerca de 4300, em números redondos - cerca de 2900 cobradas pela Administração Central.

Tantas, ao ponto de ninguém conseguir uma lista exaustiva, rigorosa e actualizada de tudo isto. Que serve para confirmar como é demencial o esbulho tributário neste país, o sétimo pior em distribuição de riqueza per capita na União Europeia.

Alguns, geralmente da esquerda mais radical, dizem que «ainda falta fazer a revolução». Dou desde já o meu contributo: acabar com estas taxas. Revolução digna de aplauso. Mãos à obra, camaradas.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 28.03.23

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A 28 de Março celebra-se o final de "Hoje é dia de"

Há um ano atrás, neste dia 28 de Março, publiquei no Delito o primeiro postal da série de efemérides diárias "Hoje é dia de".  Um ano! Tanto tempo e quase nada...

Nem sempre foi interessante, poucas vezes foi consensual, muitas vezes foi desmoralizante, mas num cômputo geral foi uma série muito divertida de escrever.

Muitos dos temas relacionavam-se naturalmente com as minhas experiências e os comentários saíam fáceis, outros obrigavam-me a estudar a matéria por alto, o que acabou também por ser positivo.

Agradeço a todos os que me acompanharam neste percurso, aos que leram, aos que comentaram pontualmente e principalmente áqueles que tiveram sempre umas quantas palavras para preencher um rectângulo vazio. Concordando ou discordando, foram uma companhia diária, principalmente durante um período muito difícil, que felizmente vai ficando tranquilamente para trás. 

Continuarei por aqui enquanto cá me quiserem, com uma nova série a germinar talvez, quem sabe?

Muito Obrigada

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.03.23

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João Campos: «Não vi o regresso de Sócrates, mas posso garantir que o penúltimo episódio da terceira temporada de The Walking Dead foi uma maravilha.»

 

José António Abreu: «Apesar de Bowie ter inesperadamente lançado um novo álbum há um par de semanas, não resisto a recuperar este tema de Heathen, de 2002. Trata-se de uma espécie de canção de protesto, ou talvez de reivindicação, que me parece muito adequada aos tempos que correm, especialmente por se encontrar impregnada de uma teimosia ingénua que falta a outras (sim, a essa também). O vídeo, amador mas delicioso, é composto por imagens da Dinamarca nas décadas de 50, 60 e 70.»

 

Eu: «Na política, como no teatro, é fundamental não falhar o tempo - por lentidão excessiva ou manifesta precipitação. Sócrates é um actor consumado, mas ficou-me a sensação de que falou no tempo errado. Algo ainda mais estranho porque foi ele mesmo que o escolheu.»

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