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Delito de Opinião

Chamem o almirante

Pedro Correia, 31.08.22

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António Costa, confrontado com o irrevogável pedido de demissão da titular da pasta da Saúde na última madrugada das suas férias, revelou ao País que Marta Temido já antes tinha querido sair do governo - confirmando assim a sua vocação para fritar ministros na praça pública.

Espantosamente, acrescentou não sentir urgência em removê-la. Como se a caótica situação no Serviço Nacional de Saúde não exigisse decisões rápidas em vez de hesitações movidas por tacticismo político ou mera acrimónia pessoal. 

Se o impasse perdurar, talvez o melhor seja chamar outra vez o almirante. Intervenção castrense no SNS, com médicos obedecendo a uma possante voz de comando e sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar. Sob o lema «Tu vais para a tropa, pá!»

A Super-Marta

jpt, 31.08.22

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Quando no Verão de 2019 voltei a Portugal algumas vezes comisquei com gente médica, que me é muito próxima. E querida. Gente que não é paladina do marxismo, em qualquer das suas versões, nem da estatização da sociedade. Mas que é radical defensora do Serviço Nacional de Saúde.
 
Nesses convívios muito me disseram sobre a decadência do SNS, apontando que o país está há décadas no mesmo processo que o britânico, o que promove um serviço público (e fragilizado) para os pobres e um privatizado (e reforçado) para os remediados. Mais me avançaram - com argumentos substantivos, de profissionais que reflectem - que o problema não está na "medicina privada" ("os barões da medicina" como ainda alardeiam os demagogos do costume) mas sim nas concepções e práticas políticas, dominantes quase há 30 anos. E nisso muito por influência - entre outras estratégias relevantes - de uma mundividência igualitarista do "funcionalismo público" (um pouco à imagem daquela que vigorou para o ensino), tendente à devastação da carreira médica.
 
Nessas conversas, e como factor bem secundário, era também referida a insuficiência da então ministra da Saúde, Temido, percebida como incapaz de qualquer inflexão no processo degenerativo do SNS.
 
Depois veio a COVID-19, foi o que foi - de facto até à intervenção militar no processo de vacinação muito foi errático para fora e apenas reactivo no que respeita à organização interna dos serviços. O enorme peso da propaganda governativa levou a que Temido fosse promovida a "Super-Marta" pelos avençados e pelos "idiotas úteis". Depois foi ainda alcandorada (apesar de "socialista-nova") a hipotética sucessora de Costa, rumores emitidos apenas para sublinhar a propalada excelência do seu desempenho ministerial.
 
Foi reconduzida e, apenas alguns meses depois, demite-se, "sem condições" para o exercício, tão óbvio é o desnorte e a inércia que vêm sendo produzidos, antes dela e muito com ela. Podem agora os "intelectuais orgânicos" do PS, as escritoras subsidiadas, os jornalistas avençados e quejandas figuras, sair à rua a tecer loas à "dedicação" e ao "empenho" da "Super-Marta". Fazem-no pois uns são pagos para isso, directa ou indirectamente. E outros porque têm ADSE... Mas de facto Temido não foi importante, foi apenas um má ministra, na senda da decadência da Saúde no país. Um mero epifenómeno, que arregala os olhos, para encanto dos tontos, ceguetas. E dos avençados, claro.
 
(Postal que coloquei ontem no Nenhures)

Impressões alemãs (40)

Cristina Torrão, 31.08.22

O Norte é símbolo de frio e desconforto, o Sul significa calor e vida despreocupada. Os clichés parecem seguros a pedra e cal, até ao momento em que começamos a interrogá-los. E podemos perguntar-nos, por exemplo, se, tendo o Norte mais poder de compra e uma vida mais organizada, esta não será, de facto, mais descontraída.

Enfim, isto dava pano para mangas, mas, mesmo tendo em conta apenas o clima, observemos os extremos: Inverno constante nos pólos, Verão constante na linha do Equador. Será esta última hipótese realmente a chave para uma vida paradisíaca? Na verdade, só quem tem meios para passar lá férias pensa assim. Viver constantemente num meio quente, sem estações do ano, nem variações de duração entre o dia e a noite, torna-se monótono (afectando a psique) e convida ao letargismo (afectando a condição física).

O ritmo sazonal das regiões temperadas equilibra a nossa vida. Quanto está frio e as noites são longas, ansiamos pelo Verão, regozijando-nos quando ele finalmente chega. Mas o contrário também se verifica, principalmente, em Verões quentes e secos, como o deste ano. Quem não anseia por um tempo mais fresquinho, sem a praga dos incêndios e a possibilidade de não suarmos constantemente, por mais duches que tomemos?

Do ponto de vista global, a Alemanha ainda se considera zona temperada, mas, ficando mais a Norte do que Portugal, o contraste entre as estações do ano é mais acentuado. E aqui ficam as variações sazonais em Stade.

PRIMAVERA

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VERÃO

Stade Verão 2015-07-17 Schwedenspeicher Museum 15

(Centro histórico de Stade com o porto medieval, num braço do rio Schwinge, afluente do Elba. Stade pertencia à Liga Hanseática)

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(Alfazemas no nosso jardim)

 

OUTONO

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INVERNO

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E com este postal dou por finda esta minha série. Na verdade, falta-me material, ou seja, fotografias, pelo menos, em formato digital. Talvez retome a série com outras mais antigas, se me apetecer digitalizá-las. Ou talvez inicie outra série, dedicada a Portugal.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 31.08.22

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31 de Agosto, em Espanha, é dia de Tomatina

"La Tomatina é o famoso festival de lançamento de tomates de Espanha, uma das festas mais conhecidas e loucas do país. La Tomatina acontece todos os anos na vila de Buñol, em Valência.

Este festival dedicado ao tomate realiza-se sempre na última quarta-feira de Agosto. Habitantes locais e milhares de visitantes de todo o mundo atiram tomates uns aos outros, em todas as direcções. Naturalmente, existem algumas regras a ter em conta para que tudo corra bem e ninguém se magoe.

É uma tradição que remonta aos anos 40, embora ninguém saiba exactamente como tudo começou. 

Durante o regime repressivo de Franco, La Tomatina esteve proibida. Depois da morte do ditador, em 1975, o festival recomeçou oficialmente.

São utilizados cerca de 150 mil tomates demasiado maduros, que não têm um sabor muito agradável, sendo por isso preferível utilizá-los desta forma recreativa e festivaleira do que para comer. 

Esta celebração costumava ser gratuita, mas o festival tornou-se tão grande que se tornou necessário contratar pessoal de segurança e de limpeza. Por isso a organização passou a cobrar bilhetes desde 2012.

Os organizadores do festival recomendam o uso de óculos de natação para que os participantes possam evitar que o sumo de tomate lhes entre nos olhos. 

No entanto, a regra mais importante para cada interveniente nesta festa tão invulgar é divertir-se."

Muita gente à tomatada ou com tomates na mão a participar em uma das maiores festas de sempre em Espanha é digno de ser visto e talvez vivido. Nunca o saberei, não faço questão de que me chovam em cima tomates alheios.

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31 de Agosto é O Dia da Casamenteira

"Casamenteiros existem provavelmente desde o início dos tempos. Esses primeiros casamenteiros foram os pais e os mais velhos (geralmente mulheres), que intervinham para garantir que os jovens escolhessem o parceiro de vida “certo”. Esta decisão era considerada muito complicada e séria para os jovens conseguirem tratar dela sozinhos. E prevaleceu na maioria das civilizações, desde os astecas e os gregos antigos até os chineses. 

Agora, os casamentos arranjados deixaram de ser norma em diversas culturas, nomeadamente na nossa, e o conceito de escolher o próprio parceiro enraizou-se. Mais e mais pessoas expandiram os seus horizontes ao procurar um parceiro."

A minha mãe acalentou na ideia durante algum tempo que eu deveria casar com o irmão de uma pequena que trabalhava com ela, que era "engenheiro hidráulico de olhos verdes" à boa maneira do Raul Solnado. Como eu não fazia qualquer questão em me casar, a ideia foi posta de parte, primeiro em banho-Maria e depois caída no frio do esquecimento total. E ainda bem. Casamentos arranjados não funcionam sem que um dos nubentes venha para o enlace predisposto a anular-se completamente,  como acontece em muitas culturas, nacionais e estrangeiras.

(Imagens Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.08.22

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José Gomes André: «Obama foi (justamente) criticado por prometer este mundo e o outro. Mas o que são as propostas de Romney/Ryan senão um programa de intenções absolutamente utópico, tão irresponsável quanto irrealizável?»

 

José Navarro de Andrade: «O sr. Manuel Loff é materialista dialéctico e também historiador, uma união com reputação de infalível, pelo menos desde 1871. Couraçado no sentido objectivamente desvendado da História, do qual tem a chave, o sr. Manuel Loff desmascarou o sr. Rui Ramos, historiador "neo-liberal" (se o sr. Manuel Loff diz que é, então é) mais as suas artimanhas no sentido de reabilitar o defunto e horripilante (digo eu que não sou nem materialista-dialéctico, nem neo-liberal, nem historiador - presumo) Sr. Salazar, Oliveira, de Sta. Comba Dão.»

 

Leonor Barros: «Se bem entendi, existem neste momento mais de cinco mil professores do quadro sem lugar, e já nem falo dos contratados, e o Ministério da Educação, que engendrou legislação, mexeu airosamente na estrutura curricular com pompa e circunstância, aumentou o número de alunos por turma e os horários dos professores e remeteu esses quase cinco mil para a antecâmara do desemprego, quer que oito mil passem a integrar os quadros.»

 

Teresa Ribeiro: «Baseado no romance The Eye of the Storm, de Patrick White, O Coração da Tempestade, do australiano Fred Schepisi, bate ao compasso desta mãe sexuada e hedonista: "Tudo o que levamos desta vida são os momentos inesquecíveis que vivemos. O resto são intervalos maçadores" (cito de cor), foi o seu lema de vida. Haverá filhos que perdoem numa mãe tanta volúpia e ausência de culpa?»

Parece uma nave de loucos

Pedro Correia, 30.08.22

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Do céu ao inferno, na política, vai um curto passo. Marta Temido que o diga. Foi vedeta no congresso socialista de 2021, enaltecida pelas pitonisas ligadas ao Largo do Rato como possível futura candidata a secretária-geral do PS, mas tornou-se ministra descartável, cada vez mais ignorada por António Costa e abandonada pela mesma engrenagem mediática que lhe entoava hossanas.

Acaba de anunciar a demissão do cargo. Deixando o Ministério da Saúde muito pior do que estava quando assumiu funções, há quase quatro anos. 

 

Confirma-se: este governo socialista absoluto - o segundo, desde o de José Sócrates - transmite sinais de iniludível esgotamento.

Alguns dos seus membros parecem competir num concurso de dislates - desde a ministra da Agricultura, que se atreveu a dar um ralhete à CAP por não ter recomendado o voto no PS, ao ministro das Infraestruturas, flagelado pelo primeiro-ministro na caótica gestão do sempre adiado aeroporto de Lisboa. Passando, claro, pelo inefável titular das Finanças, envolvido na trapalhada com o amigo que lhe havia dado palco durante anos na TVI, numa escandalosa teia de favorecimentos que nenhum código de boa conduta governamental devia permitir. Ou pela secretária de Estado da Protecção Civil, que vendo Portugal devastado por incêndios, com prejuízos patrimoniais incalculáveis, congratulou-se por «apenas» ter ardido 70% do que estava previsto num suposto algoritmo que lhe serve de guião.

Parece uma nave de loucos.

 

Exausta, a ministra que abria telediários sem já nada ter para dizer acaba de bater com a porta. Não tão exaurida, apesar de tudo, como o SNS que tutelou até agora.

Como aqui escrevi há dois meses, «o Serviço Nacional de Saúde, peça central da narrativa propagandística do Governo, está a precisar de cuidados intensivos. Não é de agora, mas a situação agrava-se a ritmo acelerado. E o rosto desta crise, com picos caóticos que levaram ao encerramento de diversas urgências hospitalares nos últimos dias, é o da ministra da tutela. Que por vezes fala como se fosse recém-chegada ao cargo».

Primeira deserção no Executivo absoluto volvidos apenas cinco meses desde a posse. Costa, como de costume, reagirá com indiferença olímpica. Caiu uma simples peça do dominó político que deixou de lhe ser útil. A prioridade do primeiro-ministo é Bruxelas, não Portugal.

Está bem, mas então e antes?

João Sousa, 30.08.22

Numa das primeiras empresas onde trabalhei, contava-se esta "anedota interna": certo dia, ao fim do expediente, alguns elementos da empresa decidiram fazer uma noitada pelos bares de Lisboa. Voltaram todos para casa em vários estágios de torpor alcoólico. Depois de dormir a bebedeira, o técnico de informática acordou e viu que já passava do meio-dia. Telefonou atrapalhado para o escritório e disse a quem o atendeu que pedia imensa desculpa mas tinha bebido para lá de demasiado e deixara-se dormir. A outra pessoa respondeu-lhe que sim senhor, não havia problema, mas "isso é hoje; então e ontem, porque é que faltaste?" (Nota: ele próprio não me negou a veracidade da narrativa).

Lembrei-me desta história ao ler que Marta Temido se demitiu por sentir que "deixou de ter condições para exercer o cargo". Está bem, mas isso é hoje; então e na semana passada, ou há um mês, ou há três meses, porque é que ela sentia ainda ter condições para o exercer?

Estará Temido a pôr-se já ao fresco para que seja outro qualquer a apanhar a (ainda maior) confusão que há-de vir com a época alta de doenças respiratórias (gripes, covids, etc)?

São Petersburgo e Moscovo, metades diferentes da mesma laranja

Ana CB, 30.08.22

 

Foi apenas há três anos que estive de férias na Rússia, mas parece que foi há muito mais – sucedeu tanta coisa entretanto que ao invés de encolher, como é costume, o tempo esticou para o dobro. Não houve nenhum apocalipse, mas dou por mim com a sensação de viver num (mau) filme de ficção científica, entre avanços tecnológicos brutais e alterações climáticas com consequências impiedosas, entre regressões sociais e agressões políticas, e com a sensação cada vez maior de que em vez de evoluir, o ser humano está em franco retrocesso.

 

São Petersburgo era um daqueles destinos que estava há muito tempo na minha lista de desejos, e quando uma amiga me desafiou a ir com ela numa viagem de uma semana às duas maiores cidades russas, nem hesitei. Não sou grande adepta de viagens organizadas por agência (esta era), sobretudo porque o habitual é cingirem-se a levar-nos aos sítios aonde toda a gente vai e ocuparem-nos os dias inteiros com visitas pré-programadas. Mas neste caso o roteiro até nos deixava alguns períodos livres e o programa era interessante q.b.

São Petersburgo - Catedral de Nossa Senhora de Cazã.jpegCatedral de Nossa Senhora de Cazã, São Petersburgo

 

A ordem da visita às cidades era à nossa escolha, por isso optámos por começar por São Petersburgo. A desvantagem foi termos de fazer escala em Moscovo antes de seguirmos para a cidade imperial, por azar em dia de greve do pessoal de handling do aeroporto de Sheremetievo. Como consequência, as nossas malas não foram despachadas no voo para São Petersburgo em que seguimos, e depois demorámos mais de duas horas no aeroporto de Pulkovo para fazermos a reclamação – porque havia umas boas dezenas de pessoas com o mesmo problema que nós. Com tanta demora, o senhor do transfer para o hotel praticamente deitava fumo pelas orelhas quando finalmente saímos ao seu encontro; mas o ambiente no carro desanuviou quando, logo após deixarmos as imediações do aeroporto, teve de parar para deixar passar… uma pata que atravessava, em passada decidida e seguida pelos seus vários filhotes em obediente fila indiana, a estrada tipo via rápida que percorríamos. Depois de doze horas de viagem e da preocupação com as malas, esta visão tão inesperada quanto incomum e ternurenta foi um anticlímax bem vindo. Viajar são surpresas atrás de surpresas.

 

Três ou quatro dias em metrópoles tão grandes e cheias de história como São Petersburgo e Moscovo são claramente insuficientes, mas ainda assim serviram para que eu aprendesse mais alguma coisa sobre a Rússia, e principalmente que há grandes, enormes diferenças entre as duas maiores cidades do país. E que, por extrapolação, grandes diferenças existirão também em relação a outras cidades e regiões. Para mim, tentar entender a complexidade de um país tão vasto e variado (onde coabitam perto 200 grupos étnicos diferentes) é tarefa inglória e destinada ao fracasso, e não é por aqui que quero ir. Sou uma mera observadora.

 

A arquitectura destas cidades é o primeiro e mais visível indício da dicotomia que as marca. São Petersburgo é imperial, Moscovo é soviética. Onde São Petersburgo é água, Moscovo é betão (o rio é um mero acessório sem importância). São Petersburgo espraia-se ao longo dos recortes do rio Neva e do golfo da Finlândia, com edifícios de poucos pisos e recorte clássico, ou mais altos e simples nos bairros periféricos recentes; Moscovo é um círculo que mimetiza o sol, com o Kremlin como núcleo e as vias principais os seus raios, propagando-se em todas as direcções (a comparação com um polvo e os seus tentáculos também me parece adequada), e com edifícios que se projectam em altura, ambicionando conquistar os céus.

São Petersburgo - Neva.jpegO Rio Neva em São Petersburgo

Moscovo vista da Colina dos Pardais.jpegMoscovo vista da Colina dos Pardais

 

São Petersburgo nasceu no século XVIII da vontade de Pedro I, o Grande, primeiro imperador da Rússia. Conquistado em 1703 o forte sueco de Nyenskans, nas margens do Neva, durante a Guerra do Norte, decidiu ali fundar uma grande cidade, que servisse sobretudo de porto marítimo utilizável durante todo o ano. Construída sobre terrenos pantanosos à custa da vida de camponeses arrebanhados de toda a Rússia e de prisioneiros de guerra, Pedro projectou São Petersburgo à imagem das grandes capitais europeias da época, e essa é uma das razões pelas quais a arquitectura da cidade é tão homogénea.

São Petersburgo - Praça do Palácio.jpegPraça do Palácio, São Petersburgo

 

Esta aproximação à imagem da Europa faz parte da dualidade histórica constante da Rússia, que pisca um olho ao ocidente e outro à Ásia, enquanto baralha e dá as cartas ao seu jeito. Não admira por isso que Putin tenha invocado este imperador para justificar a invasão da Ucrânia, argumentando que Pedro I entrou em guerra com a Suécia não para conquistar, mas sim para recuperar território que pertencia à Rússia por direito – e que a guerra na Ucrânia tem os mesmos fins.

 

Em 1712, Pedro I elevou São Petersburgo a capital do império, estatuto que manteve até 1918 (com apenas dois breves intervalos, em que o posto foi ocupado por Moscovo). Duzentos anos de protagonismo enriqueceram a cidade, e esta riqueza ostentada – e ainda presente depois de tantos anos de modelo soviético – foi um dos aspectos que mais me surpreendeu durante toda a minha visita. Para onde quer que me virasse, via cúpulas e torres douradas. O Hermitage, de que só vi uma parte e em passo meio corrido, é um deslumbramento, tanto na decoração das suas salas como no valor das obras de arte que exibe. A fantástica agulha da torre sineira da Catedral de Pedro e Paulo, que faz dela o segundo edifício mais alto da cidade, brilha como um farol, sob o sol de Verão. No interior, onde estão expostos os túmulos de quase todos os governantes da casa Romanov, o ouro é tanto que ofusca. E a iconóstase desta catedral é deslumbrante: em vez de uma parede plana com ícones e pinturas, como é habitual na maioria das igrejas ortodoxas, aqui ela eleva-se ao centro para formar uma torre, estando primorosamente trabalhada e completamente recoberta a ouro.

Catedral de Santo Isaac, São Petersburgo.jpegCatedral de Santo Isaac, São Petersburgo

Loggias de Raffaello, Hermitage, São Petersburgo.JPGLoggias de Raffaello, Hermitage, São Petersburgo

Hall do Pavilhão do Pequeno Hermitage, São Petersburgo.JPGHall do Pavilhão do Pequeno Hermitage, São Petersburgo

Torre da Catedral de Pedro e Paulo, São Petersburgo.JPGTorre da Catedral de Pedro e Paulo, São Petersburgo

Iconóstase da Catedral de Pedro e Paulo, São Petersburgo.JPGIconóstase da Catedral de Pedro e Paulo, São Petersburgo

 

O romantismo melancólico da cidade é sublinhado pela água: do Neva, tão largo que parece mais mar do que rio, e dos seus vários canais e tributários, que totalizam 300 km de vias fluviais. Onde há rios há pontes, e são mais de 300, todas diferentes. Em São Petersburgo nunca estamos muito tempo longe da água, o que dá à cidade um ambiente leve e arejado.

Ponte Bank, São Petersburgo.jpegPonte Bank, São Petersburgo

Castelo Mikhailovsky, São Petersburgo.jpegCastelo Mikhailovsky, São Petersburgo

 

A viagem para Moscovo foi em comboio nocturno. No nosso compartimento ia também um casal espanhol, mas a hora avançada da partida, quando já estávamos todos cheios de sono, não nos deu vontade de grandes conversas. Apesar de algum conforto (até tivemos direito a chinelos e artigos de higiene), a falta de escuridão total, o ressonar do nosso companheiro valenciano e uma azia provocada pela digestão difícil de um jantar tardio fizeram com que eu não conseguisse dormir bem. O Verão é o período das noites brancas, com apenas duas ou três horas de escuridão. A má disposição empurrou-me para o corredor, onde fui brindada por uma paisagem quase contínua de floresta e pelo nascer-do-sol mais fascinante a que já assisti, com uma cortina de névoa a desprender-se do solo, pairando entre as árvores que passavam em corrida desenfreada do outro lado da janela. Foi um dos episódios mais marcantes de toda a viagem, pelo deslumbramento que senti. Estive mais de uma hora naquele corredor e só voltei ao compartimento, com alguma relutância, porque outros viajantes começavam a despertar e a movimentar-se pelo comboio, quebrando a minha paz.

 

Ao contrário de São Petersburgo, Moscovo tem uma história bem mais antiga, documentada desde o século XII, crescendo progressivamente em torno do seu Kremlin a partir do século XIV. Talvez porque o grande incêndio de 1812 – que se suspeita ter sido ateado pelos próprios russos, depois de terem evacuado a cidade na altura da invasão pelas tropas de Bonaparte – destruiu três quartos dos seus edifícios, ou talvez porque foi escolhida para capital da União Soviética logo após a revolução bolchevique, Moscovo não mostra nada que a ligue ao seu passado remoto. É prática, pragmática e megalómana a todos os níveis, cheia de monumentos e empreendimentos gigantescos (ao bom estilo soviético), e os edifícios só não parecem tão grandes porque geralmente estão separados uns dos outros por avenidas larguíssimas, ou porque dentro do nosso ângulo de visão há sempre outros ainda maiores.

Moscovo - Praça Vermelha no séc. XVIII.jpegA Praça Vermelha de Moscovo no séc. XVIII

Kremlin, Moscovo.jpegO Kremlin de Moscovo

 

São Petersburgo foi concebida para mostrar a grandeza de Pedro I e, mais tarde, de Catarina II. Moscovo foi recriada para ostentar a grandeza do poder soviético e, agora, de Putin. Estaline mandou construir os altíssimos edifícios conhecidos como as Sete Irmãs (ou também, mais popularmente, como “os caprichos de Estaline”), os mais emblemáticos e fotografados arranha-céus da cidade. Vistos de longe – e conseguem ser avistados de bem longe… – parecem todos iguais, mas na realidade existem diferenças entre eles tanto em altura como na própria configuração. Embora nitidamente inspirados nos arranha-céus norte-americanos, são eles os melhores exemplares do estilo a que se convencionou chamar classicismo soviético ou monumental.

Edifício Kotelnicheskaya, Moscovo.jpegEdifício Kotelnicheskaya, Moscovo

Universidade Estatal de Moscovo.jpegUniversidade Estatal de Moscovo

 

Estaline teve os seus caprichos, mas Putin não parece querer ficar atrás. Na linha do horizonte de Moscovo destaca-se hoje nitidamente o bairro que tem o nome oficial de Centro Internacional de Negócios de Moscovo ou, na sua forma mais curta, a City de Moscovo. Para este projecto, que começou a ser concebido nos anos 90, foi destinada a área de uma antiga pedreira junto a uma das curvas do rio Moscovo. É aqui que se encontram actualmente alguns dos maiores arranha-céus da Rússia, todos de cariz futurista e onde se incluem, com alturas superiores a 300 metros, sete dos dez maiores da Europa – isto por enquanto, uma vez que as possibilidades de construção futura ainda não estão esgotadas.

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City de Moscovo (1).JPGA City de Moscovo vista do Parque Pobedy

 

Outro edifício moscovita que ilustra a tendência da Rússia actual (e a volubilidade da sua História) é a Catedral de Cristo Salvador. É tecnicamente a catedral mais importante de Moscovo, e também um exemplo de fénix renascida das cinzas. Mandada erguer por Alexandre I depois da retirada das tropas napoleónicas, foi igualmente uma obra megalómana (103 metros de altura e capacidade para 10 mil pessoas) e só ficou concluída em 1883. Associada ao czarismo e em consonância com o desprezo pela religião advogado pelo regime soviético, foi destruída em 1931 para dar lugar a um futuro palácio monumental, que nunca chegou a ser construído, por falta de fundos. O espaço acabou por ser ocupado por uma piscina pública. Depois da desagregação da União Soviética, o governo autorizou o Patriarcado de Moscovo a reconstruir a catedral, que foi reinaugurada no ano 2000 e é praticamente igual à primeira. Com a liberdade religiosa decretada entretanto, a percentagem da população que se assume como cristã ortodoxa subiu de 31% para 72%, e a propagandeada (aparente) convergência de ideias político-espirituais entre o Patriarca Kirill e Vladimir Putin não parece ser mera coincidência.

Catedral de Cristo Salvador, Moscovo.jpegCatedral de Cristo Salvador, Moscovo

 

Viagem organizada por agência significa guias, e guias significam, além de muita informação sobre os locais que visitamos e (com um bocadinho de sorte e diplomacia) alguma informação também sobre outros assuntos mais sensíveis – sendo que, num país como a Rússia, sensível é tudo o que disser respeito à política e à sociedade. E até neste aspecto notei a diferença entre as duas cidades. A guia de São Petersburgo falou-nos de artes e letras, de História e arquitectura, de questões sociais. Mostrou-nos a figurinha do cão parecido com Putin que está numa vitrina do Hermitage, explicou que a maior parte das pessoas (mesmo os jovens) não têm grande interesse em falar outra língua que não o russo, e revelou que na generalidade os papéis sociais dos homens e mulheres ainda são vistos de forma tradicionalista, as mulheres sendo consideradas como responsáveis pelo bem-estar da família e pelo trabalho doméstico – apesar de quase todas terem os seus empregos. Quanto às guias de Moscovo, realçaram a importância da cidade, a resistência e bravura dos seus residentes, a magnificência do metropolitano ou a monumentalidade dos edifícios, e o facto de grande parte das mulheres russas admirarem Putin por este ter implementado medidas que apoiam a natalidade e – supostamente – o género feminino.

 

Correndo o risco de ser simplista neste paralelismo, São Petersburgo e Moscovo parecem-me simbolizar duas das correntes de pensamento político que grassam actualmente na Rússia: uma de aproximação aos valores europeus, pelos quais são definidas as regras de harmonização social e actuação política; outra de que a Rússia é superior na sua essência, e portanto tem o direito de ser ela a ditar as regras pelas quais a Europa deveria reger-se. A rejeição europeia é, em termos práticos, a adoptada pela actual linha política russa, e não parece provável que Putin se desvie dela enquanto continuar no poder. No entanto, com a capacidade de torcer a verdade que tem mostrado, quem sabe se um dia…? Num país de tantos contrastes, tudo é possível.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 30.08.22

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Este é O Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados

"Desaparecimentos forçados são crimes complexos que violam todas as áreas do direito. A falta de protecção é um dos factores que geram estes dramas. Vitimando pessoas pobres, expostas a diversos riscos e desprovidas de recursos legais e assistência jurídica para recorrer contra prisões arbitrárias.

O Museu Comunitário da Memória Histórica em Rabinal, Guatemala, dignifica a memória das vítimas de assassinatos e desaparecimentos forçados. As vítimas, geralmente, vivem em áreas sem a efectiva protecção do Estado.

Crianças sem acesso à educação, que vivem nas ruas, correm riscos acrescidos de serem sequestradas, traficadas ou recrutadas para conflitos bélicos ou exploração sexual. Migrantes e pessoas com deficiência são outras pessoas em grave risco.

Especialistas em direitos humanos afirmam que o desaparecimento forçado é utilizado como arma de intimidação, represália e punição ilegal. 

Em Dezembro de 2021, a ONU assinalou o décimo aniversário da entrada em vigor da Convenção Internacional para Protecção de Todas as Vítimas de Desaparecimentos Forçados."

A América do Sul, com as suas muitas mudanças de regimes devido a golpes de estado de esquerda ou de direita, é pródiga em desaparecimentos inexplicáveis e inexplicados. Estimam-se na ordem dos milhões os desaparecidos durante o século XX e primeiro quadrante do século XXI.

"Il Pleut sur Santiago" e "Missing" são bons exemplos de filmes que tratam desta realidade que foram e ainda são os desaparecimentos sem explicação. 

 

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A 30 de Agosto assinala-se O Dia Internacional do Tubarão-Baleia

"Esta data surgiu em 2012 com o objectivo de preservar este animal em risco de extinção. Apesar de poder mergulhar a mais de três mil metros, medir 16 metros e pesar 12 toneladas, o tubarão-baleia é vulnerável, sendo muito procurado pelas suas barbatanas e pela carne, vendidas por elevado preço. O tubarão-baleia é o maior tubarão e o maior peixe do mundo, com uma boca de cerca de 5 metros, mas alimenta-se apenas de plâncton por filtração. É inofensivo para o homem e atracção turística em países como o Japão. O número actual destes animais é desconhecido, mas sabe-se que é uma espécie considerada em perigo".

Mesmo sendo um bom gigante, penso que não arriscaria um encontro imediato! Nunca se sabe o que pensaria um tubarão-baleia de um "plâncton" de 80kg!

(Imagens Google)

À espera da reacção solidária dos antifascistas e sindicalistas portugueses

Sérgio de Almeida Correia, 30.08.22

Ora aqui estão belíssimos temas para serem debatidos na Festa do Avante.

Seria interessante saber qual a receita do PCP e da CGTP-IN para que numa das regiões mais ricas do mundo aconteçam situações de despedimentos sem justa causa, redução salarial e de salários em atraso. Sim, leram bem.

Deve haver uma explicação qualquer para que uma deputada patriota, ligada à Associação dos Operários de Macau, acuse um Governo empossado pelo Presidente Xi Jinping de "falhar nas suas funções e permitir que empresas fiquem longos períodos sem pagar aos trabalhadores, com total impunidade". Eu sou testemunha.

Ao mesmo tempo, um outro deputado, dado a um patriotismo menos saudável e mais adaptado às circunstâncias, queixa-se das condições de chegada a Macau, classificando-a de "situação inqualificável, insustentável e repugnante". Também fui testemunha.

Mas gratificante mesmo é saber que vêm aí as alterações à Lei relativa à Defesa de Segurança do Estado e que não há que temer a  “intercepção de comunicação de informação" como medida preventiva. Ora bem, preventiva, uma vez que para "as informações obtidas serem admitidas como provas legais, têm de ser aprovadas pelo juiz, senão as informações só podem meramente servir a investigação policial.".  Esta parte final, dita pelo Secretário para a Segurança, que foi antes director da Polícia Judiciária e magistrado, há-de ser de molde a sossegar toda a gente e mais alguma. Se as escutas não forem aprovadas por um juiz ficam para a malta das escutas se divertir na investigação. Não vou querer ser testemunha.

Espera-se, pois, que depois seja promovido um concurso de recrutamento de pessoal para a nova carreira de técnico superior de escutas preventivas e afins. E oxalá não se esqueçam de mencionar que constitui factor qualificado de ponderação uma boa audição, sendo dada preferência a quem não use aparelho, tenha experiência anterior na área e na fiscalização do direito de opinião e da liberdade de expressão, uma vez que será necessário verificar os "likes" que pelos funcionários públicos andam a ser colocados nas redes sociais. Também espero não vir a ser testemunha.

Em todo o caso, nada disto tem a ver, nem é comparável, com aquilo que nos foi dado saber pela pena de Wang Xiangwei quando ainda há dias, no South China Morning Post, relatava a sua experiência em Hainão, demonstrativa, segundo o próprio, da "arbitrary nature of China’s vast surveillance network and how its mandatory health QR code app, known as jiankang ma, can be subject to egregious abuse for political control". Quem diria? É preciso ir de férias para uma ilha no mar do Sul da China para se aperceber do mundo em que vive. E no caso dele até é em Pequim.

Não sei se este último artigo, se escrito por um residente de Macau, virá a cair ao abrigo da nova lei, mas por agora não faltam motivos para que todos, a começar pelo Presidente Marcelo, que deve ter vindo cansadíssimo de Luanda e intrigado com aquilo que o Sebastião Bugalho escreveu e o José Manuel Fernandes repetiu, se sintam tranquilos e motivados para encararem com redobrada confiança os próximos vinte e sete anos do princípio "um país, dois sistemas".

No final desse período já cá não estarei, garanto-vos, pelo que, lamento dizê-lo, não poderei então vir a ser testemunha.

Mas, pelo menos, fiquem os camaradas que vão à Festa com a certeza de que não haverá o risco dos holandeses arriscarem uma nova tentativa de invasão. As escutas preventivas mantê-los-ão ao largo. Eles são comerciantes; não são parvos.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.08.22

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José António Abreu: «A RTP é um luxo demasiado caro para um país falido, mesmo no cenário cor-de-rosa (perdão: cor-de-laranja) de "só" lhe custar 140 milhões de euros por ano. Mas, ainda que os portugueses aceitassem continuar a pagá-los para receber parte daquilo que a RTP hoje lhes fornece (e apenas parte, visto o cenário do "equilíbrio" pressupor apenas um canal), o risco de derrapagens futuras, que, seja qual for o modelo escolhido (de concessão a privados ou de empresa pública), o contribuinte acabaria pagando, é demasiado real. Também por isso se torna crucial diminuir o nível de custos.»

 

Teresa Ribeiro: «Porque permitem os media que ex-governantes ascendam à condição de senadores mal saem da política activa? Que sentido tem este jogo do faz de conta, em que gente que recentemente teve responsabilidades ao mais alto nível reclama sem pudor as reformas estruturais que "há muito deviam ter sido feitas" e jornalistas reverentes os deixam perorar sem ousar uma pergunta que os confronte?»

Deslumbramento (VI)

João André, 29.08.22

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Sinceramente pensei que tivesse acabado com este tema, mas nos últimos meses tornou-se difícil fazê-lo com a quantidade e qualidade de actividade que existe no campo da astronimia, astrofísica e simples exploração espacial. O Webb continua a enviar dados e mais recentemente recebemos as imagens mais detalhadas de sempre de Júpiter. Estas imagens, mais uma vez, não são as que veríamos com um telescópio normal ou se estivéssemos perto de Júpiter. Neste caso o mais espantoso - para mim - foi o facto de as imagens não terem sido produzidas pela NASA ou ESA ou outros cientistas, mas por uma pessoa "normal", sem treino específico em ciência. As imagens do Webb estão geralmente disponíveiis para o público em geral as poder analisar e tratar e foi precisamente isso que Judy Schmidt, uma cientista amadora (minha tradução para "citizen scientist") fez com as imagens de Júpiter. Ela pegou nas múltiplas imagens a comprimentos de onda distintos e que focavam zonas diferentes de Júpiter para criar a imagem de cima em cor falsa.

O espantoso da imagem é que as cores são bastante distintas daquilo que esperaríamos. A Grande Mancha Vermelha de Júpiter, a tal tempestade capaz de engolir a Terra e que continua desde há séculos, aparece não como vermelha mas como branca. Isso é porque nesta imagem, as cores mais claras correspondem a zonas que reflectem muito a luz solar, geralmente regiões de maior altitude na atmosfera de Júpiter (lógico, quanto mais baixa uma região, mais a luz tem que passar por outros gases e mais da luz será absorvida). A Grande Mancha Vermelha é então uma região de elevada altitude na atmosfera e que reflecte muita luz, por isso aparece branca.

Outra coisa que salta à vista é a presença das auroras nos pólos norte e sul do planeta, que neste caso aparecem com a aura vermelha ou alaranjada. Neste caso a altitude é considerável, mas a aurora não reflecte a luz, antes resulta de outro fenómeno, por isso não aparece como branca. É para mim uma imagem fantástica que, não tendo a especificidade das imagens do Hubble de 2014, conferem a Júpiter uma aparência quase espectral e etérea que me fascina.

A imagem acima permite ainda ver formações atmosféricas mais escuras que estarão a uma altitude muito mais baixa do que qualquer outra que tenhamos visto no passado (ou a uma maior profundidade de observação, depende da perspectiva) e tem obviamente uma resolução superior a qualquer outra coisa que vimos no passado. Há no entanto outra imagem fantástica a adicionar, para a qual Judy Schmidt colaborou com Ricardo Hueso, um investigador na Universidade do País Basco (mas ao que parece tudo a título privado). Essa imagem, abaixo, mostra Júpiter a uma maior distância mas de tal forma que é possível ver os seus anéis bem como alguns dos satélites menos conhecidos do planeta.

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Nesta imagem, vemos os anéis (não é só Saturno que os tem) a estenderem-se um pouco para lá do planeta e dois dos satélites, os minúsculos Amalteia e Adrasteia (não, também não os conhecia). O primeiro tem um diâmetro de cerca de 160 km e o segundo de apenas 16 km. São essencialmente rochas grandes que foram capturadas por Júpiter sendo que o segundo, que aparece no limite do anel de Júpiter, é considerado como o maior contribuinte de material para o anel. Adrasteia foi descoberto apenas aquando da passagem da Voyager 2, mas Amalteia foi descoberto ainda no século XIX por telescópios na superfície do nosso planeta, o que demonstra a incrível capacidade de análise de dados dos cientistas espaciais (para comparação, seria o mesmo que observar um grâo de areia a cerca de 7 km de distância).

Também se podem ver outras galáxias à distância na imagem (os pontos mais desfocados) e outras impressões deixadas pelas auroras e por Io, um dos satélites galileanos de Júpiter (assim chamados porque foram descobertos por Galileu, sendo os outros Europa, Ganímedes e Calisto). Falei de Io no último post, mas Ganímedes e Europa são também interessantes, até porque são vistos como tendo um potencial elevado para procurar vida. Ganímedes é também interessante porque é bastante grande, é o nono maior objecto do Sistema Solar, incluindo o Sol (maior que Mercúrio mas com menos massa) e é o único satélite com um campo magnético. Ganímedes, tal como Europa, têm uma superfície gelada com o que se imagina ser um oceano líquido por baixo da espessa camada de gelo à superfície. Como, tal como Io, estão sujeitos às pressões causadas pela gravidade de Júpiter, imagina-se que possam ter um interior magmático e que possa permitir a presença de vida junto a fontes hidrotermais tal como na Terra (também referidas no último post). Esta última imagem pode ser vista com algumas anotações aqui em baixo.

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Por hoje é tudo, mas já não desconto a possibilidade de aqui retornar. Talvez até para falar das missões Artémis, cuja primeira estava prevista para ser lançada hoje mas foi adiada para quarta-feira. A ver vamos se esta série continua. Para já, fica o link para a informação (muito simplificada) sobre a Cartwheel Galaxy, cujas imagens dão um detalhe que (mais uma vez), ainda não tínhamos visto. Mas fica para outra vez.

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 29.08.22

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Livro quatro: História de um Homem Comum, de George Orwell

Edição E-primatur, 2022

239 páginas

 

Este livro veio preencher uma lacuna no nosso mercado editorial: era o único dos seis romances de George Orwell (pseudónimo de Eric Blair, 1903-1950) ainda inexistente com chancela portuguesa. A iniciativa constitui serviço público. Até porque esta História de um Homem Comum (Coming Up From Air, no original) é hoje considerada uma das suas melhores obras.

Toda a ficção do autor de Homenagem à Catalunha é um acto de militância contra sistemas iníquos - seja na corajosa autópsia do colonialismo inglês no Oriente (Dias da Birmânia), seja na denúncia de uma sociedade rendida à tentação do dinheiro (O Vil Metal), seja no implacável libelo contra o comunismo (O Triunfo dos Porcos), seja na aterradora antevisão de um mundo mergulhado na tecnologia que dissolve toda a liberdade individual (1984). Convicto, como ele dizia, que «o totalitarismo, quando não combatido, poderá triunfar onde quer que seja».

Em História de um Homem Comum, escrito em 1938 e publicado em Junho do ano seguinte, Orwell prevê com argúcia a eclosão da guerra e o modo como este conflito à escala planetária mudaria a face do mundo. Mas esta não é uma obra de cariz político no sentido estrito do termo: o grande escritor britânico descreve aqui o percurso biográfico de um inglês banal, de meia-idade, cruzando-o com as quatro primeiras décadas do Reino Unido no século XX. Interessa-lhe mais a sociedade do que a ideologia. Sem se pôr de fora. Pelo contrário, faz questão de atribuir ao protagonista o seu próprio nome literário.

«George Bowling representa, na sua mediania, milhões de pessoas como ele, para quem a família e o emprego são o núcleo à volta do qual tudo gira e no qual tudo se esgota», escreve no prefácio a esta edição - felizmente imune à praga do "acordo ortográfico" - a professora universitária Jacinta Maria Matos, que fez bem ao evitar a tradução literal do título, tornando-o mais apelativo ao leitor português. 

Em tom de assumida nostalgia, esta História de um Homem Comum fala-nos de uma época que ficou para sempre ultrapassada com a dilacerante Grande Guerra de 1914-1918: «É como se um um diabo dentro de nós nos fizesse andar para trás e para diante, sempre ocupados com ninharias. Há tempo para tudo menos para o que interessa.»

Bowling, ecoando as inquietações de Orwell sobre o rumo do "progresso", tinha a certeza de que aquilo que viesse seria a antítese da sua doce infância remediada numa pacata vila inglesa que a voragem do tempo sepultou.

 

Sugestão 4 de 2016:

Páginas de Melancolia e Contentamento, de António Sousa Homem (Bertrand)

Sugestão 4 de 2017:

Os Filipes, de António Borges Coelho (Caminho)

Sugestão 4 de 2018:

Não Respire, de Pedro Rolo Duarte (Manuscrito)

Sugestão 4 de 2019:

Dois Países, um Sistema, de Rui Ramos e outros (D. Quixote)

Sugestão 4 de 2020:

Que Nós Estamos Aqui, de João Tordo (Fundação Francisco Manuel dos Santos)

Sugestão 4 de 2021:

Uma História da ETA, de Diogo Noivo (E-primatur)

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 29.08.22

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Hoje assinala-se O Dia Internacional Contra os Testes Nucleares

"Este dia está inscrito no calendário anual visando alertar a consciência pública para os efeitos nefastos destes testes ou para qualquer explosão ou experiência nuclear.

Têm sido realizados vários esforços, quer a nível internacional quer mesmo por iniciativa da sociedade civil, para pôr fim ao perigo de exposição nuclear e seus trágicos efeitos, tanto na vida e saúde das pessoas como no ambiente.

Este Dia Internacional contra os Testes Nucleares, instituído pela ONU em 2009, destina-se também a promover o progressivo desarmamento nuclear à escala global."

O futuro está na energia nuclear, acessível e sustentável. Com o conhecimento que existe sobre a matéria, os testes nucleares em ilhas e atóis supostamente desertos só servem para testar o efeito mortal da radioactividade sobre as espécies autóctones e agravar as condições climáticas.

 

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29 de Agosto é também O Dia Internacional do Gamer

"Celebrado anualmente desde 2008, o dia 29 de Agosto foi escolhido por um grupo de revistas espanholas para festejar todos aqueles que adoram jogar. Os videojogos são mais populares e diversificados do que nunca, alcançando todas as faixas etárias.

Hoje estão em todo lado e são de fácil acesso, mas há alguns anos as opções eram limitadas: ou se tinha uma consola ou PC em casa, ou fazia-se uma visita às arcadas (que agora estão praticamente extintas em Portugal)."

As arcadas... seriam o Martinho da Arcada? Seguramente merece uma visita, amiúde se possível. A continuidade humana depende da capacidade de adaptação e sobrevivência.  Sentado em frente dum monitor, numa cadeira especial para jogos e com um comando na mão o homo modernus desafia todos os perigos do mundo, derrotando-os ou perecendo, mas nunca desistindo. É assim que se formam muitos homens e mulheres do futuro, vivendo mil realidades, todas impossíveis e irreais.

(Imagens do Google)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.08.22

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Teresa Ribeiro: «Sabendo-se que a privatização de mais um canal vai rebentar com o mercado publicitário, base de sustentação dos media e que essa crise vai ter um efeito dominó, afectando não só as televisões como todos os outros órgãos de informação, por que raio não se fecha pura e simplesmente um dos canais? Se afinal o "sorvedouro" até já pode dar lucro, chamem as coisas pelos nomes e não afirmem que é por razões financeiras que querem descartar o canal público de televisão.»

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