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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 30.04.22

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Neste ano de 2022 celebra-se a 30 de Abril O Dia Mundial do Tai Chi e do Chi Kung

"O Dia Mundial do Tai Chi e Chi Kung (World Tai Chi & Qigong Day – WTCQD) é um evento realizado anualmente no último sábado do mês de Abril para divulgar e promover as práticas de tai chi chuan e de chi kung pelo mundo.

A missão deste esforço multinacional é divulgar publicamente o crescente conjunto de pesquisas na área médica relacionadas com práticas corporais da medicina tradicional chinesa e dar referências que facilitem aos interessados encontrar instrutores de tai chi chuan e de chi kung nos locais onde vivem."

Mens sana in corpore sano.  Conheço quem pratique e diga maravilhas.

 

Comemora-se também a 30 de Abril O Dia Internacional do Jazz.

 

"A data foi criada pela UNESCO e anunciada pelo pianista Herbie Hancock, embaixador da boa vontade desta organização.

Foi em 2012 que se celebrou pela primeira vez o Dia Internacional do Jazz. A comemoração pretende lembrar a importância deste género musical e o seu contributo na promoção de diferentes culturas e povos ao longo da história. O jazz está associado à luta pela liberdade e à abolição da escravatura.

Para promover o Dia Internacional do Jazz decorrem vários concertos promovidos por escolas, grupos e músicos, com o intuito de apresentar à população este género musical. O jazz apela à criatividade e à improvisação."

 

 Não existe jazz (ou blues, já agora) falado. É para ouvir e sentir.

Da Ucrânia à Moldávia

Pedro Correia, 30.04.22

A imprensa internacional de referência é assim: observa com atenção, analisa com detalhe, informa com rigor. A 9 de Março, o El País trazia um artigo intitulado La frágil Moldavia observa com temor la ofensiva en Ucrania.

Os moldavos já então tinham motivos para temer os fuzis russos, como as mais recentes notícias dão nota. Vladimir hoje, como um tal Adolf anteontem, mostra-se sedento de sangue e de território - como se a Rússia não fosse, de longe, o mais extenso país à face da Terra, ocupando mais de um nono do espaço continental do globo. Abocanhar nação após nação, recorrendo sem rodeios à chantagem nuclear, parece ser a estratégia do antigo tenente-coronel do KGB em imitação fajuta de Catarina a Grande.

Enquanto cá em Portugal os seus amiguinhos do PCP, de líxívia na mão e esfregona em riste, tentam tudo para lhe limpar a imagem, mandando o conceito de «soberania nacional» às malvas. A tal ponto que votaram na Assembleia da República contra uma investigação aos crimes de guerra na Ucrânia. 

Mas poder-se-ia esperar outra coisa do partido que em 2017 recusou associar-se no parlamento a um voto de condenação do uso de armas químicas na Síria? Quem se comporta assim é capaz de tudo.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.04.22

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Helena Sacadura Cabral: «"Os filhos são um empréstimo de Deus." Depois da missa de ontem o meu coração serenou. Fiz tudo quanto o Miguel pediu antes de morrer. Acabei como devia, entregando-o nas mãos de quem mo emprestou. Amanhã ele faria 54 anos. Hoje recomecei, mansinho, a trabalhar. Como ele desejaria. Mais uma vez em sua homenagem. Aquela que só uma mãe pode dar. Porque a vida continua e, felizmente, ainda tenho vivos de quem me ocupar.»

 

Rui Rocha: «Sim, já todos sabemos que o futebol é terreno fértil em factos assombrosos. E que desde que um célebre dirigente viu um porco a andar de bicicleta os fenómenos sobrenaturais começaram a suceder-se a uma velocidade vertiginosa. Se dúvidas houvesse, aí teríamos o cabelo de Jorge Jesus a comprová-lo.»

Medina Amigo, Setúbal Está Contigo!!!

jpt, 29.04.22

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Em princípio isto de colocar indivíduos (luso?-)russos a trabalhar na recepção dos refugiados ucranianos não será inadmissível, até por vantagens de proximidade linguística. Mas, claro, terá a ver com o perfil e com as práticas dos contratados. Para além da óbvia insensibilidade institucional - receber refugiadas (e seus dependentes) através de caras e vozes russas será sempre chocante, excepto se houver uma vontade empática por parte dos receptores. Mas seja pela descrição das personalidades políticas dos intervenientes seja pela narrativa das acções tidas face às refugiadas - e é óbvio que estas fragilizadas recé-chegadas não começarão a sua estada em Portugal com "inventonas" - a Câmara de Setúbal decidiu exactamente o contrário. Refractando nesta aleivosia a posição "simpática" - ou, pelo menos, "insensibilizada" - para com a invasão russa que o seu partido tem.

Para que não haja rodeios: há nove dias que o PSD local questionou esta inadmissível situação. Mas só hoje, depois do ribombar da imprensa nacional, é que o presidente da câmara setubalense recua e afasta os nacionalistas russos da função de acolhimento (e, pelos vistos, "recenseamento") dos refugiados ucranianos.

Os vizinhos setubalenses poderão reclamar junto da câmara. E até junto dos seus deputados - será de lembrar que elegeram dois prestigiados políticos pelo seu círculo, na lista do PS. A actual ministra adjunta dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes. E o actual  ministro .... dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho. Poderá ser que, ainda que mergulhados nos seus inúmeros afazeres ministeriais, estes possam ter disponibilidade para exercerem algum influência na verdadeira resolução de tamanho dislate na sede do distrito que os elegeu.

Ou então todos clamarão "Medina Amigo, Setúbal Está Contigo!". E juntos seguirão, cravo na lapela, ombreando com o camarada Jerónimo.

A Animação é para crianças (ou não) - 2

João Campos, 29.04.22

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A Princesa Mononoke
Título original: Mononoke-hime
Realização e argumento: Hayao Miyazaki
Produção: Estúdios Ghibli
Ano: 1997
Duração: 134 minutos
País: Japão

De todos os filmes de animação que já vi, A Princesa Mononoke é sem dúvida o meu favorito.

Um realizador e argumentista com menos experiência e menor sensibilidade cairia inevitavelmente nas armadilhas e nos clichés daquele tipo de história: antagonismo entre o mundo natural e a civilização industrial; herói vindo deste para aquele mundo, acabando por lutar pela sua preservação; os bons selvagens em inferioridade numérica perante os colonizadores industriais, evidentemente vilões; o salvador iluminado (e branco, se fosse um filme produzido no Ocidente). Na verdade não precisamos de imaginar como se poderia cair nos lugares-comuns destas ideias, pois já os vimos em obras como Danças com Lobos, Pocahontas ou Avatar.

Miyazaki, porém, evita todas essas armadilhas com mestria e elegância. Dotado de uma sensibilidade única e de uma capacidade tão invulgar como extraordinária de contar histórias cativantes sem necessitar de heróis bonzinhos, de vilões exagerados (ou sequer de vilões: veja-se Totoro), ou de trincheiras morais bem demarcadas, o mestre japonês tece em A Princesa Mononoke uma narrativa envolvente e ambígua, convidando o espectador a acompanhar aquelas personagens e a reflectir sobre as suas palavras e os seus actos, sem nunca tentar conduzir essa reflexão para determinada posição moral. Como tal, nenhuma dessas personagens é, em momento algum, simples. Por isso Ashitaka, o príncipe exilado após ser forçado a eliminar o Deus Javali enlouquecido, tenta encontrar a paz sem conseguir sempre evitar a violência. Por isso San e Moro, a Deusa Lobo, cometem atrocidades no decorrer da sua guerra pela preservação da floresta do Deus Veado. E por isso Oboshi, enquanto devasta a floresta e as suas criaturas para a prospecção mineira, defende uma população composta por gente rejeitada, que no Japão feudal que serve de cenário distante ao filme seria ostracizada, escravizada, ou assassinada.

O resultado é um filme espantoso pela sua ambiguidade e pela sua recusa intransigente de Miyazaki em reduzir as facções que San e Oboshi representam a boas ou más - são heróicas e desprezáveis, são antagónicas, são falíveis, e serão porventura irreconciliáveis, mas em momento algum são simples. E ganham vida pela pela animação formidável de Miyazaki, crua nas sequências mais violentas (e este será sem dúvida o filme mais violento do realizador), etérea na travessia pela floresta repleta de kodamas, e sempre evocativa ao mostrar tanto seres humanos como divindades naturais. Junta-se a estes ingredientes uma banda sonora excepcional e temos um dos grandes filmes dos anos 90.

E, claro, é mais um excelente exemplo das espantosas personagens femininas de Hayao Miyazaki: San e Oboshi juntam-se à vasta galeria de raparigas e mulheres icónicas do realizador japonês, onde figuram Chihiro, Nausicaä, Kiki ou Sofî.

É possível que A Viagem de Chihiro seja a longa metragem mais completa e mais bem conseguida de Hayao Miyazaki (lá chegarei no decorrer desta série), mas tudo o que disse acima ajuda a explicar por que motivo A Princesa Mononoke será sempre o meu filme preferido do mestre japonês. Já tive por duas vezes a oportunidade de o ver no grande ecrã: a mais recente foi em Março, no decorrer do festival Monstra 2022. E espero poder desfrutar deste privilégio mais vezes: Miyazaki merece sempre ser visto numa boa sala de cinema. Será sem dúvida o maior realizador de animação vivo; e pela sua vasta e excepcional obra será também, e com toda a justiça, um dos grandes cineastas do nosso tempo.

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Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 29.04.22

Celebramos a 29 de Abril O Dia Mundial da Dança.

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"Neste dia, pretende-se promover a dança enquanto manifestação artística, bem como sensibilizar os decisores políticos e a sociedade civil para o seu valor.

Todos os anos é transmitida uma mensagem por ocasião deste dia, por parte de uma figura proeminente do mundo da dança.

Este dia foi criado pelo Comité de Dança do Instituto Internacional do Teatro, em 1982. A data escolhida é o dia de aniversário (29 de Abril de 1727) de Jean-Georges Noverre, o criador do ballet moderno."

 

Dançar. Perguntei-me muitas vezes, principalmente à saída de espectáculos de ballet, porque é que a dança não é uma da das artes principais e é apenas listada como arte alternativa juntamente com outras artes de palco.

Adoro ver dançar. Principalmente porque não sei dançar. Tenho dois pés esquerdos e pouca fluidez de movimentos. Aprendi apenas o básico para não parecer o bombo da festa em qualquer função. 

Vi ballet pela primeira vez no Kirov em Leninegrado, agora St. Petersburgo. Dançaram o Lago dos Cisnes, que ao que parece esteve em cartaz muito tempo. Foi lindo. Tenho repetido as experiência na Gulbenkian,  e é sempre mais bonito por ser também mais cénico.

Quando me reformar, vou convencer o meu marido a aprender danças de salão. Um tango bem dançado, um mambo, uma valsa, um samba... Vai ser uma diversão. 

Geopolítica de balcão - II

Paulo Sousa, 29.04.22

- A Rússia de Putin ou nos manda todos para o galheiro, ou então não tem salvação. 
- Oh Bruno, traz mais duas mines.
- Ou morremos todos, ou aquilo fica entregue aos Kadiroves desta vida. Aquilo é malta que tropeça em ogivas nucleares e há lá uns que até se pintam de as poder vender aos amigos do Allahu Akbar.
- Pois, se calhar é!
- Sabes que um dos problemas destes líderes lunáticos, não é o único, mas é um dos, é a sucessão.
- Queres tremoços?
- A seguir ao gajo, quem é que toma conta daquela capoeira?
- Viste o jogo do Porto?
- É que aquilo são cento e quarenta e tal regiões autónomas e republicas e nunca mais se entendem. Até o Japão já anda a reclamar una calhaus no meio do mar.
- Queres Sagres ou Super Bock?
- Sagres!

Após a batalha todos somos generais

Pedro Correia, 29.04.22

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Nunca os economistas estiveram tanto em voga: quanto maior é a crise, mais rivalizam com os futebolistas enquanto campeões da permanência nos ecrãs televisivos. A esmagadora maioria limita-se a dizer-nos o que todos já sabemos, embora o diga com indisfarçável convicção: que as coisas estão más, que a situação é difícil, que a recuperação será penosa, que os problemas sociais poderão multiplicar-se, que a criação de emprego é um objectivo prioritário mas de concretização problemática. Patati, patatá.

Ouço este corrupio de crânios em desfile na pantalha, noite após noite, e questiono-me por que motivo não terão eles surgido com a sua palavra avisada e esclarecida quando o rumo dos acontecimentos era ainda incerto e a prosperidade parecia prolongar-se em rota ascendente ao contrário do que sucedeu depois.

Há um velho aforismo que me vem à memória em momentos destes: depois da batalha, todos somos generais.

E lembro-me de outro: Deus criou os economistas para que os meteorologistas tivessem credibilidade.

Estamos bem entregues com tantos génios a velar por nós.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.04.22

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Ivone Mendes da Silva: «Reagimos às palavras com preconceito. Eu tenho essa atitude, muitas vezes. Lembro-me de já ter escrito por aí o quanto detesto a palavra comiseração. Li, algures, alguém que dizia ter sentido comiseração pelas manifestações de um amor a que não podia corresponder. É horrível. A comiseração sente-se de cima para baixo, é um ai-coitadinho-tenho-tanta-pena-de-de-ti-mas-não-posso-fazer-nada-estou-aqui-muito-bem.»

 

João Carvalho: «Que um cidadão opine sobre decisões de tribunais é um direito corrente. Que um dirigente da ASJP e juiz faça o mesmo já é mais duvidoso, por se tratar de um magistrado judicial a comentar decisões que lhe são alheias por pertencerem a processos entregues a outros magistrados judiciais. Que um magistrado judicial o faça em nome da ASJP é claramente abusivo.»

 

José Navarro de Andrade: «Afonso Costa era frio com os inimigos, irascível com os chegados, implacável com todos – inamovível. Além disso tinha sempre razão, o que era sobejamente legitimado pelas aclamações que qualquer plano ou pensamento seu sempre concitava entre os apoiantes. Os erros eram doutros e para lá do círculo de fiéis em que se concertou, só via impostores, oportunistas e mal intencionados. O ídolo não tinha pés de barro, durou sete anos de poder e moldou o regime à sua feição e a seu bel-prazer, mas quando foi derrubado ninguém socorreu a apanhar os estilhaços.»

 

Patrícia Reis: «Por razões de sanidade mental, de tempo e mais uma montanha de outros argumentos extremamente válidos, vou ali e voltarei um dia destes. Desejo-vos dias bons e felizes. Eu estou encerrada para balanço.»

 

Vasco Tomás: «O Miguel Portas (trato-o assim por sentir certas afinidades de respiração comum) foi uma alma grande e inteira, feita de um corpo de inquietação pelo mais alto das nossas vidas: a justiça, sobretudo para os mais fracos.»

 

Eu: «Um dia destes, quando parar de chover, lanço aqui uma série sobre capas de livros, a partilhar com os colegas de blogue que queiram juntar-se a ela. Hoje, à laia de prelúdio, deixo as capas das edições portuguesas de Paul Auster (chancela ASA). Cada uma delas é uma pequena obra de arte.»

Os extremos tocam-se

Pedro Correia, 28.04.22

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Os herdeiros de Hitler e Estaline em Berlim, agora agrupados sob as siglas Alternativa Para a Alemanha (extrema-direita) e A Esquerda (extrema-esquerda) uniram-se hoje, no Bundestag, contra a decisão do Governo de enviar armamento pesado para Kiev - medida vital para garantir a legítima defesa da Ucrânia face ao invasor russo.

É enternecedor ver como Vladímir Putin continua a congregar fascistas e comunistas. Os extremos tocam-se.

Felizmente são segmentos minoritários da sociedade alemã, largamente solidária com o martirizado povo ucraniano. A inédita decisão do Executivo tripartido - formado por sociais-democratas, liberais e verdes - mereceu apoio esmagador no Parlamento: 586 votos a favor (incluindo os cristãos-democratas, agora principal força da oposição), 100 contra e sete abstenções.

Tal como naqueles anos de ascensão dos totalitarismos que marcaram quase todo o século XX, a História volta a escrever-se hora a hora à nossa frente. Com posições cada vez mais claras de parte a parte. No futuro lembraremos sempre onde nos situámos, uns e outros, nestes dias. 

Covidices

Maria Dulce Fernandes, 28.04.22

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Comecei há dois dias com uma tosse seca, persistente e irritante, tal e qual aquela que me chega com os pólens e os pós e é a grande mentora das minhas alergias.

Ontem à tarde, o meu marido começou a tossir também. Ele, que não tem alergias, deixou-me de pé atrás. Fiz autoteste e os dois risquinhos não se fizeram esperar. 

Fiquei a olhar para aquela coisa branca como um burro para um palácio, com a minha bazófia da invulnerabilidade nas lonas. 

Passado o choque e depois de informar a família e os colegas com quem estive em contacto, sentei-me, respirei fundo e comecei com os procedimentos indicados, ligando o número da Saúde 24, que estranhamente respondeu de imediato. Depois de todas as perguntas de despiste, resolveu a simpática menina que eu tinha que ser avaliada por um médico, remetendo-me para o Centro de Saúde da minha área de residência durante o dia de hoje.

Eram 7:50h, porque a minha noção de pontualidade é um relógio suíço, estava à porta do dito centro. Munida do SMS da Saúde 24, dirigi-me ao segurança que me pediu o CC e me desterrou para uma cadeira longe de toda a acção, como manda a lei.

Passada cerca de hora e meia, chega uma senhora ao meio do corredor e pergunta alto e bom som, sem se aproximar sequer ao alcance de 2 metros, se eu era a senhora infectada. Anuí. Deu uns passos em frente, estendeu-me um papel e, depois de me informar que os médicos do centro não avaliam utentes infectados, informou que iria ser contactada durante o dia para uma video-consulta. Então e a pieira, a falta de ar e a auscultação? Pois, não pode ser. Se me sentir mal, devo dirigir-me ao hospital mais próximo. 

E eu, que andava tão necessitada de uma boa gargalhada, precisei de ficar infectada com Covid19 para a conseguir.

"O mundo já acabou. Nós é que ainda insistimos"

jpt, 28.04.22

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Hoje uma hora de conversa, via whatsapp video, com um grande, grande, grande amigo de Moçambique - e que saudades daqueles nossos estar-juntos, sempre para mim luminosos. Corremos as nossas vidas, filhas, já netos, envelhecimentos, insucessos, os países de ambos, amigos alguns, até um pouco do mundo, risos trocados de longe na auto-derisão, de alguma desesperança e todo o desencanto feita. De súbito, risonho dorido, conta-me ele o que viu, uma reportagem televisiva em Angola: um mero "fait-divers", a polícia chamada pois um casal fazia sexo em público durante o dia, ali cerca da marginal de Luanda. Acorreu também o tal repórter, o qual se aprestou a entrevistar os circundantes, queixosos uns, mirones outros. Um deles (um "popular", na linguagem da imprensa) ao ser-lhe pedida opinião sobre a ocorrência responde, magnífico: "O mundo já acabou. Nós é que ainda insistimos".

Na clínica

José Meireles Graça, 28.04.22

Conto, não conto? Conto:

As pessoas que estão na terceira idade, hoje, fazem análises periodicamente e no caso de algum desarranjo o clínico geral endossa o problemático para o especialista, o qual prescreve outros exames.

Convém navegar no meio da classe médica com alguma prudência, que o cidadão desprevenido não tem. Fácil é uns exames originarem outros e todos  os males se tratarem com comprimidos. Tanto que hoje nas mesas dos restaurantes onde se senta gente que já teve muito cabelo, ou que ainda o tem mas branco, figura, ao lado do telemóvel, a inevitável caixa das pílulas – para o colesterol, a tensão alta, o ácido úrico, a ureia e mais dezassete não sei quês.

Não pouco conviva enuncia com gosto os seus valores do colesterol bom, e da creatinina, da ferritina, da ureia e outros igualmente obscuros; o PSA, então, é um must. E daqui decorrem as diversas propriedades benfazejas de algumas abominações que as pessoas comem porque fazem bem a qualquer coisa, como a detestável alcachofra, cujo principal função é servir de desculpa para as quantidades pantagruélicas de bacalhau, vitela, orelheira e fígado de que as mesmas pessoas consoladamente se atocham.

Os abusos, desde que não excedam demasiado os limites do apetite para entrar com descaramento nos da gula, têm a minha bênção porque a seguir os ditames médicos toda a gente viveria num imenso hospital com um grande recreio para exercício físico, excepto os próprios facultativos, que bem os vejo a entupirem-se de dobrada, empurrada a copadas de tinto. E seria uma positiva evolução social se toda a gente cessasse de ler estudos que provam, sem margem para dúvidas, que em fazendo isto e aquilo, sobretudo exercício, e comendo ou nada ou verduras dessoradas, se garante a vida eterna ou, vá lá, um depósito numa instituição da terceira idade, para efeito dos abusos do pessoal, prepotência dos donos do estabelecimento e esquecimento das autoridades e dos familiares.

De modo que gente sensata, isto é, que tem bom senso mais do que senso comum, trata os médicos como os consultores que eles julgam que não são, e dá-lhes apropriado desconto. Boa parte do que dizem não é a mesma coisa que, para os mesmos achaques, diriam há 20 anos, ou dirão daqui a outros 20. E, então e agora, quando não sabem resolver um problema atribuem-no a vícios ou desvios de comportamento, os grandes maganões.

Alguma coisa porém fica de cuidados. E foi o caso que a mim me recomendaram uma ressonância a uma determinada víscera que dá mostras de ter tomado o freio nos dentes, e que por isso tem sido objecto de uma vigilância verdadeiramente pidesca.

Vamos lá, então. Marcado o exame, em Braga, numa clínica prestigiada, foi-me dito pela funcionária que deveria pôr um microlax – era naquele quarto-de-banhozinho mesmo ao lado. Examinado o cubículo, não vi nem chuveiro nem bidé, pelo que pedi um que tivesse uma coisa ou outra. Sem entrar em excessivos detalhes, digamos que o papel higiénico tem o grave defeito, a meu ver, de não merecer o adjectivo, que apenas adquiriu por ser herdeiro dos antigos recortes de papel de jornal, em relação aos quais foi efectivamente um progresso, tendo todavia entretanto intervindo outro maior, que foi a água corrente, a utilização liberal do sabonete e a invenção do bidé por algum ignoto empreendedor de génio.

A moça encarou-me surpresa – aparentemente os pacientes são-no também adjectivamente, sujeitando-se a toda a sorte de pequenos deslizes, mesmo em estabelecimentos caros – informando que ia chamar uma técnica, “para me explicar”.

Fui dizendo que não carecia de uma técnica para me explicar como me lavar, e entretanto a especialista chegou, tendo de lhe cortar os detalhes ominosos sobre a forma como funcionava o minúsculo microlax para esclarecer os reais contornos do problema.

Fitaram-me espantadas. E como não vissem maneira de resolver o problema dei-lhes parte, com recomendação de que a fizessem chegar à gerência, da minha opinião segundo a qual só os ingleses, os franceses, os venezuelanos e os porcos é que não usam aquelas louças sanitárias. Após o que saí, furibundo, porta fora.

Há uma história e sempre, comigo, uma moral, a primeira verídica e a segunda discutível. Esta última é, para mim, que o elevador social é uma coisa óptima e que ainda bem que médicos há muitos e boa parte deles tem a educação que os pais não puderam ter. Mas não seria mau se esquecessem alguns hábitos contraídos na juventude, exercitando o raciocínio crítico que lhes permitisse concluir que a higiene íntima não pode consistir apenas na lavagem das mãos.

Para o diabo que carregue a clínica e as meninas – são com certeza da geração mais bem formada de sempre, que tende a diferenciar-se das anteriores sobretudo por ter internet e arranhar inglês. Vou a outro sítio, certificando-me antecipadamente que não vou tropeçar em chiqueiros.

O meu companheiro do passeio da tarde é pessoa melhor de assoar, mas também tinha uma história para a troca: tinha uma consulta (de dermatologia) marcada num hospital privado da terra, lá foi, e puseram-no de seca por três quartos de hora, sem explicações. Foi à recepção, exigiu a devolução do dinheiro da consulta, paga antecipadamente, e deu à sola. Indignado, perguntou: Que achas?

Eu tenho por hábito achar coisas e inventei para a ocasião uma tese, que passo a expor: O SNS é hoje o serviço dos pobres e dos acidentados – quem pode vai ao privado. Daí o sucesso deste: as pessoas não podem esperar meses (ou anos) em assuntos de saúde, querem ser atendidas com a urgência que a medida das suas aflições requer, mesmo que isso implique sacrifícios.

Mas aqui intervém o factor cultural: o pessoal e os dirigentes, quando o seu passadio e a sua sobrevivência profissional estão garantidos, comportam-se como funcionários públicos. A garantia de um bom serviço é a concorrência e o aguilhão da necessidade, ou então uma consciência profissional que não está na nossa tradição. Queres ser atendido a tempo e horas? Só se houver hospitais que corram o risco de falir.

Quando tiver feito o exame, e constatando que está tudo bem, direi coisas boazinhas. Se da visita do banana Guterres a Moscovo tiver resultado algum bem, talvez diga bem do homem.

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